Paris de olhos em bico e sem péril jaune
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Paris de olhos em bico e sem péril jaune
Paris de olhos em bico e sem péril jaune
Há treze anos residi em Paris. Ali
estive o tempo suficiente para preparar a dissertação de mestrado sobre
Homem Cristo Filho, que viria a defender em finais do século. Residia
num bairro popular lá para os confins da linha da Porte des Lilas,
povoada por uma babilónia de trabalhadores vindos de todas as partidas
do mundo em busca de uma mirífica riqueza. Cambojanos, laocianos e
vietnamitas pobres, magrebinos imobilizados nas suas épiceries de
bairro, alguns espanhóis e portugueses, muita classe operária francesa.
Os anos passaram, a minha vida seguiu outro rumo e à "cidade luz" - cada
vez mais fraldiqueira, numa estafada decadência que já não esconde as
vergonhas - voltei de quando em quando sem a paixão de outrora.
Desta
vez tinha de lá regressar para ultimar a dissertação de doutoramento
sobre as relações entre Portugal e o Sião, que prometi solenemente à
família e ao meu orientador terminar antes das primeiras chuvas do
Outono. Decidi-me ficar num apartamento noutro bairro exótico, a Cidade
Chinesa, nas vizinhanças da Place d'Italie.
Ali
moram trezentos mil asiáticos. Dir-se-ia uma cidade do
Sudeste-Asiático. Eles, os asiáticos, fizeram progressos que não podem
ocultar. De pobres lojistas, vendedores de rua e criados de restaurante
saíram engenheiros, médicos, advogados e políticos. Os asiáticos
investiram forte nos filhos. Os magrebinos, esses, ficaram onde estavam.
Os asiáticos fizeram-se burgueses, os magrebinos transformaram-se em
racaille. Escolhi a Place d'Italie porque é segura e porque ali posso
tomar um pequeno almoço à cambojana, um almoço à tailandesa, jantar à
vietnamita e levar para casa uma ceia cantonesa. Ali há restaurantes,
supermercados, cinemas, livrarias e boutiques para asiáticos, com
produtos asiáticos. A febre do jogo impera, como por toda a Ásia.
Apostas nas corridas de cavalos e de cães, lotarias, jogo movimentam
milhões. É a Ásia e a sua quase infantil maneira de fintar a sorte.
Uma
sexta-feira em grande. O Louvre no seu esplendor, puxando os galões à
fanada grandeza pretérita dos valois e capetos. Kangxi rivalizando com
Luís XIV, Qianlong com Luís XV. A França que se enternece com o seu
passado de glórias -a velha nostalgia das ex-grandes potências - e sonha
alto com o tempo em que havia na Europa um Rei Sol que só encontrava
rival no Filho do Céu que se sentava na Cidade Proibida de Pequim.
Tudo
tresanda a despedida: a França que se apaga, a China que se expande
sobre o planeta e sonha novamente com um mundo globalizado pelas
maneiras asiáticas. Há anos, a China era um remoto buraco e o
"orientalismo" vivia de clichés pouco menores que caricaturas. Hoje, os
franceses, na sua república caduca, prestam-lhe tributo de admiração.
Nas paredes da velha muralha do Louvre, uma expressiva transcrição dos
escritos de Kangxi: "de música e comida tive bastante; de espírito tive
algum".
Publicada por
Combustões
em
4.10.11
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Só discuto o que nao sei ...O ke sei ensino ...POIZ
Vitor mango- Pontos : 118212
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