Maïmouna, a menina que engoliu os gritos
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Maïmouna, a menina que engoliu os gritos
Maïmouna, a menina que engoliu os gritos
mais depressa do que a saliva
Maïmouna não cabe em si de contente, porque vai passar um dia de sol com as amigas. Contudo, por vezes, a escuridão persegue a inocência e dá origem a um sofrimento silencioso. Este livro aborda a questão da excisão com pudor, através da expressão comovente dos sentimentos das pequenas vítimas, que irão lutar por um futuro mais digno e sereno.
Naquela manhã de céu azul e terra vermelha, Maïmouna acordou, depois de uma noite bem dormida. O céu não podia estar mais belo e a menina esqueceu os sonhos que tinha tido. Vestiu a túnica nova que a mãe lhe tinha oferecido e que parecia acaricia-la da cabeça aos pés. Era uma túnica de flores vermelhas.
Saiu da cubata, atravessou o pátio e caminhou pela aldeia, ouvindo os seus próprios passos.
Abdou, o irmão de Maïmouna, estava sentado na terra vermelha, com o caderno da escola sobre os joelhos. Desenhava uma bicicleta. Se Maïmouna tivesse olhado para longe, para lá dos caminhos, teria visto outras meninas que, nessa manhã, também tinham tempo para estar ao sol.
Maïmouna encontrou Aïssatou e Dikko, as suas amigas. Em breve, Awa, Zeynab e Fatou chegariam também, com Sya e Ahadi, que davam a mão às gémeas Wassa e
Kafougouna. Todas elas vestiam uma túnica com flores vermelhas. Nessa manhã, se alguém deixasse os olhos passear pela aldeia, teria visto um belo ramo de meninas!
— Aïssatou, o que são duas galinhas que estão sempre uma ao lado da outra e não se veem?
— Os olhos! — gritou Dikko.
Maïmouna perguntou ainda, a rir:
— E uma capoeira cheia de galinhas brancas, sabes o que é?
Desta vez, Aïssatou foi a primeira a responder.
— É a boca cheia de dentes!
Maïmouna ia fazer outra pergunta, quando se apercebeu de uma nuvem negra no céu, uma nuvem que voava rapidamente, como um gavião a querer atemorizar os pintainhos!
— Mas, o que é isto?
— É um bando de pássaros — respondeu Dikko.
E não se enganava. Era mesmo um bando de pássaros. Todos tinham um bico pontiagudo e cortante. Voavam tão depressa que ultrapassavam o próprio vento.
— Mas, o que querem? O que fazem?
— Dir-se-ia que estes pássaros negros estão por todo o lado!— exclamou Maïmouna.
Todas sentiram medo e esconderam-se atrás da velha jujubeira, carregada de botões, flores e frutos. Quando se voltaram, viram os pássaros a atacar as pequenas flores vermelhas dos arbustos.
As pequenas flores eram muito jovens e muito frescas.
Foi então que Maïmouna e as amigas ouviram as mulheres mais velhas a chamar. Correram até ao rio, que deslizava como uma cicatriz feita na terra, e chegaram ao pé das velhas vestidas de negro. O primeiro pássaro afastou as pétalas de uma flor para mais facilmente a ferir, a dilacerar, a mutilar, a excisar. Entretanto, os outros pássaros cercavam as pequenas flores da árvore. Mas, seriam mesmo pássaros? Ou seriam as velhas que se tinham transformado em pássaros?
É sabido que os homens se podem tornar leões e as mulheres elefantes, por isso…
Não muito longe, Abdou, que tinha desenhado uma bela bicicleta, hesitou um pouco entre um lápis azul e um outro vermelho. Escolheu o azul e pintou a sua bicicleta.
A mais velha de todas as velhas da aldeia fez gestos muito vivos, como se desenhasse um pássaro nas pernas de uma das meninas que as outras velhas tinham apanhado. Podia ser Awa ou Zeynab ou Fatou. A menina gritou e, em seguida, houve uma autêntica dança de gritos. Sya, Ahadi, Dikko e Aïssatou esqueceram, por sua vez, a vergonha e gritaram quando o sangue de cada uma desenhou, nas pernas, flores vermelhas como as das árvores e as das
suas túnicas. Por fim, Wassa e Kafougouna viram as suas próprias lágrimas correr… Era como se as lágrimas tentassem apagar o sangue nas pernas. O sangue que corria do seu grito dilacerante.
Maïmouna engoliu os seus gritos mais depressa do que a saliva. Mas também ela tinha o corpo e os olhos tingidos de vermelho. Maïmouna estendeu-se sobre a relva, como se já não existisse. Como se a relva se recusasse a sentir o peso do seu corpo. E fechou os olhos para não ver o céu.
E o tempo foi passando, levando consigo algum do sofrimento…
— Maïmouna, não dizes nada?
Maïmouna nada respondeu a Aïssatou, que tinha chorado junto dela.
Aïssatou insistiu:
— Maïmouna… fala comigo.
— Aïssatou, será que ainda tenho palavras?
Maïmouna calou-se. Um pouco depois, Dikko perguntou:
— Maïmouna, em que estás a pensar?
— Penso nas flores… Elas não se abrem só para mostrar a sua beleza. As flores abrem-se para perfumar o mundo.
O tempo passou e continuou a semear a chuva e o bom tempo.
Uma manhã, na aldeia, Maïmouna, Aïssatou e Dikko conversavam perto do poço. Quando se aperceberam de um bando de pássaros no céu, foram logo a correr procurar as irmãs mais pequenas. Aïssatou pegou no machado do pai, que era lavrador. E Dikko pegou num longo pedaço de algodão que o pai, que era tecelão, tinha acabado de preparar. Maïmouna pegou no arco e na flecha do seu pai, que era caçador.
Abdou não tinha tempo para olhar para o céu. Reparava a sua mota de ferro, que não tinha medo da poeira.
Quando Aïssatou chegou ao rio com as suas irmãzinhas da areia, deu-lhe uma grande machadada e dividiu-o em dois. As suas irmãs puderam passar e nunca foram apanhadas pelos pássaros loucos! Quando Dikko chegou ao rio com as suas irmãzinhas do rio, lançou até à outra margem a banda de algodão. As suas irmãs passaram a ponte que ela acabava de inventar e nunca foram apanhadas pelos pássaros loucos! Quando Maïmouna chegou ao rio com as suas irmãzinhas da floresta, atirou as flechas. Uma após outra, as flechas construíram uma ponte por onde as suas irmãzinhas puderam passar e nunca foram apanhadas pelos pássaros loucos!
O tempo passou e continuou a semear a chuva e o bom tempo.
Maïmouna, Aïssatou e Dikko cresceram. Um dia, quando pisavam juntas o milho--miúdo, Aïssatou murmurou:
— Dizem que este ano as velhas não se vão transformar em pássaros.
— E eu digo que, quando formos mais velhas do que as velhas, havemos de amar as flores de todas as árvores — acrescentou Dikko.
Abdou chegou, naquele dia, ao volante do seu táxi. Tinha deixado a cidade ao nascer do sol. Embora estivesse atrasado, conduzia devagar, porque não queria que a poeira vermelha da terra tingisse o táxi azul.
Uma pesada gota de chuva caiu e, rapidamente, todo o céu se pôs a chorar. Na aldeia dançou-se de alegria. A terra bem merecia esta chuva!
— Maïmouna, vamos dançar. O céu azul vai voltar e as mais belas flores das árvores virão adorná-lo.
— Sim, eu sei que vai voltar. Mas para mim, para ti e para ti, haverá sempre uma gota de sangue a adorná-lo.
Uma gota de sangue que nos foi roubada.
Yves Pinguilly, N’naplé Coulibaly
Maïmouna qui avala ses cris plus vite que sa salive
La Roque-d’Anthéron, Vents d’ailleurs, 2007
(Tradução e adaptação
mais depressa do que a saliva
Maïmouna não cabe em si de contente, porque vai passar um dia de sol com as amigas. Contudo, por vezes, a escuridão persegue a inocência e dá origem a um sofrimento silencioso. Este livro aborda a questão da excisão com pudor, através da expressão comovente dos sentimentos das pequenas vítimas, que irão lutar por um futuro mais digno e sereno.
Naquela manhã de céu azul e terra vermelha, Maïmouna acordou, depois de uma noite bem dormida. O céu não podia estar mais belo e a menina esqueceu os sonhos que tinha tido. Vestiu a túnica nova que a mãe lhe tinha oferecido e que parecia acaricia-la da cabeça aos pés. Era uma túnica de flores vermelhas.
Saiu da cubata, atravessou o pátio e caminhou pela aldeia, ouvindo os seus próprios passos.
Abdou, o irmão de Maïmouna, estava sentado na terra vermelha, com o caderno da escola sobre os joelhos. Desenhava uma bicicleta. Se Maïmouna tivesse olhado para longe, para lá dos caminhos, teria visto outras meninas que, nessa manhã, também tinham tempo para estar ao sol.
Maïmouna encontrou Aïssatou e Dikko, as suas amigas. Em breve, Awa, Zeynab e Fatou chegariam também, com Sya e Ahadi, que davam a mão às gémeas Wassa e
Kafougouna. Todas elas vestiam uma túnica com flores vermelhas. Nessa manhã, se alguém deixasse os olhos passear pela aldeia, teria visto um belo ramo de meninas!
— Aïssatou, o que são duas galinhas que estão sempre uma ao lado da outra e não se veem?
— Os olhos! — gritou Dikko.
Maïmouna perguntou ainda, a rir:
— E uma capoeira cheia de galinhas brancas, sabes o que é?
Desta vez, Aïssatou foi a primeira a responder.
— É a boca cheia de dentes!
Maïmouna ia fazer outra pergunta, quando se apercebeu de uma nuvem negra no céu, uma nuvem que voava rapidamente, como um gavião a querer atemorizar os pintainhos!
— Mas, o que é isto?
— É um bando de pássaros — respondeu Dikko.
E não se enganava. Era mesmo um bando de pássaros. Todos tinham um bico pontiagudo e cortante. Voavam tão depressa que ultrapassavam o próprio vento.
— Mas, o que querem? O que fazem?
— Dir-se-ia que estes pássaros negros estão por todo o lado!— exclamou Maïmouna.
Todas sentiram medo e esconderam-se atrás da velha jujubeira, carregada de botões, flores e frutos. Quando se voltaram, viram os pássaros a atacar as pequenas flores vermelhas dos arbustos.
As pequenas flores eram muito jovens e muito frescas.
Foi então que Maïmouna e as amigas ouviram as mulheres mais velhas a chamar. Correram até ao rio, que deslizava como uma cicatriz feita na terra, e chegaram ao pé das velhas vestidas de negro. O primeiro pássaro afastou as pétalas de uma flor para mais facilmente a ferir, a dilacerar, a mutilar, a excisar. Entretanto, os outros pássaros cercavam as pequenas flores da árvore. Mas, seriam mesmo pássaros? Ou seriam as velhas que se tinham transformado em pássaros?
É sabido que os homens se podem tornar leões e as mulheres elefantes, por isso…
Não muito longe, Abdou, que tinha desenhado uma bela bicicleta, hesitou um pouco entre um lápis azul e um outro vermelho. Escolheu o azul e pintou a sua bicicleta.
A mais velha de todas as velhas da aldeia fez gestos muito vivos, como se desenhasse um pássaro nas pernas de uma das meninas que as outras velhas tinham apanhado. Podia ser Awa ou Zeynab ou Fatou. A menina gritou e, em seguida, houve uma autêntica dança de gritos. Sya, Ahadi, Dikko e Aïssatou esqueceram, por sua vez, a vergonha e gritaram quando o sangue de cada uma desenhou, nas pernas, flores vermelhas como as das árvores e as das
suas túnicas. Por fim, Wassa e Kafougouna viram as suas próprias lágrimas correr… Era como se as lágrimas tentassem apagar o sangue nas pernas. O sangue que corria do seu grito dilacerante.
Maïmouna engoliu os seus gritos mais depressa do que a saliva. Mas também ela tinha o corpo e os olhos tingidos de vermelho. Maïmouna estendeu-se sobre a relva, como se já não existisse. Como se a relva se recusasse a sentir o peso do seu corpo. E fechou os olhos para não ver o céu.
E o tempo foi passando, levando consigo algum do sofrimento…
— Maïmouna, não dizes nada?
Maïmouna nada respondeu a Aïssatou, que tinha chorado junto dela.
Aïssatou insistiu:
— Maïmouna… fala comigo.
— Aïssatou, será que ainda tenho palavras?
Maïmouna calou-se. Um pouco depois, Dikko perguntou:
— Maïmouna, em que estás a pensar?
— Penso nas flores… Elas não se abrem só para mostrar a sua beleza. As flores abrem-se para perfumar o mundo.
O tempo passou e continuou a semear a chuva e o bom tempo.
Uma manhã, na aldeia, Maïmouna, Aïssatou e Dikko conversavam perto do poço. Quando se aperceberam de um bando de pássaros no céu, foram logo a correr procurar as irmãs mais pequenas. Aïssatou pegou no machado do pai, que era lavrador. E Dikko pegou num longo pedaço de algodão que o pai, que era tecelão, tinha acabado de preparar. Maïmouna pegou no arco e na flecha do seu pai, que era caçador.
Abdou não tinha tempo para olhar para o céu. Reparava a sua mota de ferro, que não tinha medo da poeira.
Quando Aïssatou chegou ao rio com as suas irmãzinhas da areia, deu-lhe uma grande machadada e dividiu-o em dois. As suas irmãs puderam passar e nunca foram apanhadas pelos pássaros loucos! Quando Dikko chegou ao rio com as suas irmãzinhas do rio, lançou até à outra margem a banda de algodão. As suas irmãs passaram a ponte que ela acabava de inventar e nunca foram apanhadas pelos pássaros loucos! Quando Maïmouna chegou ao rio com as suas irmãzinhas da floresta, atirou as flechas. Uma após outra, as flechas construíram uma ponte por onde as suas irmãzinhas puderam passar e nunca foram apanhadas pelos pássaros loucos!
O tempo passou e continuou a semear a chuva e o bom tempo.
Maïmouna, Aïssatou e Dikko cresceram. Um dia, quando pisavam juntas o milho--miúdo, Aïssatou murmurou:
— Dizem que este ano as velhas não se vão transformar em pássaros.
— E eu digo que, quando formos mais velhas do que as velhas, havemos de amar as flores de todas as árvores — acrescentou Dikko.
Abdou chegou, naquele dia, ao volante do seu táxi. Tinha deixado a cidade ao nascer do sol. Embora estivesse atrasado, conduzia devagar, porque não queria que a poeira vermelha da terra tingisse o táxi azul.
Uma pesada gota de chuva caiu e, rapidamente, todo o céu se pôs a chorar. Na aldeia dançou-se de alegria. A terra bem merecia esta chuva!
— Maïmouna, vamos dançar. O céu azul vai voltar e as mais belas flores das árvores virão adorná-lo.
— Sim, eu sei que vai voltar. Mas para mim, para ti e para ti, haverá sempre uma gota de sangue a adorná-lo.
Uma gota de sangue que nos foi roubada.
Yves Pinguilly, N’naplé Coulibaly
Maïmouna qui avala ses cris plus vite que sa salive
La Roque-d’Anthéron, Vents d’ailleurs, 2007
(Tradução e adaptação
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Só discuto o que nao sei ...O ke sei ensino ...POIZ
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