Com vista para o mar
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Com vista para o mar
Com vista para o mar
O velho Almerindo mora num apartamento com vista para o mar. Nós moramos um piso abaixo, mas não vemos mar nenhum. Isto porque o Sr. Almerindo mora no parapeito da janela. Senta-se lá o dia inteiro, e talvez também toda a noite, mas já não tenho a certeza, porque nessa altura estou na cama.
Do parapeito da janela, o Sr. Almerindo consegue ver o mar. Já mo mostrou uma vez. Os meus pais deixaram-me ir a casa dele, lá acima, e até me sentei ao lado dele no parapeito, mas ver, não vi nada. Mar, pelo menos não vi. Só o prédio do lado, as paredes cinzentas e sujas, e a cabeça da D. Gracinda, que também estava a olhar pela janela. Lá ao fundo, na rua, estava, nesse momento, a passar o eléctrico.
— Ouves? — perguntou-me o Sr. Almerindo, e eu respondi:
— Sim — mas estava a referir-me ao eléctrico.
— Há dias em que faz mais barulho — disse-me o Sr. Almerindo, satisfeito, ao tirar-me do parapeito —, principalmente nos dias em que o mar está agitado, quando o vento é forte.
Eu não disse mais nada, mas pude imaginar muito bem o mar. Desde que passámos a ir todos os verões para Itália, para a praia, basta-me fechar os olhos, que o vejo logo à minha frente. Todo azul. Se calhar, o Sr. Almerindo também tem sempre os olhos fechados quando está sentado no parapeito.
— O velho está maluco! — diz a D. Gracinda de cada vez que vem visitar-nos e contar à minha mãe as novidades do prédio. — Senta-se à janela a ouvir o barulho das ondas do mar!
E bate com o indicador direito na testa.
— Senta-se no parapeito da janela, bem no centro de Viena, a ver os veleiros a passar!
E leva novamente o indicador à testa, meneando a cabeça.
— O vagabundo do mundo! Aluga-se parapeito com vista para o mar!
A minha mãe não faz qualquer comentário quando a D. Gracinda fala assim do Sr. Almerindo. Ela gosta dele, tal como eu.
— Tem muita imaginação — responde habitualmente.
E eu já sei o que a D. Gracinda responde:
— Até demais, se quer que lhe diga. Demais!
Quando saio de manhã para a escola, o Sr. Almerindo já está no seu parapeito, com a janela toda aberta. Muitas vezes digo-lhe adeus. Às vezes ouço-o ainda gritar:
— Hoje há vento forte! — ou: — Cuidado! O mar está muito agitado!
Uma vez atirou-me da janela um saquinho de rebuçados, que eu apanhei por um triz.
— São as tuas provisões para a viagem — gritou-me, acenando um lenço branco. — O barco vai partir!
Raramente o encontrei na rua. Uma vez, a fazer compras na loja da D. Rosa, logo ao virar da esquina. Fixou o olhar na minha pasta nova e disse, entusiasmado:
— Então estes é que são os novos barcos insufláveis? Que modelo fantástico!
Depois, disse-me adeus com a mão, e foi-se embora.
Na semana passada, de um momento para o outro, deixei de ver o Sr. Almerindo no parapeito da janela. Não o vi na segunda-feira, não o vi na terça-feira, e na quarta também não. Ele continuou desaparecido, e a janela fechada. A D. Gracinda contou então à minha mãe que o tinham vindo buscar numa ambulância.
— Mas já está melhor. Sabe, é o coração. Parece que foi por isso que, na altura, o mandaram para a pré-reforma. Mas se quer que lhe diga…
E voltou a levar o dedo à testa.
— Pois, pois, D. Gracinda — atalhou a minha mãe rapidamente, tomando nota em seguida do nome do hospital para onde tinha sido levado o Sr. Almerindo.
Ontem, o meu pai e eu fomos visitá-lo ao hospital. A minha mãe quer lá passar amanhã. Tivemos de procurar muito até encontrar o quarto, mas ele não estava lá, pelo menos na cama. Trazia vestido um pijama às riscas brancas e verdes, fora de moda, e estava sentado no parapeito. A janela estava escancarada. Olhou para nós, muito admirado quando nos viu. Fez-nos um sinal com a mão para irmos à janela e apontou para o pátio alcatroado, em baixo, onde, naquele momento, passeavam alguns doentes.
— Ah, os passeios à beira-mar! — exclamou o meu pai, apertando com força a mão do velho Almerindo.
— Que pena! — disse o Sr. Almerindo, colocando a mão no meu ombro. — Hoje não há vento. Não há ondas altas.
E ali ficámos bastante tempo, o Sr. Almerindo, o meu pai e eu, a olhar para uma senhora idosa, de canadianas, a ser ajudada a atravessar o pátio.
Heinz Janesch
Brigitte e Wilhelm Meissel (org.)
Fernweh
Wien, Herder Verlag, 1980
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Só discuto o que nao sei ...O ke sei ensino ...POIZ
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