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Para que queres uma boca tão grande, crocodilo?

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Mensagem por Viriato Seg Jun 06, 2011 12:53 pm

Para que queres uma boca tão grande, crocodilo?


Independentemente da distorção dos cadernos eleitorais causada pela ineficiência com que são actualizados – e cuja causa para tal será sórdida e a merecer intervenção urgente das autoridades – levando a valores de abstenção hipertrofiados, estas eleições legislativas de 2011 registaram uma baixíssima participação face às graves incógnitas do momento económico, social e político. O problema da elevada abstenção discute-se em Portugal desde os anos 90, ou até finais de 80, passada a efusiva participação no período após o 25 de Abril e a progressiva constatação do fenómeno. Há várias explicações ao dispor nas ciências sociais, descrevendo e ilustrando a inevitabilidade de tal afastamento eleitoral dos cidadãos nas sociedades que vão amadurecendo o seu regime democrático, mas há também um peculiar factor que teve influência decisiva neste 5 de Junho: a promoção, nalguns casos com consequências epidemiológicas, de uma cultura populista anti-políticos e anti-partidos.

Quem alimentou esses sentimentos de ódio e pulsões destrutivas, pessimistas e catastrofistas estava na oposição à direita, tendo obtido o apoio passivo e activo da oposição da extrema-esquerda. O objectivo foi o de sempre: desgastar e boicotar o Governo apenas porque… era o Governo! Manter elevado o estado de insatisfação popular surgia como o mínimo dos mínimos – ou a essência mesma – do que estes partidos consideravam dever ser o exercício opositor. Ao mesmo tempo, porque nem tudo é racional embora seja racionalizável, a liderança reformista e carismática de Sócrates ia acumulando inimigos e desvairados desejos e juras de vingança. O caldo de ódio que se despejou na multidão também embriagava os cozinheiros, cada vez mais catatónicos na sua imobilizadora impotência e nos frenéticos delírios conspirativos e persecutórios. No pináculo desta vaga raivosa, e num assomo de irresponsabilidade demente, assistimos boquiabertos ao espantoso momento em que um Presidente da República, no Parlamento e em acto solene de investidura, maldisse a classe política, pediu suspeitos sobressaltos cívicos e legitimou uma manifestação que tinha nascido envolta em ambiguidades várias que sugeriam o repúdio radical dos partidos e do regime, a qual se temia pudesse originar actos de violência.



Porém, foi a comunicação social quem mais contribuiu para a decadência do espaço público. A revolta dos jornalistas contra o Governo, e o cerco que fizeram a Sócrates, nasceu de uma confluência irresistível: patrões, chefes, audiências e vaidades. Só isso explica a abjecção do que foi a informação e debate político na TVI de Moniz e esposa, mais a SIC em oposição a outrance e a RTP crescentemente desavergonhada no apoio ao PSD. A isto juntam-se jornais e rádios onde se fazia tiro ao alvo aos socialistas sem descanso. O ponto que se pretendia alcançar foi perfeitamente sintetizado na projecção que ganhou o caduco e irrelevante Medina Carreira. Ele era a voz de todos aqueles que queriam explicações básicas para problemas incompreensíveis. E ele tinha uma explicação para oferecer febril, depois de obrigatoriamente agitar gráficos desenhados à mão em folhas A4: corra-se com esta corja dos políticos e dos partidos e entregue-se o País nas mãos da gente séria! Este era um apelo irresistível para os mais fracos na instrução, na experiência de vida e na cognição. Tratava-se de acabar com a democracia, e sua representatividade partidária, e voltar à oligarquia, e sua tirania supostamente iluminada. De imediato, esta personagem iracunda passou a congregar o refugo do Cavaquismo à sua volta, passando a ser presença obrigatória na porqueira do Crespo. Medina Carreira, na viragem para os 80 anos, estava no auge da sua importância pública, obtendo um estrelato que, nem de perto nem de longe, a sua passagem pelo Governo nos idos de 70 lhe tinha dado. A confiança em Portugal e nos portugueses, para quem o seguia na audiência, escorregava desamparada no fel que despejava no seu maníaco Plano Inclinado. Com o desplante e impaciência dos velhos ressabiados, não se importava de lançar fogo à cidade para aquecer as mãos.

Assim chegámos a 5 de Junho com PSD e CDS unidos na estratégia de explorar ao máximo este pobre País de herança salazarista ainda activa, de pobreza intelectual secular, de misérias sociais várias e de demissão cívica generalizada. A estratégia era o massacre mediático na diabolização de Sócrates e na redução dos 6 anos de Governo PS à necessidade da ajuda externa que esses mesmos partidos de direita, afinal, é que tinham provocado. Do lado do PCP e BE, bastiões da pureza da esquerda, fontes imarcescíveis de caudais ideológicos que dariam para reflorestar o deserto do Sahara com pinheiros vermelhos, tudo o que viesse contra o PS era platina sobre azul, e se viesse contra Sócrates fazia-se uma festa, por isso alinharam em todas as pulhices em vez de ajudarem o eleitorado a entender as várias facetas das sucessivas crises que temos vindo a atravessar. O fanatismo imbecil da extrema-esquerda, reduzindo a sua actividade à táctica, foi igualmente um factor de aumentou a facilidade com que fatias largas da sociedade abraçaram o populismo e a descrença numa alternativa democrática. Para quê votar quando PCP e BE mostram que o próprio regime é fundamentalmente corrupto e corruptor?…

O PSD e CDS vão para o Governo e o discurso mudou na hora. Já falam da necessidade de acreditar, de ter esperança e de cultivar a confiança. Os condicionalismos internacionais passam a existir. As coisas, afinal, são complexas, levam o seu tempo, há riscos que nem os mais bem intencionados conseguem medir com rigor. Esta mudança de 180º é inevitável, claro. Governar é como pilotar o navio, para ir buscar esse símile de tão antiga origem. Quem quer ao leme um pessimista? Quem aceita que no meio da tempestade se baixem os braços por descrença ou medo? Agir pode levar ao erro, é inevitável, mas não há maior erro do que não agir. Não há maior perigo do que a paralisia do pânico. E quem é que educa os seus filhos apenas com visões catastrofistas acerca do futuro, repetindo-lhes que vão morrer e, com sorte, apodrecerem lentamente até lá chegarem? Governar é também cuidar dos menores, tanto de idade como de condições e competências. Pegando na famigerada pergunta de um romano a um judeu, estando em causa a legitimidade política deste último, o que é a verdade? Que verdades o novo Governo vai passar a transmitir que o anterior não tenha igualmente tornado transparentes na sua sempre vária interpretação? A sugestão de que há verdades e mentiras em política, no sentido moral dos termos, foi mais uma forma de anular a racionalidade cívica com que se gerem os assuntos do Estado e da actividade partidária.

A extrema-esquerda, na sua recusa do regime democrático constitucional, que vê como uma armadilha do imperialismo, será sempre um força contrária à adesão popular à participação cívica por receio de perda de influência. Dependem das barricadas e do maniqueísmo para manterem a sua identidade e controlarem as massas, a carne para os seus canhões. E a direita, culturalmente pessimista e sociologicamente cínica, não tem alma para chegar ao Povo com um projecto de esperança. O seu desafio é estritamente conservador, tentando a todo o custo manter os privilégios de classe que lhes são dados pela riqueza e pelas oportunidades profissionais e empresariais. Também ela não perde uma caloria a contribuir para a entrada de mais cidadãos na vida política e partidária, pois já colonizou esses espaços de filiação com os seus. O aumento da abstenção, no fundo, deixa estes sectários todos a chorar lágrimas de crocodilo.

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Apesar da barraca das eleições presidenciais não ter sido sequer explicada, o que é inaceitável, o Ministério da Administração Interna e a Comissão Nacional de Eleições fizeram um trabalho impecável na divulgação da informação necessária para evitar os problemas de Janeiro e no apelo ao voto. Não foi por aqui que a abstenção cresceu, bem pelo contrário.


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