A Europa, um estrondo procedente do passado
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A Europa, um estrondo procedente do passado
A Europa, um estrondo procedente do passado
A Ucrânia e o Oriente Médio ameaçam a estabilidade do continente inteiro
Joschka Fischer 14 AGO 2014 - 19:00 BRT
Se há um episódio histórico que ainda faz a maioria dos europeus estremecerem, mesmo um século depois, é o estouro da Primeira Guerra Mundial, a catástrofe europeia de consequências transcendentais que começou nos últimos dias de julho de 1914. Na realidade, exatamente 100 anos depois, após duas guerras mundiais e uma Guerra Fria, o estremecimento está mais acentuado do que nunca.
Tendo em vista a sangrenta história da Europa, os Estados que criaram a União Europeia atual optaram pela não-violência, a inviolabilidade das fronteiras, a democracia e o Estado de direito. Optaram pela cooperação, incluindo a integração, em lugar da confrontação militar, e o desenvolvimento econômico em lugar da política de poder; mas essa “Europa da UE” se vê lançada para trás no tempo e desafiada, uma vez mais, pelo retorno da política de poder em suas fronteiras e em sua vizinhança imediata.
No leste, o Kremlin do presidente Vladimir Putin quer mudar as fronteiras nacionais pela força e conseguir assim o ressurgimento da Rússia como potência imperial mundial. Entretanto, o caos e a violência –mais marcados na Síria, Iraque e Gaza do que em qualquer outra parte– ameaçam invadir todo o Oriente Médio e põem em suspensão a integridade territorial de Estados que em grande medida são consequência do acordo de paz depois da I Guerra Mundial.
Para a Europa pacífica e pós-moderna será difícil enfrentar as ameaças que resultam do restabelecimento da política de poder. A UE mais do que duplicou de tamanho desde 1989, quando o comunismo desmoronou na Europa Central e do Leste; mas a Europa da UE não alcançou sua forma final, politicamente integrada. Mais importante é que não foi concebida para enfrentar as ameaças da política de poder: os velhos Estados-nação da Europa são pequenos e fracos demais, e a política externa e a segurança comum continuam sem desenvolver-se suficientemente.
A vizinhança está cada vez mais insegura e exige reações que nenhum Estado pode adotar sozinho
E, no entanto, muitos europeus acreditam que a UE e o Ocidente não devem, simplesmente, dar carta branca ao comportamento canalha de Putin. No leste da Ucrânia está em jogo algo muito importante: a paz e a ordem de todo o continente. Os passageiros, na maioria europeus, do voo 17 da Malaysia Airlines derrubado sobre o território controlado pelos rebeldes, pagaram com a vida pela demora das autoridades em compreender isso.
O momento em que se produzem os acontecimentos históricos importantes não é o fruto de uma opção. Assim, portanto, a questão fundamental depois do ocorrido sempre se refere à rapidez com que se determinem corretamente suas consequências. Os dirigentes da Europa demoraram muitíssimo para compreender que toda a confiança que haviam posto em Putin e a tolerância que tinham demonstrado para com sua política de violência e intimidação só tinham servido para que a crise da Ucrânia se ampliasse e se intensificasse. De fato, somente depois que 300 civis morreram a bordo do MH-17 a UE se decidiu a impor sanções econômicas que terão efeitos apreciáveis na economia russa.
Desde o ponto de vista da política exterior e de segurança comum europeia, não se deve subestimar a importância de tais sanções comuns da UE, aprovadas há algumas semanas. Ao primeiro passo dado pela UE (as sanções efetivas), o segundo deve vir o mais breve possível: uma “união energética” que permita à Europa acabar com sua dependência dos abastecimentos de energia russos.
Não há uma solução à vista para as atribulações do Iraque, Síria ou Gaza e os conflitos podem crescer ainda mais
Em relação ao Oriente Médio, os problemas que se apresentarão à capacidade da Europa para atuar coletivamente serão ainda mais difíceis de superar, o que reflete a presença dentro da UE de fortes grupos pró-israelenses e pró-palestinos, que costumam se neutralizar; além disso, os conflitos atualmente em curso no Oriente Médio são muito mais complexos do que o da Ucrânia oriental.
É provável que os países atualmente mais afetados pela agitação nessa região —Síria, Líbano, Israel/Palestina, Egito e Líbia— se somem em breve à Jordânia, Iêmen e aos Estados do Golfo. Além disso, a crise é agravada ainda mais por fatores como o programa nuclear iraniano e a competição —intensificada pelo conflito sectário— entre o Irã xiita e a Arábia Saudita sunita pela supremacia regional. Não há uma solução (ou soluções) à vista para as tribulações do Oriente Médio.
Atualmente, só é possível prever com grande confiança um resultado: uma maior intensificação do conflito, que ameaçará consumir toda a região com o caos, o que propiciará uma maior violência e um maior risco de contágio. Por exemplo, existe um perigo real de que se exportem alguns aspectos do conflito do Oriente Médio à vizinha Europa. Goste ou não, a UE terá que enfrentar esses conflitos, porque é provável que as decisões sobre sua segurança interior e exterior sejam tomadas no Oriente Médio tanto quanto em Bruxelas e nas capitais nacionais.
A vizinhança da Europa está cada vez mais insegura e essa revolução requer reações estratégicas que nenhum Estado europeu pode adotar sozinho. Assim, a ordem do dia é um maior aprofundamento da integração da UE e uma revitalização do diálogo sobre a política exterior e de segurança comuns.
Infelizmente, um século depois de a política de poder moderna ter desencadeado uma guerra que matou mais de 10 milhões de seus antepassados, muitos europeus da UE continuam relutantes em preparar-se para a tempestade que se aproxima. Temos que abrigar a esperança de que esta situação mude o mais cedo possível: preparar-se é sempre melhor do que estremecer.
Joschka Fischer foi ministro das Relações Exteriores e vice-chanceler da Alemanha de 1998 a 2005 e dirigente do Partido Verde alemão durante quase 20 anos.
© Project Syndicate / Instituto de Ciências Humanas, 2014.
A Ucrânia e o Oriente Médio ameaçam a estabilidade do continente inteiro
Joschka Fischer 14 AGO 2014 - 19:00 BRT
Se há um episódio histórico que ainda faz a maioria dos europeus estremecerem, mesmo um século depois, é o estouro da Primeira Guerra Mundial, a catástrofe europeia de consequências transcendentais que começou nos últimos dias de julho de 1914. Na realidade, exatamente 100 anos depois, após duas guerras mundiais e uma Guerra Fria, o estremecimento está mais acentuado do que nunca.
Tendo em vista a sangrenta história da Europa, os Estados que criaram a União Europeia atual optaram pela não-violência, a inviolabilidade das fronteiras, a democracia e o Estado de direito. Optaram pela cooperação, incluindo a integração, em lugar da confrontação militar, e o desenvolvimento econômico em lugar da política de poder; mas essa “Europa da UE” se vê lançada para trás no tempo e desafiada, uma vez mais, pelo retorno da política de poder em suas fronteiras e em sua vizinhança imediata.
No leste, o Kremlin do presidente Vladimir Putin quer mudar as fronteiras nacionais pela força e conseguir assim o ressurgimento da Rússia como potência imperial mundial. Entretanto, o caos e a violência –mais marcados na Síria, Iraque e Gaza do que em qualquer outra parte– ameaçam invadir todo o Oriente Médio e põem em suspensão a integridade territorial de Estados que em grande medida são consequência do acordo de paz depois da I Guerra Mundial.
Para a Europa pacífica e pós-moderna será difícil enfrentar as ameaças que resultam do restabelecimento da política de poder. A UE mais do que duplicou de tamanho desde 1989, quando o comunismo desmoronou na Europa Central e do Leste; mas a Europa da UE não alcançou sua forma final, politicamente integrada. Mais importante é que não foi concebida para enfrentar as ameaças da política de poder: os velhos Estados-nação da Europa são pequenos e fracos demais, e a política externa e a segurança comum continuam sem desenvolver-se suficientemente.
A vizinhança está cada vez mais insegura e exige reações que nenhum Estado pode adotar sozinho
E, no entanto, muitos europeus acreditam que a UE e o Ocidente não devem, simplesmente, dar carta branca ao comportamento canalha de Putin. No leste da Ucrânia está em jogo algo muito importante: a paz e a ordem de todo o continente. Os passageiros, na maioria europeus, do voo 17 da Malaysia Airlines derrubado sobre o território controlado pelos rebeldes, pagaram com a vida pela demora das autoridades em compreender isso.
O momento em que se produzem os acontecimentos históricos importantes não é o fruto de uma opção. Assim, portanto, a questão fundamental depois do ocorrido sempre se refere à rapidez com que se determinem corretamente suas consequências. Os dirigentes da Europa demoraram muitíssimo para compreender que toda a confiança que haviam posto em Putin e a tolerância que tinham demonstrado para com sua política de violência e intimidação só tinham servido para que a crise da Ucrânia se ampliasse e se intensificasse. De fato, somente depois que 300 civis morreram a bordo do MH-17 a UE se decidiu a impor sanções econômicas que terão efeitos apreciáveis na economia russa.
Desde o ponto de vista da política exterior e de segurança comum europeia, não se deve subestimar a importância de tais sanções comuns da UE, aprovadas há algumas semanas. Ao primeiro passo dado pela UE (as sanções efetivas), o segundo deve vir o mais breve possível: uma “união energética” que permita à Europa acabar com sua dependência dos abastecimentos de energia russos.
Não há uma solução à vista para as atribulações do Iraque, Síria ou Gaza e os conflitos podem crescer ainda mais
Em relação ao Oriente Médio, os problemas que se apresentarão à capacidade da Europa para atuar coletivamente serão ainda mais difíceis de superar, o que reflete a presença dentro da UE de fortes grupos pró-israelenses e pró-palestinos, que costumam se neutralizar; além disso, os conflitos atualmente em curso no Oriente Médio são muito mais complexos do que o da Ucrânia oriental.
É provável que os países atualmente mais afetados pela agitação nessa região —Síria, Líbano, Israel/Palestina, Egito e Líbia— se somem em breve à Jordânia, Iêmen e aos Estados do Golfo. Além disso, a crise é agravada ainda mais por fatores como o programa nuclear iraniano e a competição —intensificada pelo conflito sectário— entre o Irã xiita e a Arábia Saudita sunita pela supremacia regional. Não há uma solução (ou soluções) à vista para as tribulações do Oriente Médio.
Atualmente, só é possível prever com grande confiança um resultado: uma maior intensificação do conflito, que ameaçará consumir toda a região com o caos, o que propiciará uma maior violência e um maior risco de contágio. Por exemplo, existe um perigo real de que se exportem alguns aspectos do conflito do Oriente Médio à vizinha Europa. Goste ou não, a UE terá que enfrentar esses conflitos, porque é provável que as decisões sobre sua segurança interior e exterior sejam tomadas no Oriente Médio tanto quanto em Bruxelas e nas capitais nacionais.
A vizinhança da Europa está cada vez mais insegura e essa revolução requer reações estratégicas que nenhum Estado europeu pode adotar sozinho. Assim, a ordem do dia é um maior aprofundamento da integração da UE e uma revitalização do diálogo sobre a política exterior e de segurança comuns.
Infelizmente, um século depois de a política de poder moderna ter desencadeado uma guerra que matou mais de 10 milhões de seus antepassados, muitos europeus da UE continuam relutantes em preparar-se para a tempestade que se aproxima. Temos que abrigar a esperança de que esta situação mude o mais cedo possível: preparar-se é sempre melhor do que estremecer.
Joschka Fischer foi ministro das Relações Exteriores e vice-chanceler da Alemanha de 1998 a 2005 e dirigente do Partido Verde alemão durante quase 20 anos.
© Project Syndicate / Instituto de Ciências Humanas, 2014.
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Só discuto o que nao sei ...O ke sei ensino ...POIZ
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