As Grandes Ilusões
O que se decidiu em Londres foi garantir ao capital financeiro continuar a agir como tem agido nos últimos 30 anos, depois de se ter libertado dos controlos estritos a que antes estava sujeito
9:19 Quarta-feira, 8 de Abr de 2009
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Tudo foi feito para que os cidadãos do mundo se sentissem aliviados com os resultados da Cimeira do G20. Os sorrisos encheram os noticiários, o dinheiro jorrou para além do que estava previsto, não houve conflitos - do tipo dos que se verificaram na Conferência de Londres de 1933, em igual tempo de crise, quando Roosevelt abandonou a reunião em protesto contra os banqueiros - e, como se não houvesse melhor indicador de êxito, os índices das bolsas de valores, a começar por Wall Street, dispararam em estado de euforia. Foi tudo muito eficaz. Enquanto uma reunião anterior, com objectivos algo similares, durou mais de 20 dias - Bretton Woods, 1944, de onde saiu a arquitectura financeira dos últimos 50 anos - a reunião de Londres durou um dia. Podemos confiar no que lemos, vemos e ouvimos? Não. Qualquer cidadão sabe que, com excepção das vacinas, nenhuma substância perigosa pode curar os males que causa. Ora, o que se decidiu em Londres foi garantir ao capital financeiro continuar a agir como tem agido nos últimos 30 anos, depois de se ter libertado dos controlos estritos a que antes estava sujeito. Ou seja, acumular lucros fabulosos nas épocas de prosperidade e contar, nas épocas de crise, com a generosidade dos contribuintes, desempregados, pensionistas roubados, famílias sem casa, garantida pelo Estado do Seu Bem Estar. Aqui reside a euforia de Wall Street. Nada disto é surpreendente se tivermos em mente que os verdadeiros artífices das soluções - os conselheiros económicos de Obama, Timothy Geithner e Larry Summers - são homens de Wall Street e que esta, ao longo das últimas décadas, financiou a classe política norte--americana em troca da substituição da regulamentação estatal por auto-regulação. Há mesmo quem fale de um golpe de Estado de Wall Street sobre Washington, cuja verdadeira dimensão se revela agora. O contraste entre os objectivos da reunião de Bretton Woods, onde participaram não 20, mas 44 países, e a de Londres explica a vertiginosa rapidez desta última. Na primeira, o objectivo foi resolver as crises económicas que se arrastavam desde 1929 e criar uma arquitectura financeira robusta que permitisse ao capitalismo prosperar no meio de forte contestação social, a maior parte dela de orientação socialista. Ao contrário, em Londres, assistimos a reciclagem institucional, manter o actual modelo de concentração de riqueza, sem temor do protesto social, por se assumir que os cidadãos estão resignados perante a suposta falta de alternativa. As instituições de Bretton Woods (FMI e Banco Mundial, em especial) há muito que vinham a ser desvirtuadas. As suas responsabilidades nas crises financeiras dos últimos 20 anos e no sofrimento humano causado a vastas populações por meio de medidas depois reconhecidas como erradas - por exemplo, a destruição, de um dia para o outro, da indústria do caju de Moçambique, deixando milhares de famílias sem subsistência - levaram a pensar que poderíamos estar num novo começo, com novas instituições ou profundas reformas das existentes. Nada disso ocorreu. O FMI viu-se reforçado nos seus meios, continuando a Europa a deter 32% dos votos e os EUA 16,8 por cento. Como é possível imaginar que os erros não vão repetir-se? A reunião do G20 vai, pois, ser conhecida pelo que não quis enfrentar: a pressão para que a moeda internacional de reserva deixe de ser o dólar; o proteccionismo como prova de que nem os países que participaram nela confiam no que foi decidido (o Banco Mundial identificou 73 medidas de proteccionismo tomadas recentemente por 17 dos 20 países participantes); o fortalecimento de integrações regionais Sul-Sul, na América Latina, na África, na Ásia; a reposição da protecção social - os direitos sociais e económicos dos trabalhadores - como factor insubstituível de coesão social; a aspiração de milhões para que as questões ambientais sejam finalmente postas no centro do modelo de desenvolvimento; a ocasião perdida para terminar com o segredo bancário e os paraísos fiscais, duas medidas essenciais para transformar a banca num serviço público ao dispor de empresários produtivos e de consumidores conscientes.
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