Responde-me: sabes mesmo quem são os falhados?

Antes de mais nada: tens muitos amigos? Então põe-te na alheta. Isso: desanda daqui. Abre, desaparece. Baza, meu. Ouves mal? Sai-me da frente, caneco. Porquê? Ok, ok: concedo. Fica mais uns minutinhos. Vou explicar-te com calma. Senta-te aí. Vamos a isto.

Começando pelo princípio. Diz-me: tu és diferente de mim, não és? E eu sou diferente de ti. E somos, eu e tu, diferentes de todos os que estão à nossa volta. Sim, claro: eu sei que eu sou diferente para melhor. Mas isso agora não interessa nada. Somos diferentes. E isso é o que é relevante agora. Concordas? Óptimo. Avancemos. Se somos todos diferentes, é natural que tenhamos formas diferentes de ser. De ser, de estar, de fazer – até de amar. Somos diferentes. E todas as pessoas são diferentes. E têm gostos diferentes. Então agora pensa comigo: se todas as pessoas são diferentes, achas possível haver pessoas que se dão bem com toda a gente que conhecem – e se dizem amigas de todas elas? É estranho – dizes tu. É mentira, digo eu. E é assustador. Fixa bem: as pessoas que têm muitos amigos são más pessoas. Mais: péssimas pessoas. Corrijo: monstros – verdadeiros animais. Quem é amigo de toda a gente não é amigo de ninguém. A amizade é séria demais, é bela demais – para poder ser partilhada com muitas pessoas (e muito menos: por muitas e diferentes pessoas). Quem ama muitos amigos é uma prostituta sem sexo – uma alma prostituta: alma vendida, alma que se entrega a todos sem, na realidade, se entregar a uma só que seja. A amizade não se compra, não se forja. E quem tem muitos amigos não sabe o que é a amizade – sabe, somente, o que é harmonizar diferenças, torná-las respiráveis, calar revoltas, tempestades, verdades que têm de ser ditas. Quem tem muitos amigos pensa que é a amizade é para ser preservada – e não, como tem de ser, para ser vivida. Vivida a sério. Intensamente, loucamente, irreprimivelmente. Numa palavra: ilimitadamente. Alguém te diz o contrário? Então é porque mente. E descaradamente. E sei que já estás farto de tantas palavras terminadas em “mente”. Obviamente. Mas estou-me lixando para ti. Já sabes: não és meu amigo. Felizmente.

Agora olha de novo. Para esse – sim: para esse que, até hoje, era um exemplo a seguir. Para esse gajo que é um sucesso entre os sportinguistas e os benfiquistas, entre os católicos e os ateus, entre os de direita e os de esquerda, entre os gays e os hetero. Decora isto: esse gajo, que faz sucesso e amigos em qualquer lado e com qualquer pessoa, é um falhado. Um erro da natureza. Um parasita da sociedade. Ouve-o com atenção; observa como ele fala, como ele se pavoneia. Não esqueças a frase que mais vezes ele diz: “eu dou-me bem com toda a gente”. Não tenhas dúvidas: quem se dá bem com toda a gente não se dá, em essência, a ninguém. Recorda-te do velho provérbio: quem te avisa. Tira o cavalo da chuva: eu não te aviso de nada.