O Código do Medo Por Baptista Bastos
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O Código do Medo Por Baptista Bastos
código do medo
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In Jornal de Negócios
Pedro Passos Coelho desceu ao Algarve. Para ir a banhos, na Manta Rota; para dizer frioleiras, na Quarteira. Em torno deste discurso haviam-se criado expectativas. Eram despropositadas e até falsas. Passos está amarrado de pés e mãos e nada pode dizer que ultrapasse os limites impostos pela ideologia que defende.
O conclave jantarista não adiantou nem atrasou. Ainda por cima, ele não mobiliza, não entusiasma, não convence. Manifestamente, as convicções, se alguma vez as teve em dose elevada, ausentaram-se-lhe. A voz, que sabia modelar e entoar, é monótona, fatigada e fatigante. Os correligionários aplaudiram sem entusiasmo e sem brio, como se tivessem sido arregimentados para um encontro que lhes não dizia respeito.
Segui, com cuidadosa atenção, o que Passos Coelho disse. Só não fiquei decepcionado porque nada esperava de novo e de arrebatador. Fez o elogio próprio e do seu Governo, debitou palavras incolores sobre o esforço dos portugueses, assim como do drama dos jovens sem futuro e dos sem trabalho. Tudo isto sem um escasso assomo de emoção; sem um pingo de ternura para os seus compatriotas que não passam férias porque passam fome. A banalidade quase insultuosa das suas frases foi isso mesmo: o homem esteve a falar: não disse nada.
Depois, nas televisões, foram os comentadores do óbvio. À banalidade respondeu a banalidade de uns senhores e de uma senhora que não arriscam porque não pensam ou estão solidificados naquelas tolas articulações verbais. A tristeza do clima estende-se, doentiamente, por todos os sectores da nossa vida. A mediocridade conquistou carta-de-alforria, e os esforços que alguns fazem, para sacudir esta parda resignação, não estão a resultar. De todos aqueles preopinantes que tive de ver e ouvir, os dois melhores foram Manuel Carvalho da Silva e Rui Moreira. Independentemente de se estar ou não de acordo, ambos têm ideias de seu, não encarneiram, propõem aquilo que conjecturam e fazem-no com preocupações de clareza e de pedagogia.
O discurso na Quarteira não merecia mais do que meia dúzia de palavras. As pessoas que, nas televisões, esgarçaram as falas de Pedro Passos Coelho, esganiçando-se para atribuir ao que diziam o tónus intelectual e prodigamente político, nada adiantaram, não nos estimularam, não fizeram com que reflectíssemos. Podiam, acaso, aludir aos perigos resultantes de um texto anódino. Podiam, talvez, assinalar a pobreza lexical dos dizeres de Passos. E, até, avisá-lo de que não deve dizer "há anos atrás" (como ele insiste), pela lógica razão de que não há "há anos à frente." Ao menos isso, mas nem isso.
Não sei para quem Pedro Passos Coelho julga que fala. Mas a certeza é de que não a falar para todos nós. Porque nem todos nós somos matóides, e muitos de nós sabem pensar e agir. Se o não fazem é por cansaço e por medo. Estamos enfiados num buraco aparentemente sem fundo. Há mais de um milhão e trezentos mil portugueses sem trabalho, e o número aumenta diariamente. A nossa juventude está a ir embora. Os velhos são ignorados e morrem dolorosamente, à espera, nos jardins. Aconteceu um episódio instrutivo quando Passos falou no facto de as coisas irem melhorar no próximo ano. O buzinão dos utentes da Via da Infante fez-se ouvir, apesar de os sons terem sido amortecidos.
Amortecidos é o que estamos, de uma forma geral. E o discurso do poder funda-se nessa evidência. Não conseguimos reagir, eficazmente, a este descalabro. A ideologia que nos tem sido rudemente imposta parece ter, de facto, amortecido o espírito de combate e de repulsa por este estado de coisas. Até quando?
Apostila – Vou aos antigos e aos contemporâneos. Pelo menos estes fornecem-nos respostas que os autores actuais não dão, por inércia, ignorância ou indiferença. Aí está um significativo trecho do "Diário IX", de Miguel Torga, data de Setembro de 1961:
"É um fenómeno curioso: o país ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto. Falta-lhe o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente, uma colectividade pacífica de revoltados."
b.bastos@netcabo.pt
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In Jornal de Negócios
Pedro Passos Coelho desceu ao Algarve. Para ir a banhos, na Manta Rota; para dizer frioleiras, na Quarteira. Em torno deste discurso haviam-se criado expectativas. Eram despropositadas e até falsas. Passos está amarrado de pés e mãos e nada pode dizer que ultrapasse os limites impostos pela ideologia que defende.
O conclave jantarista não adiantou nem atrasou. Ainda por cima, ele não mobiliza, não entusiasma, não convence. Manifestamente, as convicções, se alguma vez as teve em dose elevada, ausentaram-se-lhe. A voz, que sabia modelar e entoar, é monótona, fatigada e fatigante. Os correligionários aplaudiram sem entusiasmo e sem brio, como se tivessem sido arregimentados para um encontro que lhes não dizia respeito.
Segui, com cuidadosa atenção, o que Passos Coelho disse. Só não fiquei decepcionado porque nada esperava de novo e de arrebatador. Fez o elogio próprio e do seu Governo, debitou palavras incolores sobre o esforço dos portugueses, assim como do drama dos jovens sem futuro e dos sem trabalho. Tudo isto sem um escasso assomo de emoção; sem um pingo de ternura para os seus compatriotas que não passam férias porque passam fome. A banalidade quase insultuosa das suas frases foi isso mesmo: o homem esteve a falar: não disse nada.
Depois, nas televisões, foram os comentadores do óbvio. À banalidade respondeu a banalidade de uns senhores e de uma senhora que não arriscam porque não pensam ou estão solidificados naquelas tolas articulações verbais. A tristeza do clima estende-se, doentiamente, por todos os sectores da nossa vida. A mediocridade conquistou carta-de-alforria, e os esforços que alguns fazem, para sacudir esta parda resignação, não estão a resultar. De todos aqueles preopinantes que tive de ver e ouvir, os dois melhores foram Manuel Carvalho da Silva e Rui Moreira. Independentemente de se estar ou não de acordo, ambos têm ideias de seu, não encarneiram, propõem aquilo que conjecturam e fazem-no com preocupações de clareza e de pedagogia.
O discurso na Quarteira não merecia mais do que meia dúzia de palavras. As pessoas que, nas televisões, esgarçaram as falas de Pedro Passos Coelho, esganiçando-se para atribuir ao que diziam o tónus intelectual e prodigamente político, nada adiantaram, não nos estimularam, não fizeram com que reflectíssemos. Podiam, acaso, aludir aos perigos resultantes de um texto anódino. Podiam, talvez, assinalar a pobreza lexical dos dizeres de Passos. E, até, avisá-lo de que não deve dizer "há anos atrás" (como ele insiste), pela lógica razão de que não há "há anos à frente." Ao menos isso, mas nem isso.
Não sei para quem Pedro Passos Coelho julga que fala. Mas a certeza é de que não a falar para todos nós. Porque nem todos nós somos matóides, e muitos de nós sabem pensar e agir. Se o não fazem é por cansaço e por medo. Estamos enfiados num buraco aparentemente sem fundo. Há mais de um milhão e trezentos mil portugueses sem trabalho, e o número aumenta diariamente. A nossa juventude está a ir embora. Os velhos são ignorados e morrem dolorosamente, à espera, nos jardins. Aconteceu um episódio instrutivo quando Passos falou no facto de as coisas irem melhorar no próximo ano. O buzinão dos utentes da Via da Infante fez-se ouvir, apesar de os sons terem sido amortecidos.
Amortecidos é o que estamos, de uma forma geral. E o discurso do poder funda-se nessa evidência. Não conseguimos reagir, eficazmente, a este descalabro. A ideologia que nos tem sido rudemente imposta parece ter, de facto, amortecido o espírito de combate e de repulsa por este estado de coisas. Até quando?
Apostila – Vou aos antigos e aos contemporâneos. Pelo menos estes fornecem-nos respostas que os autores actuais não dão, por inércia, ignorância ou indiferença. Aí está um significativo trecho do "Diário IX", de Miguel Torga, data de Setembro de 1961:
"É um fenómeno curioso: o país ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto. Falta-lhe o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente, uma colectividade pacífica de revoltados."
b.bastos@netcabo.pt
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Vagueante- Pontos : 1698
Re: O Código do Medo Por Baptista Bastos
Vagueante escreveu:código do medo
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Amortecidos é o que estamos, de uma forma geral. E o discurso do poder funda-se nessa evidência. Não conseguimos reagir, eficazmente, a este descalabro. A ideologia que nos tem sido rudemente imposta parece ter, de facto, amortecido o espírito de combate e de repulsa por este estado de coisas. Até quando?
Apostila – Vou aos antigos e aos contemporâneos. Pelo menos estes fornecem-nos respostas que os autores actuais não dão, por inércia, ignorância ou indiferença. Aí está um significativo trecho do "Diário IX", de Miguel Torga, data de Setembro de 1961:
"É um fenómeno curioso: o país ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto. Falta-lhe o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente, uma colectividade pacífica de revoltados."
Vagueante- Pontos : 1698
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