A direita amiga dos inimigos
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A direita amiga dos inimigos
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Há alguns anos, envolvido numa linha de investigação que se veio a revelar inconclusiva, pois dela não surgiu qualquer trabalho escrito, procedi na Biblioteca Nacional e na Hemeroteca a levantamento tão exaustivo quanto possível de jornais, revistas e panfletos de acentuadas cores anti-liberais, editados entre 1890 e 1930. Pretendia submeter o trabalho a editora que se pudesse interessar pela génese, raízes e desenvolvimento da Direita-Extrema portuguesa, cruzando-a com similares movimentos e correntes de opinião que pela Europa operaram a transição do nacionalismo liberal para o nacionalismo autoritário. Pretendia, também, compreender em que medida as correntes ditas tradicionalistas - monárquicas e confessionais - se haviam munido de novo arsenal organicista retirado do Positivismo para, assim aggionatas, fundamentarem o requisitório contra o mundo moderno do atomismo individualista, da representação inorgânica e da soberania popular. Cedo, porém, alterei o crivo da análise, esmagado pela indignação. Verifiquei, para meu espanto, que os maiores inimigos da Monarquia entre 1890 e 1910 haviam sido, na ferocidade da difamação, não os republicanos, mas os ditos monárquicos legitimistas que, se bem carregados de moralismo e "bons valores" não poupavam a adjectivação mais reles para lançar sobre a Coroa e seu titular sórdidas atoardas. Foi essa gente, mais tarde, já implantada a república, que da mesma forma procedeu contra o rei D. Manuel no exílio. Foi essa gente, anos volvidos, que deu largas à mais cavernícola selvajaria escrevinhadora contra os grandes arautos do modernismo português, não os poupando aos predicados mais soezes. E quem eram esses "judeus", "comunistas" e "depravados" na sábia opinião de jornalistas semi-analfabetos dos quais a história já não reza ? Ora, eram uns judeuzinhos, uns comunistazecos e uns sibaritas insignificantes chamados Almada Negreiros, Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro e António Ferro. Sei que essa dita direita portuguesa dos valores foi sempre assim: do bota-abaixo, da ausência de biblioteca e da mais intransigente incapacidade de pensar. Foi essa "direita do contra-tudo" que quis demolir a Igreja Nossa Senhora de Fátima, por a considerar um "templo-celeiro comunista"; essa direita que nunca abriu mão da estética pequeno-burguesa figurativa do mais estreito realismo e que considerou, sem jamais a ouvir e compreender, a música moderna como encarnação do diabo. Foi essa direita das torres da virtude que intoxicou a ideia de Nação Portuguesa com a degradante ganga importada das revistas francesas. No furor anti-moderno, transformou-se em eco português de circunstâncias que não eram as nossas, impedindo que uma direita capaz de se integrar nas confluências da contemporaneidade se pudesse desenvolver e madurar. Foi porque tal gente exerceu por tanto tempo magistério que, chegado o 25 de Abril, ninguém se atreveu reclamar valores que eram, são e serão - enquanto esta Nação existir - valores da Nação Portuguesa. Pequena, reduzida no arsenal de ideias, sem nada a acrescentar ao que foi dizendo, repetindo e teimando, não encontra interlocutor na realidade que a cerca, preferindo os jogos redondos das leituras gastas, do salvacionismo e dos amanhãs cantantes que, obviamente para ela, nunca chegarão. É curiosa a coincidência gritante entre essa Direita e o PC. No fundo, datados, só partilham uma preocupação: impedir que o calendário se mexa !
Recebi há dias, de mão amiga, um exemplar da biografia intelectual de António Sardinha, da autoria de Ana Isabel Sardinha Desvignes. Li-a com atenção e dei comigo a encontrar similitudes gritantes com o meu Homem Cristo Filho: do Anarquismo ao Fascismo. De facto, essa geração, que teve nas mãos a oportunidade única de fazer uma Direita Portuguesa autónoma, esclarecida, com obra e direito à opinião, estiolou-se, petrificou e foi-se transformando numa verdadeira prenda à esquerda. Hoje, passados oitenta anos sobre a morte de Homem Cristo Filho e Sardinha - dois espíritos irrequietos e agressivos, sem dúvida, mas plenos de ousadia - vejo que deles nada ficou para além das sombras e defeitos de carácter que os dois, talvez pela juventude, tão manifestamente exibiam no furor da esgrima. Ficou, nessa Direita, simplesmente, o dizer não a tudo e ser contra tudo. Que tristeza.
Publicada por Combustões à(s) 7.2.14 Sem comentários: _________________
Só discuto o que nao sei ...O ke sei ensino ...POIZ
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