A visita da minha prima Hermenegilda.
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A visita da minha prima Hermenegilda.
A visita da minha prima Hermenegilda.
No Domingo à noite, já os jovens social-democratas pulavam à corda na sede do PSD, tive uma surpresa: a minha prima Hermenegilda, sem aviso prévio, bateu-me à porta, o que não acontecia há quase uma dezena de anos. Telefona-me com frequência, deliberadamente quando estou a assistir a um jogo de futebol; almoçamos meia dúzia de vezes por ano, se tanto, invariavelmente no Bairro Alto, mas bater-me à porta «espontaneamente» estava fora dos seus hábitos. Entrou com o à vontade de quem conhece os cantos à casa, exibindo as mamas pródigas que lhe saltavam do vestido decotado e o último marido, figura esguia, com uma farta cabeleira a esbranquiçar, uns óculos de aros redondos, e um ar distante ou apalermado, não entendi bem. «Ia a caminho do Café de S. Bento, vi luz e decidi ver se estavas em casa. Há muito tempo que não almoçamos» – Disse-me, com ar sonso. Apeteceu-me dizer-lhe que estava mais gorda, para me ressarcir da intrusão, mas contive-me. Sem cerimónias sentou e, enquanto esboçava um sorrisinho hipócrita para o marido, disparou: «Que grande derrota do teu partido. Ainda és apoiante do Sócrates?». Adivinhei os sarilhos em que a conversa podia descambar, e suavizei a resposta: «A democracia é isto, querida prima.» - Respondi. Ela, com o azedume que lhe brota das frustrações, e com trejeitos a imitar Manuela Moura Guedes, interrogou-me: «Democracia? Qual democracia? Explica-me a diferença entre a democracia socratista e a democracia de Pinochet?» E olhou para o marido, sentado a seu lado, coçando a barba rala, como a pedir-lhe aplausos. Ele (nem sequer fixei o nome) balbuciou: «É verdade, mas o exemplo corre o risco de branquear a ditadura de Pinochet». Olhei, condescendente, aquele «par de jarras» sentados no sofá à minha frente, enquanto a vida da Hermenegilda me passou pela cabeça, como um filme. Recordo-me bem quando, em Abril de 1973, procurava uma casa insuspeita para esconder um amigo, procurado pela PIDE, por meia dúzia de dias, os suficientes para sair do país em segurança, e tive a infeliz ideia de me lembrar da Hermenegilda. «Andas metido com os comunistas e queres estragar a minha vida, mas eu não permito» – Disse-me roborizada. E, agora, está aqui a fazer comparações disparatadas, como se eu não a conhecesse. Afastei os meus pensamentos porque Hermenegilda não apreciou o meu silêncio, e continuou a falar: «A esquerda já tem mais de 20% dos votos. E vai continuar a crescer. Se o Manuel Alegre se decidisse partir o teu partido este país podia dizer adeus ao capitalismo». Com ar apaziguador, ainda lhe disse: «Hermenegilda estas eleições contam pouco, esperemos pelas legislativas». Ela, levantou-se, acomodou as mamas para dentro do decote, e ripostou: «Pareces esse tal Vitalino Canas a falar. Vou-me embora. Vim cá para te avisar que o capitalismo está no estertor final, aqui e em todo o mundo». O marido levantou-se, e de mão dada, desampararam-me a casa, depois de eu espreitar para dentro do decote na despedida. Não suporto a minha prima Hermenegilda, uma típica pequeno-burguesa radical que passou os cinquenta anos de vida sem nunca ter trabalhado. Mas é a única prima que tenho.
(Texto publicado em primeira mão, no dia 10 de Junho, no blogue do Tiago Moreira Ramalho (O afilhado).
Por Tomás Vasques
No Domingo à noite, já os jovens social-democratas pulavam à corda na sede do PSD, tive uma surpresa: a minha prima Hermenegilda, sem aviso prévio, bateu-me à porta, o que não acontecia há quase uma dezena de anos. Telefona-me com frequência, deliberadamente quando estou a assistir a um jogo de futebol; almoçamos meia dúzia de vezes por ano, se tanto, invariavelmente no Bairro Alto, mas bater-me à porta «espontaneamente» estava fora dos seus hábitos. Entrou com o à vontade de quem conhece os cantos à casa, exibindo as mamas pródigas que lhe saltavam do vestido decotado e o último marido, figura esguia, com uma farta cabeleira a esbranquiçar, uns óculos de aros redondos, e um ar distante ou apalermado, não entendi bem. «Ia a caminho do Café de S. Bento, vi luz e decidi ver se estavas em casa. Há muito tempo que não almoçamos» – Disse-me, com ar sonso. Apeteceu-me dizer-lhe que estava mais gorda, para me ressarcir da intrusão, mas contive-me. Sem cerimónias sentou e, enquanto esboçava um sorrisinho hipócrita para o marido, disparou: «Que grande derrota do teu partido. Ainda és apoiante do Sócrates?». Adivinhei os sarilhos em que a conversa podia descambar, e suavizei a resposta: «A democracia é isto, querida prima.» - Respondi. Ela, com o azedume que lhe brota das frustrações, e com trejeitos a imitar Manuela Moura Guedes, interrogou-me: «Democracia? Qual democracia? Explica-me a diferença entre a democracia socratista e a democracia de Pinochet?» E olhou para o marido, sentado a seu lado, coçando a barba rala, como a pedir-lhe aplausos. Ele (nem sequer fixei o nome) balbuciou: «É verdade, mas o exemplo corre o risco de branquear a ditadura de Pinochet». Olhei, condescendente, aquele «par de jarras» sentados no sofá à minha frente, enquanto a vida da Hermenegilda me passou pela cabeça, como um filme. Recordo-me bem quando, em Abril de 1973, procurava uma casa insuspeita para esconder um amigo, procurado pela PIDE, por meia dúzia de dias, os suficientes para sair do país em segurança, e tive a infeliz ideia de me lembrar da Hermenegilda. «Andas metido com os comunistas e queres estragar a minha vida, mas eu não permito» – Disse-me roborizada. E, agora, está aqui a fazer comparações disparatadas, como se eu não a conhecesse. Afastei os meus pensamentos porque Hermenegilda não apreciou o meu silêncio, e continuou a falar: «A esquerda já tem mais de 20% dos votos. E vai continuar a crescer. Se o Manuel Alegre se decidisse partir o teu partido este país podia dizer adeus ao capitalismo». Com ar apaziguador, ainda lhe disse: «Hermenegilda estas eleições contam pouco, esperemos pelas legislativas». Ela, levantou-se, acomodou as mamas para dentro do decote, e ripostou: «Pareces esse tal Vitalino Canas a falar. Vou-me embora. Vim cá para te avisar que o capitalismo está no estertor final, aqui e em todo o mundo». O marido levantou-se, e de mão dada, desampararam-me a casa, depois de eu espreitar para dentro do decote na despedida. Não suporto a minha prima Hermenegilda, uma típica pequeno-burguesa radical que passou os cinquenta anos de vida sem nunca ter trabalhado. Mas é a única prima que tenho.
(Texto publicado em primeira mão, no dia 10 de Junho, no blogue do Tiago Moreira Ramalho (O afilhado).
Por Tomás Vasques
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