PROPOSTAS INOCENTES
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PROPOSTAS INOCENTES
PROPOSTAS INOCENTES
António Vitorino - DN
Jurista
No dia em que o Congresso norte-americano aprovou o plano de estímulo económico proposto pela Administração Obama, esta divulgou as linhas de força de um novo pacote de intervenção para resolver o problema dos "activos tóxicos" ainda detidos pelos bancos. Entre as opções extremas que se colocavam (nacionalização dos bancos ou separação integral dos activos tóxicos a assumir pelos contribuintes americanos), a Administração optou por um caminho intermédio: um fundo público-privado que assumirá a responsabilidade por esses activos desvalorizados, gerindo-os na perspectiva da sua posterior revenda.
Este plano suscita as críticas dos defensores das opções alternativas e depende dos detalhes que ainda não são conhecidos (designadamente quanto aos mecanismos de avaliação do seu preço hoje), parecendo, contudo, à partida, que a indicação de um valor de mil milhões de dólares para sua dotação como muito insuficiente face ao que se prevê ser a dimensão efectiva desses activos contaminados. Só os detalhes clarificarão os prejuízos registados pelos bancos e, a prazo, o risco que impende sobre as finanças públicas. Mas a natureza mista (público-privado) do fundo reintroduz algum contrapeso de mercado nessa avaliação, elemento importante também na óptica da transparência do sistema.
O processo apenas teve o seu início e promete ser complexo. Mas todos têm consciência de que não pode ser muito demorado, na medida em que da solução para os "activos tóxicos" depende o relançamento da actividade bancária, essencial à retoma da economia em período de recessão.
Convém ter em atenção que a solução americana acabará sempre por influenciar o que sobre a matéria virá a ser definido no âmbito da União Europeia. Ora, neste plano, as regras que vierem a ser adoptadas terão impactos decisivos quer no funcionamento do mercado interno europeu quer mesmo na economia nacional. Não tanto porque se entenda existirem entre nós riscos de exposição a "activos tóxicos" na dimensão e escala de outros países, mas sobretudo porque as soluções a adoptar poderão introduzir distorções de concorrência que afectarão todas as entidades financeiras europeias e, por essa via, as próprias empresas que operam no espaço europeu.
Não é decerto por acaso que esta semana a Comissão Europeia se desdobrou em declarações contra o proteccionismo e em defesa de uma visão conjunta dos europeus sobre a matéria. Esta indicação mereceu uma concordância genérica dos ministros das Finanças da União embora, como se sabe, o diabo está sempre nos detalhes.
Para prevenir maiores males, a presidência checa da União convocou já um Conselho Europeu extraordinário para dia 1 de Março onde o tema será analisado...
No caso europeu, a ausência de uma solução comum poderá criar distorções da concorrência e práticas discriminatórias contrárias aos fundamentos da integração económica. E quando digo "soluções comuns" não me refiro a um catálogo de opções, mas sim a um modelo comum que, podendo ser adaptado às concretas condições de cada país, não permita, contudo, a flexibilidade que acaba sempre por beneficiar os economicamente mais poderosos. Com efeito, se há limites e controlos às ajudas de Estado na União é porque o diferente nível de desenvolvimento económico e a distinta margem de manobra das finanças públicas dos vários Estados membros permite que os mais desenvolvidos usem mecanismos de apoio que jogam a favor das suas empresas nacionais e em detrimento do interesse comum europeu (e dos consumidores europeus em geral).
Uma "geometria variável" da solução a adoptar que não acautele este risco real constituiria não apenas um rombo em princípios e valores que levaram anos a construir desde o projecto de mercado único europeu de 1986. Um tal mecanismo assimétrico seria sempre o "caldo de cultura" do favorecimento de algumas concretas instituições financeiras em detrimento de outras, consoante o modelo mais ou menos exigente de apoio que fosse adoptado por cada país e, no limite, poderia levar a uma concentração das instituições financeiras sem precedentes e com consequências económicas profundas muito especialmente para os bancos e os países mais vulneráveis.
É que neste tipo de decisões não há nunca propostas inocentes...
António Vitorino - DN
Jurista
No dia em que o Congresso norte-americano aprovou o plano de estímulo económico proposto pela Administração Obama, esta divulgou as linhas de força de um novo pacote de intervenção para resolver o problema dos "activos tóxicos" ainda detidos pelos bancos. Entre as opções extremas que se colocavam (nacionalização dos bancos ou separação integral dos activos tóxicos a assumir pelos contribuintes americanos), a Administração optou por um caminho intermédio: um fundo público-privado que assumirá a responsabilidade por esses activos desvalorizados, gerindo-os na perspectiva da sua posterior revenda.
Este plano suscita as críticas dos defensores das opções alternativas e depende dos detalhes que ainda não são conhecidos (designadamente quanto aos mecanismos de avaliação do seu preço hoje), parecendo, contudo, à partida, que a indicação de um valor de mil milhões de dólares para sua dotação como muito insuficiente face ao que se prevê ser a dimensão efectiva desses activos contaminados. Só os detalhes clarificarão os prejuízos registados pelos bancos e, a prazo, o risco que impende sobre as finanças públicas. Mas a natureza mista (público-privado) do fundo reintroduz algum contrapeso de mercado nessa avaliação, elemento importante também na óptica da transparência do sistema.
O processo apenas teve o seu início e promete ser complexo. Mas todos têm consciência de que não pode ser muito demorado, na medida em que da solução para os "activos tóxicos" depende o relançamento da actividade bancária, essencial à retoma da economia em período de recessão.
Convém ter em atenção que a solução americana acabará sempre por influenciar o que sobre a matéria virá a ser definido no âmbito da União Europeia. Ora, neste plano, as regras que vierem a ser adoptadas terão impactos decisivos quer no funcionamento do mercado interno europeu quer mesmo na economia nacional. Não tanto porque se entenda existirem entre nós riscos de exposição a "activos tóxicos" na dimensão e escala de outros países, mas sobretudo porque as soluções a adoptar poderão introduzir distorções de concorrência que afectarão todas as entidades financeiras europeias e, por essa via, as próprias empresas que operam no espaço europeu.
Não é decerto por acaso que esta semana a Comissão Europeia se desdobrou em declarações contra o proteccionismo e em defesa de uma visão conjunta dos europeus sobre a matéria. Esta indicação mereceu uma concordância genérica dos ministros das Finanças da União embora, como se sabe, o diabo está sempre nos detalhes.
Para prevenir maiores males, a presidência checa da União convocou já um Conselho Europeu extraordinário para dia 1 de Março onde o tema será analisado...
No caso europeu, a ausência de uma solução comum poderá criar distorções da concorrência e práticas discriminatórias contrárias aos fundamentos da integração económica. E quando digo "soluções comuns" não me refiro a um catálogo de opções, mas sim a um modelo comum que, podendo ser adaptado às concretas condições de cada país, não permita, contudo, a flexibilidade que acaba sempre por beneficiar os economicamente mais poderosos. Com efeito, se há limites e controlos às ajudas de Estado na União é porque o diferente nível de desenvolvimento económico e a distinta margem de manobra das finanças públicas dos vários Estados membros permite que os mais desenvolvidos usem mecanismos de apoio que jogam a favor das suas empresas nacionais e em detrimento do interesse comum europeu (e dos consumidores europeus em geral).
Uma "geometria variável" da solução a adoptar que não acautele este risco real constituiria não apenas um rombo em princípios e valores que levaram anos a construir desde o projecto de mercado único europeu de 1986. Um tal mecanismo assimétrico seria sempre o "caldo de cultura" do favorecimento de algumas concretas instituições financeiras em detrimento de outras, consoante o modelo mais ou menos exigente de apoio que fosse adoptado por cada país e, no limite, poderia levar a uma concentração das instituições financeiras sem precedentes e com consequências económicas profundas muito especialmente para os bancos e os países mais vulneráveis.
É que neste tipo de decisões não há nunca propostas inocentes...
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