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A canção da avó

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A canção da avó Empty A canção da avó

Mensagem por Vitor mango Qui Nov 08, 2012 1:07 am

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A canção da avó

No
coração do México, os falcões sobrevoam as altas montanhas,
mergulhando em direção às encostas suaves, semeadas de milho. Debaixo
do sol tropical, as iguanas descansam sobre rochedos brilhantes, e os
tucanos conversam com os guaxinins empoleirados em árvores
verde-esmeralda. Por entre as colinas, os pumas correm, as raposas
cinzentas procuram galinhas, e os lobos uivam entre si, à noite.


Numa
aldeia situada no sopé das montanhas, vivia uma avó com a neta.
Plantavam milho, tomates e girassóis na Primavera e juntas viam os
rebentos verdes despontar da terra. No Verão, colhiam lírios brancos
como leite, punham-nos em cestos às costas, e levavam-nos para vender
no mercado. Pelo Outono, decoravam caules esguios de milho para a festa
das colheitas, a fim de agradecer os cereais de um ano inteiro. No Dia
dos Mortos, costumavam erigir um altar e acender velas, relembrando os
entes queridos. E no Natal, pegavam em cola e papel e faziam pinhatas,
que enchiam com frutas e doces.


A
avó era alta e imponente. Tinha as faces macias e as maçãs do rosto
bem marcadas. Os olhos eram profundos, castanhos e doces. Embora
tristes, eram bondosos. Tinha o peito largo e as ancas redondas. Pernas
e pés robustos ligavam-na à terra, como se fosse uma árvore antiga. Os
braços eram fortes e as mãos graciosas, com dedos longos e finos. Era
uma mulher tão delicada como os rebentos de um jacarandá.


A
neta gostava de explorar e de sonhar. Costumava brincar sozinha, nos
campos e nas florestas, mas tinha medo das sombras escuras, dos
barulhos dos animais, e de tudo o que fosse novo e diferente. “O que
haverá no buraco desta árvore velha?” pensava, enquanto se erguia nos
bicos dos pés e esticava o pescoço para espreitar o tronco oco.
Contudo, mal ouvia um gato-do-mato nos ramos altos, começava a tremer
dos pés à cabeça, como um saco de folhas secas a ondular numa tarde
ventosa.


Certo
dia, a neta assustadiça encontrou um tatu. Não passava de um vulgar
tatu que se cruzara no seu caminho, mas a rapariga tremeu como se fosse
um urso feroz com garras afiadas e dentes rangentes. Depois desse
encontro, cada pequena sombra no caminho para casa iria transformar-se
num monstro aterrador.



Quando a avó ouviu o barulho da porta, correu para a neta e
abraçou-a. Em seguida, sentou-a ao colo e afagou-a com doçura. Enquanto
lhe afagava o cabelo e as costas, ia cantando:


Minha
pequenina, como bate o teu coração e que medo te faz tremer tanto! O
mundo é um lugar assustador para os que não confiam. A minha ternura
dar-te-á confiança: a confiança que sinto, a confiança que a minha avó
sentia, e que herdou da avó dela.


A neta sentiu-se invadida por um calor reconfortante e, enquanto o sol se punha, deixou de tremer e adormeceu.

No
dia seguinte, um grupo de crianças surpreendeu-a enquanto brincava à
beira da estrada. Rindo e gritando, correram para ela e
perguntaram-lhe:


— Onde fica o rio?

Em
vez de fugir, a menina apontou com o dedo para a esquerda. Embora
tremesse por dentro, o dedo mantivera-se firme. Nessa noite, contou à
avó o que acontecera. A avó sorriu:


— Isso já é um progresso.

Pegou na neta ao colo e afagou-a como se faz a um gatinho. Depois, começou a cantar:


Minha pequenina, como bate o teu coração e que medo te faz tremer
tanto! O mundo é um lugar assustador para os que não têm coragem, mas
hoje mostraste bravura. A tua coragem alia-se à minha e à da minha avó,
que a herdou da avó dela.


A neta sentiu uma força percorrer o seu corpinho e as tremuras pararam.

Alguns
dias depois, um beija-flor caiu de um ninho no jardim e partiu uma
asa. Em vez de fugir, a neta assustadiça dirigiu-se à avezinha e pegou
nela. O corpo do pássaro tremia ainda mais do que o seu. A menina
sentia o coraçãozinho minúsculo e trémulo e a barriguita quente e
penugenta. Pegou no beija-flor com a mesma ternura com que a avó pegara
nela e levou-o para casa.


A
avó sabia tomar conta de animais feridos. Fizeram juntas um pequeno
ninho numa caixa, com tecido e palha, e alimentaram o pássaro com um
conta-gotas. A menina deu de beber ao bichinho, gota a gota. À medida
que o fazia, ia sentindo um entusiasmo percorrer o seu corpo.


A avó sorriu e o sorriso iluminou-lhe o olhar.

— Isto é que é um progresso!

Enquanto o beija-flor dormia, pegou na neta e cantou:

Minha
pequenina, como bate o teu coração e que medo te faz tremer tanto! O
mundo é um lugar assustador para os que não ajudam os outros. Hoje
ajudaste uma criatura pequena e assustada e descobriste o teu dom de
curar.


Durante toda a noite, a avó manteve a sua querida neta ao colo e continuou a cantar:

Este é o dom que te transmito, que é também o dom da minha avó, que o herdou da avó dela.

Certa
tarde, a neta observava uma loja do mercado quando o comerciante
acusou injustamente uma criança de ter roubado. A menina viu a cara
irada do homem enquanto este apontava um dedo ameaçador ao menino.
Embora com o coração a bater, aproximou-se do comerciante e disse:


— Este rapaz não roubou nada. Eu vi. Por favor, não grite com ele.

O comerciante grunhiu uma resposta e a rapariga perguntou:

— Quanto dinheiro perdeu?

— Dez cêntimos — respondeu o homem.

A menina remexeu no bolso e deu-lhe todo o dinheiro que tinha.

— Isto é que é progresso! — exclamou a avó, quando a neta lhe contou o sucedido, quase sem fôlego pela corrida até casa.

A avó pegou nela ao colo e afagou-a durante muito tempo.

Ouve
bem, minha querida. O mundo é um lugar assustador para os que não têm
dignidade. Hoje mostraste a tua. A ela junto a minha e a da minha avó,
que a herdou da avó dela.


A neta sentiu um orgulho estranho invadir-lhe o corpo. Sentiu-se maior e mais forte.

◊◊◊◊◊◊
Quantas
vezes mais a avó acariciou a neta? Quantas vezes mais cantou para ela?
Não sei. Mas sei que o fez muitas e muitas vezes, durante muitas
semanas e muitos anos. Através da sua ternura, incutiu na neta
assustadiça confiança e coragem, destreza e dignidade. E as suas
canções eram tão profundas que penetravam o coração, o sangue, e todo o
corpo da menina.


A
neta cresceu esperançada, digna de confiança, generosa e bondosa. Já
ninguém se lembrava de que fugira em tempos de guaxinins. Tornou-se uma
mulher forte, de gargalhada fácil, tirando prazer de tudo o que a
rodeava.


E
muito mais tarde, embora já tivesse filhos, ainda punha a cabeça no
colo da avó de vez em quando. Conhecia bem a linguagem das mãos dela e
sorria, de olhos fechados, enquanto a avó percorria o caminho familiar
da ternura que sempre lhe mostrara.


Com
o decorrer dos anos, a avó tornou-se velha e frágil. Chegou então a
vez da neta tomar conta dela. De manhã bem cedo, vinha acender o lume e
aquecer água para o chá. Cozinhava, lavava e penteava o cabelo
prateado da velhinha. Massajava com carinho os pés cansados, dedo a
dedo. Pegava nas mãos que tanto amava e massajava-lhe os dedos hirtos.
Por vezes, embora mais raramente, caminhavam juntas pela aldeia,
atravessavam o vale e iam até às montanhas, rindo e cantando juntas.
Sempre que o piso era incerto, a neta oferecia o braço à avó.


Uma noite, a neta sonhou com a avó a subir sozinha a montanha. Queria juntar-se a ela, mas a avó virou-se e levantou a mão:

— Tenho de ir sozinha — dissera, com um sorriso tranquilo nos olhos.

No
dia seguinte, como de costume, a neta foi a casa da avó. Mas, quanto
tentou acordá-la, viu que o corpo estava frio e a face serena. De
joelhos, fulminada pela dor, a neta sentiu o coração a esvoaçar e o
estômago a tremer, como quando era criança.


Estremeceu
dos pés à cabeça, como ramo de um cedro apanhado no meio de uma
tempestade tremenda. Como poderia viver sem a sua avó adorada? O
coração abriu-se como um rio e as lágrimas inundaram o seu rosto. Os
soluços sacudiram-na toda. De repente, ouviu a voz da avó:


— Minha pequenina, ouve-me.

A
neta sentiu umas mãos fortes e quentes a acariciar-lhe as costas. Eram
mãos invisíveis, mais poderosas do que as mãos físicas da avó. Essas
mãos abraçaram-na e embalaram-na, incutindo-lhe bem-estar por todo o
corpo. Os soluços cessaram, tão depressa como tinham começado. Sentiu
uma enorme leveza no coração e força nos membros. Pôs-se de pé, e
afagou a face e a testa da querida avó morta.


◊◊◊◊◊◊
A
neta já foi muitas vezes avó. E muitas vezes também já pegou ao colo
nos netos. Embalou-os com os seus braços fortes e capazes, riu e chorou
com eles, e cantou para eles, enquanto os acariciava.


Meus
pequeninos, ouçam bem. O espírito da avó rodeia-nos. Está no vento e
nas árvores. Está nos vales e nas colinas. As mãos do espírito da avó
brincam com os peixes nos riachos e acendem o lume da lareira. Está
sempre presente quando estamos com amigos calorosos, quando provamos
comida deliciosa, e sempre que partilhamos sorrisos ou lágrimas. Onde
quer que estejamos, a avó está sempre perto. E sempre que precisarmos
dela, podemos fechar os olhos e sentir-nos no seu colo.


Barbara Soros; Jackie Morris
Grandmother’s Song
Bristol, Barefoot Books, 1998
(Tradução e adaptação)

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Só discuto o que nao sei ...O ke sei ensino ...POIZ
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Vitor mango
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