Poder totalitário
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Poder totalitário
00h07m
Um
juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) ridicularizou
esta semana uma iniciativa do ministro da Economia, Álvaro Santos
Pereira, que visa atrair reformados da Europa do Norte para o nosso
país. Num pequeno texto publicado num blogue de magistrados denominado
«Sine Die», Eduardo Maia Costa, juiz conselheiro da 3.ª Secção Criminal
do STJ, reduz a proposta ministerial a uma anedota.
«Quando ouvi
falar da ideia pareceu-me uma daquelas boas anedotas, na rica tradição
do anedotário nacional», escreve o juiz, que logo acrescenta: «Mas
afinal não era anedota, era uma proposta séria (?) do ministro da
Economia, para a recuperação da dita: transformar Portugal na Florida da
Europa!». Mais adiante, Maia Costa ironiza afirmando que «Portugal vai
tornar-se um enorme lar de idosos ricos, arianos de preferência, para
bem deles e nosso» e interroga-se por que «não nos tínhamos lembrado
antes desta nova galinha dos ovos de ouro». E conclui: «A recuperação da
economia está em marcha!». A publicação deste texto ocorreu apenas um
dia depois de o ministro Álvaro Santos Pereira ter anunciado na
Assembleia da República que o Governo pretende lançar um programa
destinado a atrair os reformados do Norte da Europa para viver em
Portugal durante parte do ano, equiparando as suas poupanças às remessas
dos nossos emigrantes.
Infelizmente, este caso surge no
seguimento de muitos outros em que magistrados criticam publicamente os
poderes executivo e legislativo, sobretudo as leis que deviam acatar e
respeitar por serem eles próprios a aplicá-las. Felizmente, os titulares
dos cargos políticos não têm criticado as decisões dos tribunais,
esperando-se que Álvaro Santos Pereira não venha agora comentar
publicamente os acórdãos relatados ou subscritos por Maia Costa no STJ.
É
consabido, pelo menos desde Montesquieu, que os juízes só devem falar
publicamente através das suas sentenças. Esta ideia é um corolário do
princípio da separação de poderes que, na sua pureza original, impõe que
os (titulares dos) poderes ou órgãos soberanos do Estado não podem
interferir uns com outros. Impõe, sobretudo, que os titulares dos
poderes políticos não devam interferir com o funcionamento dos tribunais
nem com as suas decisões e que os magistrados não devam interferir com o
funcionamento do Parlamento, do Governo e do presidente da República
nem com as suas medidas.
O dever de acatar este princípio
(estruturante do estado de direito e da democracia) impõe-se a todos por
igual, não sendo lícito que alguns persistam em o violar. Contudo, há
em Portugal magistrados que entendem que o podem fazer como simples
cidadãos. Essas posições relevam de uma visão totalitária do Poder
Judicial (ou, simplesmente, do Poder), segundo a qual todos têm de
prestar contas ao Poder Judicial e este não presta contas a ninguém,
excepto a si próprio. Essa ideia de que um magistrado, despindo a beca,
se transforma num cidadão como outro qualquer é uma ideia perversa que
levou à descredibilização da Justiça perante a sociedade democrática,
nomeadamente, à degenerescência do sindicalismo no Poder Judicial. Quem
aceita determinadas funções tem, naturalmente, o direito de beneficiar
de todas as regalias e prerrogativas que elas propiciam (coisa que os
magistrados fazem com inaudito zelo), mas tem também o dever de aceitar
as restrições que elas acarretam (coisa que muitos se recusam a
aceitar).
Quando juízes, ainda por cima do STJ, apoiam ou
criticam, publicamente, propostas políticas do Governo, estão a
descredibilizar-se a si próprios como magistrados e ao órgão a que
pertencem, pois deixam de dar garantias de imparcialidade no exercício
da sua função. É que a um juiz, tal como à mulher do outro, não basta
ser imparcial, tem de parecê-lo sempre, ou seja, tem de actuar em todos
os momentos da sua vida de modo a que as pessoas acreditem que ele será
imparcial quando for chamado a julgar; ou, pelo menos, de modo a que as
pessoas não se convençam do contrário. É certo que a ociosidade que
grassa entre as dezenas e dezenas de conselheiros do STJ torna essa
abstenção cada vez mais penosa. Mas esse é mais um sacrifício que o
estado de direito e a sociedade democrática lhes pedem.
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Só discuto o que nao sei ...O ke sei ensino ...POIZ
Vitor mango- Pontos : 118212
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