por Vitor mango Qui Out 20, 2022 3:06 pm
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[th]Meloni: xeque-mate a Berlusconi
A Itália viveu ontem uma jornada política alucinante. Silvio Berlusconi lançou uma provocação sem precedentes a Giorgia Meloni e à política europeia em geral, afirmando-se como chefe de fila dos pró-russos, louvando Putin, "pessoa de paz e sensata", e atribuindo a responsabilidade da guerra a Zelensky e à "resistência da Ucrânia". Ao fim do dia, Meloni cortava todas as pontes com o Cavaliere. De facto, expulsava-o pessoalmente da sua maioria. Com que consequências? O próximo Governo permanece um enigma.Declarou Meloni na quarta-feira à noite: "Numa coisa sempre fui e serei clara. Entendo guiar um Governo com uma linha de política externa clara e inequívoca. A Itália é a pleno título, e de cabeça erguida, parte da Europa e da Aliança Atlântica. Quem não estiver de acordo com esta pedra angular, não poderá fazer parte do Governo, mesmo à custa de não se formar Governo. A Itália, connosco no Governo, jamais será o elo fraco do Ocidente. (
) Sobre isto, exigirei clareza a todos os ministros."O destinatário da mensagem é Berlusconi. Foi uma semana de farsa num quadro de uma virtual tragédia. Alguém disse ser a primeira crise do Governo de direita mesmo antes de ele existir. Meloni não teme os adversários, mas os aliados, em particular Berlusconi, que transformam a formação do Governo num campo de minas. No fundo, tanto a Força Itália como a Liga resistem a aceitar a liderança de Meloni, cuja imagem tentam já desgastar. "É uma coligação que perdeu a bússola", escreveu no La Republica o analista Francesco Bei. Para lá de um intenso regateio na distribuição dos ministérios, Berlusconi põe em causa a credibilidade da política externa do futuro Governo e assume-se como o "amigo italiano" de Putin. Numa reunião com os parlamentares do seu partido, Força Itália, anunciou ter restabelecido as suas relações com Putin. E contou uma história comovente. "No dia do meu aniversário [29 de Setembro], Putin enviou-me 20 garrafas de vodka e uma carta gentilíssima. Respondi-lhe com garrafas de Lambrusco e com uma carta igualmente gentil. Declarei que era o primeiro dos seus cinco verdadeiros amigos." No mesmo dia 29, Putin decretava a "independência" de mais duas regiões ucranianas ocupadas. E o Cavaliere foi mais longe, sob aplausos dos deputados e senadores. "A guerra é culpa da resistência ucraniana. Não digo o que penso de Zelensky." Lembre-se que, na véspera das eleições, Berlusconi afirmara na televisão que o objectivo de Putin era simplesmente substituir o Governo de Zelensky por outro com "pessoas decentes". Berlusconi tentou negar como "calúnias" aquelas declarações, mas depressa apareceram duas gravações que o desmentiram e incendiaram o ambiente. Não foi apenas Berlusconi a provocar Meloni e a tentar condicionar o futuro Governo. Também o novo presidente da Câmara dos Deputados, Lorenzo Fontana, da Liga de Salvini, criticou as sanções a Moscovo que se transformaram num boomerang e podem ser "a arma de Putin para derrotar a Europa". É um velho argumento de Salvini.Que política externa anunciará Meloni ao Presidente da República? A sua linha neo-atlantista ou a pró-russa dos seus aliados? Ela já respondeu. Mas falta saber o que se passará no Governo e no parlamento quando, também muito em breve, for votado o sexto decreto de fornecimento de armas à Ucrânia. São perguntas que se fazem na UE e na NATO e que serão o teste da credibilidade internacional da Itália. As relações pessoais, que encobrem as políticas, são de cortar à faca. Na semana passada, quando Meloni recusou as suas reivindicações de ministérios, Berlusconi acusou-a de ter um comportamento "teimoso, prepotente, arrogante, ofensivo. Nenhuma disponibilidade para mudar. Alguém com quem não se pode chegar a acordo." Ela disse-lhe que não aceitava chantagens. Ele responde que não prevê para este executivo mais de um ano de vida. Outra exigência de Berlusconi era a nomeação da fidelíssima senadora Elisabetta Casellati para ministra da Justiça. Depois de todo o seu historial judicial, o Cavaliere ainda tem processos pendentes. Qual o objectivo? Lançar um novo golpe contra a magistratura e mostrar que tutela Meloni. Após o último encontro com "La Signora" (assim a passou a tratar), Berlusconi mentiu aos jornalistas, declarando que ela aceitava o nome de Casellati. Meloni teve de desmentir imediatamente. "Passado menos de um mês após aquele fatídico 25 de Setembro [dia das eleições], a coligação já parece feita em pedaços, vítima das suas contradições", resume Bei.Pergunta Meloni: "Por que o deixam falar em roda livre, sabendo como é Berlusconi, que diz tudo o que lhe passa pela cabeça?" Tinha comentado dias antes: "Ele é como o escorpião e a rã. Pica-a mesmo se sabe que também ele vai morrer
mas ele é assim e isto é mais forte do que ele." Conclui no Corriere della Sera o editorialista Francesco Verderami: "A verdade é que a competição eleitoral se transformou numa guerra de posições. Isto tem a ver em parte com o braço-de-ferro sobre os ministérios. A questão diz respeito ao reconhecimento da liderança de Meloni e a uma nova geografia política da área que durante 20 anos foi hegemonizada pelo Cavaliere e que Salvini tentou conquistar sem o conseguir. Em suma, para a Força Itália e para a Liga, seria uma batalha pela sobrevivência." Meloni deverá ser encarregada de formar Governo pelo Presidente Mattarella amanhã à noite, tencionando anunciar a composição do gabinete no sábado ou no domingo, para então tomar posse.O "nó do Governo" ainda não está desatado, sublinha no La Repubblica o analista Stefano Folli. "Mas as palavras de Georgia Meloni indicam que não se volta atrás. Sob pena de não formar Governo, o esclarecimento é urgente. Não bastarão frases de circunstância. É uma ruptura, não para recoser, mas para levar às extremas consequências."[/th]
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Jorge Almeida Fernandes |
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Só discuto o que nao sei ...O ke sei ensino ...POIZ