Em Israel, contexto político de assassinato de Rabin é abafado em nome da 'tolerância'
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Em Israel, contexto político de assassinato de Rabin é abafado em nome da 'tolerância'
Em Israel, contexto político de assassinato de Rabin é abafado em nome da 'tolerância'
Guila Flint | Tel Aviv - 10/11/2014 - 16h08
Antes de ser morto por ultranacionalista em 1995, premiê firmou acordo histórico com palestinos e foi alvo de discurso do ódio da direita que hoje detém poder
O assassinato do então primeiro-ministro de Israel Yitzhak Rabin (1922-1995) por um israelense da extrema direita religiosa e nacionalista é marcado no país, 19 anos após o episódio, com um "abraço" entre simpatizantes e rivais do caminho político escolhido pela vítima.
WikiCommons
Foto histórica de 1993 do momento em que o premiê israelense, Rabin, e o líder palestino Yasser Arafat assinam Acordos de Oslo com Clinton
No último sábado (8/11), na Praça Rabin em Tel Aviv, houve um comício intitulado "Lembrando Rabin – Lutando pela Democracia", organizado por movimentos de juventude e com a presença do atual presidente de Israel, Reuven Rivlin, que foi o orador principal. No evento, com a participação de 40 mil pessoas, não se falou de paz nem do conflito com os palestinos.
A razão pela qual o assassino Igal Amir resolveu matar Rabin tampouco foi mencionada. Falou-se apenas de união e tolerância entre os judeus israelenses, que divergem sobre o rumo que o país deve tomar acerca da questão principal que divide a sociedade: a ocupação dos territorios palestinos.
O assassinato, que mudou o rumo do Oriente Medio, foi esvaziado de seu conteúdo politico.
Reprodução
Em hebraico, cartaz do comício realizado no sábado (08/11) em homenagem aos 19 anos da morte do premiê Yitzhak Rabin
Abafar as divergências
Os tiros contra Rabin, no dia 4 de novembro de 1995, na mesma praça, foram disparados em meio a um clima de incitamento do ódio contra os defensores dos acordos de paz que o premiê havia assinado com o lider palestino Yasser Arafat. A direita israelense, responsável pela campanha contra Rabin, encontra-se hoje no poder.
Os líderes espirituais da extrema direita, rabinos da linha nacionalista religiosa que na época declararam que Rabin "merecia" a morte por estar "entregando" terras aos palestinos, não foram punidos até hoje.
Em meio à indignação geral, logo após o assassinato, iniciou-se um processo de abafamento das divergências para "evitar uma cisão do povo". Este processo parece ter sido bem sucedido, já que, 19 anos após o assassinato, apenas 12 mil pessoas estiveram presentes em um outro comício em memória de Rabin, realizado no dia 1 de novembro. Neste, sim, falou-se da paz com os palestinos.
Educação
O assassinato também foi lembrado nas escolas israelenses. No entanto, as orientações dadas aos professores pelo Ministério da Educação também o esvaziaram de seu conteúdo politico.
Uma diretora de escola disse ao jornal Haaretz que os materiais enviados pelo governo "fazem parecer que Rabin [na foto à direita] era um homem simpático e que, de repente, foi assassinado, sem que se saiba a razão". Vários professores se queixaram ao jornal de que os materiais pedagógicos distribuidos às escolas não incluem informações fundamentais sobre o contexto do atentado, os fatos que o antecederam e o próprio autor dos disparos.
"O assassinato de Yitzhak Rabin tem um papel importante na formação da identidade israelense, pois serve de advertência para todos nós, demonstra o que pode acontecer se deixarmos que divergências ameacem o tecido social comum", diz a introdução ao material pedagógico distribuido aos professores.
Assassinato "bem sucedido"
O jurista Mordechai Kremnitzer afirma que, passados quase 20 anos do ataque, o assassino de Rabin alcançou seus objetivos.
"Não só Rabin foi assassinado, mas as bandeiras que levantou estão sendo pisoteadas. A escolha da paz em vez da guerra, o compromisso verdadeiro com a segurança do Estado e com a paz com nossos vizinhos. É um assassinato político que gerou mudanças dramáticas na realidade. É difícil imaginar um assassinato politico mais bem sucedido do que esse", afirma Kremnitzer em artigo no mesmo Haaretz.
Para a deputada Zahava Galon, do partido esquerdista Meretz, a despolitização do assassinato isenta de responsabilidade os políticos e rabinos "que incitaram e desejaram enfrentar a divergência política por intermédio do revólver". "O premiê Yitzhak Rabin foi assassinado por seu caminho político, porque assinou o acordo de Oslo e trabalhou pela paz com os palestinos, porque queria dividir o território e também porque assinou um acordo de coligação com os partidos árabes no parlamento", afirmou a deputada.
"Não esqueceremos o incitamento, a deslegitimação do primeiro-ministro e de seu caminho, a manifestação violenta de líderes políticos, entre eles o atual premiê, Benjamin Netanyahu, na varanda da Praça Zion e os decretos dos rabinos que legitimaram o assassinato", prometeu Galon.
No dia 5 de outubro de 1995, exatamente um mês antes do assassinato de Rabin, houve uma grande manifestação da direita, na praça Zion, em Jerusalém, exigindo a derrubada do governo Rabin e o cancelamento dos Acordos de Oslo.
Entre os cartazes levantados na manifestação havia imagens de Rabin vestido com o uniforme da SS nazista.
Na sacada de um dos prédios próximos da praça estavam os principais oradores do comício: Benjamin Netanyahu e Ariel Sharon.
(*) Guila Flint cobre o Oriente Medio para a imprensa brasileira há 20 anos e é autora do livro 'Miragem de Paz', da editora Civilização Brasileira.
Guila Flint | Tel Aviv - 10/11/2014 - 16h08
Antes de ser morto por ultranacionalista em 1995, premiê firmou acordo histórico com palestinos e foi alvo de discurso do ódio da direita que hoje detém poder
O assassinato do então primeiro-ministro de Israel Yitzhak Rabin (1922-1995) por um israelense da extrema direita religiosa e nacionalista é marcado no país, 19 anos após o episódio, com um "abraço" entre simpatizantes e rivais do caminho político escolhido pela vítima.
WikiCommons
Foto histórica de 1993 do momento em que o premiê israelense, Rabin, e o líder palestino Yasser Arafat assinam Acordos de Oslo com Clinton
No último sábado (8/11), na Praça Rabin em Tel Aviv, houve um comício intitulado "Lembrando Rabin – Lutando pela Democracia", organizado por movimentos de juventude e com a presença do atual presidente de Israel, Reuven Rivlin, que foi o orador principal. No evento, com a participação de 40 mil pessoas, não se falou de paz nem do conflito com os palestinos.
A razão pela qual o assassino Igal Amir resolveu matar Rabin tampouco foi mencionada. Falou-se apenas de união e tolerância entre os judeus israelenses, que divergem sobre o rumo que o país deve tomar acerca da questão principal que divide a sociedade: a ocupação dos territorios palestinos.
O assassinato, que mudou o rumo do Oriente Medio, foi esvaziado de seu conteúdo politico.
Reprodução
Em hebraico, cartaz do comício realizado no sábado (08/11) em homenagem aos 19 anos da morte do premiê Yitzhak Rabin
Abafar as divergências
Os tiros contra Rabin, no dia 4 de novembro de 1995, na mesma praça, foram disparados em meio a um clima de incitamento do ódio contra os defensores dos acordos de paz que o premiê havia assinado com o lider palestino Yasser Arafat. A direita israelense, responsável pela campanha contra Rabin, encontra-se hoje no poder.
Os líderes espirituais da extrema direita, rabinos da linha nacionalista religiosa que na época declararam que Rabin "merecia" a morte por estar "entregando" terras aos palestinos, não foram punidos até hoje.
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Em meio à indignação geral, logo após o assassinato, iniciou-se um processo de abafamento das divergências para "evitar uma cisão do povo". Este processo parece ter sido bem sucedido, já que, 19 anos após o assassinato, apenas 12 mil pessoas estiveram presentes em um outro comício em memória de Rabin, realizado no dia 1 de novembro. Neste, sim, falou-se da paz com os palestinos.
Educação
O assassinato também foi lembrado nas escolas israelenses. No entanto, as orientações dadas aos professores pelo Ministério da Educação também o esvaziaram de seu conteúdo politico.
Uma diretora de escola disse ao jornal Haaretz que os materiais enviados pelo governo "fazem parecer que Rabin [na foto à direita] era um homem simpático e que, de repente, foi assassinado, sem que se saiba a razão". Vários professores se queixaram ao jornal de que os materiais pedagógicos distribuidos às escolas não incluem informações fundamentais sobre o contexto do atentado, os fatos que o antecederam e o próprio autor dos disparos.
"O assassinato de Yitzhak Rabin tem um papel importante na formação da identidade israelense, pois serve de advertência para todos nós, demonstra o que pode acontecer se deixarmos que divergências ameacem o tecido social comum", diz a introdução ao material pedagógico distribuido aos professores.
Assassinato "bem sucedido"
O jurista Mordechai Kremnitzer afirma que, passados quase 20 anos do ataque, o assassino de Rabin alcançou seus objetivos.
"Não só Rabin foi assassinado, mas as bandeiras que levantou estão sendo pisoteadas. A escolha da paz em vez da guerra, o compromisso verdadeiro com a segurança do Estado e com a paz com nossos vizinhos. É um assassinato político que gerou mudanças dramáticas na realidade. É difícil imaginar um assassinato politico mais bem sucedido do que esse", afirma Kremnitzer em artigo no mesmo Haaretz.
Para a deputada Zahava Galon, do partido esquerdista Meretz, a despolitização do assassinato isenta de responsabilidade os políticos e rabinos "que incitaram e desejaram enfrentar a divergência política por intermédio do revólver". "O premiê Yitzhak Rabin foi assassinado por seu caminho político, porque assinou o acordo de Oslo e trabalhou pela paz com os palestinos, porque queria dividir o território e também porque assinou um acordo de coligação com os partidos árabes no parlamento", afirmou a deputada.
"Não esqueceremos o incitamento, a deslegitimação do primeiro-ministro e de seu caminho, a manifestação violenta de líderes políticos, entre eles o atual premiê, Benjamin Netanyahu, na varanda da Praça Zion e os decretos dos rabinos que legitimaram o assassinato", prometeu Galon.
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(*) Guila Flint cobre o Oriente Medio para a imprensa brasileira há 20 anos e é autora do livro 'Miragem de Paz', da editora Civilização Brasileira.
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