OS JOGOS OLÍMPICOS: LIBERDADE E RELIGIÃO Anselmo Borges Padre .
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OS JOGOS OLÍMPICOS: LIBERDADE E RELIGIÃO Anselmo Borges Padre .
OS JOGOS OLÍMPICOS: LIBERDADE E RELIGIÃO
Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia
Há anos, passei pela China. Foi em 1995. À chegada ao aeroporto de
Pequim, o que mais me impressionou foi um imenso anúncio da Coca-Cola.
Afinal, estava mesmo em marcha a Realpolitik dos negócios, no quadro do liberalismo económico e da repressão política.
Os Jogos Olímpicos foram também resultado desta orientação. E os
comentadores foram unânimes no reconhecimento do seu êxito estrondoso.
A abertura foi fantástica, a encenação perfeita, todos elogiaram a
organização e a logística.
Mas quem não renunciou a todos os princípios e sabe que o objectivo do
espírito olímpico é "pôr o desporto ao serviço do desenvolvimento do
ser humano, com vista a promover uma sociedade pacífica dedicada à
preservação da dignidade humana", apontou para a "cortina de fumo
olímpica" e o "virtuoso baile de máscaras". O Herald Tribune intitulou um editorial: "O grande perdedor em Pequim: os direitos humanos."
O Governo chinês não cumpriu a promessa de mostrar progressos no que
toca ao respeito pelos direitos humanos. Pelo contrário, a repressão
manteve-se activa: os possíveis dissidentes foram antecipadamente
detidos e tudo culminou na farsa triste de "a permissão" de protestos
legais terminar em prisões.
O direito à liberdade religiosa também não existe. Significativamente,
no domingo, dia do encerramento dos Jogos, a polícia deteve, numa
igreja da província de Hebei, durante a missa para mil fiéis, o bispo
de Zhending, Jia Zhiguo. As perseguições por motivos religiosos não
atingem só os cristãos; muçulmanos, budistas e outros são igualmente
vítimas. Após a sua instauração, em 1949, o regime comunista ateu
suprimiu durante três décadas a religião, seguindo-se trinta anos de
permissão de algumas práticas religiosas, sempre sob controlo
apertadíssimo.
Os católicos serão uns treze milhões, um por cento da população. Metade
vive na clandestinidade e é fiel a Roma, com pelo menos doze bispos em
prisão domiciliária, na cadeia ou clandestinos. Há também a Associação
Católica Patriótica, controlada pelo Governo. Desde 1951, não existem
relações diplomáticas com o Vaticano. No entanto, presentemente, numa
espécie de jogo de pingue- -pongue, ensaia-se uma aproximação.
Assim, em 2007, Bento XVI escreveu uma carta a todos os católicos da
República Popular. Nela, apelava à reconciliação e à unidade e pedia
aos bispos fiéis a Roma que procurassem um compromisso com as
autoridades, assegurando a estas que a Igreja não pretende mudar a
estrutura do Estado nem do Governo. Em Dezembro passado, recusou
conceder uma audiência ao Dalai Lama e, aquando da repressão brutal no
Tibete, foi lento na condenação, de tal modo que um ministro italiano
denunciou o "excesso de Realpolitik".
Abençoou os Jogos e, nas férias, visitando o túmulo de um antigo
missionário na China, referiu-se ao país como "cada vez mais importante
na vida política, económica e também na das ideias", sendo, por isso
"importante que este grande continente se abra ao Evangelho".
Por sua vez, a Orquestra Filarmónica da China executou no Vaticano para o Papa Ratzinger o Requiem
de Mozart. Durante os Jogos, houve distribuição de Bíblias para os
atletas e permitiu-se a celebração da Missa. Os bispos de Hong Kong e
Macau foram convidados. E, para surpresa geral, na semana passada, numa
entrevista à RAI, o arcebispo de Pequim (da Associação Patriótica),
certamente com o aval do Governo, convidou o Papa a visitar a China:
"Esperamos bem que Bento XVI vá à China." As relações são cada vez
melhores. "Pode dizer-se que há um forte progresso."
O porta-voz do Vaticano respondeu que estas palavras provam que "os
católicos chineses amam e respeitam o Papa e reconhecem a sua
autoridade espiritual". Bento XVI espera a normalização das relações,
mas "há ainda alguns problemas significativos".
Como escreveu Stefan Ulrich, no Süddeutsche Zeitung,
"Há dois gigantes que se aproximam: O Papa representa mais de mil
milhões de católicos - o regime em Pequim governa ainda mais chineses."
Mas "a reconciliação não será fácil nem está para breve".
Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia
Há anos, passei pela China. Foi em 1995. À chegada ao aeroporto de
Pequim, o que mais me impressionou foi um imenso anúncio da Coca-Cola.
Afinal, estava mesmo em marcha a Realpolitik dos negócios, no quadro do liberalismo económico e da repressão política.
Os Jogos Olímpicos foram também resultado desta orientação. E os
comentadores foram unânimes no reconhecimento do seu êxito estrondoso.
A abertura foi fantástica, a encenação perfeita, todos elogiaram a
organização e a logística.
Mas quem não renunciou a todos os princípios e sabe que o objectivo do
espírito olímpico é "pôr o desporto ao serviço do desenvolvimento do
ser humano, com vista a promover uma sociedade pacífica dedicada à
preservação da dignidade humana", apontou para a "cortina de fumo
olímpica" e o "virtuoso baile de máscaras". O Herald Tribune intitulou um editorial: "O grande perdedor em Pequim: os direitos humanos."
O Governo chinês não cumpriu a promessa de mostrar progressos no que
toca ao respeito pelos direitos humanos. Pelo contrário, a repressão
manteve-se activa: os possíveis dissidentes foram antecipadamente
detidos e tudo culminou na farsa triste de "a permissão" de protestos
legais terminar em prisões.
O direito à liberdade religiosa também não existe. Significativamente,
no domingo, dia do encerramento dos Jogos, a polícia deteve, numa
igreja da província de Hebei, durante a missa para mil fiéis, o bispo
de Zhending, Jia Zhiguo. As perseguições por motivos religiosos não
atingem só os cristãos; muçulmanos, budistas e outros são igualmente
vítimas. Após a sua instauração, em 1949, o regime comunista ateu
suprimiu durante três décadas a religião, seguindo-se trinta anos de
permissão de algumas práticas religiosas, sempre sob controlo
apertadíssimo.
Os católicos serão uns treze milhões, um por cento da população. Metade
vive na clandestinidade e é fiel a Roma, com pelo menos doze bispos em
prisão domiciliária, na cadeia ou clandestinos. Há também a Associação
Católica Patriótica, controlada pelo Governo. Desde 1951, não existem
relações diplomáticas com o Vaticano. No entanto, presentemente, numa
espécie de jogo de pingue- -pongue, ensaia-se uma aproximação.
Assim, em 2007, Bento XVI escreveu uma carta a todos os católicos da
República Popular. Nela, apelava à reconciliação e à unidade e pedia
aos bispos fiéis a Roma que procurassem um compromisso com as
autoridades, assegurando a estas que a Igreja não pretende mudar a
estrutura do Estado nem do Governo. Em Dezembro passado, recusou
conceder uma audiência ao Dalai Lama e, aquando da repressão brutal no
Tibete, foi lento na condenação, de tal modo que um ministro italiano
denunciou o "excesso de Realpolitik".
Abençoou os Jogos e, nas férias, visitando o túmulo de um antigo
missionário na China, referiu-se ao país como "cada vez mais importante
na vida política, económica e também na das ideias", sendo, por isso
"importante que este grande continente se abra ao Evangelho".
Por sua vez, a Orquestra Filarmónica da China executou no Vaticano para o Papa Ratzinger o Requiem
de Mozart. Durante os Jogos, houve distribuição de Bíblias para os
atletas e permitiu-se a celebração da Missa. Os bispos de Hong Kong e
Macau foram convidados. E, para surpresa geral, na semana passada, numa
entrevista à RAI, o arcebispo de Pequim (da Associação Patriótica),
certamente com o aval do Governo, convidou o Papa a visitar a China:
"Esperamos bem que Bento XVI vá à China." As relações são cada vez
melhores. "Pode dizer-se que há um forte progresso."
O porta-voz do Vaticano respondeu que estas palavras provam que "os
católicos chineses amam e respeitam o Papa e reconhecem a sua
autoridade espiritual". Bento XVI espera a normalização das relações,
mas "há ainda alguns problemas significativos".
Como escreveu Stefan Ulrich, no Süddeutsche Zeitung,
"Há dois gigantes que se aproximam: O Papa representa mais de mil
milhões de católicos - o regime em Pequim governa ainda mais chineses."
Mas "a reconciliação não será fácil nem está para breve".
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