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Priya e a tigela mágica

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Priya e a tigela mágica Empty Priya e a tigela mágica

Mensagem por Vitor mango Qui Jan 10, 2013 12:59 am

Priya e a tigela mágica

Um conto do Tamil Nadu (1)

Era
uma vez uma menina chamada Priya que vivia com o seu querido pai e a
madrasta em Tamil Nadu, no sul da Índia. A madrasta de Priya era
atraente e andava sempre muito bem vestida, mas quem a olhasse
atentamente conseguia descobrir-lhe um brilho de aço nos olhos. Priya
era resplandecente como uma flor de lótus, mas havia tristeza no fundo
dos seus olhos meigos. A mãe de Priya tinha morrido há alguns anos e o
pai, como era vendedor ambulante, andava sempre em viagem. Priya levava a
vida confinada a quatro paredes, satisfazendo todo e qualquer capricho
da sua madrasta cruel.


Quando
o pai de Priya estava em casa, a madrasta chamava a enteada com voz
doce e aveludada. “Priya querida, onde estás?”, cantarolava. No
entanto, quando estava para fora, a sua língua afiada golpeava o ar
como a faca do carniceiro. “Ó sua estúpida, chega aqui imediatamente!”
ou “Sua lesma, nunca mais te despachas!”, gritava, então. O que quer
que Priya fizesse, nunca estava bem.


Na
manhã do seu décimo segundo aniversário, Priya acordou particularmente
triste. Na semana anterior, o pai tinha partido numa longa viagem e
ainda não tinha regressado. Curvou-se perante a imagem da Deusa Durga (2)
que a mãe lhe tinha dado. “Durga Ma, ajuda-me,” pediu. Estava ainda a
rezar quando ouviu a madrasta chamar por ela aos gritos. Pôs-se de pé
de um salto. A madrasta esperava-a com aquele brilho malvado nos olhos e
um sorriso velhaco nos lábios. “Chegou a altura de ganhares a tua
vida,” disse. Rapou o arroz da véspera do fundo do tacho, embrulhou-o
num pano sujo e atirou-o a Priya, que o agarrou com as suas mãozinhas
frágeis. “Vai!” E empurrou Priya para fora de casa, batendo de seguida
com a porta.


Priya
ficou a olhar para o imenso céu azul, soluçando amargamente. Para onde
é que ia agora? Com quem iria viver? As tias e os tios viviam a
centenas de quilómetros dali e os poucos amigos que tinham eram pobres.
Como poderia ela sobrecarregá-los com o fardo que seria terem mais uma
boca para alimentar?


Caminhou até as pernas lhe doerem e não conseguir dar mais um passo. Parou num parque junto a uma banyan (3). “Ninguém me expulsará daqui”, pensou. Atou a trouxa da comida a um ramo da banyan e sentou-se no meio das raízes retorcidas da árvore. Minutos depois, estava a dormir.

Enquanto dormia, o fruto verde e redondinho da banyan abriu-se e de lá de dentro saíram minúsculas ninfas da floresta, as vanadevata.
Viram Priya a dormir e a trouxa suspensa do ramo. Desataram a trouxa e
provaram o arroz azedado. “Que suculento!”, disseram. Era a primeira
vez que as vanadevata comiam arroz azedado; no céu que
habitavam, comiam sempre pratos delicados. Olharam Priya,
semiadormecida, e gostaram dos seus olhos bondosos. “Antes de nos irmos
embora, ofereceremos à menina algo em troca”, decidiram.


Quando
Priya acordou, sentiu fome. Pegou na trouxa e abriu-a. Na vez do
arroz, que tinha desaparecido, estava uma tigela de barro vazia.
Segurou na tigela com ambas as mãos e os seus olhos encheram-se de
lágrimas. “Quem é que terá comido o meu arroz?”, balbuciou. Nesse
preciso momento, as minúsculas vanadevata surgiram de dentro da
tigela. Fizeram uma vénia a Priya e disseram: “Somos espíritos da
floresta e estamos muito tristes por termos comido o teu arroz. Para te
compensarmos, faremos chegar até ti toda a comida que desejares. O que
é que gostarias de comer?” Priya piscou os olhos de perplexidade. A
única pessoa que alguma vez lhe perguntara o que queria comer tinha
sido a mãe, mas passara-se tanto tempo que já mal se lembrava disso.


“O que é que gostarias de comer?”, perguntaram de novo as vanadevata.

Priya estava cheia de fome. “Qualquer coisa”, respondeu.

As vanadevata serviram-lhe, então, pratos de caril, arroz de açafrão, romãs maduras e papaias doces como o mel.

“Obrigada”,
exclamou Priya com o coração cheio de gratidão. “Muito obrigada!” Uniu
as palmas das mãos e agradeceu aos espíritos, certa de que Durga Ma os
enviara. Começou, então, a comer aqueles pratos deliciosos, mas sentiu
dificuldade em acabá-los. “É comida a mais para mim”, disse.


As vanadevata apareceram prontamente e pegaram nas sobras e nos pratos sujos.


A tigela de barro que deixámos provirá sempre às tuas necessidades de
cada vez que a segurares nas tuas mãos e chamares por nós”, disseram. A
seguir, curvaram-se ante Priya e desapareceram. Priya agarrou com
força na tigela de barro. Era mágica! Nunca mais teria de passar fome.
Correu para casa rapidamente para contar à madrasta o que tinha
acontecido.


A
madrasta, contudo, não queria deixá-la entrar. “Estou farta das tuas
histórias! Vai-te embora! Desaparece!” E empurrou Priya para fora de
casa.


Enquanto
caminhava, Priya lembrou a história que a mãe lhe contava sobre Durga
Ma: a deusa haveria sempre de protegê-la. Por isso, foi com a tigela ao
templo. Aí, encontrou um swami (4) que gentilmente a autorizou a ficar. A tigela mágica proporcionava-lhe todas as refeições, tal como as vanadevata haviam dito. Uns dias mais tarde, porém, pensou consigo mesma: “De que me serve tanta comida se não a posso partilhar?”


Acompanhada pelo swami, decidiu, então, ir de porta em porta convidar as pessoas para uma refeição no templo. Também foi a casa convidar os pais.

Quando
a madrasta viu Priya, pôs os olhos em frincha e fungou: “Sua parva!
Porque é que voltaste? Bem sabes que o teu pai não está aqui.”


“Vim convidar-vos para jantar amanhã no templo”, disse Priya com determinação.

“O
quê??!”, escarneceu a madrasta. “Para comer bagas e ossos, não é?” E
desatou a rir com tanta força que quase caiu. Não, ela não iria ao
templo e muito menos diria ao marido fosse o que fosse.


Na noite do jantar, uma multidão de pobres reuniu-se no jardim do templo. Priya apareceu com a sua tigela.

“Que linda tigela!”, disseram.

Priya
contou-lhes como a tinha arranjado e como tinha sido abençoada por
Durga Ma. Agarrou na tigela e disse: “Divinos espíritos da floresta,
por favor abençoem os meus convidados com a vossa generosidade.”


Tomadas de surpresa, as pessoas ficaram em silêncio.

Para espanto de todos, minúsculas vanadevata
foram saindo da tigela, transportando travessas de prata repletas dos
manjares mais suculentos e requintados. À medida que os convidados iam
comendo, novos pratos eram prontamente servidos pelas encantadoras
ninfas. As pessoas não paravam de comer. Não tardou que, na cidade, não
se falasse senão da tigela milagrosa de Priya e das iguarias que ela
providenciava. As pessoas conversavam sobre os espíritos benignos da
floresta e como a menina tinha sido abençoada pelos deuses.


Assim
que as notícias chegaram aos ouvidos da madrasta, esta mordeu os
lábios com tanta força que fez sangue. Como era possível que a sua
enteada se tivesse saído tão bem?! A seguir, distendeu os lábios
feridos num sorriso malévolo. “Vou fazer a mesma coisa que Priya fez”,
disse. Então, na manhã seguinte, a madrasta de Priya embrulhou doces
num pano limpo e foi até ao parque. Sentou-se debaixo da mesma banyan
que Priya, fechou os olhos e fingiu dormir. “Quando os seres da
floresta aparecerem”, maquinou ela, “ vou pedir-lhes que me tragam
joias, saris de seda e moedas de ouro.” Enquanto esperava, foi ficando
cada vez mais sonolenta até que acabou mesmo por adormecer.


Ao ouvirem o estrondoso ressonar da madrasta a dormir, as vanadevata
aproximaram-se. Repararam na trouxa dependurada da árvore e logo
pensaram que devia pertencer a Priya. Abriram-na e provaram os doces.
“Arghh…”, exclamaram, cuspindo-os. Os doces tinham o sabor das más
intenções. Viram em seguida a madrasta de Priya a dormir debaixo da
árvore. “Arghh…”, exclamaram de novo, “parece mesmo uma bruxa má!”
Colocaram na trouxa uma tigela de madeira com uma forma estranha e
desapareceram.


Quando
a madrasta acordou, mordeu o lábio ferido, aborrecida por se ter
deixado dormir. Provavelmente, tinha deixado escapar as vanadevata
e, assim, a oportunidade de lhes pedir joias, saris e moedas de ouro.
Num salto, pôs-se de pé e agarrou na trouxa. Quando viu as sobras dos
doces, empanturrou-se. “Azar o delas, se não comeram tudo.” Depois,
reparou na tigela de madeira e riu-se. “Foi tão fácil, mas tão fácil!”


A
madrasta de Priya foi a correr para casa e convidou todos os amigos
ricos para um enorme banquete. Para grande alívio seu, não teve de
convidar Priya, uma vez que o pai ainda estava fora. À noite, a
madrasta surgiu resplandecente de ouro e seda, toda ela inchada de
vaidade, para receber os convidados em sua casa. Os convidados foram-se
sentando confortavelmente nas cadeiras muito elegantes. A seguir, a
madrasta de Priya foi buscar a tigela de madeira e colocou-a em cima da
mesa para que todos a vissem. “E agora, um momento de magia”, disse.


Pediu,
então, uma série de pratos exóticos. Os hóspedes fixaram o olhar ávido
na tigela. Fez-se um profundo silêncio. Ninguém aparecia para os
servir e os convidados permaneciam expectantes. Não tinham comido nada
durante o dia, na esperança de que a refeição fosse tão suculenta
quanto a de Priya. No desconforto crescente da espera, começaram a
suspirar e a mexer-se, inquietos, nas cadeiras.


A
madrasta de Priya bateu repetidamente com a tigela de madeira na mesa:
“Despachem-se, suas lesmas, que estamos com fome!” Nesse preciso
momento, começaram a deslizar para fora da tigela cobras e mais cobras
sibilantes, de línguas bífidas vibrando no ar. Horrorizada, a madrasta
de Priya soltou um grito e os convidados fugiram. As cobras, no
entretanto, desapareceram rapidamente nas ervas altas. A madrasta de
Priya sentiu-se muito envergonhada e ficou cabisbaixa, pesada pelo
remorso. Como poderia voltar a olhar alguém de frente?


Quando
o pai de Priya regressou de viagem, a mulher explicou-lhe por que
razão a filha não estava lá para recebê-lo. “Priya não queria trabalhar
e, por isso, fugiu. Ela é a nossa vergonha. Não nos resta outra saída
senão abandonar a cidade o mais rapidamente possível.”


O
vendedor ambulante ficou perplexo. Não conseguia acreditar na mulher,
pois tinha a certeza de que Priya nunca o abandonaria. “Não poderei
partir sem a minha menina, a minha Priya querida. Vou à procura dela
para a trazer de volta.” Após uma busca incessante ao longo de três
dias e três noites, acabou por encontrar a filha no templo, a rezar à
deusa Durga Ma.


“Minha
querida filha!” Tomou Priya nos braços e apertou-a contra si de
lágrimas nos olhos. “Porque é que te foste embora?” Priya contou-lhe
tudo. “Volta para casa, peço-te”, implorou o pai. “ A tua madrasta não
vai viver mais connosco.”


Priya concordou sem hesitar, despediu-se do swami,
pegou na tigela e foi-se embora com o pai. Quando chegaram a casa, a
madrasta já tinha partido. Desde então, Priya viveu feliz com o pai. E a
tigela mágica continuou a oferecer manjares deliciosos que Priya
sempre partilhava com as outras pessoas.


(1)Um dos 28 estados da Índia, no sudeste da península indiana.

(2)A deusa suprema.

(3)Árvore típica da Índia, de cujos ramos pendem raízes e que pode atingir uma grande envergadura.

(4)Título honorífico hindu atribuído tanto a homens como a mulheres. O termo provém do sânscrito e significa "aquele que sabe e se domina a si mesmo".

Shenaaz Nanji; Christopher Corr
Indian Tales: A Barefoot Collection
Cambridge, MA: Barefoot Books, 2007

(Tradução e adaptação

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Só discuto o que nao sei ...O ke sei ensino ...POIZ
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