História da Europa e do Islão em 12 perguntas
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História da Europa e do Islão em 12 perguntas
História da Europa e do Islão em 12 perguntas
Painel de azulejos, de Jorge Colaço, na Estação de São Bento, no Porto, mostra a tomada de Ceuta. Foi com um ataque a uma cidade muçulmana que Portugal começou em 1415 o seu império. Antes do final desse século, Vasco da Gama chegaria à Índia, com a ajuda de um piloto muçulmano (mas não o famoso árabe Ibn Majid)
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Meio século depois de Maomé, os muçulmanos atacaram Constantinopla, mas falharam. Seria no outro extremo do continente, via Gibraltar, que em 711 o islão se instalaria, criando o Al-Andalus. Depois vieram as Cruzadas. São estas histórias de espadas e cimitarras que ficaram. Mas já pensou de onde vem o "algarismo"?
Europa versus islão. É mesmo assim?
Do ponto de vista histórico, sim. Sobretudo porque a Europa foi durante muito tempo sinónimo de cristandade. Mas o islão tem velha presença no continente. Ainda no século VII, tentou conquistar Constantinopla e falhou, mas poucas décadas depois, em 711, os exércitos do califa atravessaram o estreito de Gibraltar e conquistaram a Península Ibérica quase toda. No atual Portugal ficaram 500 anos, em Espanha até 1492 (e mesmo depois, até serem expulsos os últimos mouros das serras em redor de Granada). Mas entretanto, desde 1453, Constantinopla já era islâmica, com os turcos a conseguirem o que os árabes tinham falhado. E hoje na Europa, além de em Istambul e no resto da Turquia europeia, há muçulmanos na Bulgária, na Bósnia e na Albânia (onde são a maioria) e fortíssimas comunidades em França, na Alemanha, em Espanha ou no Reino Unido por via da imigração. Ou seja, se há milhões de muçulmanos europeus, como se pode dizer que a Europa e o islão são opostos?
Invasão da Espanha, conquista de Constantinopla pelos otomanos, quer isto dizer que ao longo de séculos manteve-se um cerco do islão à Europa?
É uma forma de ver a história. E, de facto, o verde (a cor do islão) estende-se de Marrocos à Ásia Central e do Sul, contornando a Europa até à Rússia. Mas os europeus também atacaram muitas vezes os muçulmanos. Além da reconquista, houve as cruzadas, nove desde a primeira em 1096 até à derradeira no século XIII, destinadas a tomar a Terra Santa, sobretudo Jerusalém. E houve os ataques portugueses e espanhóis ao Norte de África a partir do século XV. E, já no século XIX, a França conquistou a Argélia, iniciando uma fase de moderna colonização do mundo muçulmano que envolveu também os britânicos e os italianos e que durou mais de cem anos. Por isso, nenhum lado se pode dizer vítima e chamar ao outro agressor.
Há alguns episódios célebres, além da conquista da Península Ibérica e das cruzadas?
Dois bons exemplos, opostos, são o cerco otomano a Viena em 1683, que falhou graças ao socorro dado pelo rei polaco aos austríacos; e a tentativa grega de anexar parte da Anatólia no final da Primeira Guerra Mundial, que foi travada a muito custo pelos turcos liderados por Mustafa Kemal.
Guerras e mais guerras. Tirando isso, que se pode dizer das relações entre a cristandade medieval e o mundo islâmico?
Nem sempre se combatia. Por exemplo, em Córdova, antes do ano mil, existia uma coexistência admirável entre muçulmanos, judeus e cristãos. E nessa época, que no Oriente coincidiu com o califado Abássida de Bagdad, os muçulmanos lideravam na ciência. Devíamos aprender mais nas escolas sobre Ibn Ishaq al-Kindi, que traduziu muitas das obras gregas que por via dos árabes sobreviveriam às trevas medievais. Ou sobre Avicena. Ou ainda sobre Al-Khwarizmi, grande matemático persa, que na língua portuguesa homenageamos chamando algarismos aos números legados pelos árabes.
Nessa época, era mais fácil aos cristãos a vida sob soberanos muçulmanos do que o contrário, certo?
Sim, Maomé, que fundou o islão em 622 (começa aí o calendário islâmico, lunar e que vai no ano 1437), considerava os cristãos e os judeus povos do livro e exigia que fossem respeitados. Do outro lado, a tolerância era zero, por isso as mourarias em Portugal e Espanha depressa perderam após a reconquista aqueles que lhes davam nome. Ficaram só palavras como azeitona ou almofada.
Portugal tem uma história de conflito com o islão?
Sim. E continuou com a tomada de Ceuta, em 1415, e com os ataques no século XVI no Índico às potências islâmicas que controlavam o comércio das especiarias. Os nossos capitães quase que faziam uma espécie de treino militar obrigatório em Marrocos antes de partirem para o Oriente. Ainda hoje há fortalezas de origem portuguesa em Omã ou no Bahrein e Afonso de Albuquerque chegou a planear um ataque a Meca, a mais santa das cidades islâmicas.
Portugueses e muçulmanos não se entendiam?
Na maior parte do tempo combatiam, mas Vasco da Gama recorreu a um piloto muçulmano para a etapa final da viagem à Índia em 1498. E D. Sebastião, quando foi derrotado e morto na Batalha de Alcácer Quibir, em 1578, tinha a combater ao seu lado um sultão, sobrinho do sultão inimigo. Mas já antes, no tempo da presença islâmica na Península Ibérica, havia alianças entre reis cristãos e reis muçulmanos. E até casamentos, mesmo que raros. As nossas lendas sobre princesas mouras mostram como havia fascínio pelo outro lado, o que explica mais tarde também o sucesso global das Mil e Uma Noites.
O terrorismo hoje é sobretudo feito por fanáticos que dizem agir em nome do islão. Isso significa que é uma religião mais guerreira do que as outras?
Há uns anos, um académico americano elaborou uma teoria sobre o choque das civilizações. E mostrou que os muçulmanos estavam ainda em guerra com judeus, hindus, cristãos ortodoxos, católicos e animistas. Mas a tese era desmontável tendo em conta que eram conflitos localizados. Além de que a geografia do mundo islâmico o coloca no centro do mundo. Mas o jihadismo, seja da Al-Qaeda ou agora do Estado Islâmico, acaba por dar uma conotação negativa a uma religião que é seguida por 1500 milhões de pessoas no mundo.
São muitos os muçulmanos em Portugal?
Calcula-se que sejam uns 60 mil, muitos deles com uma relação a Portugal que vem de várias gerações, pois são originários da Guiné-Bissau e de Moçambique. E há algumas figuras famosas, como Zeinal Bava, antigo presidente da PT, um muçulmano sunita nascido no Moçambique colonial mas com raízes na Índia. Ou os donos das lojas Sacoor, que pertencem à comunidade ismaelita, ramo progressista do islão.
Alguma vez houve problemas em Portugal?
Não, ao contrário da Espanha, onde em 2004 um atentado matou 192 pessoas.
Há muçulmanos europeus famosos?
Nem todas as pessoas assumem se têm prática religiosa ou não, mas é possível dizer se têm raízes em países muçulmanos, como é o caso do futebolista alemão Mesut Ozil ou da advogada britânica Amal Alamuddin, agora senhora Clooney. E o turco Orhan Pamuk, Nobel da Literatura, nascido em Istambul, é certamente um muçulmano europeu.
O que dizer de tantos refugiados sírios que procuram hoje a Europa?
Que olham para o nosso continente como o eldorado. Não são invasores, mas gente que quer uma vida melhor. Fogem também do Estado Islâmico, o mesmo que matou em Paris.
Painel de azulejos, de Jorge Colaço, na Estação de São Bento, no Porto, mostra a tomada de Ceuta. Foi com um ataque a uma cidade muçulmana que Portugal começou em 1415 o seu império. Antes do final desse século, Vasco da Gama chegaria à Índia, com a ajuda de um piloto muçulmano (mas não o famoso árabe Ibn Majid)
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Meio século depois de Maomé, os muçulmanos atacaram Constantinopla, mas falharam. Seria no outro extremo do continente, via Gibraltar, que em 711 o islão se instalaria, criando o Al-Andalus. Depois vieram as Cruzadas. São estas histórias de espadas e cimitarras que ficaram. Mas já pensou de onde vem o "algarismo"?
Europa versus islão. É mesmo assim?
Do ponto de vista histórico, sim. Sobretudo porque a Europa foi durante muito tempo sinónimo de cristandade. Mas o islão tem velha presença no continente. Ainda no século VII, tentou conquistar Constantinopla e falhou, mas poucas décadas depois, em 711, os exércitos do califa atravessaram o estreito de Gibraltar e conquistaram a Península Ibérica quase toda. No atual Portugal ficaram 500 anos, em Espanha até 1492 (e mesmo depois, até serem expulsos os últimos mouros das serras em redor de Granada). Mas entretanto, desde 1453, Constantinopla já era islâmica, com os turcos a conseguirem o que os árabes tinham falhado. E hoje na Europa, além de em Istambul e no resto da Turquia europeia, há muçulmanos na Bulgária, na Bósnia e na Albânia (onde são a maioria) e fortíssimas comunidades em França, na Alemanha, em Espanha ou no Reino Unido por via da imigração. Ou seja, se há milhões de muçulmanos europeus, como se pode dizer que a Europa e o islão são opostos?
Invasão da Espanha, conquista de Constantinopla pelos otomanos, quer isto dizer que ao longo de séculos manteve-se um cerco do islão à Europa?
É uma forma de ver a história. E, de facto, o verde (a cor do islão) estende-se de Marrocos à Ásia Central e do Sul, contornando a Europa até à Rússia. Mas os europeus também atacaram muitas vezes os muçulmanos. Além da reconquista, houve as cruzadas, nove desde a primeira em 1096 até à derradeira no século XIII, destinadas a tomar a Terra Santa, sobretudo Jerusalém. E houve os ataques portugueses e espanhóis ao Norte de África a partir do século XV. E, já no século XIX, a França conquistou a Argélia, iniciando uma fase de moderna colonização do mundo muçulmano que envolveu também os britânicos e os italianos e que durou mais de cem anos. Por isso, nenhum lado se pode dizer vítima e chamar ao outro agressor.
Há alguns episódios célebres, além da conquista da Península Ibérica e das cruzadas?
Dois bons exemplos, opostos, são o cerco otomano a Viena em 1683, que falhou graças ao socorro dado pelo rei polaco aos austríacos; e a tentativa grega de anexar parte da Anatólia no final da Primeira Guerra Mundial, que foi travada a muito custo pelos turcos liderados por Mustafa Kemal.
Guerras e mais guerras. Tirando isso, que se pode dizer das relações entre a cristandade medieval e o mundo islâmico?
Nem sempre se combatia. Por exemplo, em Córdova, antes do ano mil, existia uma coexistência admirável entre muçulmanos, judeus e cristãos. E nessa época, que no Oriente coincidiu com o califado Abássida de Bagdad, os muçulmanos lideravam na ciência. Devíamos aprender mais nas escolas sobre Ibn Ishaq al-Kindi, que traduziu muitas das obras gregas que por via dos árabes sobreviveriam às trevas medievais. Ou sobre Avicena. Ou ainda sobre Al-Khwarizmi, grande matemático persa, que na língua portuguesa homenageamos chamando algarismos aos números legados pelos árabes.
Nessa época, era mais fácil aos cristãos a vida sob soberanos muçulmanos do que o contrário, certo?
Sim, Maomé, que fundou o islão em 622 (começa aí o calendário islâmico, lunar e que vai no ano 1437), considerava os cristãos e os judeus povos do livro e exigia que fossem respeitados. Do outro lado, a tolerância era zero, por isso as mourarias em Portugal e Espanha depressa perderam após a reconquista aqueles que lhes davam nome. Ficaram só palavras como azeitona ou almofada.
Portugal tem uma história de conflito com o islão?
Sim. E continuou com a tomada de Ceuta, em 1415, e com os ataques no século XVI no Índico às potências islâmicas que controlavam o comércio das especiarias. Os nossos capitães quase que faziam uma espécie de treino militar obrigatório em Marrocos antes de partirem para o Oriente. Ainda hoje há fortalezas de origem portuguesa em Omã ou no Bahrein e Afonso de Albuquerque chegou a planear um ataque a Meca, a mais santa das cidades islâmicas.
Portugueses e muçulmanos não se entendiam?
Na maior parte do tempo combatiam, mas Vasco da Gama recorreu a um piloto muçulmano para a etapa final da viagem à Índia em 1498. E D. Sebastião, quando foi derrotado e morto na Batalha de Alcácer Quibir, em 1578, tinha a combater ao seu lado um sultão, sobrinho do sultão inimigo. Mas já antes, no tempo da presença islâmica na Península Ibérica, havia alianças entre reis cristãos e reis muçulmanos. E até casamentos, mesmo que raros. As nossas lendas sobre princesas mouras mostram como havia fascínio pelo outro lado, o que explica mais tarde também o sucesso global das Mil e Uma Noites.
O terrorismo hoje é sobretudo feito por fanáticos que dizem agir em nome do islão. Isso significa que é uma religião mais guerreira do que as outras?
Há uns anos, um académico americano elaborou uma teoria sobre o choque das civilizações. E mostrou que os muçulmanos estavam ainda em guerra com judeus, hindus, cristãos ortodoxos, católicos e animistas. Mas a tese era desmontável tendo em conta que eram conflitos localizados. Além de que a geografia do mundo islâmico o coloca no centro do mundo. Mas o jihadismo, seja da Al-Qaeda ou agora do Estado Islâmico, acaba por dar uma conotação negativa a uma religião que é seguida por 1500 milhões de pessoas no mundo.
São muitos os muçulmanos em Portugal?
Calcula-se que sejam uns 60 mil, muitos deles com uma relação a Portugal que vem de várias gerações, pois são originários da Guiné-Bissau e de Moçambique. E há algumas figuras famosas, como Zeinal Bava, antigo presidente da PT, um muçulmano sunita nascido no Moçambique colonial mas com raízes na Índia. Ou os donos das lojas Sacoor, que pertencem à comunidade ismaelita, ramo progressista do islão.
Alguma vez houve problemas em Portugal?
Não, ao contrário da Espanha, onde em 2004 um atentado matou 192 pessoas.
Há muçulmanos europeus famosos?
Nem todas as pessoas assumem se têm prática religiosa ou não, mas é possível dizer se têm raízes em países muçulmanos, como é o caso do futebolista alemão Mesut Ozil ou da advogada britânica Amal Alamuddin, agora senhora Clooney. E o turco Orhan Pamuk, Nobel da Literatura, nascido em Istambul, é certamente um muçulmano europeu.
O que dizer de tantos refugiados sírios que procuram hoje a Europa?
Que olham para o nosso continente como o eldorado. Não são invasores, mas gente que quer uma vida melhor. Fogem também do Estado Islâmico, o mesmo que matou em Paris.
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Só discuto o que nao sei ...O ke sei ensino ...POIZ
Vitor mango- Pontos : 118184
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