O PARADOXO CURDO DA GUERRA CONTRA O ISIS
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O PARADOXO CURDO DA GUERRA CONTRA O ISIS
Carlos Fino
O PARADOXO CURDO DA GUERRA CONTRA O ISIS
Há já um mês que o mundo assiste, meio distraído, à batalha de Kobani, cidade crucial para o controlo de uma vasta área ao longo da fronteira da Síria com a Turquia.
De um lado, os radicais islâmicos do ISIS, na tentativa de alargar e consolidar território, do outro, as forças do PYD – o partido revolucionário curdo, que desde 2011, aproveitando o enfraquecimento do regime sírio, lidera a região autónoma de Rojava.
Os bombardeios aéreos realizados pela coligação liderada pelos EUA têm conseguido enfraquecer, mas não conter as forças do ISIS.
Demasiado velhos para fazer o caminho ou muito pobres para poder encarar um recomeço de vida, muitos habitantes – curdos, mas também árabes, assírios e cristãos arménios - ainda estão na cidade, arriscando um massacre se o ISIS acabar por vencer.
Colocadas do outro lado da fronteira, as tropas turcas assistem sem intervir, limitando-se a manter um corredor aberto para a saída de refugiados.
A inação das tropas turcas suscitou a indignação generalizada dos curdos, que realizaram importantes manifestações em cidades europeias e sobretudo na Turquia, sendo já consideradas por alguns observadores como um novo grande movimento pela autonomia daquela que é, com seus 30 milhões distribuídos por quatro países da região – Turquia, Síria, Iraque e Irão - a maior nação sem Estado da atualidade.
Uma realidade que parece, entretanto, estar a mudar. Os curdos do norte do Iraque anunciaram que irão realizar um referendo pela independência e os do norte da Síria já vivem na realidade de forma autónoma desde finais de 2011, quando conseguiram afastar as tropas do regime. Consolidadas, essas duas realidades poderiam conjugar esforços e constituir um pólo pela independência que rapidamente poderia alastrar também à Turquia.
Os esforços de décadas de Ankara para conter a independência curda ver-se-iam assim subitamente frustrados.
Daí a inação dos militares turcos e até, segundo algumas fontes, a ajuda que na realidade estariam prestando ao ISIS, na esperança de que os radicais islâmicos possam derrubar o regime de Assad.
Vivemos assim um paradoxo: os países ocidentais declaram (contra o parecer dos próprios chefes militares) não querer colocar tropas no terreno para combater o ISIS, preferindo que os atores locais o façam; mas, contra toda a sua própria retórica, acabam por não apoiar até ao fim aqueles que mais estão dispostos a enfrentar o inimigo comum – os curdos, cujo espectro da independência parece atemorizar muita gente.
Por mais estranho que pareça, para Ankara – mas também para Damasco, Bagdad e Teerão – quase parece preferível uma vitória do ISIS do que ver concretizado um Curdistão independente.
Num Médio Oriente profundamente agitado desde a invasão do Iraque pelos norte-americanos em 2003, o argumento da manutenção do status quo não mais faz sentido.
Um Curdistão independente poderia até vir a ser um fator de estabilidade numa região dela profundamente necessitada. Com a vantagem de corresponder a uma realidade social e política própria e não ditada apenas pelos interesses das potências ocidentais que presidiram à divisão do espólio do império otomano.
Carlos Fino, Brasília, 12 de Outubro de 2014
O PARADOXO CURDO DA GUERRA CONTRA O ISIS
Há já um mês que o mundo assiste, meio distraído, à batalha de Kobani, cidade crucial para o controlo de uma vasta área ao longo da fronteira da Síria com a Turquia.
De um lado, os radicais islâmicos do ISIS, na tentativa de alargar e consolidar território, do outro, as forças do PYD – o partido revolucionário curdo, que desde 2011, aproveitando o enfraquecimento do regime sírio, lidera a região autónoma de Rojava.
Os bombardeios aéreos realizados pela coligação liderada pelos EUA têm conseguido enfraquecer, mas não conter as forças do ISIS.
Demasiado velhos para fazer o caminho ou muito pobres para poder encarar um recomeço de vida, muitos habitantes – curdos, mas também árabes, assírios e cristãos arménios - ainda estão na cidade, arriscando um massacre se o ISIS acabar por vencer.
Colocadas do outro lado da fronteira, as tropas turcas assistem sem intervir, limitando-se a manter um corredor aberto para a saída de refugiados.
A inação das tropas turcas suscitou a indignação generalizada dos curdos, que realizaram importantes manifestações em cidades europeias e sobretudo na Turquia, sendo já consideradas por alguns observadores como um novo grande movimento pela autonomia daquela que é, com seus 30 milhões distribuídos por quatro países da região – Turquia, Síria, Iraque e Irão - a maior nação sem Estado da atualidade.
Uma realidade que parece, entretanto, estar a mudar. Os curdos do norte do Iraque anunciaram que irão realizar um referendo pela independência e os do norte da Síria já vivem na realidade de forma autónoma desde finais de 2011, quando conseguiram afastar as tropas do regime. Consolidadas, essas duas realidades poderiam conjugar esforços e constituir um pólo pela independência que rapidamente poderia alastrar também à Turquia.
Os esforços de décadas de Ankara para conter a independência curda ver-se-iam assim subitamente frustrados.
Daí a inação dos militares turcos e até, segundo algumas fontes, a ajuda que na realidade estariam prestando ao ISIS, na esperança de que os radicais islâmicos possam derrubar o regime de Assad.
Vivemos assim um paradoxo: os países ocidentais declaram (contra o parecer dos próprios chefes militares) não querer colocar tropas no terreno para combater o ISIS, preferindo que os atores locais o façam; mas, contra toda a sua própria retórica, acabam por não apoiar até ao fim aqueles que mais estão dispostos a enfrentar o inimigo comum – os curdos, cujo espectro da independência parece atemorizar muita gente.
Por mais estranho que pareça, para Ankara – mas também para Damasco, Bagdad e Teerão – quase parece preferível uma vitória do ISIS do que ver concretizado um Curdistão independente.
Num Médio Oriente profundamente agitado desde a invasão do Iraque pelos norte-americanos em 2003, o argumento da manutenção do status quo não mais faz sentido.
Um Curdistão independente poderia até vir a ser um fator de estabilidade numa região dela profundamente necessitada. Com a vantagem de corresponder a uma realidade social e política própria e não ditada apenas pelos interesses das potências ocidentais que presidiram à divisão do espólio do império otomano.
Carlos Fino, Brasília, 12 de Outubro de 2014
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