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As mamas que a revolução esqueceu

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As mamas que a revolução esqueceu Empty As mamas que a revolução esqueceu

Mensagem por Vitor mango Qua Jan 02, 2013 1:41 am

As mamas que a revolução esqueceu


Os meus pensamentos, que raramente
abandonam o confortável círculo que une consciência cívica e luxúria,
estão com a rapariga que, qual pomba de holocausto, tão corajosa e
artisticamente ofereceu o peito desnudado à causa da revolução iminente.
Não me refiro a Maria Archer, a já muito celebrada Marianne lusitana,
imortalizada no mármore possível de uma capa do Correio da Manhã, que na
sua pose de sacrifício sereno, na sua dignidade melancólica, contribuiu
se não para aliviar a carga fiscal pelo menos para saciar a nossa fome
estética. Maria, cândida, disse que quis mostrar “a fragilidade em que
nos encontramos”, embora a fragilidade esteja mais nas palavras e numa
certa alienação do olhar (como se estivesse a tentar vislumbrar um
futuro que não se materializa) do que no peito farto, isento de
cicatrizes neo-realistas. Como modelo de uma revolução, Archer não podia
ser mais burguesa, no nome de comerciante de vinho do Porto, mais
aristocrática, nas linhas sólidas do rosto, e mais classe alta – os
pobres e a classe média não protestam mostrando as mamas porque são eles
o último reduto da moralidade; nenhum beneficiário do RSI nem nenhum
bancário aceitariam que a mulher mostrasse as mamas à nação, nem mesmo
com a atenuante da crise e do elevado propósito do protesto social.
Lembremos a história da menina de boas famílias, posteriormente
deserdade, Caroline de Bendern, a Marianne do Maio de 68. Como neste
episódio do Maio de 68, com as evocações de Delacroix, estes protestos
podem ser vistos como uma grande instalação artística. Aliás, a crise
europeia pode ser entendida como uma grande exposição internacional em
que cada país contribui com as suas obras de arte povera. A
manifestação dos empresários da restauração, com os polissémicos tachos
(“rapar o tacho” ou “arranjar um tacho”), é apenas uma expressão de
instintos artísticos recalcados, uma verdadeira performance,
uma intervenção em espaço público. A gigantesca manifestação do 15 de
setembro, com as impressionantes imagens aéreas da multidão, também se
inclui neste megalómano projecto de arte conceptual que é a crise
europeia. É tudo arte, foi tudo engolido pela “civilização do
espetáculo”, começando na Adriana que abraçou um polícia e virou estrela
das revistas cor-de-rosa e acabando nas belas mamas da Maria, rogai por
nós. Até a directora de uma escola da Quarteira, que se recusou a dar
almoço a uma criança, foi logo caracterizada por alguém (peço desculpa
por não conseguir identificar o autor da comparação) como personagem
dickensiana. Há quem recuse o regresso a um mundo neo-realista, como se o
regresso não fosse à realidade mas à imagem artística dessa mesma
realidade. Assim, permitam-me que os meus pensamentos estejam com a
proprietária das mamas que a revolução – que é uma das vertentes deste
grande espectáculo de LaFéria – esqueceu. Porque a outra rapariga que se
despiu ao lado de Maria Archer foi ignorada pela iconografia
instantânea da revolução, o seu sacrifício foi desaproveitado pelas
narrativas de contestação – o que não aparece não existe, como bem
sabiam os camaradas que retocavam fotografias. Ninguém apagou a rapariga
da história, bastou escolher um ângulo em que ela não aparecesse.
Eis-me aqui, portanto, a devolvê-la à história, não enquanto
revolucionária, mas enquanto mulher. Ao ser preterida pela mais
fotogénica Maria, a outra foi traída na sua feminilidade, que não se
mostrou à altura das necessidades icónicas desta nossa miserável
revolução. Ninguém lhe viu as mamas, ninguém ouviu o seu protesto e,
pior do que isso, ficou em segundo lugar na competição para busto da
República, atirada para o esquecimento pela mais robusta, fecunda e
sugestiva Maria, rogai por nós. É preciso não esquecer que antes da
revolucionária vem a mulher. Bem sei que o que escrevo não faz justiça
suficiente a quem tão valentemente expôs o peito, mas queria que ela
soubesse que o seu acto não foi em vão, que a revolução e a sociedade do
espectáculo podem ser mal-agradecidas mas que haverá sempre alguém para
lembrar os que já foram esquecidos.




p.s.: consta que dois marmanjos também
terão oferecido o deprimente espectáculo das suas pilas murchas às
viseiras da polícia de choque e aos repórteres televisivos. Foram
merecidamente ignorados.


link do postPor Bruno Vieira Amaral, às 11:00 comentar

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