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A nova década e o fim dos jornais?

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A nova década e o fim dos jornais? Empty A nova década e o fim dos jornais?

Mensagem por Viriato Qui Jan 07, 2010 2:51 am

Aqui está um tema de debate pertinente que merecia aqui ser esmiuçado. Vamos a isso??



A nova década e o fim dos jornais?

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Tempos houve em que cada pequena cidade ou vila, em Portugal como nos EUA, tinha pelos menos um jornal. Os jornais hoje estão em crise por todo o lado.

O provedor do leitor do Público, que manteve um blogue regular que muito enriqueceu as suas funções, terminou agora o seu mandato com um texto importante (*) que, para meu espanto, creio que foi pouco comentado (ou isso, ou sou eu que tenho pouco tempo para procurar e ler). Lamento só agora o fazer, mas se o Joaquim Vieira quiser, terá, estou certo, direito de resposta guarantido neste blogue.

Nessa carta aos jornalistas do Público JV alude ao: caso que acabou por marcar este mandato de provedor agora no fim – a questão das notícias acerca da alegada vigilância de S. Bento sobre Belém [...] um copo que eu via cheio há já algum tempo e que transbordou com essa enorme gota de água.

E acrescenta (como fiz aqui neste blogue quando comentei o caso)

que quando questionei a existência no jornal de uma agenda oculta, [...] não se tratava de pôr em causa toda a redacção.

Mas Joaquim Vieira olha sobretudo olha para o futuro do jornalismo, um olhar estratégico que tanto falta em tantas áreas em Portugal. Aí há um ponto em que o acompanho e outros dois em que discordo.

JV realça com toda a razão que o jornal tem de ser cada vez mais sinónimo de bom jornalismo e não de papel impresso. Afirma que o público está a emigrar em massa para a informação via digital e não irá fazer marcha atrás. [...] A democracia precisará sempre do jornalismo, mas vai deixar de precisar dos jornais.

Discordo, no entanto, quando JV considera que a fotografia deve ser sobretudo informativa e não artística.

Talvez deva ser assim no suporte digital (e mesmo aí...), mas a haver alguma justificação para continuar a comprar o jornal em papel estará também na qualidade gráfica. Se possível deveria aliar-se ambas, mas não optaria só e sempre por uma em oposição à outra. (Imagens há muitas, na TV).

Discordo também quando o provedor se preocupa com a superioridade intelectual de certos textos muito longos no jornal. Aqui parece-me ser Joaquim Vieira que corre o risco de cair nessa armadilha.

Para informação básica e para opinião variada a internet gratuita (e tanto global, quanto local) é quase imbatível. Há ainda outros jornais portugueses que asseguram esse tipo de jornalismo para o público que a quer impressa. Parece-me, no entanto, que a grande mais-valia do jornalismo em português e (mais uma vez) sobretudo se impresso e pago estará precisamente no ir mais ao fundo das questões. (Como o DN fez no caso das escutas, talvez).

Para mim como leitor regular do Público (que deixei de ser por várias razões) houve dois grandes problemas com o diário nos últimos anos.

O primeiro problema foi, de facto, notícias (e títulos e primeiras páginas) de oposição sistemática ao governo do PS. Não quero um jornal que concorde comigo politicamente. Nem sequer quero um jornal neutro. Mas quero um jornal imparcial e crítico face a tudo e a todos no que diz respeito às notícias, e com uma pool de comentadores variada.

Isso reflecte, aliás, um problema geral e crescente na imprensa portuguesa de todo o tipo, que é a ausência da preocupação com o contraditório, com a nuance e a análise. Reflecte-se uma posição e está feito o texto/reportagem. Para quê maçar-se e maçar-nos mais? Claro que a generalização é abusiva, mas duvido que os jornalistas não sintam essa pressão e essa tendência em redacções cada vez mais pequenas e apressada.

Mas o segundo problema foi, precisamente, o desinvestimento em artigos mais aprofundados. Por exemplo, e admito que especificamente no meu caso, sobre o que se vai publicando no campo do ensaio e das várias ciências sociais em Portugal. Essa função de debate e divulgação cultural e científica fundamental continua a ser assegurada lá fora pelos grandes jornais. Em Portugal ela quase não existe fora da literatura ou das ciências ditas exactas, e mesmo aí...

As mudanças nos jornais pareceram-me ir tendendo para reduzir cada vez mais o espaço para este tipo de textos, que quando existem frequentes vezes não conseguem passar de breves fichas de leitura. Há episodicamente bons textos no Público sobre estes temas, mas que saem quando calha. Ora as publicações nestes campos (nomeadamente na História e nas Relações Internacionais) até têm crescido em Portugal.

Concluo com o temor de que a próxima década mostre que a imprensa (sobretudo em países pequenos e pouco dados a leituras como Portugal - mas mesmo nos EUA) não é economicamente viável por mais adaptações que faça. O meu gosto pela riqueza de opiniões e a qualidade de muitos blogues não me cega perante a enorme perda que isso seria. Creio que a saída estará numa maior valorização do digital, mas terá de passar também pela filantropia - pela criação (e/ou apoio) de fundações que garantam o futuro deste bem público que é o jornalismo de qualidade. Provavelmente o Público fará mais sentido na Fundação Sonae do que na empresa Sonae.

PS - Sobre este assunto foi publicado um texto inreressante de um dos melhores jornalistas e cronistas norte-americanos, Michael Kinsley na Economist que argumenta que é preciso experimentar tudo; e um debate interessante entre um céptico do digital e um seu adepto com o título «The Rebirth of News» na Prospect de Maio de 2009.

publicado por Bruno Reis


(*)

Carta aos jornalistas do PÚBLICO

Ao fim de dois anos a falar para os leitores, o provedor despede-se dirigindo a última crónica à redacção


Enfrentem a realidade: o público está a emigrar em massa para a informação via digital e não irá fazer marcha atrás


Sei o que sentiram. Não é agradável para um jornalista escrever com alguém a vigiar por sobre o seu ombro. E certamente perguntaram: “Porquê ele?” Que autoridade tinha eu, jornalista como vocês, para mais sem a cultura do PÚBLICO, para me pôr a criticar o vosso trabalho? Será que não pratiquei também erros idênticos enquanto exerci a profissão? Como me atrevia agora a apontar-vos o dedo?

Confesso que muitas vezes me coloquei no vosso lugar, ao denunciar faltas que eu no passado podia ter cometido ou deixado cometer. Imaginei-me aliás, em caricatura, na pele de Walter Burns, o obstinado director de jornal que na versão fílmica assinada por Billy Wilder da comédia The Front Page (Primeira Página, 1974), após um percurso repleto de golpes baixos para bater a concorrência na obtenção da cacha ou do exclusivo, acaba a sua carreira a ensinar ética jornalística na universidade.

Mas uma das vantagens do lugar de provedor é que podemos aprender com a função, obrigando-nos a assentar ideias sobre matérias acerca das quais, na lufa-lufa do quotidiano profissional, pouco havíamos ainda reflectido. E quanto à assunção do cargo confiei em quem em mim confiara ao convidar-me, detectando-me de algum modo perfil para o papel (espero que não tenha ficado desiludido). Verifiquei afinal, com agrado, que, na esmagadora maioria, vocês entenderam também dar-me o benefício da dúvida, já que, com raríssimas excepções, quiseram colaborar comigo dando resposta às questões que vos fui colocando (e podiam não o ter feito). Por isso vos estou grato, já que se tratou de uma ajuda preciosa para o desempenho do lugar.

Claro que houve atritos entre nós – mas sem eles eu consideraria insatisfatória a minha actuação como provedor. Entendo aliás ser inerente à actividade a diferença de pontos de vista entre escrutinador e escrutinado. Não reivindico ter tido sempre razão – considero até que não se trata tanto de ter razão, mas sim de encarar de formas diferentes a prática jornalística e o reforço da sua credibilidade (e não, nesta área do mercado o cliente nem sempre tem razão).

Posso mesmo, numa ou noutra ocasião, ter sido desmedido no grau de exigência ou praticado excesso de zelo – admito-o. Não percebi logo, por exemplo, a especificidade do jornalismo desportivo, reclamando um tratamento da arbitragem idêntico ao que os media independentes devem dar aos magistrados judiciais, sem aceitar que a observação directa ou o vídeo permitem com frequência o julgamento sumário do acerto das decisões arbitrais – a mão de Thierry Henry que levou a França à fase final do Mundial na África do Sul será sempre mão, mesmo que o juiz da partida não a tenha assinalado, e os jornalistas nunca a poderão escamotear (não abordei a questão na altura, é apenas um exemplo).

Mas, no caso que acabou por marcar este mandato de provedor agora no fim – a questão das notícias acerca da alegada vigilância de S. Bento sobre Belém –, continuo a julgar ter dito o que devia dizer: lançar um sério aviso sobre o que, procurando decidir em total independência e autonomia, entendi como desvio aos valores editoriais em que se fundou este jornal, um copo que eu via cheio há já algum tempo e que transbordou com essa enorme gota de água. Sei que muitos de vós se sentiram ofendidos no brio profissional quando questionei a existência no jornal de uma agenda oculta, mas não se tratava de pôr em causa toda a redacção. Só que numa orquestra afinada basta um dos seus elementos perder o tom (para mais numa posição de chefe de naipe ou de concertino), para que todo o conjunto desafine (imagine-se então se é o maestro a dirigir com outra partitura).

Tendo estudado com alguma profundidade o PÚBLICO ao longo destes dois anos e auscultado os anseios dos seus leitores, permito-me deixar-vos uma apreciação resumida dos principais problemas que detecto no jornal, condensados num conjunto de cinco recomendações apresentadas com a pretensão de contribuir, embora modestamente, para a sua evolução:

1. Pensar nos leitores antes de decidir a publicação de cada matéria. Julgo o PÚBLICO afectado por certo grau de presunção. Muitas das suas matérias e da sua linguagem são elaboradas em função da superioridade intelectual que os seus jornalistas julgam de bom tom manter, mas será que se interrogam por um momento sobre se estão a comunicar para o público generalista que é o conjunto de leitores do jornal (e que desejavelmente deveria alargar-se a camadas mais vastas)? Fará sentido ocupar três e quatro páginas com certos temas de reportagem ou entrevistas que pouco ou nada dirão à esmagadora maioria? Percebo que os fundadores do jornal tenham querido inscrever na sua matriz uma atitude vanguardista, capaz de se distinguir do convencionalismo de outra imprensa e de contribuir para o desenvolvimento cultural da sociedade portuguesa (e concordo até que esse seja um dos mais nobres objectivos dos media), mas será que uma vanguarda não acompanhada pela massa cumpre a sua missão? Acho que sim num projecto artístico ou literário, mas não num jornal diário, investimento demasiado dispendioso para se dar ao luxo de alienar o público que é a razão de ser da sua existência e da sua viabilidade económica. Nesse sentido deve também ouvir-se os leitores e incrementar a sua participação nas páginas do jornal, sobretudo agora que se tornou obrigatória a interactividade entre o público e os media de grande expansão.

2. Dosear a agenda entre temas de interesse público e de interesse do público. Esta recomendação decorre da anterior. O jornal pensa muito no que julga ser em prol da comunidade, mas pouco no que pode cativar a curiosidade dos leitores. Reflexo disso é, por exemplo, a escassa atenção concedida aos casos de polícia, entendidos como matéria sensacionalista excluída de investigação e desenvolvimento. O crime, momento extremo da condição humana, inspiração de monumentos que vão de Dostoieveski a Raymond Chandler, passando pos alguns dos momentos supremos do cinema, é tido pelo PÚBLICO como actividade menor. Não se trata de abordar ou não abordar, mas de como abordar. E nada do que é humano deve ser estranho a um diário generalista.

3. Cumprir as regras da produção jornalística, atender ao rigor dos factos e respeitar a língua. As normas profissionais não existem por capricho, mas porque reforçam a credibilidade dos jornalistas e dos respectivos órgãos de informação. Os factos consagrados (como os acontecimentos históricos, as datas, os nomes e os números) devem ser respeitados. Quanto à qualidade do vocabulário e sintaxe idiomáticos, os media podem ser o último reduto na sua defesa (embora entendida num sentido dinâmico e não estático), pelo que nesse campo cabem especiais responsabilidades aos jornalistas. Senti porém como baldados os esforços que procurei desenvolver nestas áreas. No domínio da técnica jornalística, preocupa-me sobremaneira o desrespeito pelas normas da citação de fontes de informação. O Livro de Estilo do PÚBLICO contém directivas que conviria respeitar melhor, mas dever-se-ia também pensar na sua própria actualização.

4. Considerar também a fotografia como elemento de informação. A edição fotográfica do PÚBLICO utiliza muitas vezes a imagem de forma conceptual (um detalhe, uma silhueta, uma sombra, uma mancha, uma forma geométrica, uma sugestão, um enigma), que terá tudo a ver com estética mas pouco com jornalismo. Não se devia desperdiçar tanto e tão precioso espaço para pouco ou nada informar os leitores. E também as legendas deveriam ser mais explícitas, dando conta das circunstâncias específicas das fotos a que dizem respeito.

5. Entender o PÚBLICO não como um jornal em papel com um site agregado mas como uma marca de informação englobando os mais diversos suportes. Enfrentem a realidade: os jornais generalistas estão sob ameaça de morte, e eventualmente já condenados. O público está a emigrar em massa para a informação via digital e não irá fazer marcha atrás. É certo que o PÚBLICO investiu já consideravelmente no PUBLICO.PT, mas não o suficiente, na medida em que, na estrutura organizativa da redacção e até em grande parte nos conteúdos, o site continua a ser tributário da edição em papel. Basta constatar que o próprio modelo gráfico do jornal, com títulos e fotos estendidos por páginas duplas, não se adequa ao seu visionamento através da internet. Teria de ser maior a aposta no on-line, pois reside aí o futuro. E não só: também noutros suportes digitais, já criados ou a criar. O PÚBLICO deveria por isso deixar de estar associado basicamente ao papel para se tornar, com toda a credibilidade que possui, numa fiável marca multimédia. A democracia precisará sempre do jornalismo, mas vai deixar de precisar dos jornais.

Considero que a minha actuação visou sobretudo procurar ajudar-vos a reflectir sobre vossa própria prática profissional. Se em alguma coisa contribuí para a sua melhoria, valeu a pena.

Votos de bom trabalho, em prol de um PÚBLICO cada vez melhor, e até sempre.

CAIXA:

2.500 reclamações

Findo o seu mandato (não renovável por compreensível exigência do respectivo estatuto), este provedor cessará funções no próximo dia 31, sendo esta, por conseguinte, a sua derradeira crónica. Não tendo sido possível atender directamente cada uma das cerca de 2.500 reclamações recebidas dos leitores ao longo destes dois anos, o provedor procurou deixar no seu blogue referência a todas aquelas que considerou pertinentes sem as abordar nesta página. Até ao fim de Dezembro, o blogue continuará activo, e os leitores poderão continuar, se o desejarem, a comunicar com o provedor.

A todos os que participaram e deram fundamento a esta função, o provedor agradece da mais penhorada das formas. E expressa também um sincero reconhecimento aos restantes, pela atenção que deram às suas considerações, fosse nesta coluna, fosse no blogue. O seu maior desejo é que cada um se reveja cada vez mais no PÚBLICO como o seu órgão de informação.

Publicada em 27 de Dezembro de 2010
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