Progresso moral da humanidade?
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Progresso moral da humanidade?
Progresso moral da humanidade?
14 | Fevereiro | 2009
José Cutileiro
Expresso, 14|Fevereiro|2009
Sempre houve ricos e pobres", suspirava a avó Berta, comungando com o neto na mágoa de haver tanta desgraça injusta, mas separando-se da indignação e da vontade de mudança dele. Solavancos planetários do século XX pareceram dar razão à senhora. Em vez de trazerem o 'homem novo', nazismo e fascismo primeiro e comunismo cinco décadas depois falharam sem apelo, em girândolas de crime. Entusiastas do fim da História que a seguir ao desabar da União Soviética nos anunciavam um futuro feliz julgaram que o colapso do comunismo fora a cura de uma doença em vez de terem percebido que fora o fracasso de um remédio. Se ainda fosse viva, a avó Berta teria suspirado outra vez. Para ela, a doença era a natureza do homem, decaída desde o pecado original, e quem julgasse saber curá-la de vez, acabaria fazendo muito mais mal do que bem.
Mesmo sem as suas luzes metafísicas, compreende-se a senhora - e ricos e pobres são faceta de problema maior. De cristãos deitados aos leões no Coliseu de Roma a judeus metidos nos fornos de gás de Auschwitz não é fácil vislumbrar na História uma linha de progresso moral. Houve dias bons e dias maus mas que no grão-livro dos viventes o presente seja eticamente superior ao passado não é evidente. Persiste nalgumas pessoas a esperança de que um dia assim venha a ser (embora a esperança espante Deus, dizia o poeta francês Péguy, morto por uma bala alemã no começo da Guerra de 14). Por isso sempre que apareça sinal que possa sugerir melhoria incontestável do teor moral do mundo vale a pena tomar nota dele. Na semana passada houve um.
Em Kuala Lumpur, capital da Malásia, a juíza Zaharah Ibrahim viu-se confrontada com caso bicudo. Dois gémeos de 27 anos chegaram ao seu tribunal, acusados de em 2003 terem traficado 166 quilos de marijuana e 1 quilo e 700 gramas de ópio puro. A crime assim a Malásia impõe a pena de morte. Não havia dúvida de que um dos gémeos o tinha cometido mas os polícias não foram capazes de esclarecer qual (ADN não servia, porque são gémeos idênticos) e a juíza absolveu os dois. "Embora um deles seja culpado, explicou ela, não posso correr o risco de mandar um inocente para o cadafalso".
Em 1209, a heresia cátara, que sustentava que o mundo fora criado pelo diabo e negava a transubstanciação, seduzira tantas almas no sul de França que o Papa mandou uma cruzada contra ela. Em Julho, os cruzados cercaram Béziers, um dos centros heréticos, com 20 mil habitantes e propuseram poupar a cidade se os católicos lhes entregassem os cátaros. Perante recusa indignada invadiram a cidade mas antes perguntaram a Arnaut Amory, legado pontifício, como distinguir os heréticos dos católicos. "Matai-os a todos, Deus reconhecerá os seus", veio a resposta e a população inteira foi passada a fio de espada.
Quem prefira a escolha de Zaharah Ibrahim à de Arnaut Amory achará que houve progresso moral nestes oito séculos. Quem prefira o contrário achará que o mundo vai de cavalo para burro.
14 | Fevereiro | 2009
José Cutileiro
Expresso, 14|Fevereiro|2009
Sempre houve ricos e pobres", suspirava a avó Berta, comungando com o neto na mágoa de haver tanta desgraça injusta, mas separando-se da indignação e da vontade de mudança dele. Solavancos planetários do século XX pareceram dar razão à senhora. Em vez de trazerem o 'homem novo', nazismo e fascismo primeiro e comunismo cinco décadas depois falharam sem apelo, em girândolas de crime. Entusiastas do fim da História que a seguir ao desabar da União Soviética nos anunciavam um futuro feliz julgaram que o colapso do comunismo fora a cura de uma doença em vez de terem percebido que fora o fracasso de um remédio. Se ainda fosse viva, a avó Berta teria suspirado outra vez. Para ela, a doença era a natureza do homem, decaída desde o pecado original, e quem julgasse saber curá-la de vez, acabaria fazendo muito mais mal do que bem.
Mesmo sem as suas luzes metafísicas, compreende-se a senhora - e ricos e pobres são faceta de problema maior. De cristãos deitados aos leões no Coliseu de Roma a judeus metidos nos fornos de gás de Auschwitz não é fácil vislumbrar na História uma linha de progresso moral. Houve dias bons e dias maus mas que no grão-livro dos viventes o presente seja eticamente superior ao passado não é evidente. Persiste nalgumas pessoas a esperança de que um dia assim venha a ser (embora a esperança espante Deus, dizia o poeta francês Péguy, morto por uma bala alemã no começo da Guerra de 14). Por isso sempre que apareça sinal que possa sugerir melhoria incontestável do teor moral do mundo vale a pena tomar nota dele. Na semana passada houve um.
Em Kuala Lumpur, capital da Malásia, a juíza Zaharah Ibrahim viu-se confrontada com caso bicudo. Dois gémeos de 27 anos chegaram ao seu tribunal, acusados de em 2003 terem traficado 166 quilos de marijuana e 1 quilo e 700 gramas de ópio puro. A crime assim a Malásia impõe a pena de morte. Não havia dúvida de que um dos gémeos o tinha cometido mas os polícias não foram capazes de esclarecer qual (ADN não servia, porque são gémeos idênticos) e a juíza absolveu os dois. "Embora um deles seja culpado, explicou ela, não posso correr o risco de mandar um inocente para o cadafalso".
Em 1209, a heresia cátara, que sustentava que o mundo fora criado pelo diabo e negava a transubstanciação, seduzira tantas almas no sul de França que o Papa mandou uma cruzada contra ela. Em Julho, os cruzados cercaram Béziers, um dos centros heréticos, com 20 mil habitantes e propuseram poupar a cidade se os católicos lhes entregassem os cátaros. Perante recusa indignada invadiram a cidade mas antes perguntaram a Arnaut Amory, legado pontifício, como distinguir os heréticos dos católicos. "Matai-os a todos, Deus reconhecerá os seus", veio a resposta e a população inteira foi passada a fio de espada.
Quem prefira a escolha de Zaharah Ibrahim à de Arnaut Amory achará que houve progresso moral nestes oito séculos. Quem prefira o contrário achará que o mundo vai de cavalo para burro.
Admin- Admin
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Re: Progresso moral da humanidade?
Em Julho, os cruzados cercaram Béziers, um dos centros heréticos, com 20 mil habitantes e propuseram poupar a cidade se os católicos lhes entregassem os cátaros. Perante recusa indignada invadiram a cidade mas antes perguntaram a Arnaut Amory, legado pontifício, como distinguir os heréticos dos católicos. "Matai-os a todos, Deus reconhecerá os seus", veio a resposta e a população inteira foi passada a fio de espada.
Admin- Admin
- Pontos : 5709
Re: Progresso moral da humanidade?
Admin escreveu:Em Julho, os cruzados cercaram Béziers, um dos centros heréticos, com 20 mil habitantes e propuseram poupar a cidade se os católicos lhes entregassem os cátaros. Perante recusa indignada invadiram a cidade mas antes perguntaram a Arnaut Amory, legado pontifício, como distinguir os heréticos dos católicos. "Matai-os a todos, Deus reconhecerá os seus", veio a resposta e a população inteira foi passada a fio de espada.
Mais recentemente o problema repete-se. Os politicamente correctos dizem, nos locais mais visíveis, que na Palestina há bons e maus. Pela calada matam-se todos. Uns terão virgens, outros não.
Viriato- Pontos : 16657
Re: Progresso moral da humanidade?
"Matai-os a todos, Deus reconhecerá os seus"
Vitor mango- Pontos : 118178
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