CARTA AO ARCEBISPO DE OLINDA

CARTA AO ARCEBISPO DE OLINDA


A Sua Eminência Reverendíssima,
Arcebispo de
Olinda e Recife.

Parabéns, D. José!

A excomunhão das pessoas envolvidas no aborto dos gêmeos que estavam sendo gerados pela menina de 9 anos estuprada pelo padrasto mostrou a todo o Brasil a sua misericórdia, a sua compaixão, a sua defesa da vida e o seu exemplo de perfeito católico. Sua atitude também evidenciou claramente sua compreensão do legado de D. Helder Câmara.

O senhor deve estar orgulhoso de sua alma católica, perfeitamente coordenada com os burocratas da cúria romana.

Quanto a sua compaixão e misericórdia, elas são nulas... Nulas, D. José... E sua
compreensão da vida e da mensagem de D. Helder foi nenhuma, D. José...
Mas, naturalmente, a organização a qual o senhor pertence tem sabido capitalizar em torno da comemoração de seu centenário...

Vivemos em um Estado laico e secular, D. José...

Por mais que o senhor não se conforme e pense que ainda estamos na Idade Média, essa é a realidade do século XXI, D. José.. Suas excomunhões, por insignificantes, são motivo de risos, eminentíssimo D. José... Mesmo risíveis, ainda me pergunto: "por quê o D. José não excomungou o padrasto?", "por quê o D. José não consolou a menina e sua mãe?". Mas não precisa responder, D. José... Já está bastante claro que o senhor e
os seus confrades não seguem os ensinamentos de Cristo, conquanto são os burocratas da igreja dos homens, uma instituição transnacional e multi-milionária.

Uma criança de 9 anos sistematicamente estuprada pelo padrasto desde os 6 anos de idade. Pesando 36 kg e com 2 fetos em gestação dentro de um útero não formado, D. José... O senhor acha que essa menina sobreviveria a essa gravidez, D. José? Em algum momento o senhor pensou no risco de vida da menina? Mas se ela morresse, ela ainda seria útil como mártir e depois beata e santa na cruzada católica contra o direito
das mulheres sobre seu próprio corpo, eu suponho. Em algum momento o senhor pensou nos traumas psíquicos e abalo emocional dessa menina, D. José? Acho que não... O senhor apenas se achava loucamente no direito de obrigar a menina a carregar por 9 meses dois fetos resultantes de um estupro...

Sabe o que o senhor poderia ter feito?

Se me permite uma sugestão, o senhor deveria ter orado ao seu Deus por um milagre e pedido que os gêmeos fossem misteriosamente transportados do corpo da menina de 36 kg para um útero que surgiria em sua gorda barriga... Não seria interessante?

Parece que o senhor afirmou que as leis dos homens não são superiores às leis de Deus... Leis de Deus ou leis da igreja, D. José? De qualquer forma, o senhor está entrando em um discurso perigoso ao fazer a apologia da ilegalidade, reverendíssimo. O senhor sabia, eu imagino, que a lei brasileira permite o aborto em situações de estupro ou de risco de vida para a mãe ... Essa criança se enquadrava nos dois casos, D.
José... E agora, José?

O senhor pode professar a religião que quiser, D. José... Pode acreditar ou fingir que acredita em qualquer fantasia, D. José... Mas o que o senhor e os seus precisam entender é que NÃO PODEM impor ao conjunto da população os seus mandamentos religiosos e determinações morais. Simples assim, D. José...

Mas a sua igreja perdeu mais uma vez... Perdeu quando separou-se a igreja do Estado. Perdeu quando aprovamos o divórcio. Perdeu quando o governo estimula o controle da natalidade. Perdeu quando o Ministério da Saúde distribui preservativos. Perdeu quando o STF liberou as pesquisas com células-tronco. E vai perder quando o nosso Congresso não ratificar a famigerada concordata com a santa sé. Vai perder quando o casamento entre pessoas do mesmo sexo for aprovado. Vai perder quando o direito ao aborto for proclamado. E sabe por quê, sr. arcebispo? Porque a sua igreja está ao lado do
obscurantismo e o mundo está no século XXI. Sua igreja é anacrônica, Zé!

Sabe, há tempos eu quero fazer uma declaração de apostasia... Sim, pois me batizaram sem minha autorização... Mas agora estou achando sem graça escrever esse papel e enviar para a diocese onde recebi o sacramento... O mais legal é ser excomungado com toda a pompa... Acho tão elegante ser excomungado... Será que o senhor poderia providenciar isso, D. José? Bom, se puder me ajudar, eu fui batizado em Itápolis-SP, em 1977. Sem querer abusar do seu tempo precioso e de suas tarefas mui relevantes, o
senhor pode contatar seu colega, o bispo que responde por Itápolis, para que ele me excomungue também? A igreja emite algum tipo de certificado de excomunhão? Se emitir, eles podem enviar para o meu endereço? Vou adorar mostrar para todos os meus amigos!

Cordiais e laicas
saudações,

Eduardo Fonseca,
cidadão.