A imprevisibilidade da desigualdade
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A imprevisibilidade da desigualdade
A imprevisibilidade da desigualdade
10 Março2011
|
11:00
Kenneth Rogoff - © Project Syndicate, 2008.
www.project-syndicate.org
À medida que continuam a
desenrolar-se os eventos dramáticos no norte de África, muitos
observadores fora do mundo árabe afirmam de forma presunçosa, que estes
acontecimentos têm a ver com a corrupção e com a repressão política.
À medida que continuam a
desenrolar-se os eventos dramáticos no norte de África, muitos
observadores fora do mundo árabe afirmam de forma presunçosa, que estes
acontecimentos têm a ver com a corrupção e com a repressão política. Mas
o elevado desemprego, a evidente desigualdade e o aumento dos preços
dos bens essenciais são também um factor importante. Assim, os
observadores não deviam perguntar até que ponto irão propagar-se efeitos
semelhantes na região; mas que tipo de mudanças poderão ocorrer nos
seus países face a semelhantes, se não mais extremas, pressões
económicas.
Em cada país, a desigualdade de rendimentos, riqueza e
oportunidades é possivelmente maior do que em qualquer outra altura do
último século. Na Europa, Ásia e a Américas, as empresas estão
cheias de liquidez à medida que sua procura implacável por eficiência
continua a gerar enormes lucros. No entanto, os trabalhos recebem uma
percentagem cada vez mais pequena, devido ao elevado desemprego, à
diminuição das horas de trabalho e aos salários estagnados.
Paradoxalmente,
as medidas de desigualdade de rendimentos e riqueza entre países estão a
cair, devido ao crescimento robusto e contínuo dos mercados emergentes.
Mas a maioria das pessoas preocupam-se mais com a situação dos seus
vizinhos do que com a dos cidadãos de terras distantes.
Para os
mais ricos, as coisas estão a correr bem. Os mercados bolsistas estão a
recuperar. Muitos países estão a assistir a um crescimento vigoroso dos
preços das casas, das propriedades comerciais ou de ambos. A subida dos
preços das matérias-primas estão a gerar enormes receitas para os
proprietários de minas e de campos petrolíferos, apesar do aumento dos
preços dos alimentos básico estar a despoletar
distúrbios sociais e mesmo revoluções no mundo em desenvolvimento. A internet e o sector financeiro continuam a
criar novos milionários e multimilionários a um ritmo assombroso.
Ainda
assim, a elevada e prolongada taxa de desemprego continua a afectar
muitos trabalhadores menos qualificados como uma praga. Por exemplo, em Espanha, um país que atravessa uma crise financeira, a taxa de desemprego já
excede os 20%. Não ajuda o facto de o Governo estar a ser forçado a
implementar novas medidas de austeridade para enfrentar a precária
situação da dívida pública.
De facto, dado os níveis recorde da
dívida pública de muitos países, poucos governos têm margem de manobra
suficiente para resolver a desigualdade através de uma maior
redistribuição do rendimento. Países como o Brasil
têm níveis de transferência de pagamentos dos ricos para os pobres tão
elevados que novas medidas poderiam minar a estabilidade orçamental e a
credibilidade anti-inflacionista.
Países como a China
e a Rússia, com uma desigualdade de rendimentos
igualmente alta, têm mais possibilidade de realizar uma maior
redistribuição de rendimentos. Mas os líderes de ambos os países têm-se
mostrado relutantes em tomar medidas audazes por receio de destabilizar o
crescimento. A Alemanha deve preocupar-se, não só, com a
vulnerabilidade dos seus cidadãos mas também com recursos necessários
para resgatar os seus vizinhos do sul da Europa.
As causas da
crescente desigualdade são fáceis de perceber e não é necessário
expô-las aqui. Vivemos numa era em que a globalização expande o mercado
para indivíduos ultra-talentosos mas diminuiu o rendimento dos
empregados comuns. Por outro lado, a concorrência entre países por
indivíduos qualificados e indústrias rentáveis limita a capacidade do
governo em manter taxas de imposto elevadas sobre os mais ricos. A
mobilidade social é, assim, afectada porque os indivíduos mais ricos
proporcionam aos seus filhos uma educação privada e ajuda pós escolar,
enquanto, em muitos países, os mais pobres não conseguem sequer manter
os seus filhos na escola.
No século XIX, Karl Marx observou
maravilhosamente as tendências da desigualdade e concluiu que o
capitalismo não podia sustentar-se politicamente de maneira indefinida.
Eventualmente, os trabalhadores iriam revoltar-se e derrubar o sistema.
À
excepção de Cuba, da Coreia do Norte e de poucas universidades de
esquerda em todo o mundo, já ninguém leva Marx a sério. Ao contrário das
suas previsões, o capitalismo gerou níveis de vida cada vez mais altos
durante mais de um século, enquanto as tentativas de implementar
sistemas radicalmente diferentes fracassaram.
No entanto, numa
altura em que a desigualdade atinge níveis semelhantes aos de há 100
anos, o status quo tem que ser vulnerável. A instabilidade pode
expressar-se em qualquer lugar. Foi apenas há pouco mais de quarto
décadas que os distúrbios urbanos e manifestações maciças sacudiram o
mundo desenvolvido, provocando reformas sociais e políticas de amplo
alcance.
É verdade que os problemas do Egipto e da Tunísia são
muito mais profundos do que os de outros países. A corrupção e a
incapacidade de realizar importantes reformas políticas tornaram-se
falhas graves. Ainda assim, é errado supor que a desigualdade é estável
desde que surja da inovação e do crescimento.
Como irão
desenvolver-se, exactamente, as mudanças e que forma irá assumir o novo
modelo social? É difícil especular mas na maioria dos países o processo
será Pacífico e democrático.
O que é
evidente é que a desigualdade não é apenas uma questão de longo prazo.
As preocupações com o impacto da desigualdade de rendimento estão já a
afectar as políticas orçamentais e monetárias nos países desenvolvidos e
em desenvolvimento, à medida que tentam abandonar as políticas de
hiper-estimulação económica adoptadas durante a crise financeira.
Mais
importante. É muito provável que as capacidades dos países para fazer
frente às crescentes tensões sociais geradas pela enorme desigualdade
separem os vencedores dos perdedores na próxima ronda de globalização. A
desigualdade é a grande imprevisibilidade da próxima década de
crescimento global e não apenas no Norte de África.
Kenneth
Rogoff é professor de Economia e Política Pública na Universidade de
Harvard e é antigo economista chefe do Fundo Monetário Internacional.
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2011.
www.project-syndicate.org
http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=472345
10 Março2011
|
11:00
Kenneth Rogoff - © Project Syndicate, 2008.
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Kenneth Rogoff | |
À medida que continuam a
desenrolar-se os eventos dramáticos no norte de África, muitos
observadores fora do mundo árabe afirmam de forma presunçosa, que estes
acontecimentos têm a ver com a corrupção e com a repressão política.
À medida que continuam a
desenrolar-se os eventos dramáticos no norte de África, muitos
observadores fora do mundo árabe afirmam de forma presunçosa, que estes
acontecimentos têm a ver com a corrupção e com a repressão política. Mas
o elevado desemprego, a evidente desigualdade e o aumento dos preços
dos bens essenciais são também um factor importante. Assim, os
observadores não deviam perguntar até que ponto irão propagar-se efeitos
semelhantes na região; mas que tipo de mudanças poderão ocorrer nos
seus países face a semelhantes, se não mais extremas, pressões
económicas.
Em cada país, a desigualdade de rendimentos, riqueza e
oportunidades é possivelmente maior do que em qualquer outra altura do
último século. Na Europa, Ásia e a Américas, as empresas estão
cheias de liquidez à medida que sua procura implacável por eficiência
continua a gerar enormes lucros. No entanto, os trabalhos recebem uma
percentagem cada vez mais pequena, devido ao elevado desemprego, à
diminuição das horas de trabalho e aos salários estagnados.
Paradoxalmente,
as medidas de desigualdade de rendimentos e riqueza entre países estão a
cair, devido ao crescimento robusto e contínuo dos mercados emergentes.
Mas a maioria das pessoas preocupam-se mais com a situação dos seus
vizinhos do que com a dos cidadãos de terras distantes.
Para os
mais ricos, as coisas estão a correr bem. Os mercados bolsistas estão a
recuperar. Muitos países estão a assistir a um crescimento vigoroso dos
preços das casas, das propriedades comerciais ou de ambos. A subida dos
preços das matérias-primas estão a gerar enormes receitas para os
proprietários de minas e de campos petrolíferos, apesar do aumento dos
preços dos alimentos básico estar a despoletar
distúrbios sociais e mesmo revoluções no mundo em desenvolvimento. A internet e o sector financeiro continuam a
criar novos milionários e multimilionários a um ritmo assombroso.
Ainda
assim, a elevada e prolongada taxa de desemprego continua a afectar
muitos trabalhadores menos qualificados como uma praga. Por exemplo, em Espanha, um país que atravessa uma crise financeira, a taxa de desemprego já
excede os 20%. Não ajuda o facto de o Governo estar a ser forçado a
implementar novas medidas de austeridade para enfrentar a precária
situação da dívida pública.
De facto, dado os níveis recorde da
dívida pública de muitos países, poucos governos têm margem de manobra
suficiente para resolver a desigualdade através de uma maior
redistribuição do rendimento. Países como o Brasil
têm níveis de transferência de pagamentos dos ricos para os pobres tão
elevados que novas medidas poderiam minar a estabilidade orçamental e a
credibilidade anti-inflacionista.
Países como a China
e a Rússia, com uma desigualdade de rendimentos
igualmente alta, têm mais possibilidade de realizar uma maior
redistribuição de rendimentos. Mas os líderes de ambos os países têm-se
mostrado relutantes em tomar medidas audazes por receio de destabilizar o
crescimento. A Alemanha deve preocupar-se, não só, com a
vulnerabilidade dos seus cidadãos mas também com recursos necessários
para resgatar os seus vizinhos do sul da Europa.
As causas da
crescente desigualdade são fáceis de perceber e não é necessário
expô-las aqui. Vivemos numa era em que a globalização expande o mercado
para indivíduos ultra-talentosos mas diminuiu o rendimento dos
empregados comuns. Por outro lado, a concorrência entre países por
indivíduos qualificados e indústrias rentáveis limita a capacidade do
governo em manter taxas de imposto elevadas sobre os mais ricos. A
mobilidade social é, assim, afectada porque os indivíduos mais ricos
proporcionam aos seus filhos uma educação privada e ajuda pós escolar,
enquanto, em muitos países, os mais pobres não conseguem sequer manter
os seus filhos na escola.
No século XIX, Karl Marx observou
maravilhosamente as tendências da desigualdade e concluiu que o
capitalismo não podia sustentar-se politicamente de maneira indefinida.
Eventualmente, os trabalhadores iriam revoltar-se e derrubar o sistema.
À
excepção de Cuba, da Coreia do Norte e de poucas universidades de
esquerda em todo o mundo, já ninguém leva Marx a sério. Ao contrário das
suas previsões, o capitalismo gerou níveis de vida cada vez mais altos
durante mais de um século, enquanto as tentativas de implementar
sistemas radicalmente diferentes fracassaram.
No entanto, numa
altura em que a desigualdade atinge níveis semelhantes aos de há 100
anos, o status quo tem que ser vulnerável. A instabilidade pode
expressar-se em qualquer lugar. Foi apenas há pouco mais de quarto
décadas que os distúrbios urbanos e manifestações maciças sacudiram o
mundo desenvolvido, provocando reformas sociais e políticas de amplo
alcance.
É verdade que os problemas do Egipto e da Tunísia são
muito mais profundos do que os de outros países. A corrupção e a
incapacidade de realizar importantes reformas políticas tornaram-se
falhas graves. Ainda assim, é errado supor que a desigualdade é estável
desde que surja da inovação e do crescimento.
Como irão
desenvolver-se, exactamente, as mudanças e que forma irá assumir o novo
modelo social? É difícil especular mas na maioria dos países o processo
será Pacífico e democrático.
O que é
evidente é que a desigualdade não é apenas uma questão de longo prazo.
As preocupações com o impacto da desigualdade de rendimento estão já a
afectar as políticas orçamentais e monetárias nos países desenvolvidos e
em desenvolvimento, à medida que tentam abandonar as políticas de
hiper-estimulação económica adoptadas durante a crise financeira.
Mais
importante. É muito provável que as capacidades dos países para fazer
frente às crescentes tensões sociais geradas pela enorme desigualdade
separem os vencedores dos perdedores na próxima ronda de globalização. A
desigualdade é a grande imprevisibilidade da próxima década de
crescimento global e não apenas no Norte de África.
Kenneth
Rogoff é professor de Economia e Política Pública na Universidade de
Harvard e é antigo economista chefe do Fundo Monetário Internacional.
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2011.
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Última edição por trabDisForçados em Qui Mar 10, 2011 10:11 am, editado 1 vez(es)
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