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O preço de ser Israel

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Mensagem por Vitor mango Dom Ago 31, 2014 2:46 am

O preço de ser Israel
António Guerreiro
31/08/2014 - 09:37
A história do sionismo é um debate permanente, fora e dentro do judaísmo, que revela, segundo o autor, as questões nunca solucionadas que estão na base da edificação do Estado de Israel e deram origem a uma radicalização do conflito israelo-árabe




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O proto-sionismo do século XIX foi um ideal que tornou possível a edificação de um Estado judaico. Na sua dimensão política – muitas vezes em divergência com o plano cultural e o religioso - o sionismo cumpriu-se com a proclamação do Estado de Israel em 1948, na sequência da resolução da ONU que consagrava a criação de dois Estados, um judeu e outro árabe palestiniano. O não cumprimento desta resolução – a par da expansão territorial que resulta em formas coloniais de expulsão e de repressão – tornou-se um argumento usado para pôr em causa a legitimidade de Israel.
Em síntese, eram estes os princípios fundamentais do sionismo das origens: resgatar o povo judeu de uma história de humilhação e perseguição (que viria a culminar no extermínio como “solução final”), possibilitando aos judeus da diáspora serem acolhidos como cidadãos desse Estado; conceder aos Judeus um território de pertença nacional ao qual eles estavam ligados pela história, pela memória e pelo mito, de modo a reconstruir aí uma comunidade baseada em princípios culturais e religiosos que no exílio tinham sido reprimidos ou aniquilados; construir uma sociedade justa e democrática, fundada em valores que, em muitos aspectos, estavam em ruptura com a sociedade capitalista (não esqueçamos que o movimento sionista teve origem em duas típicas ideologias políticas do século XIX, que hoje parecem contraditórias: o nacionalismo e o socialismo). Mas os ideais do sionismo dissolveram-se ou, pelo menos, têm sido submetidos a muitas interrogações. Um povo que se constitui como nação, uma nação que se organiza como Estado, um Estado que reclama um predicado étnico e/ou religioso - “judeu” - implantado num território que se quer identificado com a ancestralidade bíblica da “Terra de Israel”: tudo isto é mais do que suficiente para que o sionismo se tenha transformado em ideologia (e o anti-sionismo se tenha reconfigurado à sua imagem) e a questão de Israel, a sua legitimação histórico-político-jurídica, seja motivo de disputas intelectuais exacerbadas.
O grande teórico do sionismo político foi o austríaco Theodor Herzl, que  publicou em 1896 o livro-panfleto O Estado dos Judeus (Der Judenstaat), com o qual apelava a uma acção política de grande alcance, mobilizadora do movimento sionista internacional: fundar uma pátria onde os Judeus poderiam ser acolhidos e ficar a salvo do “eterno anti-semitismo”. Como explicou Hannah Arendt, esta ideia de um anti-semitismo eterno (simétrico do “judeu eterno”) teve como consequência a incapacidade dos Judeus de apreender a diferença existente entre a oposição dos Árabes a um Estado judeu e o anti-semitismo europeu moderno. Ou então, como afirma outra judia, Judith Butler, essa indistinção passou a ser praticada estrategicamente pelos sionistas, como recurso retórico. O projecto sionista causou sempre resistência nalguns sectores judaicos, tanto naqueles, laicos ou religiosos, que entendiam o sionismo como um movimento cultural e não político, como da parte dos ortodoxos, que achavam que era preciso esperar pelo Messias e não trazer o que era da ordem da intervenção divina para o plano político da história profana. E também grandes teólogos e filósofos judaicos, não ortodoxos, se mostraram reticentes. É o caso de duas figuras eminentes do judaísmo, na Alemanha, os filósofos e teólogos Martin Buber (1878-1965; austríaco de nascimento) e Franz Rosensweig (1886-1929), que trabalharam em conjunto numa tradução da Bíblia para a língua alemã. O primeiro achava que os fins do sionismo político pervertiam o espírito do sionismo cultural. Por isso, ele e muitos membros da organização a que pertencia contestaram a legitimidade da declaração da soberania política de Israel como estado judaico, feita por Ben-Gurion em 1948. Rosensweig, por seu lado, via no sionismo uma forma laicizada do messianismo que tendia a privar o judaísmo da sua identidade religiosa e a normalizá-lo, através da reterritorialização e politização num Estado. Mais perto de nós, George Steiner representa uma terceira posição anti-sionista no interior do judaísmo: a do cosmopolitismo e universalidade que requerem a diáspora.
Para percebermos as razões e contradições do projecto sionista, assim como o seu aspecto poligonal, é imprescindível ler os escritos autobiográficos, alguma correspondência, as entrevistas e os artigos sobre Israel e o sionismo de Gershom Scholem (1897-1982), dado que se trata de um dos maiores intelectuais judeus do século XX e um “fundador”, de tal modo que as suas posições e intervenções ganharam um valor doutrinário e  paradigmático, iluminando aquilo que a ideologia e as contingências de uma guerra sem solução entretanto obscureceram. Este berlinense de uma família judia completamente integrada e desligada da tradição (grande amigo, desde jovem, de Walter Benjamin, a quem tentou, em vão, aproximar das teses sionistas) emigrou para a Palestina em 1923 e tornou-se o maior estudioso da Cabala e da mística judaica. A sua decisão de emigrar para a Palestina, que ele justificou como sendo de ordem moral, isto é, ditada pelo imperativo de “renovar o judaísmo” e “edificar uma sociedade judaica”, teve a veemente oposição da família, que nunca viu com bons olhos a ligação do jovem Gerhard (na Palestina passou a chamar-se Gershom) aos círculos semitas de estudantes, quando estudava Matemática, na Universidade. Scholem instalou-se em Jerusalém porque tinha a esperança de que o sionismo – aquele em que acreditava, que ele dizia ser um “sionismo prático”, não messiânico, em que o lado político contava pouco ou, pelo menos, não era essencial – iria fazer renascer o judaísmo do seu interior. O renascimento e a renovação do judaísmo - que ele entendia como algo em movimento, em metamorfose - eram a sua principal motivação pois considerava que a diáspora o tinha conduzido a um “estado de morte clínica” e que só lá, na “Terra de Israel”, é que poderia reencontrar vida. Para ele, o judaísmo era algo vivo, destinado a transformar-se e impossível de ser encerrado numa definição dogmática. O sionismo devia então corresponder a esta necessidade de renascimento. A resistência de Scholem ao ambiente em que cresceu e foi educado e, depois, a sua partida para a Palestina foi uma reacção à assimilação judaico-alemã, em que ele não acreditava, considerando-a uma farsa. Para percebermos como a sua adesão ao sionismo perturba os quadros actuais de entendimento político-ideológico do fenómeno, devemos dizer que Scholem, na sua juventude, fazia parte da ala radical sionista mais à esquerda, o que significa – afirmou ele numa entrevista – “que nunca teria considerado como sionista alguém que não tivesse querido emigrar para a Palestina”. Até ao fim da vida, Scholem considerou-se um anarquista. E, numa entrevista, sublinhou que “uma grande parte dos representantes da edificação de Israel é o movimento operário e os seus representantes que fizeram o verdadeiro trabalho”.

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