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A LITERATURA DA REPÚBLICA

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Mensagem por Viriato Qui Dez 02, 2010 3:40 pm

A LITERATURA DA REPÚBLICA


Agora que o n.º 97 [Dezembro] da LER está na rua, deixo aqui a crónica A literatura da República, publicada no n.º 96 na minha coluna Heterodoxias:


Escrevo na véspera do centenário da República. Se algum feriado deixa as pessoas indiferentes, o 5 de Outubro é um deles. Não assim este ano. Por causa do centenário, as trezentas pessoas do costume entraram em órbita. Todas vieram lembrar as malfeitorias da I República (1910-26), metendo no mesmo saco coisas distinhas: o período em que a “rua” mandava (1910-21) e a fase conservadora (1922-26). Filho de pai monárquico e mãe republicana, desde cedo ouvi discussões sobre o tema.

À República de Outubro devemos a separação entre a Igreja e o Estado; a criação da Previdência Social (1916); a participação (1917-18) na Primeira Grande Guerra; uma tentativa (1919) de restauração da monarquia; a criação da Faculdade de Letras do Porto (1919) e, por último mas não em último, a fundação do Partido Comunista Português (1921). No curto lapso de 16 anos, Portugal teve 45 governos e oito Presidentes da República. Animação foi o que não faltou.

Literatura também não. Publicando A Confissão de Lúcio (1914), Mário de Sá-Carneiro fazia, sem o saber, o outing da literatura portuguesa. Março de 1915 é o momento em que o grupo do Orpheu alinha o passo do país pelo Modernismo. Nada voltou a ser como dantes. Em 1916, depois do sucesso de Paris, Berlim e Nova Iorque, Amadeo de Souza-Cardoso expõe finalmente em Portugal. Almada Negreiros publica o Manifesto anti-Dantas (1916) e, no ano seguinte, o Portugal Futurista. Em 1918, Fernando Pessoa publica Antinous, poema desbusadamente homossexual, escrito em inglês, com o qual concorrerá ao cargo de bibliotecário do Museu Conde de Castro Guimarães (Cascais). Em 1921, António Botto publica Canções, cuja segunda edição será apreendida em 1923, ano em que a editora Olisipo, de Pessoa, publica Sodoma Divinizada: leves reflexões teometafísicas sobre um artigo, de Raul Leal. Duas obras que os estudantes católicos das escolas superiores de Lisboa consideram «perigosos sintomas de corrupção moral». Mar Alto, peça de António Ferro, e Decadencia, colectênea poética de Judith Teixeira, fazem parte do lote proibido. É então que Pessoa, pela boca de Álvaro de Campos, escreve o famoso Aviso por Causa da Moral: «Bolas para a gente ter que aturar isto! Ó meninos: estudem, divirtam-se e calem-se. Estudem ciências, se estudam ciências; estudem artes, se estudam artes; estudem letras, se estudam letras. Divirtam-se com mulheres, se gostam de mulheres; divirtam-se de outra maneira, se preferem outra. Tudo está certo, porque não passa do corpo de quem se diverte [...] Tudo o mais é uma grande maçada para quem está presente por acaso. E a sociedade em que nascemos é o lugar onde mais por acaso estamos presentes.» Isto num tempo em que a homossexualidade (ou, se quiserem, a “pederastia”) encapotada de inúmeros políticos e aristocratas era do domínio público.

Sem o halo de escândalo de Orpheu, duas outras revistas fariam o seu caminho: a partir de 1921, a Seara Nova; a partir de 1922, a Contemporânea. A Seara, cuja figura tutelar foi Raul Proença, começou no n.º 26 da rua António Maria Cardoso, morada fatídica para tantos colaboradores, pois seria ali instalada a Pide. Sob direcção de José Pacheco, a Contemporânea (anunciada no número espécimen de 1915 que antecedeu de poucos dias a queda da ditadura de Pimenta de Castro) pautou-se por princípios mais difusos, servindo de ponte entre o 1.º e o 2.º Modernismo.

Alguns dos romances mais famosos de Aquilino Ribeiro coincidem com os anos da República: Terras do Demo (1919) e Andam Faunos pelos Bosques (1926) são obras típicas do período.

Podia continuar a dar exemplos. O que espanta no meio de tanta agitação pró-centenário é que ninguém se tenha lembrado de um congresso sobre a literatura produzida durante a República.

posted by Eduardo Pitta
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