Estalinegrado, 70 anos
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Estalinegrado, 70 anos
Estalinegrado, 70 anos
Não há melhores memórias que as dos homens simples. Raramente, por
inibição ou exagerado sentido do ridículo, os pequenos deixam notas
sobre a sua passagem por esta vida breve. Dir-se-ia que memórias e
autobiografias são prerrogativa dos chefes e de tantos quantos julgam
merecer lugar na história. Uns fazem-no por bazófia; outros para exaltar
a sua participação nos triunfos; outros, ainda, para diminuir a sua
responsabilidade nas catástrofes. Raramente as memórias são limpas de
intenções - como excepção, cito de cor as belíssimas memórias de
Jefferson Davis, o Presidente da Confederação, que deixou um The Rise and Fall of the Confederate Government -
e raramente aqueles que as lêem se conseguem furtar à astúcia do autor.
Ora, os pequenos raramente se justificam. Assumem a sua parte nas
tragédias como as formigas empurradas por fatalidades irrevogáveis;
logo, ali não há ardil, não há rebusco nem aspiração outra que não seja a
de contar uma história, a sua história, no torvelinho de acontecimentos
que marcaram a sua vida.
Este ano de 2013 será fértil em títulos evocativos do ano decisivo do
século passado, 1943, ano em que se deram grandes mudanças que selaram o
futuro da Europa e do mundo. Aqui voltaremos com apontamentos sobre o
ano da queda do fascismo em Itália, a opção alemã pela Guerra Total, a
batalha de Kursk, o reconhecimento de Tito como líder da resistência
jugoslava, a Conferência de Teerão e a exigência da capitulação
incondicional do Eixo pelos Aliados. Tais eventos, de natureza militar
ou diplomática com larga repercussão condicionante sobre as décadas que
se lhes seguiram, ditaram o mundo bipolar, o colapso do Euromundo, as
novas modas políticas e aquelas crenças, ainda indiscutíveis, sobre a
Segunda Guerra Mundial, se é que ainda alguém minimamente arguto
persiste em falar em Guerra Mundial como acontecimento único. A Segunda
Guerra Mundial não foi una. Foi, talvez, a justaposição de quatro ou
cinco conflitos em simultâneo, dificilmente relacionáveis, mas agregados
ex post-facto para aplacar dúvidas, suspeições, rivalidades e ódios
entre os vencedores.
Uma das guerras da "Segunda Guerra Mundial" foi a guerra germano-russa,
cujo momento culminante se deu nas margens do Volga entre Setembro de
1942 e Fevereiro de 1943, na cidade de Estalinegrado. Há tempos, na
biblioteca do Instituto Alemão, requisitei Vermißt in Stalingrad: als
einfacher Soldat überlebte ich Kessel und Todeslager, 1941-1949, de
Dieter Peeters. Peeters, um rapaz de 20 anos, chegou ao Volga integrado
no 6.º Exército de von Paulos, naquela ofensiva que Berlim anunciava
coroaria o triunfo das armas alemãs sobre o comunismo. Afinal, ao
simples soldado não estava destinado assistir à vitória final da
Alemanha, mas ao enterro da Nova Ordem de Hitler - império breve de 6
anos (1938-1944) que empurrou a Europa para a decadência que hoje
provamos amargamente - e para a experiência do cativeiro num dos centos
de campos de prisioneiros, de onde regressaria em 1949.
As memórias de Peeters são belíssimas, mesmo que não possuam a erudição e
o recorte literário das epopeias. São de uma autenticidade e
espontaneidade desarmantes. Ali não há ideologia, fanatismo, olhar turvo
nem "filosofia da história". A trama dos factos, a luta pela
sobrevivência, a fome, o frio, o medo e a crueldade crua que só conhecia
das memórias do Sargento Bourgogne,
participante de uma outra Campanha da Rússia, elevam a ego-história a
um nível raramente conseguido pelos trabalhos historiográficos de
gabinete. Peeters devia ser traduzido para o nosso idioma pois, mais que
a guerra, revela a insuspeita capacidade dos homens em querer viver,
mesmo após comprovarem a inutilidade, pequenez e absurdo daquilo a que
chamamos de vida.
Publicada por
Combustões
à(s)
6.2.13
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Só discuto o que nao sei ...O ke sei ensino ...POIZ
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