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"A única opinião que me interessa é a dos leitores" HELENA TEIXEIRA DA SILVA Miguel Sousa Tavares

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"A única opinião que me interessa é a dos leitores" HELENA TEIXEIRA DA SILVA  Miguel Sousa Tavares Empty "A única opinião que me interessa é a dos leitores" HELENA TEIXEIRA DA SILVA Miguel Sousa Tavares

Mensagem por Vitor mango Dom Jul 19, 2009 5:51 am

"A única opinião que me interessa é a dos leitores"
HELENA TEIXEIRA DA SILVA

Miguel Sousa Tavares publicou o terceiro romance, "No teu deserto", obra assumidamente autobiográfica. Autor afirma que a constante ligação entre os seus livros e a sua imagem é o preço a pagar por estar na televisão.

Só havia uma alternativa: por telefone. Ou isso ou nada. Miguel Sousa Tavares está de férias, longe. Atende o JN ao início da tarde, na praia, para fazer o que menos gosta: explicar o que escreveu "é constrangedor", sabe-lhe sempre a redundância. "No teu deserto" - seu terceiro romance, o primeiro autobiográfico - é uma carta a quatro mãos, a duas vozes, a narração nostálgica do que ficou suspenso entre um jornalista de 36 anos, ele próprio, e uma rapariga, Cláudia, de 21, durante uma viagem de 40 dias ao deserto do Sahara. Foi há 20 anos. E o livro "só existe porque ela morreu". Resgatar agora da memória o episódio e publicá-lo acarreta uma desvantagem: a via verde para a sua vida. Tê-lo-á pesado na balança. "Isso não me pode travar de escrever".

"No teu deserto" é a sua primeira incursão por um romance que não só não é histórico - como "Equador" e "Rio das Flores" - como é autobiográfico. Sentiu que aquela história era demasiado boa para não ser contada ou precisava só de libertar-se dela?

Nunca sei muito bem porque razão escolho escrever o que escrevo. Quando comecei este livro, ele não era nada. Era para ser apenas um texto de uma página, talvez uma carta. Depois, fiquei a pensar naquilo e achei que devia escrever mais, mas sempre sem saber para quê. Finalmente, houve uma altura em que decidi que iria ser um livro. Foi quando deixei de ser o único narrador da história e coloquei a Cláudia também como narradora. Percebi que aquilo deixara de ser uma coisa só entre nós os dois para passar a ser também para o leitor.

O livro, que descreve uma viagem ao deserto do Sahara com uma pessoa real, Cláudia, que, entretanto, morreu, tem uma espécie de chave no seu livro "Sul". Na crónica sobre a pista para Tamanrasset, é possível dar-lhe um rosto, porque ela aparece nas fotografias. Foi consciente esta possibilidade de quase voyeurismo?

As pessoas podem fazer isso, ver a Cláudia, mas é inútil. É impossível descrevê-la mais do que eu o fiz. E vê-la não vai acrescentar nada à história. Não acho que tenha particular interesse ir bisbilhotar quem ela era.

Mas é natural que os leitores sintam vontade de conhecer melhor as personagens de uma história. Para quem faz perguntas, este livro coloca precisamente a dificuldade de saber até onde será justo perorar sobre as personagens, sendo um deles o próprio autor aos 36 anos...

Percebo o seu problema e tenho um correspondente. A minha mãe [Sophia de Mello Breyner] dizia que é muito difícil falar sobre os livros que escrevemos. Achamos que já está tudo no livro e que não há mais nada a explicar. Sinto-me sempre bastante constrangido - não em relação a este livro em particular, mas a todos - a tentar explicar mais do que lá está. É quase como aquela pergunta fatal, para a qual nunca há resposta inteligente nem adequada: porque é que escreve? Passa-se o mesmo com este livro: não tenho explicações. Não seria capaz de perguntar a Marguerite Yourcenar porque é que ela escreveu "Memórias de Adriano". É tão evidente lendo o livro que não é necessário perguntar.

Este livro esteve dentro de um computador que lhe foi roubado. Se não o tivesse recuperado, teria começado a história outra vez, do início?

Estive dois meses sem o computador, não escrevi uma linha. E não, acho que não rescreveria a história, não teria força anímica para voltar atrás.

Já disse que a contou para pagar uma dívida de gratidão. Foi também um acto de contrição?

Não, de todo. Não tenho nenhuma culpa a expiar. Trata-se de agradecer a uma pessoa que durante cinco semanas muito intensas viajou comigo, atravessando o deserto, e a quem eu, porque a vida levou cada um para seu lado, nunca disse verdadeiramente o quanto tinha gostado. Ela sabia, sempre soube, mas faltava uma carta que explicasse isso.

Passaram 20 anos sobre essa viagem. O tempo adultera sempre a memória, no sentido de a embelezar?

O tempo mostra-nos quem foram as pessoas realmente importantes na nossa vida, mesmo que tenham estado lá pouco tempo. E quem foram as outras que esquecemos ou que teríamos feito melhor em esquecer. O tempo traz-nos essa divisão de águas em relação a tudo, é um seleccionador de escolhas.

Disse-me numa entrevista, em 2003, que desejava ter uma vida só sua, que não fosse partilhada por todos...

E continua a ser o maior desejo da minha vida...

...porque todos sentem, disse, que são um bocadinho donos de si. Este livro não vem caucionar esse sentimento, na medida em que as pessoas passam agora a ter acesso a um capítulo íntimo da sua vida?

É possível. Mas isso não me pode travar de escrever aquilo que quero escrever. Quando escrevi o "Equador", toda a gente insistia que eu era o Luís Bernardo - e não era. Irritou-me bastante, porque fiz um esforço grande para criar aquela personagem sem a mínima referência autobiográfica. Mas depois aconteceu o mesmo com o "Rio das Flores", diziam que era o Diogo. Escreva como escrever, as pessoas tentarão sempre chegar ao autor em vez de chegarem só ao livro. Mas isso não me trava, porque gosto muito de escrever. E se amanhã me apetecer escrever a história da minha vida, fá-lo-ei. Claro que gostava que não houvesse uma associação física entre mim e o que escrevo, mas isso é o preço que pago, não por escrever, mas por estar na televisão há não sei quantos anos.

Escreve mais do que fala?

Sim, com certeza.

Alguém escreveu que "No teu deserto" será um "maná para a sua legião de fãs feminina". Essa associação é desconfortável?

É-me absolutamente indiferente, sinceramente. Uma vez fizeram um estudo sobre os meus livros e chegaram à conclusão de que metade dos meus leitores são homens e a outra metade mulheres. Mas essa pergunta deve ser respondida por uma mulher [risos].

Também costuma dizer que é indiferente à crítica literária. Preza a opinião de quem, afinal?

Dos leitores. Neste momento, não faço a mais pequena ideia se saiu alguma crítica ao livro. E se me disserem que saiu em tal sítio não vou a correr lê-la. As críticas literárias que saem sobre mim no estrangeiro, essas sim, leio, porque os editores enviam-mas. Mas a verdade é que a única opinião que realmente me interessa é a dos leitores.

Tem consciência de que "No teu deserto" irá provavelmente ultrapassar os 370 mil exemplares de "Equador"?

Não faço ideia. O meu editor acha que sim, mas não sei. É mais barato, e estamos em crise...

Também gostava de o ver adaptado ao cinema, à televisão?

Nunca pensei nisso, a sério. No "Equador", sim, pensei, porque era muito cinematográfico e fácil de adaptar. Aqui, acho difícil, faltam personagens. Aliás, havia mais duas personagens que eu, na primeira revisão, decidi tirar
Vitor mango
Vitor mango

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