Luís Amado: Portugal será agora na Europa o que conseguir ser fora dela
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Luís Amado: Portugal será agora na Europa o que conseguir ser fora dela
Luís Amado: Portugal será agora na Europa o que conseguir ser fora dela
03.01.2010 - 08:33 Por Teresa de Sousa
O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros entende que se encerrou um ciclo da integração europeia e que se abre outro em que a nova realidade internacional obriga o país a olhar para fora.
Para o Brasil, para Angola, para os Estados Unidos - um novo "triangulo virtuoso" por onde tem de passar o futuro económico e político de Portugal. Luís Amado reflecte também sobre outras prioridades da política externa portuguesa - do Afeganistão à cimeira da NATO. Mas adverte para que "a prioridade das prioridades" está no reforço da competitividade da economia portuguesa.
Terminamos uma década que não foi das melhores. Começou com o 11 de Setembro. Terminou numa crise global. Levou-nos a outro mundo, com a ascensão de novas potências emergentes e com perda de influência do Ocidente. Como é que entende que Portugal se deve posicionar neste novo quadro internacional?
Como sublinhou, a década foi marcada pelo 11 de Setembro, com a queda das Torres Gémeas, e terminou, ainda mais significativamente, com a queda do Lehman Brothers e a crise que varreu o sistema financeiro e a economia mundial nos últimos dois anos. Esta não é uma crise cíclica do capitalismo, não é uma crise como foram outras ainda recentes. É uma crise de mudança de estrutura na ordem económica e na ordem política mundiais. As mudanças profundas que estão a ocorrer exigem a nossa preparação para esse enquadramento novo. Os principais desafios que se nos colocam prendem-se com a capacidade do país para interpretar estas mudanças e agir, do ponto de vista da acção política interna e externa, no sentido de garantir um lugar favorável no novo sistema em gestação.
No seu primeiro mandato, teve a preocupação, para além das questões europeias, de desenvolver as relações com o Magrebe e também com os mercados dos quais importamos energia. Hoje, estamos confrontados com a emergência da China, da Índia, do Brasil. Quais são as novas prioridades?
Portugal tem, em primeiro lugar, um problema económico sério, e esse é um problema que também diz respeito à política externa. Sem ser capaz de resolver o problema da competitividade da economia portuguesa, todo o esforço para manter o país com uma identidade política forte no sistema das nações será inconsequente. Isso significa que, no contexto de uma economia global, a acção política externa deve contribuir para o reforço da internacionalização da economia do país. Promover os nossos produtos, apoiar as empresas exportadoras, captar investimento externo, gerar fluxos turísticos, deve ser a prioridade das prioridades da acção política e diplomática. Por isso, a acção que desenvolvemos tem sido orientada por essa preocupação.
Depois, o país tem de perceber que há um ciclo da sua história contemporânea que se está a encerrar. Tivemos um ciclo em que a política externa foi dominada, no anterior regime, pela preservação do império contra a comunidade internacional. Abrimos outro, com o 25 de Abril, orientando o país para a integração europeia, com objectivos bem definidos e assumidos por todos os governos. Este ciclo, podemos agora encerrá-lo simbolicamente com a adopção do Tratado de Lisboa. Mas hoje, se o país quiser valorizar a sua participação no processo europeu, tem de ser capaz de usar todo o potencial acumulado no relacionamento com essas novas regiões e nações que estão a desenhar o novo sistema internacional que está a emergir.
Isso quer dizer o quê, em termos da nossa política externa?
Que temos de aceitar que, na próxima década, o país se tem de empenhar num esforço de internacionalização para fora da Europa, restabelecendo relações com regiões a que nos ligaram laços históricos, mas também com outras que estão a emergir na nova economia global e onde se concentra enorme potencial de recursos financeiros e económicos. Podemos valorizar significativamente a nossa posição no contexto europeu se formos capazes de dar expressão e densidade à relação privilegiada que temos com o Brasil e a América Latina, com a África de expressão portuguesa e as regiões em que se insere, designadamente a África Austral e Ocidental. Mas temos também de fazer um esforço grande para desenvolver as nossas relações com o continente asiático. Estão aí dois terços da população mundial, o centro de gravidade da economia mundial e, apesar dos laços históricos que nos ligam à região, temos relações muito frágeis.
Mas o nosso destino também dependerá do destino europeu. Tivemos agora a experiência directa de como funciona esse mundo novo de que fala, quando a Europa quase desapareceu na cimeira de Copenhaga. O Tratado pode ajudar a melhorar as coisas?
As mudanças institucionais que o Tratado prevê vão ter um impacto muito significativo na acção externa da UE. Não tenho a mínima dúvida. Vai demorar tempo, não será para amanhã, mas a consolidação de uma prática institucional totalmente nova em torno da figura do novo presidente do Conselho Europeu e da nova alta-representante vai criar uma dinâmica inovadora do ponto de vista da afirmação da UE na sua relação com o mundo.
Os resultados de Copenhaga não me surpreenderam. Sempre achei a posição europeia um tanto ingénua, na sua vontade de liderar num domínio em que internamente conseguiu um consenso relativamente pacífico, mas sem ter entendido os limites dos principais parceiros internacionais com quem tem de negociar.
No fundo, a UE tendo vivido durante décadas na dependência estratégica dos Estados Unidos, vive ainda nessa dependência, e encontrou na questão climática uma oportunidade de afirmação que manifestamente fracassou. O que aconteceu é revelador das limitações que a UE tem enquanto actor global, decorrentes também da sua própria matriz política totalmente singular.
Mas confia que o novo Tratado vai levar as lideranças europeias - refiro-me sobretudo às dos grandes países europeus - a reconhecer que a Europa tem de ser mais do que Sarkozy, Merkel e Brown?
Repare que a existência de um presidente do Conselho Europeu a full-time, concentrado na agenda europeia e designadamente na agenda que a pode projectar externamente, é em si mesma uma profunda alteração relativamente ao que era o exercício de uma presidência por um primeiro-ministro rotativo, sobretudo preocupado com a situação do seu país, com a sua opinião pública interna. A sua existência na liderança do Conselho a cinco anos será completamente diferente.
Como é que Portugal vai jogar neste novo quadro institucional, que é bastante mais exigente?
O Tratado não introduz apenas mudanças significativas na adaptação da política externa dos Estados à política externa da UE. A mudança dos processos de decisão, bem como a redistribuição dos poderes pelas instituições, com o reforço do Parlamento Europeu e o alargamento do processo de co-decisão, só por si geram uma dinâmica política diferente.
O que estamos a fazer é identificar sector a sector, ministério a ministério, as implicações que a entrada em vigor do Tratado vai ter em toda a vida do país, acautelando as adaptações de política interna que são exigidas pelo no novo quadro político.
E há ainda a questão do novo serviço diplomático europeu...
Na área externa, teremos essa inovação política que é o Serviço Europeu de Acção Externa (SEAE), que vai integrar o Conselho, a Comissão e os Estados membros. Teremos de ter em consideração a sua complementaridade em relação aos interesses de política externa do Estado português. Esse exercício está a ser feito aqui, nos serviços do ministério. Antes de o relatório da senhora Ashton [a nova chefe da diplomacia europeia] ser apresentado em Abril aos governos, teremos oportunidade de identificar a nossas opções e os nossos critérios e prioridades relativamente ao serviço, seja em Bruxelas, seja nas missões externas.
Não vemos o serviço europeu como uma diminuição da acção dos Estados nacionais, mas como um complemento que pode reforçar essa acção. Para um país com as dimensões de Portugal é possível encontrar formas de expressão dos seus interesses através dele em muitas regiões do mundo. É certo que os Estados de grande dimensão terão sempre uma maior relevância na projecção dos seus interesses, mas essa é a realidade.
03.01.2010 - 08:33 Por Teresa de Sousa
O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros entende que se encerrou um ciclo da integração europeia e que se abre outro em que a nova realidade internacional obriga o país a olhar para fora.
Para o Brasil, para Angola, para os Estados Unidos - um novo "triangulo virtuoso" por onde tem de passar o futuro económico e político de Portugal. Luís Amado reflecte também sobre outras prioridades da política externa portuguesa - do Afeganistão à cimeira da NATO. Mas adverte para que "a prioridade das prioridades" está no reforço da competitividade da economia portuguesa.
Terminamos uma década que não foi das melhores. Começou com o 11 de Setembro. Terminou numa crise global. Levou-nos a outro mundo, com a ascensão de novas potências emergentes e com perda de influência do Ocidente. Como é que entende que Portugal se deve posicionar neste novo quadro internacional?
Como sublinhou, a década foi marcada pelo 11 de Setembro, com a queda das Torres Gémeas, e terminou, ainda mais significativamente, com a queda do Lehman Brothers e a crise que varreu o sistema financeiro e a economia mundial nos últimos dois anos. Esta não é uma crise cíclica do capitalismo, não é uma crise como foram outras ainda recentes. É uma crise de mudança de estrutura na ordem económica e na ordem política mundiais. As mudanças profundas que estão a ocorrer exigem a nossa preparação para esse enquadramento novo. Os principais desafios que se nos colocam prendem-se com a capacidade do país para interpretar estas mudanças e agir, do ponto de vista da acção política interna e externa, no sentido de garantir um lugar favorável no novo sistema em gestação.
No seu primeiro mandato, teve a preocupação, para além das questões europeias, de desenvolver as relações com o Magrebe e também com os mercados dos quais importamos energia. Hoje, estamos confrontados com a emergência da China, da Índia, do Brasil. Quais são as novas prioridades?
Portugal tem, em primeiro lugar, um problema económico sério, e esse é um problema que também diz respeito à política externa. Sem ser capaz de resolver o problema da competitividade da economia portuguesa, todo o esforço para manter o país com uma identidade política forte no sistema das nações será inconsequente. Isso significa que, no contexto de uma economia global, a acção política externa deve contribuir para o reforço da internacionalização da economia do país. Promover os nossos produtos, apoiar as empresas exportadoras, captar investimento externo, gerar fluxos turísticos, deve ser a prioridade das prioridades da acção política e diplomática. Por isso, a acção que desenvolvemos tem sido orientada por essa preocupação.
Depois, o país tem de perceber que há um ciclo da sua história contemporânea que se está a encerrar. Tivemos um ciclo em que a política externa foi dominada, no anterior regime, pela preservação do império contra a comunidade internacional. Abrimos outro, com o 25 de Abril, orientando o país para a integração europeia, com objectivos bem definidos e assumidos por todos os governos. Este ciclo, podemos agora encerrá-lo simbolicamente com a adopção do Tratado de Lisboa. Mas hoje, se o país quiser valorizar a sua participação no processo europeu, tem de ser capaz de usar todo o potencial acumulado no relacionamento com essas novas regiões e nações que estão a desenhar o novo sistema internacional que está a emergir.
Isso quer dizer o quê, em termos da nossa política externa?
Que temos de aceitar que, na próxima década, o país se tem de empenhar num esforço de internacionalização para fora da Europa, restabelecendo relações com regiões a que nos ligaram laços históricos, mas também com outras que estão a emergir na nova economia global e onde se concentra enorme potencial de recursos financeiros e económicos. Podemos valorizar significativamente a nossa posição no contexto europeu se formos capazes de dar expressão e densidade à relação privilegiada que temos com o Brasil e a América Latina, com a África de expressão portuguesa e as regiões em que se insere, designadamente a África Austral e Ocidental. Mas temos também de fazer um esforço grande para desenvolver as nossas relações com o continente asiático. Estão aí dois terços da população mundial, o centro de gravidade da economia mundial e, apesar dos laços históricos que nos ligam à região, temos relações muito frágeis.
Mas o nosso destino também dependerá do destino europeu. Tivemos agora a experiência directa de como funciona esse mundo novo de que fala, quando a Europa quase desapareceu na cimeira de Copenhaga. O Tratado pode ajudar a melhorar as coisas?
As mudanças institucionais que o Tratado prevê vão ter um impacto muito significativo na acção externa da UE. Não tenho a mínima dúvida. Vai demorar tempo, não será para amanhã, mas a consolidação de uma prática institucional totalmente nova em torno da figura do novo presidente do Conselho Europeu e da nova alta-representante vai criar uma dinâmica inovadora do ponto de vista da afirmação da UE na sua relação com o mundo.
Os resultados de Copenhaga não me surpreenderam. Sempre achei a posição europeia um tanto ingénua, na sua vontade de liderar num domínio em que internamente conseguiu um consenso relativamente pacífico, mas sem ter entendido os limites dos principais parceiros internacionais com quem tem de negociar.
No fundo, a UE tendo vivido durante décadas na dependência estratégica dos Estados Unidos, vive ainda nessa dependência, e encontrou na questão climática uma oportunidade de afirmação que manifestamente fracassou. O que aconteceu é revelador das limitações que a UE tem enquanto actor global, decorrentes também da sua própria matriz política totalmente singular.
Mas confia que o novo Tratado vai levar as lideranças europeias - refiro-me sobretudo às dos grandes países europeus - a reconhecer que a Europa tem de ser mais do que Sarkozy, Merkel e Brown?
Repare que a existência de um presidente do Conselho Europeu a full-time, concentrado na agenda europeia e designadamente na agenda que a pode projectar externamente, é em si mesma uma profunda alteração relativamente ao que era o exercício de uma presidência por um primeiro-ministro rotativo, sobretudo preocupado com a situação do seu país, com a sua opinião pública interna. A sua existência na liderança do Conselho a cinco anos será completamente diferente.
Como é que Portugal vai jogar neste novo quadro institucional, que é bastante mais exigente?
O Tratado não introduz apenas mudanças significativas na adaptação da política externa dos Estados à política externa da UE. A mudança dos processos de decisão, bem como a redistribuição dos poderes pelas instituições, com o reforço do Parlamento Europeu e o alargamento do processo de co-decisão, só por si geram uma dinâmica política diferente.
O que estamos a fazer é identificar sector a sector, ministério a ministério, as implicações que a entrada em vigor do Tratado vai ter em toda a vida do país, acautelando as adaptações de política interna que são exigidas pelo no novo quadro político.
E há ainda a questão do novo serviço diplomático europeu...
Na área externa, teremos essa inovação política que é o Serviço Europeu de Acção Externa (SEAE), que vai integrar o Conselho, a Comissão e os Estados membros. Teremos de ter em consideração a sua complementaridade em relação aos interesses de política externa do Estado português. Esse exercício está a ser feito aqui, nos serviços do ministério. Antes de o relatório da senhora Ashton [a nova chefe da diplomacia europeia] ser apresentado em Abril aos governos, teremos oportunidade de identificar a nossas opções e os nossos critérios e prioridades relativamente ao serviço, seja em Bruxelas, seja nas missões externas.
Não vemos o serviço europeu como uma diminuição da acção dos Estados nacionais, mas como um complemento que pode reforçar essa acção. Para um país com as dimensões de Portugal é possível encontrar formas de expressão dos seus interesses através dele em muitas regiões do mundo. É certo que os Estados de grande dimensão terão sempre uma maior relevância na projecção dos seus interesses, mas essa é a realidade.
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