Apanhado a mentir. A verdade estava escondida nas cuecas
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Apanhado a mentir. A verdade estava escondida nas cuecas
Apanhado a mentir. A verdade estava escondida nas cuecas
por Sílvia Caneco, Publicado em 15 de Agosto de 2011 | Actualizado há 3 horas
Hermínio, 32 anos, empregado "em sítios diversos", está neste lugar
de sentenças chamado Pequena Instância Criminal de Lisboa encurralado
entre duas acusações: condução em estado de embriaguez e detenção de
arma proibida.
"É verdade, é verdade", apressou-se a dizer o arguido.
A juíza tinha acabado de resumir a acusação de forma breve.
"É
tudo verdade, doutora juíza, como já disse. Queria acrescentar que
estava embriagado porque fui a uma festa de casamento. Bebi uns copos a
mais, não tive cabeça para parar."
"Mas não é só desse crime que é
acusado, caso não se recorde. Quando a polícia o revistou na
casa-de-banho foi encontrada uma arma. Uma faca com 10,5 centímetros de
lâmina. Para que é que a queria?"
"O canivete é do trabalho, para abrir envelopes. Esqueci-me completamente que o tinha no bolso."
"Foi para o casamento com um canivete?"
"Não, trabalhei à tarde, fui para o casamento à noite e fui apanhado no outro dia."
"Pois... então isso quer dizer que levou esta arma consigo para o casamento."
"Sim,
esqueci-me. Estava aqui no bolso, atrás da carteira, nem senti",
responderá o arguido, virando o rabo à juíza pela primeira vez em muitas
para explicar onde o canivete estava esquecido.
"Este canivete é seu?"
"Não, é da empresa."
"Mas sabia que é uma arma?"
"É um instrumento de trabalho."
"Está bem, mas está ciente de que é uma arma branca?"
"Não. Esqueci-me foi de o deixar no trabalho."
"Mas sabia ou não sabia que não podia andar com ele na via pública?"
"Não, não sabia que o tinha em minha posse."
A
juíza expira. Um arguido pode dar cabo dos nervos de qualquer um, agora
imaginem se forem dois. Lá fora, aos gritos, está Bramanur - arguido já
aqui citado em crónica anterior -, a ameaçar suicidar-se. E a juíza
cheia de nervos: do lado de fora um com problemas de vida ou morte, na
sala um com sérios problemas de compreensão.
Descanso à juíza. O procurador terá outras questões de máxima pertinência, como adiante veremos.
"Como é que estava vestido quando foi abordado pelos agentes?"
"Estava de sapatos e camisa."
"E as calças?"
"Eram de ganga, como estas."
"O
senhor foi para o casamento de calças de ganga?", pergunta o
procurador, notando-se ali uma ponta de ironia e de crítica à
indumentária.
"As calças eram apertadas?"
O leitor já perceberá porque está o procurador tão interessado nos detalhes da vestimenta do arguido.
"Mais largas do que estas."
"E não sentiu a faca?"
"Não, porque estava aqui atrás da carteira." E desta vez Hermínio vira o rabo para o magistrado.
"E não precisou da carteira?"
"Não, no casamento não precisava de dinheiro."
O
procurador começa a ficar com ares de quem não acredita numa só palavra
que o réu diz. O pior é que a história não acabará aqui, e serão os
agentes da PSP, chamados de seguida a testemunhar, que irão desmascarar,
num ápice, as aldrabices do Hermínio. Uma pista para os leitores mais
impacientes: a verdade, por vezes, esconde-se nas partes mais íntimas.
Ainda
para mais, parece que Hermínio não só não parou voluntariamente, como
ainda fintou a polícia e só foi apanhado porque houve uma ocorrência
perto e havia mais agentes nas redondezas.
Nas alegações finais, o procurador do Ministério Público não está para meias palavras, nem para complacências:
"O
arguido não se entregou e confessou apenas o mais óbvio: que estava
embriagado. O seu depoimento sobre a arma branca é muito contraditório.
Dada a dimensão do objecto, tenho muita dificuldade em compreender como
não deu pelo utensílio. Geralmente uma pessoa sente esse objecto, nesse
local, pelo menos quando se senta. E o pormenor mais importante foi a
descoberta de que afinal a navalha não estava no bolso. Se não tivesse
conhecimento de que era uma arma branca não a teria escondido no local
onde a escondeu."
E se com o testemunho de um agente o Hermínio
já estava tramado, com o de dois ainda pior. "Levei-o à casa-de-banho
para fazer uma revista mais minuciosa. Quando ele tirou as calças,
saiu-lhe a faca. Estava aqui à frente, presa no elástico dos boxers."
Onde exactamente, perguntará a advogada? "Estava no corpo, as cuecas é
que a prendiam." Doutora advogada, que devia ser de defesa, gostámos de
ver resolvido o mistério da roupa interior. Foi um golpe de defesa de
génio interrogar o agente sobre o local exacto onde estava a faca, o
Hermínio agradece.
Continua o agente: "Estava dentro de uma
bolsa de cabedal preto. Quando fazemos a apalpação não dá para sentir,
foi preciso despir." Compreendemo-lo, senhor agente, não fica bem andar a
apalpar os genitais e, como o mundo está, o melhor é evitar actos que
possam culminar em acusações de assédio.
No final, Hermínio tem direito ao seu último reduto.
"Quer acrescentar alguma coisa em sua defesa que ainda não tenha dito?"
"Não", diz todo medroso.
"Tem a certeza?"
A
juíza prepara-se para ditar a sentença. Hermínio beneficiará do cúmulo
jurídico: pelos dois crimes será condenado a 240 dias de multa, à taxa
diária de cinco euros. Ou seja, 1200 euros, mais de dois meses de
salário no parque de estacionamento onde precisa de um "abre-envelopes",
mesmo quando é domingo e os carteiros estão de folga. Mas antes
Hermínio vai encolher-se e deixar cair a sua teoria.
"Tinha o
canivete comigo, sim senhor. Trabalho perto da linha de comboio, em
Sintra, e aquela zona à noite é um bocado complicada."
A noite de
Sintra continuará a ser a noite de Sintra. A faca será dada como
perdida a favor do Estado. E Hermínio deixa gravadas estas últimas
palavras, com um enjoo de arrependimento na ponta da
por Sílvia Caneco, Publicado em 15 de Agosto de 2011 | Actualizado há 3 horas
Hermínio, 32 anos, empregado "em sítios diversos", está neste lugar
de sentenças chamado Pequena Instância Criminal de Lisboa encurralado
entre duas acusações: condução em estado de embriaguez e detenção de
arma proibida.
"É verdade, é verdade", apressou-se a dizer o arguido.
A juíza tinha acabado de resumir a acusação de forma breve.
"É
tudo verdade, doutora juíza, como já disse. Queria acrescentar que
estava embriagado porque fui a uma festa de casamento. Bebi uns copos a
mais, não tive cabeça para parar."
"Mas não é só desse crime que é
acusado, caso não se recorde. Quando a polícia o revistou na
casa-de-banho foi encontrada uma arma. Uma faca com 10,5 centímetros de
lâmina. Para que é que a queria?"
"O canivete é do trabalho, para abrir envelopes. Esqueci-me completamente que o tinha no bolso."
"Foi para o casamento com um canivete?"
"Não, trabalhei à tarde, fui para o casamento à noite e fui apanhado no outro dia."
"Pois... então isso quer dizer que levou esta arma consigo para o casamento."
"Sim,
esqueci-me. Estava aqui no bolso, atrás da carteira, nem senti",
responderá o arguido, virando o rabo à juíza pela primeira vez em muitas
para explicar onde o canivete estava esquecido.
"Este canivete é seu?"
"Não, é da empresa."
"Mas sabia que é uma arma?"
"É um instrumento de trabalho."
"Está bem, mas está ciente de que é uma arma branca?"
"Não. Esqueci-me foi de o deixar no trabalho."
"Mas sabia ou não sabia que não podia andar com ele na via pública?"
"Não, não sabia que o tinha em minha posse."
A
juíza expira. Um arguido pode dar cabo dos nervos de qualquer um, agora
imaginem se forem dois. Lá fora, aos gritos, está Bramanur - arguido já
aqui citado em crónica anterior -, a ameaçar suicidar-se. E a juíza
cheia de nervos: do lado de fora um com problemas de vida ou morte, na
sala um com sérios problemas de compreensão.
Descanso à juíza. O procurador terá outras questões de máxima pertinência, como adiante veremos.
"Como é que estava vestido quando foi abordado pelos agentes?"
"Estava de sapatos e camisa."
"E as calças?"
"Eram de ganga, como estas."
"O
senhor foi para o casamento de calças de ganga?", pergunta o
procurador, notando-se ali uma ponta de ironia e de crítica à
indumentária.
"As calças eram apertadas?"
O leitor já perceberá porque está o procurador tão interessado nos detalhes da vestimenta do arguido.
"Mais largas do que estas."
"E não sentiu a faca?"
"Não, porque estava aqui atrás da carteira." E desta vez Hermínio vira o rabo para o magistrado.
"E não precisou da carteira?"
"Não, no casamento não precisava de dinheiro."
O
procurador começa a ficar com ares de quem não acredita numa só palavra
que o réu diz. O pior é que a história não acabará aqui, e serão os
agentes da PSP, chamados de seguida a testemunhar, que irão desmascarar,
num ápice, as aldrabices do Hermínio. Uma pista para os leitores mais
impacientes: a verdade, por vezes, esconde-se nas partes mais íntimas.
Ainda
para mais, parece que Hermínio não só não parou voluntariamente, como
ainda fintou a polícia e só foi apanhado porque houve uma ocorrência
perto e havia mais agentes nas redondezas.
Nas alegações finais, o procurador do Ministério Público não está para meias palavras, nem para complacências:
"O
arguido não se entregou e confessou apenas o mais óbvio: que estava
embriagado. O seu depoimento sobre a arma branca é muito contraditório.
Dada a dimensão do objecto, tenho muita dificuldade em compreender como
não deu pelo utensílio. Geralmente uma pessoa sente esse objecto, nesse
local, pelo menos quando se senta. E o pormenor mais importante foi a
descoberta de que afinal a navalha não estava no bolso. Se não tivesse
conhecimento de que era uma arma branca não a teria escondido no local
onde a escondeu."
E se com o testemunho de um agente o Hermínio
já estava tramado, com o de dois ainda pior. "Levei-o à casa-de-banho
para fazer uma revista mais minuciosa. Quando ele tirou as calças,
saiu-lhe a faca. Estava aqui à frente, presa no elástico dos boxers."
Onde exactamente, perguntará a advogada? "Estava no corpo, as cuecas é
que a prendiam." Doutora advogada, que devia ser de defesa, gostámos de
ver resolvido o mistério da roupa interior. Foi um golpe de defesa de
génio interrogar o agente sobre o local exacto onde estava a faca, o
Hermínio agradece.
Continua o agente: "Estava dentro de uma
bolsa de cabedal preto. Quando fazemos a apalpação não dá para sentir,
foi preciso despir." Compreendemo-lo, senhor agente, não fica bem andar a
apalpar os genitais e, como o mundo está, o melhor é evitar actos que
possam culminar em acusações de assédio.
No final, Hermínio tem direito ao seu último reduto.
"Quer acrescentar alguma coisa em sua defesa que ainda não tenha dito?"
"Não", diz todo medroso.
"Tem a certeza?"
A
juíza prepara-se para ditar a sentença. Hermínio beneficiará do cúmulo
jurídico: pelos dois crimes será condenado a 240 dias de multa, à taxa
diária de cinco euros. Ou seja, 1200 euros, mais de dois meses de
salário no parque de estacionamento onde precisa de um "abre-envelopes",
mesmo quando é domingo e os carteiros estão de folga. Mas antes
Hermínio vai encolher-se e deixar cair a sua teoria.
"Tinha o
canivete comigo, sim senhor. Trabalho perto da linha de comboio, em
Sintra, e aquela zona à noite é um bocado complicada."
A noite de
Sintra continuará a ser a noite de Sintra. A faca será dada como
perdida a favor do Estado. E Hermínio deixa gravadas estas últimas
palavras, com um enjoo de arrependimento na ponta da
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Só discuto o que nao sei ...O ke sei ensino ...POIZ
Vitor mango- Pontos : 118212
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