O ‘Ka inacabado de Mangali
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O ‘Ka inacabado de Mangali
O ‘Ka inacabado de Mangali
“Ó avó, manda-me para a escola, vá lá.”
Enquanto
dá colheradas de leite à avó, Mangali diz “Ó avó, por favor pede ao
meu pai que me mande para a escola. Se tu lhe dissesses, avó, tenho a
certeza que ele me mandaria para a escola”.
Deitada
para trás, exausta, sem saber se vai conseguir engolir ou não, a avó
reúne todas as suas forças e engole o leite. Com olhos turvos olha
fixamente para Mangali. Pobre avó, já nem sequer tem força suficiente
para falar. Lágrimas oscilam no canto dos seus olhos, mas não caem.
"Avó! Avó!Avó!!!”
Quando
vê que a Avó não consegue falar, Mangali fica aflita. Se ao menos
conseguisse falar-lhes! Se ao menos a avó pudesse dizer uma palavrinha
ao pai. Algo como 'Filho, Mangali cuida de todas as minhas
necessidades. Ela é apenas uma criança e passa tantos trabalhos por
minha causa! Manda-a para a escola, querido. Seria uma bênção para ti
também.'
Na
mente ainda inocente de Mangali o apelo é sempre visto desta maneira:
'Se a avó dissesse isto, de certeza que aconteceria!' Mas a pobre já
não consegue falar; limita-se a olhar para todos fixamente e em
silêncio.
♣♣♣
em Kathmandu mas a casa de Mangali não é em Kathmandu. Ela nasceu nas
quentes planícies do sul, a que chamam Tarai. É filha de um pobre
Tharu, um homem malvado que costumava bater na mãe dela. Incapaz de
aguentar a pancada, esta fugiu em segredo quando Mangali era ainda bem
pequena, deixando-a para trás, indefesa, na sua infância perdida. Por
vezes, Mangali transportava os bebés das pessoas da casta superior.
Outras vezes esfregava os tachos e as panelas de alguém, ou lavava
copos no salão de chá.
Então, um dia, o pai mandou-a, como criada, para a casa da avó.
"Avó! Avó!! Avó!!!"
A
avó olha fixamente para Mangali. Sem palavras. Mangali fica cada vez
mais inquieta. Se alguma coisa acontecesse à avó, o que faria? Há tanta
gente, carros e estradas em Kathmandu que Mangali desorientar-se-ia se
algo lhe acontecesse! Estremece de medo e o mundo parece-lhe negro,
muito negro…
"Avó! Fala, vá lá! Avozinha!"
Mas a avó ainda assim não fala. Não consegue falar.
Depois
do leite, Mangali dá-lhe bagos de romã. Sempre muito devagar, parando
vezes sem conta, a avó vai comendo. Os seus olhos estão fixos nos olhos
de Mangali. E aqueles olhos avisam 'Tenho uma coisa para dizer'. Mas
nada conseguem dizer.
Na
linguagem da dor, Mangali extravasa o sofrimento dos seus olhos para
os da avó: “Quando o meu pai veio comigo para Kathmandu, disse que tu
poderias mandar-me para a escola. Mas ninguém o fez. Pelo contrário,
as únicas coisas que ouço são ‘Vem aqui, vai acolá, dá banho à avó.
Limpa o chão. Lava os pratos. Faz isto, Mangali, faz aquilo, Mangali.
Não faças isso, Mangali!’ É tão difícil para mim, avó!”
Pondo a boca à beira do ouvido da avó, Mangali dá voz ao seu apelo:
“Diz-lhes
que não abusem de mim! Ontem, quando eu queria ver televisão, eles
ralharam-me. Quando canto, riem-se de mim. O teu filho e a tua nora
ouvem o que tu dizes. O teu neto e a tua neta ligam ao que tu dizes.
Avó, por favor, diz-lhes só uma palavrinha, vá lá!”
Mas
a Avó não diz nada. Ela não consegue falar de todo. Lágrimas brilham
ao canto dos seus olhos turvos que estão literalmente colados nos de
Mangali.
Mangali
massaja as doloridas barrigas da perna da avó. Reagindo ao movimento
suave, esta adormece e começa a ressonar. Os olhos transbordando de
lágrimas, Mangali extravasa toda a dor que vai na sua alma:
"Hoje Pratima deu-me um pontapé. Depois de lhe ter engraxado os sapatos, experimentei-os. E Pratima deu-me um pontapé".
Depois
de ter dito isto, Mangali começou a chorar, as lágrimas a caírem
copiosamente. Agarrando a mão da avó, diz entre soluços:
"Diz-lhes
que não me batam e pede ao teu filho que me mande para a escola. Se tu
lhe dissesses, avó, tenho a certeza que ele me mandaria para a
escola.”
Como
que tentando dizer algo, os lábios da avó moveram-se lentamente. Mas
não se ouviu qualquer fala. Fosse o que fosse que a avó tinha tentado
dizer, o som logo se desvaneceu nos seus lábios.
♣♣♣
mãe e o pai desta casa saem para o trabalho. Os filhos, Pratima e
Puja, saem para a escola. Mangali e a avó ficam todo o dia sozinhas. A
todo o momento, a avó precisa de ir à sanita mas, como está acamada,
não pode. E Mangali lava-a vezes sem conta.
Presa
à cabeceira da avó por uma corda invisível, Mangali está confinada a
uma fortaleza invisível. Não tem oportunidade de partir. E nem sequer
tem hipótese de respirar um pouco de ar livre, porque a Avó geme
frequentemente. Nada muda, seja de manhã, de tarde ou à noite, ontem,
hoje ou amanhã.
Um
dia, quando se preparava para dar água à avó com uma colher, Mangali
disse "Avó, encontrei um caderninho velho e comecei a estudar. Fica
melhor! Depois de estudar, queria tanto ler-te histórias dos livros!”
Mas a avó olhava fixamente para Mangali. Sempre do mesmo modo.
Na
mão de Mangali havia um caderninho velho e uma caneta de aparo gasta,
que ela tinha encontrado, no dia anterior, no cesto dos papéis do
quarto de Pratima. No caderno estava um grande 'Ka' maiúsculo, a
primeira letra do alfabeto. Em todas as páginas do caderninho, Mangali
escreveu 'ka' atrás de 'ka'. Ao olhar para os seus próprios 'ka's em
ziguezague, ela sente-se feliz e orgulhosa. O caderno está coberto de
muitíssimos 'ka's.
"Avó, escrevi todos estes 'ka's. Olha, avó, olha. Consegues ver quantos 'ka's eu escrevi?"
♣♣♣
dia anterior, levando o caderninho na mão, Mangali tinha-se inclinado
sobre a face da avó. As lágrimas tinham caído sobre a cara da avó, e o
coração desta tinha-se enternecido. Lágrimas brilharam também no canto
dos seus olhos.
"Avó, diz ao meu pai que me mande para a escola!"
Mexendo
os lábios com grande esforço, falando com uma respiração fraca e
ofegante, a avó disse, finalmente "Está bem, Mangali, vou dizer-lhe
amanhã".
Mangali estava tão feliz que o seu coração se elevou aos céus como um papagaio de papel!
♣♣♣
A
mente de Mangali batia forte e nervosamente. Levando o caderno na mão,
foi para a beira da avó. Os olhos desta, os olhos aos quais ela tinha
mostrado os seus 'ka's, tinham-‑se fechado para nunca mais se abrirem. A
avó tinha morrido sem ter a oportunidade de dizer ao filho que
mandasse Mangali para a escola.
"Ó, avó, porque partiste sem me mandar para a escola?"
A avó estava hirta, como que a dormir em paz.
Com os olhos a transbordar de lágrimas, Mangali estava de pé ao seu lado.
E ainda guardava na mão o caderninho coberto de 'ka's.
Khagendra Sangraula
Mangali’s unfinished ‘Ka’
Kathmandu, FinePrint, 2002
(Tradução e adaptação)
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Só discuto o que nao sei ...O ke sei ensino ...POIZ
Vitor mango- Pontos : 118212
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