"É como se a Turquia tivesse Bin Laden e não o entregasse aos EUA"
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"É como se a Turquia tivesse Bin Laden e não o entregasse aos EUA"
"É como se a Turquia tivesse Bin Laden e não o entregasse aos EUA"
Ebru Barutçu Gökdenizler, embaixadora da Turquia em Portugal
| Gustavo Bom-Global Imagens
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Diplomata turca em Lisboa fala ao DN sobre as repercussões do sucedido a 15 de julho no seu país e sustenta que não faz sentido os EUA não entregarem Fethullah Gülen
Para um observador externo surpreende o número de pessoas presas, suspensas ou demitidas na sequência da tentativa de golpe de 15 de julho. Só presos são hoje 16 mil. É de facto possível que, direta ou indiretamente, haja um tão grande número de pessoas envolvidas naquela ação?
Não são só as pessoas fora da Turquia a ficarem surpreendidas. Os turcos também ficaram surpreendidos, diria mesmo chocados. A começar pelos próprios acontecimentos. A história política turca foi marcada no passado por uma cultura de golpes militares, nos anos 60, 70 e 80 com o objetivo de afastarem os governos civis. Ora, o que estas experiências nos ensinaram é que os golpes militares nunca beneficiaram a Turquia em nada. Hoje, a população em geral, a começar pela generalidade dos militares, opõe--se a qualquer tipo de intervenção das forças armadas na vida política. E até 15 de julho acreditava-se que isso era algo do passado, que nunca mais haveria algo assim na Turquia...
Mas aconteceu...
Sim, os acontecimentos dessa noite foram traumáticos para os turcos. Mas queria sublinhar ter sido a população que contribuiu decisivamente para o fracasso do golpe. Os civis desarmados vieram para as ruas e de mãos vazias detiveram os carros de combate, os militares golpistas. E revela algo importante: a maturidade da cultura democrática hoje na Turquia e como esta está presente na sociedade. Foi a população comum que defendeu a democracia.
É um fenómeno transversal a todas as famílias políticas?
Deixe-me dar-lhe o exemplo da manifestação do passado dia 7 [em Istambul] em que estiveram presentes praticamente todos os dirigentes políticos, do governo e da oposição, e que veio mostrar como da tentativa de golpe nasceu um novo espírito de unidade nacional e de consenso político, ao contrário do ambiente anterior, que era muito confrontacional.
Voltando ao número de presos...
Vou responder, mas antes deixe-me sublinhar que algo diferente sucedeu neste golpe: foi inspirado por uma organização religiosa, que nós consideramos uma organização terrorista [o movimento Hizmet do clérigo muçulmano Fethullah Gülen], com os seus seguidores a terem-se infiltrado nas forças armadas, no aparelho judicial, na educação e outras instituições da sociedade. Pessoas que não têm qualquer lealdade para com o Estado ou o país, são apenas leais ao seu dirigente religioso. E a finalidade deste golpe não era a de afastar o governo, era a de subverter a ordem constitucional, a ordem democrática e secular. A finalidade era mudar a sociedade. Quanto ao número de presos e outros casos, só revela a dimensão do problema, a gravidade da ameaça que se colocou à segurança nacional por aquela organização. Isto pode ser difícil de entender por muitos, mas é um facto. E as medidas que estão a ser tomadas não pretendem restringir os direitos dos cidadãos nem a democracia, o objetivo é combater aquela organização secreta, neutralizar a presença dos seus seguidores em todas as áreas da vida pública.
Mas algo com esta dimensão só pode ser resultado de uma estratégia pensada a longo prazo.
Precisamente. Foi algo que começou nos anos 60, embora só nos últimos tempos é que se começou a ter a noção disso. Lembro-me de uma intervenção de Fethullah Gülen, divulgada em 1997, em que ele diz "temos de começar por baixo até chegarmos ao topo e controlar o sistema, não fazer ondas, não atrair a atenção, não tomar qualquer iniciativa até chegar o momento". Ele disse isto. Está gravado.
Mas houve um momento em que o hoje presidente Recep Tayyip Erdogan teve alguma forma de colaboração, pode mesmo dizer-se que foi um aliado de Gülen...
É verdade. E o presidente veio pedir desculpa aos turcos e "o perdão de Deus", foram as suas palavras exatas, por nunca se ter apercebido da ameaça que Gülen e o seu movimento representavam para a nação.
Mas existem provas de que a organização e o seu líder estão na origem do golpe, que o planearam?
As provas estão em poder das autoridades e há confissões daqueles que fizeram o golpe. Deixe-me contar esta história: o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, que esteve refém dos golpistas, afirmou que, enquanto esteve detido, lhe disseram que devia falar com Gülen. Quanto aos detidos, serão observados os procedimentos legais, os seus direitos estão garantidos e tudo será feito segundo a lei. Os partidos da oposição criaram uma comissão no Parlamento para seguir as investigações e verificar se alguém está a ser perseguido ou investigado por outro motivo que não seja o de estar envolvido com aquela organização terrorista. Há uma coisa a ter presente: aquelas pessoas são o inimigo que estava mesmo no meio de nós. Qual a prova disso? Nunca houve um golpe tão mortífero como este. Houve mais de 250 mortos. Tentaram assassinar o presidente. Bombardearam o Parlamento. Mataram civis inocentes.
Não deixa de haver a preocupação de que esteja em curso uma perseguição política mais ampla...
A oposição está de acordo com as medidas que estão a ser tomadas. E recordo que todos os quatro partidos no Parlamento condenaram o golpe na noite em que ocorreu.
O governo turco espera que os EUA acabem por extraditar Gülen? Se isso não suceder, as relações bilaterais estarão em risco?
Espero que não se chegue a esse ponto. Temos muitos interesses em comum e esperamos que os EUA entendam o valor da Turquia como parceiro estratégico. Seria como se tivéssemos Osama bin Laden e não o entregássemos aos EUA. Há a máxima expectativa de que essa pessoa seja extraditada e possa ser julgada pelos crimes que cometeu. Ele é o cérebro do golpe.
Os governantes turcos, do presidente a vários ministros, não estarão a ir um pouco longe quando acusam os EUA e a UE de serem "cúmplices do terrorismo"?
O que está a ser dito expressa o desapontamento com os países ocidentais em geral com a falta de solidariedade para com a Turquia. Nós estamos a defender a democracia, a sociedade secular, a ordem constitucional.
Talvez a posição dos países ocidentais se entenda tendo em conta a questão dos direitos humanos. Têm sido mostradas nos media turcos imagens de golpistas com sinais de terem sido agredidos. Isso levanta receios justificados.
A Turquia rejeita quaisquer acusações de tortura. Somos parte de todas as convenções internacionais e europeias sobre a matéria, há mecanismos de acompanhamento nesta questão que estão em vigor e são observados. Pode haver algumas pessoas que tenham tentado resistir e isso tem consequências.
A democracia não está sob ameaça na Turquia?
Não. Nós estamos a lutar pela democracia. É disso que se trata e é isso que apreciaríamos que o mundo entendesse.
Ebru Barutçu Gökdenizler, embaixadora da Turquia em Portugal
| Gustavo Bom-Global Imagens
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Diplomata turca em Lisboa fala ao DN sobre as repercussões do sucedido a 15 de julho no seu país e sustenta que não faz sentido os EUA não entregarem Fethullah Gülen
Para um observador externo surpreende o número de pessoas presas, suspensas ou demitidas na sequência da tentativa de golpe de 15 de julho. Só presos são hoje 16 mil. É de facto possível que, direta ou indiretamente, haja um tão grande número de pessoas envolvidas naquela ação?
Não são só as pessoas fora da Turquia a ficarem surpreendidas. Os turcos também ficaram surpreendidos, diria mesmo chocados. A começar pelos próprios acontecimentos. A história política turca foi marcada no passado por uma cultura de golpes militares, nos anos 60, 70 e 80 com o objetivo de afastarem os governos civis. Ora, o que estas experiências nos ensinaram é que os golpes militares nunca beneficiaram a Turquia em nada. Hoje, a população em geral, a começar pela generalidade dos militares, opõe--se a qualquer tipo de intervenção das forças armadas na vida política. E até 15 de julho acreditava-se que isso era algo do passado, que nunca mais haveria algo assim na Turquia...
Mas aconteceu...
Sim, os acontecimentos dessa noite foram traumáticos para os turcos. Mas queria sublinhar ter sido a população que contribuiu decisivamente para o fracasso do golpe. Os civis desarmados vieram para as ruas e de mãos vazias detiveram os carros de combate, os militares golpistas. E revela algo importante: a maturidade da cultura democrática hoje na Turquia e como esta está presente na sociedade. Foi a população comum que defendeu a democracia.
É um fenómeno transversal a todas as famílias políticas?
Deixe-me dar-lhe o exemplo da manifestação do passado dia 7 [em Istambul] em que estiveram presentes praticamente todos os dirigentes políticos, do governo e da oposição, e que veio mostrar como da tentativa de golpe nasceu um novo espírito de unidade nacional e de consenso político, ao contrário do ambiente anterior, que era muito confrontacional.
Voltando ao número de presos...
Vou responder, mas antes deixe-me sublinhar que algo diferente sucedeu neste golpe: foi inspirado por uma organização religiosa, que nós consideramos uma organização terrorista [o movimento Hizmet do clérigo muçulmano Fethullah Gülen], com os seus seguidores a terem-se infiltrado nas forças armadas, no aparelho judicial, na educação e outras instituições da sociedade. Pessoas que não têm qualquer lealdade para com o Estado ou o país, são apenas leais ao seu dirigente religioso. E a finalidade deste golpe não era a de afastar o governo, era a de subverter a ordem constitucional, a ordem democrática e secular. A finalidade era mudar a sociedade. Quanto ao número de presos e outros casos, só revela a dimensão do problema, a gravidade da ameaça que se colocou à segurança nacional por aquela organização. Isto pode ser difícil de entender por muitos, mas é um facto. E as medidas que estão a ser tomadas não pretendem restringir os direitos dos cidadãos nem a democracia, o objetivo é combater aquela organização secreta, neutralizar a presença dos seus seguidores em todas as áreas da vida pública.
Mas algo com esta dimensão só pode ser resultado de uma estratégia pensada a longo prazo.
Precisamente. Foi algo que começou nos anos 60, embora só nos últimos tempos é que se começou a ter a noção disso. Lembro-me de uma intervenção de Fethullah Gülen, divulgada em 1997, em que ele diz "temos de começar por baixo até chegarmos ao topo e controlar o sistema, não fazer ondas, não atrair a atenção, não tomar qualquer iniciativa até chegar o momento". Ele disse isto. Está gravado.
Mas houve um momento em que o hoje presidente Recep Tayyip Erdogan teve alguma forma de colaboração, pode mesmo dizer-se que foi um aliado de Gülen...
É verdade. E o presidente veio pedir desculpa aos turcos e "o perdão de Deus", foram as suas palavras exatas, por nunca se ter apercebido da ameaça que Gülen e o seu movimento representavam para a nação.
Mas existem provas de que a organização e o seu líder estão na origem do golpe, que o planearam?
As provas estão em poder das autoridades e há confissões daqueles que fizeram o golpe. Deixe-me contar esta história: o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, que esteve refém dos golpistas, afirmou que, enquanto esteve detido, lhe disseram que devia falar com Gülen. Quanto aos detidos, serão observados os procedimentos legais, os seus direitos estão garantidos e tudo será feito segundo a lei. Os partidos da oposição criaram uma comissão no Parlamento para seguir as investigações e verificar se alguém está a ser perseguido ou investigado por outro motivo que não seja o de estar envolvido com aquela organização terrorista. Há uma coisa a ter presente: aquelas pessoas são o inimigo que estava mesmo no meio de nós. Qual a prova disso? Nunca houve um golpe tão mortífero como este. Houve mais de 250 mortos. Tentaram assassinar o presidente. Bombardearam o Parlamento. Mataram civis inocentes.
Não deixa de haver a preocupação de que esteja em curso uma perseguição política mais ampla...
A oposição está de acordo com as medidas que estão a ser tomadas. E recordo que todos os quatro partidos no Parlamento condenaram o golpe na noite em que ocorreu.
O governo turco espera que os EUA acabem por extraditar Gülen? Se isso não suceder, as relações bilaterais estarão em risco?
Espero que não se chegue a esse ponto. Temos muitos interesses em comum e esperamos que os EUA entendam o valor da Turquia como parceiro estratégico. Seria como se tivéssemos Osama bin Laden e não o entregássemos aos EUA. Há a máxima expectativa de que essa pessoa seja extraditada e possa ser julgada pelos crimes que cometeu. Ele é o cérebro do golpe.
Os governantes turcos, do presidente a vários ministros, não estarão a ir um pouco longe quando acusam os EUA e a UE de serem "cúmplices do terrorismo"?
O que está a ser dito expressa o desapontamento com os países ocidentais em geral com a falta de solidariedade para com a Turquia. Nós estamos a defender a democracia, a sociedade secular, a ordem constitucional.
Talvez a posição dos países ocidentais se entenda tendo em conta a questão dos direitos humanos. Têm sido mostradas nos media turcos imagens de golpistas com sinais de terem sido agredidos. Isso levanta receios justificados.
A Turquia rejeita quaisquer acusações de tortura. Somos parte de todas as convenções internacionais e europeias sobre a matéria, há mecanismos de acompanhamento nesta questão que estão em vigor e são observados. Pode haver algumas pessoas que tenham tentado resistir e isso tem consequências.
A democracia não está sob ameaça na Turquia?
Não. Nós estamos a lutar pela democracia. É disso que se trata e é isso que apreciaríamos que o mundo entendesse.
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Só discuto o que nao sei ...O ke sei ensino ...POIZ
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