Agressores não são doentes e raramente se arrependem
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Agressores não são doentes e raramente se arrependem
Agressores não são doentes e raramente se arrependem
Identificar
um violador é difícil, mas sabe-se que, na sua maioria, são jovens sem
cadastro e sem antecedentes de patologias mentais
00h30m
CLÁUDIA LUÍS
A
violação sexual é o crime com mais impacto nas vítimas. É perturbador,
também, porque envolve um criminoso de quem ninguém suspeita. "É
muito difícil identificar sinais que indiquem um potencial violador",
dispara Maria Francisca Rebocho. Ainda assim, a autora de
"Caracterização do violador português" contribui para entender quem
são, afinal, estes agressores disfarçados de gente "normal".Tem
entre 30 e 35 anos. Cumpriu apenas a escolaridade primária. Trabalha em
sectores como o da construção civil ou da agricultura. Abusa do consumo
de álcool. Não tem relação estável, nem cadastro, nem antecedentes de
doença mental. Quantos homens cabem neste perfil? Com certeza,
cabe a maioria dos reclusos portugueses condenados por violação. As
conclusões correspondem à amostra (de 87 indivíduos) estudada por Maria
Rebocho, psicóloga forense. Mas, neste perfil, encaixarão muitos outros
homens: inocentes e culpados, lúcidos e perturbados.Entretanto,
a investigadora garante: "Um violador não é um doente". Este tipo de
criminoso pode ter "mais ou menos traços de psicopatia", mas não é
considerado psicopata, antes "moderadamente psicopático", explica. Caso
tenha mais sintomas de psicopatia, então pode ter outro género de
características. Pode ser "um gabarolas, alguém que inflaciona o seu
próprio valor, que é excessivamente simpático, que mente em várias
esferas da sua vida", continua a docente do Instituto Superior da Maia.Há
mais pistas. Pode ser "alguém que não assume os seus erros, que vive de
forma parasítica, à custa da mãe ou da namorada ou alguém que vai atrás
do risco". Na generalidade, criar empatia, perceber o impacto
das suas acções nos outros e regular emoções não são qualidades de um
agressor sexual. Imitar as emoções dos outrosDesde
há cerca de sete anos que Cristina Soeiro, psicóloga forense da Polícia
Judiciária, estuda os agressores sexuais portugueses. Concluiu que se
trata de um grupo muito heterogéneo, mas foi possível traçar um perfil
padrão. O violador mais comum "tem uma visão negativa das mulheres e
acha que os homens são mais importantes. Acredita em mitos relativos às
violações e desculpabiliza a violência", descreve. O estudo
desenvolvido pela docente do Instituto Superior de Polícia Judiciária e
Ciências Criminais permitiu entender que se tratam de indivíduos com
baixa auto-estima, frequentemente com histórico de abuso de substâncias
e descendentes de famílias desmoronadas.Agindo muitas vezes por
impulso, tratam-se de pessoas com grande dificuldade de regulação
emocional. Não sabem o que é sentir e, por isso, "imitam a forma como
os outros expressam as emoções", explica, por sua vez, Maria Rebocho.
Actuam como camaleões."Ela dizia não. Mas queria dizer sim."Se
sofre de uma perturbação ao nível do controlo emocional, pode um
violador arrepender-se? "É raro. Até hoje só vi um caso de
arrependimento genuíno", relata Maria Rebocho. Mais frequente é a
culpabilização da vítima. Os argumentos mais usados pelos agressores:
"É a fantasia de todas as mulheres. Ela era muito sedutora. Ela dizia
não. Mas queria dizer sim".A psicóloga forense observou sempre
um remorso "superficial e egocêntrico". Quando confrontados com o
impacto da violação, a primeira perspectiva é pessoal: ficaram sem
mulher, sem emprego. "Prejudicou-me muito", dizem. Já a
percepção que têm do sofrimento da vítima depende, sobretudo, do que
ela for capaz de expressar no acto da violação. Só as emoções
exteriorizadas contam. Se gritar, sofreu. Se não chorar, não sofreu. Violação como demonstração de poderA
pergunta impõe-se: é possível reabilitar um agressor sexual? Poderá ele
pagar pelo crime e resgatar uma vida saudável em sociedade?
"Dificilmente", defende a docente do ISMAI. Mas há que considerar
vários factores para falar em potencial sucesso ou fracasso. Tratando-se
de psicopatas, é praticamente impossível. "Têm muita resistência à
terapia". No caso de violadores com menos traços psicopáticos e que
tenham praticado o crime na sequência de um factor específico, como uma
perda traumática, então, "aumentam as possibilidades de fazer terapia".
O tratamento também se torna menos complicado junto de violadores que
praticaram um crime isolado, agravando-se drasticamente quanto se trata
de violadores em série. A psicóloga da Polícia Judiciária
acrescenta que os casos mais violentos, provocados por indivíduos com
perturbações de personalidade, e os casos mais bizarros, no caso de
agressores que acumulam parafilias [comportamentos sexuais desviantes],
são, igualmente, de recuperação improvável. "Mas há situações em que se
pode intervir ao nível das crenças sobre as mulheres e sobre a
conduta", sublinha.Perante um cenário inequívoco de recidiva do
crime, a castração química surge no debate. Não é consensual. Além de
"eticamente muito problemática, não resolve todas as situações",
defende Maria Rebocho. Para que serve a castração química se o ímpeto
de um violador não é sexual? "Muitos atacam as mulheres movidos por
vingança. Outros usam a violação como a forma suprema de humilhação.
Outros ainda vêem neste crime uma demonstração de poder", sublinha.
Baseada no estudo de cerca de 70 indivíduos detidos por violação,
Cristina Soeiro conclui, por sua vez, que há dois tipos de motivação:
sexual e relativa ao poder. Factos anormais de um casamentoA
maioria dos violadores portugueses não tem uma relação estável na
altura do crime. Entretanto, o caso do "violador de Telheiras" lembra
que sempre haverá excepções. Henrique Sotero namorava há quase dez
anos. Quase nada se sabe sobre a sua mulher. É uma outra face
deste crime. Uma outra vítima. O que acontece a uma mulher que
partilhou uma vida, anos a fio, com um homem que, de repente, é
"apanhado" como um agressor sexual? Como foi ele capaz de destruir
tantas mulheres sem que ela tivesse sequer suspeitado? Como reage a
mulher do violador?Por norma, rejeita-o. "Ela não aceita e é
frequente haver uma ruptura do casal, o desmoronar da família", afirma
Maria Rebocho. Por norma. Nem sempre. A investigadora recorda o
caso de uma mulher que foi vítima de violação perpetuada por parte do
marido, mais tarde condenado e preso. Ela continuou a visitá-lo na
prisão. Ele dizia que eram "factos normais da vida de casados". Na
realidade, há casamentos em que "as mulheres nem se apercebem que o que
lhes acontece é uma violação". E também "há casos de mulheres
que dizem que enquanto o marido lhes bate ou as viola demonstra
sentimentos por elas", explica a perita. Se nada fizessem "seria muito
pior. São mulheres com personalidade dependente, que não suportam a
ideia de estarem sozinhas".Vítimas: que factores de risco?Sabe-se
que a maioria das vítimas (95%) são mulheres, com uma idade média de 34
anos, segundo o estudo de Maria Rebocho. Mas isto é quase tudo o que se
sabe. "Não é possível traçar o perfil da vítima", atesta Carla Machado,
investigadora da Universidade do Minho. O perfil atravessa vários
grupos sociais. Não há um padrão.Há, isso sim, factores de
risco. "As mulheres mais perturbadas psicologicamente têm mais
dificuldade em proteger-se ou em saber identificar contextos de risco.
Mas não têm, necessariamente, perturbações graves", explica a
psicóloga, que desenvolve o seu trabalho junto de vítimas de crimes.
Também as mulheres que sofreram uma violação precocemente podem ter um
trauma psicológico que as leva a não valorizar a sua segurança. Nos
casos em que a violação é continuada, ao longo de anos de
relacionamento, o factor de risco poderá, então, ser a própria educação
das mulheres, "a quem lhes ensina que o mais importante é satisfazer o
homem, que vale mais uma má relação do que a solidão". Depois,
há circunstâncias de risco, como a frequência de lugares pouco seguros
ou o consumo de álcool. "Desta forma, a vítima reduz as capacidades
para se defender e até a recusa do acto sexual pode não ser totalmente
clara", acrescenta Carla Machado.Evitar circunstâncias de risco
é possível. Detectar um violador? Improvável. Em matéria de prevenção,
a conclusão inquietante é que, muito provavelmente, a única forma de
evitar o crime faz-se, a longo prazo, culturalmente. "Na educação pelo
respeito pelas mulheres, na educação para a sua autonomia, na
capacidade de julgamento de situações", defende a docente.A
curto prazo, o processo de tratamento das denúncias poderia ser
optimizado. Desde a queixa à polícia, passando pelos exames
médico-legais, até ao confronto com o violador em tribunal. Tudo é
"traumático. E quanto mais se arrastar, mais as vítimas estão,
permanentemente, a activar as memórias do crime", alerta a psicóloga. Nem
todas recuperam, dizem os peritos. E se quase nada parece possível -
identificar um violador, evitar a repetição do crime, prevenir -, será,
ao menos, exequível acelerar o processo judicial destes casos?
Identificar
um violador é difícil, mas sabe-se que, na sua maioria, são jovens sem
cadastro e sem antecedentes de patologias mentais
00h30m
CLÁUDIA LUÍS
A
violação sexual é o crime com mais impacto nas vítimas. É perturbador,
também, porque envolve um criminoso de quem ninguém suspeita. "É
muito difícil identificar sinais que indiquem um potencial violador",
dispara Maria Francisca Rebocho. Ainda assim, a autora de
"Caracterização do violador português" contribui para entender quem
são, afinal, estes agressores disfarçados de gente "normal".Tem
entre 30 e 35 anos. Cumpriu apenas a escolaridade primária. Trabalha em
sectores como o da construção civil ou da agricultura. Abusa do consumo
de álcool. Não tem relação estável, nem cadastro, nem antecedentes de
doença mental. Quantos homens cabem neste perfil? Com certeza,
cabe a maioria dos reclusos portugueses condenados por violação. As
conclusões correspondem à amostra (de 87 indivíduos) estudada por Maria
Rebocho, psicóloga forense. Mas, neste perfil, encaixarão muitos outros
homens: inocentes e culpados, lúcidos e perturbados.Entretanto,
a investigadora garante: "Um violador não é um doente". Este tipo de
criminoso pode ter "mais ou menos traços de psicopatia", mas não é
considerado psicopata, antes "moderadamente psicopático", explica. Caso
tenha mais sintomas de psicopatia, então pode ter outro género de
características. Pode ser "um gabarolas, alguém que inflaciona o seu
próprio valor, que é excessivamente simpático, que mente em várias
esferas da sua vida", continua a docente do Instituto Superior da Maia.Há
mais pistas. Pode ser "alguém que não assume os seus erros, que vive de
forma parasítica, à custa da mãe ou da namorada ou alguém que vai atrás
do risco". Na generalidade, criar empatia, perceber o impacto
das suas acções nos outros e regular emoções não são qualidades de um
agressor sexual. Imitar as emoções dos outrosDesde
há cerca de sete anos que Cristina Soeiro, psicóloga forense da Polícia
Judiciária, estuda os agressores sexuais portugueses. Concluiu que se
trata de um grupo muito heterogéneo, mas foi possível traçar um perfil
padrão. O violador mais comum "tem uma visão negativa das mulheres e
acha que os homens são mais importantes. Acredita em mitos relativos às
violações e desculpabiliza a violência", descreve. O estudo
desenvolvido pela docente do Instituto Superior de Polícia Judiciária e
Ciências Criminais permitiu entender que se tratam de indivíduos com
baixa auto-estima, frequentemente com histórico de abuso de substâncias
e descendentes de famílias desmoronadas.Agindo muitas vezes por
impulso, tratam-se de pessoas com grande dificuldade de regulação
emocional. Não sabem o que é sentir e, por isso, "imitam a forma como
os outros expressam as emoções", explica, por sua vez, Maria Rebocho.
Actuam como camaleões."Ela dizia não. Mas queria dizer sim."Se
sofre de uma perturbação ao nível do controlo emocional, pode um
violador arrepender-se? "É raro. Até hoje só vi um caso de
arrependimento genuíno", relata Maria Rebocho. Mais frequente é a
culpabilização da vítima. Os argumentos mais usados pelos agressores:
"É a fantasia de todas as mulheres. Ela era muito sedutora. Ela dizia
não. Mas queria dizer sim".A psicóloga forense observou sempre
um remorso "superficial e egocêntrico". Quando confrontados com o
impacto da violação, a primeira perspectiva é pessoal: ficaram sem
mulher, sem emprego. "Prejudicou-me muito", dizem. Já a
percepção que têm do sofrimento da vítima depende, sobretudo, do que
ela for capaz de expressar no acto da violação. Só as emoções
exteriorizadas contam. Se gritar, sofreu. Se não chorar, não sofreu. Violação como demonstração de poderA
pergunta impõe-se: é possível reabilitar um agressor sexual? Poderá ele
pagar pelo crime e resgatar uma vida saudável em sociedade?
"Dificilmente", defende a docente do ISMAI. Mas há que considerar
vários factores para falar em potencial sucesso ou fracasso. Tratando-se
de psicopatas, é praticamente impossível. "Têm muita resistência à
terapia". No caso de violadores com menos traços psicopáticos e que
tenham praticado o crime na sequência de um factor específico, como uma
perda traumática, então, "aumentam as possibilidades de fazer terapia".
O tratamento também se torna menos complicado junto de violadores que
praticaram um crime isolado, agravando-se drasticamente quanto se trata
de violadores em série. A psicóloga da Polícia Judiciária
acrescenta que os casos mais violentos, provocados por indivíduos com
perturbações de personalidade, e os casos mais bizarros, no caso de
agressores que acumulam parafilias [comportamentos sexuais desviantes],
são, igualmente, de recuperação improvável. "Mas há situações em que se
pode intervir ao nível das crenças sobre as mulheres e sobre a
conduta", sublinha.Perante um cenário inequívoco de recidiva do
crime, a castração química surge no debate. Não é consensual. Além de
"eticamente muito problemática, não resolve todas as situações",
defende Maria Rebocho. Para que serve a castração química se o ímpeto
de um violador não é sexual? "Muitos atacam as mulheres movidos por
vingança. Outros usam a violação como a forma suprema de humilhação.
Outros ainda vêem neste crime uma demonstração de poder", sublinha.
Baseada no estudo de cerca de 70 indivíduos detidos por violação,
Cristina Soeiro conclui, por sua vez, que há dois tipos de motivação:
sexual e relativa ao poder. Factos anormais de um casamentoA
maioria dos violadores portugueses não tem uma relação estável na
altura do crime. Entretanto, o caso do "violador de Telheiras" lembra
que sempre haverá excepções. Henrique Sotero namorava há quase dez
anos. Quase nada se sabe sobre a sua mulher. É uma outra face
deste crime. Uma outra vítima. O que acontece a uma mulher que
partilhou uma vida, anos a fio, com um homem que, de repente, é
"apanhado" como um agressor sexual? Como foi ele capaz de destruir
tantas mulheres sem que ela tivesse sequer suspeitado? Como reage a
mulher do violador?Por norma, rejeita-o. "Ela não aceita e é
frequente haver uma ruptura do casal, o desmoronar da família", afirma
Maria Rebocho. Por norma. Nem sempre. A investigadora recorda o
caso de uma mulher que foi vítima de violação perpetuada por parte do
marido, mais tarde condenado e preso. Ela continuou a visitá-lo na
prisão. Ele dizia que eram "factos normais da vida de casados". Na
realidade, há casamentos em que "as mulheres nem se apercebem que o que
lhes acontece é uma violação". E também "há casos de mulheres
que dizem que enquanto o marido lhes bate ou as viola demonstra
sentimentos por elas", explica a perita. Se nada fizessem "seria muito
pior. São mulheres com personalidade dependente, que não suportam a
ideia de estarem sozinhas".Vítimas: que factores de risco?Sabe-se
que a maioria das vítimas (95%) são mulheres, com uma idade média de 34
anos, segundo o estudo de Maria Rebocho. Mas isto é quase tudo o que se
sabe. "Não é possível traçar o perfil da vítima", atesta Carla Machado,
investigadora da Universidade do Minho. O perfil atravessa vários
grupos sociais. Não há um padrão.Há, isso sim, factores de
risco. "As mulheres mais perturbadas psicologicamente têm mais
dificuldade em proteger-se ou em saber identificar contextos de risco.
Mas não têm, necessariamente, perturbações graves", explica a
psicóloga, que desenvolve o seu trabalho junto de vítimas de crimes.
Também as mulheres que sofreram uma violação precocemente podem ter um
trauma psicológico que as leva a não valorizar a sua segurança. Nos
casos em que a violação é continuada, ao longo de anos de
relacionamento, o factor de risco poderá, então, ser a própria educação
das mulheres, "a quem lhes ensina que o mais importante é satisfazer o
homem, que vale mais uma má relação do que a solidão". Depois,
há circunstâncias de risco, como a frequência de lugares pouco seguros
ou o consumo de álcool. "Desta forma, a vítima reduz as capacidades
para se defender e até a recusa do acto sexual pode não ser totalmente
clara", acrescenta Carla Machado.Evitar circunstâncias de risco
é possível. Detectar um violador? Improvável. Em matéria de prevenção,
a conclusão inquietante é que, muito provavelmente, a única forma de
evitar o crime faz-se, a longo prazo, culturalmente. "Na educação pelo
respeito pelas mulheres, na educação para a sua autonomia, na
capacidade de julgamento de situações", defende a docente.A
curto prazo, o processo de tratamento das denúncias poderia ser
optimizado. Desde a queixa à polícia, passando pelos exames
médico-legais, até ao confronto com o violador em tribunal. Tudo é
"traumático. E quanto mais se arrastar, mais as vítimas estão,
permanentemente, a activar as memórias do crime", alerta a psicóloga. Nem
todas recuperam, dizem os peritos. E se quase nada parece possível -
identificar um violador, evitar a repetição do crime, prevenir -, será,
ao menos, exequível acelerar o processo judicial destes casos?
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