Os novos mártires da televisão
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Os novos mártires da televisão
Os novos mártires da televisão
1. Ontem, dia 17 de Junho, às 23h11, no programa Negócios da Semana (SIC Notícias), Paulo Rangel considerava a entrevista com José Sócrates (transmitida pouco antes, na SIC e na SIC Notícias) como uma espécie de "novas Conversas em Família", sinal daquilo que chamou "neo-marcelismo". Se avaliarmos a sugestão no plano da análise política, o mínimo que se pode dizer é que reflecte a desastrosa irresponsabilidade de quem favorece uma grosseira confusão de contextos e regimes. Como intervenção no espaço televisivo, comete o erro (certamente involuntário, não tenho dúvidas) de favorecer insinuações pouco agradáveis sobre os próprios canais que deram voz ao primeiro-ministro.
2. Pergunta-se, por isso: num país em que, por vezes, um "espirro" de um político é tratado como se fosse o enunciar de um programa quinquenal, porque é que ninguém diz nada sobre a monumental gaffe de Paulo Rangel? A resposta é simples: em termos televisivos, há uma conta-corrente dos políticos que impõe uma visão maniqueísta do seu comportamento — e, neste momento, Paulo Rangel está em alta, quer dizer, as coisas inteligentes e as coisas sem sentido que possa dizer serão recebidas com a mesma olímpica indiferença.
3. Quem está em baixa, como é óbvio, é José Sócrates. E de uma maneira que pouco ou nada tem a ver com o seu trabalho. Repare-se: a governação de Sócrates é, por certo, um manancial de temas que só pode suscitar diferenças e divergências — e é bom que possamos ter uma vida social e mediática em que os nossos governantes sejam objecto de um escrutínio sério e regular. Mas o que está a acontecer é de outra natureza: tem a ver com o facto de, em termos globais, a informação televisiva se ter passado a conceber, não como uma espectadora dos confrontos, mas como uma indutora de conflitos.
4. Num certo sentido, hoje em dia, a informação televisiva portuguesa é sempre de oposição — e é-o, repare-se, seja quem for que esteja no governo. Seria, por certo, criativo e estimulante que tívessemos uma informação em que o gosto da verdade (gosto complexo e muito exigente) não excluísse a paixão das causas. Mas não: as televisões só parecem seguras da sua existência se puderem, todos os dias, sacrificar alguém no seu altar de autoproclamada objectividade. E há muito que encontraram o intérprete ideal dos seus martírios: o primeiro-ministro.
5. Entenda-se: não este primeiro-ministro, mas o primeiro-ministro como símbolo mais exposto da vida pública. Claro que sociedades alimentadas por este tipo de tensão mediática são dadas ao rápido apagamento das suas próprias memórias. Por isso, vale a pena lembrar: na prática, está a acontecer com José Sócrates o mesmo que se verificou com Santana Lopes. Sabe Deus que terá havido muitas e legítimas razões para discutir a sua governação (como as há para contestar Sócrates). Mas nada disso teve a ver com o processo de destruição simbólica a que Santana Lopes foi metodicamente sujeito enquanto primeiro-ministro — do ponto de vista dominante em televisão, um bom mártir não se pode largar... até ele desaparecer.
6. Num país realmente atento aos problemas da sua vida democrática, a alusão brincalhona (?) de Paulo Rangel ao "neo-marcelismo" teria que ser, no mínimo, confrontada com alguns dados históricos. Lembro três, em nada ligeiros, essenciais para lidarmos com o marcelismo propriamente dito:
a) - a existência de uma censura oficial;
b) - o aprisionamento de muitos opositores do governo;
c) - a manutenção da guerra colonial.
Não que eu queira favorecer o retrato simplista desse tempo, retrato que nos descreve a todos como macacos enjaulados pela polícia política (se outras razões não houvesse, atrevo-me a evocar o facto de pertencer a uma geração que viveu a sua adolescência nessa época, o que me leva a não aceitar que os esquematismos políticos — de esquerda e de direita — roubem memórias de alegria, dor e paixão que a cada um pertencem). Mas é incrível que alguém com responsabilidades políticas numa democracia favoreça, assim, a obscena banalização do próprio tempo em que vive.
7. Perguntarão os mais obsessivos: e se Sócrates fosse culpado de tantas fraquezas — ou mesmo crimes — de que é acusado? Pois bem, nesse caso seria bom que a nossa democracia soubesse repor, de todas as formas necessárias, os valores que a fundamentam e conduzem. Apesar disso, ou melhor, precisamente por causa disso, importa continuar a discutir os valores de uma ideologia televisiva que nos empurra para um clubismo "político" que faz de nós seres humanos que privilegiam o conflito, a insinuação e, em última instância, o menosprezo pelo nosso semelhante. É verdade: somos um país tão católico e diz-se tão pouco sobre esta quotidiana degradação da dimensão humana do outro.
Publicada por João Lopes
1. Ontem, dia 17 de Junho, às 23h11, no programa Negócios da Semana (SIC Notícias), Paulo Rangel considerava a entrevista com José Sócrates (transmitida pouco antes, na SIC e na SIC Notícias) como uma espécie de "novas Conversas em Família", sinal daquilo que chamou "neo-marcelismo". Se avaliarmos a sugestão no plano da análise política, o mínimo que se pode dizer é que reflecte a desastrosa irresponsabilidade de quem favorece uma grosseira confusão de contextos e regimes. Como intervenção no espaço televisivo, comete o erro (certamente involuntário, não tenho dúvidas) de favorecer insinuações pouco agradáveis sobre os próprios canais que deram voz ao primeiro-ministro.
2. Pergunta-se, por isso: num país em que, por vezes, um "espirro" de um político é tratado como se fosse o enunciar de um programa quinquenal, porque é que ninguém diz nada sobre a monumental gaffe de Paulo Rangel? A resposta é simples: em termos televisivos, há uma conta-corrente dos políticos que impõe uma visão maniqueísta do seu comportamento — e, neste momento, Paulo Rangel está em alta, quer dizer, as coisas inteligentes e as coisas sem sentido que possa dizer serão recebidas com a mesma olímpica indiferença.
3. Quem está em baixa, como é óbvio, é José Sócrates. E de uma maneira que pouco ou nada tem a ver com o seu trabalho. Repare-se: a governação de Sócrates é, por certo, um manancial de temas que só pode suscitar diferenças e divergências — e é bom que possamos ter uma vida social e mediática em que os nossos governantes sejam objecto de um escrutínio sério e regular. Mas o que está a acontecer é de outra natureza: tem a ver com o facto de, em termos globais, a informação televisiva se ter passado a conceber, não como uma espectadora dos confrontos, mas como uma indutora de conflitos.
4. Num certo sentido, hoje em dia, a informação televisiva portuguesa é sempre de oposição — e é-o, repare-se, seja quem for que esteja no governo. Seria, por certo, criativo e estimulante que tívessemos uma informação em que o gosto da verdade (gosto complexo e muito exigente) não excluísse a paixão das causas. Mas não: as televisões só parecem seguras da sua existência se puderem, todos os dias, sacrificar alguém no seu altar de autoproclamada objectividade. E há muito que encontraram o intérprete ideal dos seus martírios: o primeiro-ministro.
5. Entenda-se: não este primeiro-ministro, mas o primeiro-ministro como símbolo mais exposto da vida pública. Claro que sociedades alimentadas por este tipo de tensão mediática são dadas ao rápido apagamento das suas próprias memórias. Por isso, vale a pena lembrar: na prática, está a acontecer com José Sócrates o mesmo que se verificou com Santana Lopes. Sabe Deus que terá havido muitas e legítimas razões para discutir a sua governação (como as há para contestar Sócrates). Mas nada disso teve a ver com o processo de destruição simbólica a que Santana Lopes foi metodicamente sujeito enquanto primeiro-ministro — do ponto de vista dominante em televisão, um bom mártir não se pode largar... até ele desaparecer.
6. Num país realmente atento aos problemas da sua vida democrática, a alusão brincalhona (?) de Paulo Rangel ao "neo-marcelismo" teria que ser, no mínimo, confrontada com alguns dados históricos. Lembro três, em nada ligeiros, essenciais para lidarmos com o marcelismo propriamente dito:
a) - a existência de uma censura oficial;
b) - o aprisionamento de muitos opositores do governo;
c) - a manutenção da guerra colonial.
Não que eu queira favorecer o retrato simplista desse tempo, retrato que nos descreve a todos como macacos enjaulados pela polícia política (se outras razões não houvesse, atrevo-me a evocar o facto de pertencer a uma geração que viveu a sua adolescência nessa época, o que me leva a não aceitar que os esquematismos políticos — de esquerda e de direita — roubem memórias de alegria, dor e paixão que a cada um pertencem). Mas é incrível que alguém com responsabilidades políticas numa democracia favoreça, assim, a obscena banalização do próprio tempo em que vive.
7. Perguntarão os mais obsessivos: e se Sócrates fosse culpado de tantas fraquezas — ou mesmo crimes — de que é acusado? Pois bem, nesse caso seria bom que a nossa democracia soubesse repor, de todas as formas necessárias, os valores que a fundamentam e conduzem. Apesar disso, ou melhor, precisamente por causa disso, importa continuar a discutir os valores de uma ideologia televisiva que nos empurra para um clubismo "político" que faz de nós seres humanos que privilegiam o conflito, a insinuação e, em última instância, o menosprezo pelo nosso semelhante. É verdade: somos um país tão católico e diz-se tão pouco sobre esta quotidiana degradação da dimensão humana do outro.
Publicada por João Lopes
Viriato- Pontos : 16657
Re: Os novos mártires da televisão
É verdade: somos um país tão católico e diz-se tão pouco sobre esta quotidiana degradação da dimensão humana do outro.
Disse muito bem. Católico, mas não CRISTÃO.
Disse muito bem. Católico, mas não CRISTÃO.
Vagueante- Pontos : 1698
Re: Os novos mártires da televisão
rangel Rangel
Joga onde ?
o nome nao me é estranho
Joga onde ?
o nome nao me é estranho
Vitor mango- Pontos : 118212
Re: Os novos mártires da televisão
PS, PSD A CENTRO ESQUERDA que DETRUIO A PATRIA!!
RONALDO ALMEIDA- Pontos : 10367
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