As histórias secretas de Jorge Sampaio
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As histórias secretas de Jorge Sampaio
As histórias secretas de Jorge Sampaio
13 de Novembro, 2012por Luís Osório
Tomámos
o pequeno-almoço na Versailles. Não o via há alguns anos – o tempo
passa e vai-se gastando, no caso de José Pedro Castanheira parece que
fora ontem a última conversa antes desta. Quis saber da sua biografia
de Jorge Sampaio. Uma monumental obra jornalística que nos fez discutir
sobre a oportunidade de outro tipo de abordagens a figuras relevantes.
José Pedro é um purista o que, nos tempos que correm, o torna admirável.
Logo este primeiro volume, onde não estão os 10 anos de Presidência da
República ou a sua passagem pela Câmara de Lisboa, é um livro de
revelações com largas dezenas de testemunhos.
Não se conheciam, é
curioso. Nunca fez cobertura de nenhuma viagem presidencial, nunca
falara com Sampaio mais do que palavras circunstanciais, num momento ou
noutro. Umas conversas a propósito de Macau foram a única excepção – o
jornalista colocara em livro um retrato dos últimos dias sob o ‘domínio’
português. Aí trocaram ideias e talvez José Pedro tenha contado a Jorge
que uma fulminante hepatite o impedira de o conhecer, em 1969. Acabara
de entrar na universidade e estava envolvido na CDE, onde o influente
advogado Jorge Sampaio era figura mais do que destacada. Utilizei a
palavra talvez porque não acredito que o tenha feito, com José Pedro as
palavras são equilibradas e nunca ultrapassa a fronteira de ânimo leve.
Durante as muitas dezenas de conversas entre os dois nunca se trataram
por tu, nunca deixaram de ser formais um com o outro – defende que a
ultrapassagem da barreira altera os paradigmas e influencia o resultado
do trabalho.
Conto-lhe. Que Jorge Sampaio destruiu todos os
processos aos presos políticos que defendeu. Fê-lo depois do 25 de Abril
porque a pressão do Partido Comunista era tão forte para a eles ter
acesso que, numa noite de exasperação, entrou no escritório e queimou
uma caixa inteira de documentos. Preferiu fazê-lo a correr o risco de
contribuir para ajustes de contas que o violentariam para sempre.
Que
em 1962, quando o jovem Sampaio liderava a RIA e assumia protagonismo
na fortíssima contestação a Salazar, durante uns dias sentiu a
necessidade de desaparecer de circulação. Abandonou a sua casa em Sintra
e mudou-se para uma pensão na Rua Braamcamp. Outros elementos da
organização de estudantes experimentaram também a clandestinidade e
entre eles encontra-se Afonso de Barros, filho de Henrique de Barros que
era irmão de Teresa, mulher de Marcello Caetano. Sampaio precisou de
falar com Afonso e teve o palpite que só poderia ter-se escondido num
sítio: em casa do futuro Presidente do Conselho.
Bateu-lhe à
porta e Afonso estava no escritório na companhia de Marcello. O
professor, alarmado com a possibilidade de ser a PIDE, pediu à empregada
para ir à porta informar que ainda ninguém chegara. Assim fez e Jorge
limitou-se a deixar um recado sem lhe passar pela cabeça que, naquele
dia, fora confundido com um polícia político. Quando a empregada
tranquilizou Marcello, o reitor terá desabado: «Eles não ousariam».
Que
conheceu Álvaro Cunhal em Agosto de 1968, numa quinta nos arredores de
Paris. A reunião de opositores ao Estado Novo fora agendada e a maioria
aportou à capital francesa – uns chegaram de Portugal, outros de Itália,
da Argélia ou da Suíça. Foi o comunista Pedro Ramos de Almeida, na
clandestinidade, quem organizou a partida dos que estavam em Portugal.
José Pedro, antes da morte do militante comunista, confrontou-o com o
lugar certo dessa reunião, mas Ramos de Almeida, extraordinariamente,
nada lhe adiantou que não se soubesse: uma pequena quinta nos arredores
de Paris, mais nada teria de ser dito.
Só os socialistas não
participaram na reunião. Salazar, num dos derradeiros actos da sua
gestão, deportara Mário Soares para São Tomé e provocara um cerrar de
fileiras entre os seus amigos e aliados. O ponto de encontro é uma
estação de metro. Todos aparecem no lugar combinado e entram para uma
camioneta, com as cortinas corridas, que os leva ao sítio secreto. Jorge
Sampaio, Lopes Cardoso ou Bénard da Costa nunca fizeram a mais pequena
ideia do caminho feito.
Álvaro Cunhal chegou num ‘Boca de Sapo’.
Entrou em cena quando todos esperavam o momento de começar. Uma espécie
de congresso na clandestinidade marcado pela invasão da Checoslováquia
por tropas soviéticas. Cunhal foi confrontado por Sampaio e por outros;
porém, defendeu-se impressionando-o muito com uma argumentação que,
sendo ortodoxa, era brilhante. O objectivo passava pela preparação para
as eleições de 1969 – teriam ou não uma abordagem em conjunto, qual
seria a estratégia ou o que diriam concertadamente da guerra colonial,
eram alguns dos temas. Só que a invasão ocupou as agendas e pouco se
decidiu de realmente concreto.
Até porque, de regresso a Paris,
Sampaio comprou o Le Monde que, na última página, noticiava que António
de Oliveira Salazar seria operado à cabeça após uma queda que ameaçava
abalar o regime. Percebeu que nada do que tinham dito na reunião fazia
agora sentido porque o salazarismo estava morto. E o saudoso Benárd da
Costa, julgando tratar-se de uma montagem, decidiu ir a um outro
quiosque comprar uma outra edição do Le Monde para ter a certeza de que
não era um artifício da PIDE.
Os pormenores e tudo o resto estão
contados por José Pedro numa biografia, como agora se diz,
incontornável. Uma viagem aos ficheiros secretos de um homem que marcou
parte da história contemporânea portuguesa. Começo esta noite. l
Tags: Ficheiros Secretos, Opinião, Luís Osório
13 de Novembro, 2012por Luís Osório
Tomámos
o pequeno-almoço na Versailles. Não o via há alguns anos – o tempo
passa e vai-se gastando, no caso de José Pedro Castanheira parece que
fora ontem a última conversa antes desta. Quis saber da sua biografia
de Jorge Sampaio. Uma monumental obra jornalística que nos fez discutir
sobre a oportunidade de outro tipo de abordagens a figuras relevantes.
José Pedro é um purista o que, nos tempos que correm, o torna admirável.
Logo este primeiro volume, onde não estão os 10 anos de Presidência da
República ou a sua passagem pela Câmara de Lisboa, é um livro de
revelações com largas dezenas de testemunhos.
Não se conheciam, é
curioso. Nunca fez cobertura de nenhuma viagem presidencial, nunca
falara com Sampaio mais do que palavras circunstanciais, num momento ou
noutro. Umas conversas a propósito de Macau foram a única excepção – o
jornalista colocara em livro um retrato dos últimos dias sob o ‘domínio’
português. Aí trocaram ideias e talvez José Pedro tenha contado a Jorge
que uma fulminante hepatite o impedira de o conhecer, em 1969. Acabara
de entrar na universidade e estava envolvido na CDE, onde o influente
advogado Jorge Sampaio era figura mais do que destacada. Utilizei a
palavra talvez porque não acredito que o tenha feito, com José Pedro as
palavras são equilibradas e nunca ultrapassa a fronteira de ânimo leve.
Durante as muitas dezenas de conversas entre os dois nunca se trataram
por tu, nunca deixaram de ser formais um com o outro – defende que a
ultrapassagem da barreira altera os paradigmas e influencia o resultado
do trabalho.
Conto-lhe. Que Jorge Sampaio destruiu todos os
processos aos presos políticos que defendeu. Fê-lo depois do 25 de Abril
porque a pressão do Partido Comunista era tão forte para a eles ter
acesso que, numa noite de exasperação, entrou no escritório e queimou
uma caixa inteira de documentos. Preferiu fazê-lo a correr o risco de
contribuir para ajustes de contas que o violentariam para sempre.
Que
em 1962, quando o jovem Sampaio liderava a RIA e assumia protagonismo
na fortíssima contestação a Salazar, durante uns dias sentiu a
necessidade de desaparecer de circulação. Abandonou a sua casa em Sintra
e mudou-se para uma pensão na Rua Braamcamp. Outros elementos da
organização de estudantes experimentaram também a clandestinidade e
entre eles encontra-se Afonso de Barros, filho de Henrique de Barros que
era irmão de Teresa, mulher de Marcello Caetano. Sampaio precisou de
falar com Afonso e teve o palpite que só poderia ter-se escondido num
sítio: em casa do futuro Presidente do Conselho.
Bateu-lhe à
porta e Afonso estava no escritório na companhia de Marcello. O
professor, alarmado com a possibilidade de ser a PIDE, pediu à empregada
para ir à porta informar que ainda ninguém chegara. Assim fez e Jorge
limitou-se a deixar um recado sem lhe passar pela cabeça que, naquele
dia, fora confundido com um polícia político. Quando a empregada
tranquilizou Marcello, o reitor terá desabado: «Eles não ousariam».
Que
conheceu Álvaro Cunhal em Agosto de 1968, numa quinta nos arredores de
Paris. A reunião de opositores ao Estado Novo fora agendada e a maioria
aportou à capital francesa – uns chegaram de Portugal, outros de Itália,
da Argélia ou da Suíça. Foi o comunista Pedro Ramos de Almeida, na
clandestinidade, quem organizou a partida dos que estavam em Portugal.
José Pedro, antes da morte do militante comunista, confrontou-o com o
lugar certo dessa reunião, mas Ramos de Almeida, extraordinariamente,
nada lhe adiantou que não se soubesse: uma pequena quinta nos arredores
de Paris, mais nada teria de ser dito.
Só os socialistas não
participaram na reunião. Salazar, num dos derradeiros actos da sua
gestão, deportara Mário Soares para São Tomé e provocara um cerrar de
fileiras entre os seus amigos e aliados. O ponto de encontro é uma
estação de metro. Todos aparecem no lugar combinado e entram para uma
camioneta, com as cortinas corridas, que os leva ao sítio secreto. Jorge
Sampaio, Lopes Cardoso ou Bénard da Costa nunca fizeram a mais pequena
ideia do caminho feito.
Álvaro Cunhal chegou num ‘Boca de Sapo’.
Entrou em cena quando todos esperavam o momento de começar. Uma espécie
de congresso na clandestinidade marcado pela invasão da Checoslováquia
por tropas soviéticas. Cunhal foi confrontado por Sampaio e por outros;
porém, defendeu-se impressionando-o muito com uma argumentação que,
sendo ortodoxa, era brilhante. O objectivo passava pela preparação para
as eleições de 1969 – teriam ou não uma abordagem em conjunto, qual
seria a estratégia ou o que diriam concertadamente da guerra colonial,
eram alguns dos temas. Só que a invasão ocupou as agendas e pouco se
decidiu de realmente concreto.
Até porque, de regresso a Paris,
Sampaio comprou o Le Monde que, na última página, noticiava que António
de Oliveira Salazar seria operado à cabeça após uma queda que ameaçava
abalar o regime. Percebeu que nada do que tinham dito na reunião fazia
agora sentido porque o salazarismo estava morto. E o saudoso Benárd da
Costa, julgando tratar-se de uma montagem, decidiu ir a um outro
quiosque comprar uma outra edição do Le Monde para ter a certeza de que
não era um artifício da PIDE.
Os pormenores e tudo o resto estão
contados por José Pedro numa biografia, como agora se diz,
incontornável. Uma viagem aos ficheiros secretos de um homem que marcou
parte da história contemporânea portuguesa. Começo esta noite. l
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