Vamos ter muitas saudades dele Teresa de Sousa
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Vamos ter muitas saudades dele Teresa de Sousa
Vamos ter muitas saudades dele
Teresa de Sousa
24/04/2016 - 05:30
1. Ontem, em Londres, durante uma conversa com um auditório cheio de jovens de todas as proveniências e todos os credos, Obama demonstrou uma vez mais o que significou para o mundo. Quase oito anos depois da sua extraordinária eleição, o Presidente consegue ser ainda uma esperança e uma inspiração. Teve de lidar com um mundo em desordem, mergulhado em crises e em conflitos, e redefinir em parte o papel dos Estados Unidos na cena internacional. Teve de tomar decisões muito difíceis, em que a realidade se impôs aos valores. Teve de enfrentar um clima político em Washington dominado por uma única vontade dos republicanos: já que não conseguiram fazer dele um Presidente de um só mandato, obstruíram tudo aquilo que quis mudar internamente. Enfrentou a progressiva transformação do GOP num partido dominado pelo Tea-Party, a versão americana do populismo radical a cuja ascensão também assistimos na Europa. As primárias republicanas, que seguimos quase sem ter tempo de fechar a boca do espanto, são a imagem oposta de tudo aquilo que ele simbolizou para a América e para o mundo, deixando-nos uma pungente interrogação: como é possível que o país de Obama seja também o país de Trump ou de Cruz?
2. O seu encontro com os jovens de Londres devolveu-nos a memória da sua primeira visita à Europa, em Junho de 2009, para participar em Londres na reunião do G20 e, logo a seguir, em Estrasburgo, na cimeira da NATO. Que me lembre, nunca uma assembleia de jornalistas, por sinal dos mais reputados órgãos de informação ocidentais, não conseguiu resistir a uma salva de palmas no fim de uma conferência de imprensa. Não era só o apreço por aquele Presidente, cuja eleição só por si fazia História. A diferença esteve na forma como respondeu às suas questões. Sem a rapidez de uma frase feita ou uma ideia vaga e não comprometedora, mas com o rigor e o tempo a que um raciocínio obriga. Ontem, em Londres, falando com os jovens britânicos, mostrou-lhes que as suas perguntas estavam mesmo a ser ouvidas. No seu discurso de posse, em Janeiro de 2009, tinha prometido afastar o cinismo da política. A obsessão dos republicanos contra ele acabou por gerar as sementes do que hoje são as primárias republicanas. Lá como cá, a radicalização política à direita e à esquerda (ainda que muito diferentes no seu conteúdo) está a abrir um vazio ao centro que antecipa problemas sérios com que as democracias ocidentais vão ter de lidar. Como noutros momentos da História americana, o nativismo, o proteccionismo, a xenofobia, o isolacionismo podem transformar-se em tendências dominantes. Trump foi dado como acabado mesmo antes do início da campanha, talvez porque ninguém estava preparado para ele, nem sequer o Partido Republicano. Do lado democrata, a selecção das primárias é menos controversa, mas igualmente inesperada. Hillary Clinton voltou a ser vista como imbatível, tal como aconteceu em 2008. Agora, teve de se esforçar muito para evitar uma surpresa como a anterior.
Tenho na minha estante alguns livros sobre as razões pelas quais a esquerda socialista à moda europeia nunca teve sucesso na América. Bernie Sanders não se coíbe de defender o modelo social europeu, de querer desligar a política do dinheiro, de colocar a desigualdade em confronto com a liberdade individual. A forma como atrai os jovens de todas as origens (Obama também conseguiu esse efeito há oito anos) é um aviso de que a fome de esperança por uma sociedade mais justa e mais decente é uma realidade capaz de subverter algumas certezas políticas. Mas há um traço comum nesta nova realidade americana: a visão de uma América farta do mundo, da liberalização do comércio, que não quer mais imigrantes muçulmanos ou mexicanos (não é o caso de Sanders), nem mais produtos chineses, que lhe rouba os empregos. Hillary acabará por ser a salvação, mas não poderá ignorar esta nova realidade. Ela própria sempre soube que tudo quanto parecia fácil para Bill era difícil para ela. Aprendeu a resistir a todas as adversidades e isso dá-lhe força.
Teresa de Sousa
24/04/2016 - 05:30
1. Ontem, em Londres, durante uma conversa com um auditório cheio de jovens de todas as proveniências e todos os credos, Obama demonstrou uma vez mais o que significou para o mundo. Quase oito anos depois da sua extraordinária eleição, o Presidente consegue ser ainda uma esperança e uma inspiração. Teve de lidar com um mundo em desordem, mergulhado em crises e em conflitos, e redefinir em parte o papel dos Estados Unidos na cena internacional. Teve de tomar decisões muito difíceis, em que a realidade se impôs aos valores. Teve de enfrentar um clima político em Washington dominado por uma única vontade dos republicanos: já que não conseguiram fazer dele um Presidente de um só mandato, obstruíram tudo aquilo que quis mudar internamente. Enfrentou a progressiva transformação do GOP num partido dominado pelo Tea-Party, a versão americana do populismo radical a cuja ascensão também assistimos na Europa. As primárias republicanas, que seguimos quase sem ter tempo de fechar a boca do espanto, são a imagem oposta de tudo aquilo que ele simbolizou para a América e para o mundo, deixando-nos uma pungente interrogação: como é possível que o país de Obama seja também o país de Trump ou de Cruz?
2. O seu encontro com os jovens de Londres devolveu-nos a memória da sua primeira visita à Europa, em Junho de 2009, para participar em Londres na reunião do G20 e, logo a seguir, em Estrasburgo, na cimeira da NATO. Que me lembre, nunca uma assembleia de jornalistas, por sinal dos mais reputados órgãos de informação ocidentais, não conseguiu resistir a uma salva de palmas no fim de uma conferência de imprensa. Não era só o apreço por aquele Presidente, cuja eleição só por si fazia História. A diferença esteve na forma como respondeu às suas questões. Sem a rapidez de uma frase feita ou uma ideia vaga e não comprometedora, mas com o rigor e o tempo a que um raciocínio obriga. Ontem, em Londres, falando com os jovens britânicos, mostrou-lhes que as suas perguntas estavam mesmo a ser ouvidas. No seu discurso de posse, em Janeiro de 2009, tinha prometido afastar o cinismo da política. A obsessão dos republicanos contra ele acabou por gerar as sementes do que hoje são as primárias republicanas. Lá como cá, a radicalização política à direita e à esquerda (ainda que muito diferentes no seu conteúdo) está a abrir um vazio ao centro que antecipa problemas sérios com que as democracias ocidentais vão ter de lidar. Como noutros momentos da História americana, o nativismo, o proteccionismo, a xenofobia, o isolacionismo podem transformar-se em tendências dominantes. Trump foi dado como acabado mesmo antes do início da campanha, talvez porque ninguém estava preparado para ele, nem sequer o Partido Republicano. Do lado democrata, a selecção das primárias é menos controversa, mas igualmente inesperada. Hillary Clinton voltou a ser vista como imbatível, tal como aconteceu em 2008. Agora, teve de se esforçar muito para evitar uma surpresa como a anterior.
Tenho na minha estante alguns livros sobre as razões pelas quais a esquerda socialista à moda europeia nunca teve sucesso na América. Bernie Sanders não se coíbe de defender o modelo social europeu, de querer desligar a política do dinheiro, de colocar a desigualdade em confronto com a liberdade individual. A forma como atrai os jovens de todas as origens (Obama também conseguiu esse efeito há oito anos) é um aviso de que a fome de esperança por uma sociedade mais justa e mais decente é uma realidade capaz de subverter algumas certezas políticas. Mas há um traço comum nesta nova realidade americana: a visão de uma América farta do mundo, da liberalização do comércio, que não quer mais imigrantes muçulmanos ou mexicanos (não é o caso de Sanders), nem mais produtos chineses, que lhe rouba os empregos. Hillary acabará por ser a salvação, mas não poderá ignorar esta nova realidade. Ela própria sempre soube que tudo quanto parecia fácil para Bill era difícil para ela. Aprendeu a resistir a todas as adversidades e isso dá-lhe força.
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