Estamos a ouvi-lo(a)
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Estamos a ouvi-lo(a)
"O primeiro-ministro é um general perdido no seu labirinto"
por JOÃO MARCELINO (DN) e PAULO BALDAIA (TSF)
Hoje
O líder do Bloco de Esquerda defende que a Comissão de Inquérito ao caso TVI não é para julgar ou fragilizar Sócrates, nem pode servir como uma "instância de recurso para decisões da própria justiça". Francisco Louçã garante que só conhece um membro do BE que já declarou apoio ao "monárquico" Fernando Nobre, candidato a Belém.
O Bloco de Esquerda (BE) é um dos partidos proponentes da Comissão de Inquérito ao frustrado negócio PT/TVI. Está convencido de que José Sócrates mentiu ao Parlamento sobre o seu conhecimento da operação?
A Comissão de Inquérito ainda não começou a funcionar. Quando a propus, os partidos todos mantiveram reserva, para rapidamente se perceber que era a única solução. O Parlamento tem uma obrigação de fiscalizar a actividade do Governo. E uma grande intervenção na comunicação social, eventualmente para a condicionar, como foi toda a operação da PT ou da Ongoing sobre a TVI, exige um esclarecimento de transparência absoluta. O primeiro-ministro apresentou esta iniciativa sob vários ângulos diferentes. A Comissão de Inquérito quer saber factos. Não tiro conclusões antes de ela fazer as suas audições. Não estamos a julgar o primeiro-ministro, estamos a apurar a verdade dos factos sobre como o Governo terá agido ou não no contexto da sua relação com a PT e com a TVI.
A questão não é saber, na sua opinião, se mentiu ou se não mentiu, se tinha conhecimento ou não, mas se interferiu no negócio.
Esse é o objectivo da Comissão de Inquérito: saber que tipo de interferência houve ou não do Governo na operação da PT para comprar a TVI e se, face a isso, o primeiro-ministro deu informações verdadeiras ou não ao Parlamento quando disse que não conhecia o negócio. Se assim se concluir, assim os factos o dirão. Por outro lado, também devo dizer-lhe que não concordo de forma nenhuma com qualquer jogo político sobre a Comissão. A Comissão foi usada por candidatos do PSD como instrumento da sua luta interna para as suas eleições - isto é indignificar o Parlamento. Isto significa reduzir a política à sua expressão mais demagógica. E já vi mesmo o PSD pedir a vinda do procurador-geral da República ou documentos judiciais. Ora, o Parlamento não é, não quer ser, não vai ser instância de recurso para decisões da própria justiça.
Mas a verdade é que o PSD e o Bloco coincidiram na proposta desta Comissão de Inquérito. Há aqui uma iniciativa comum. Depois, é óbvio que esta Comissão terá sempre um âmbito político, terá sempre conclusões que serão interpretadas politicamente.
Com certeza.
Se a "verdade dos factos" viesse a apontar no sentido de uma eventual mentira do primeiro-ministro ao Parlamento, que conclusões políticas tiraria o BE?
O BE fez esta proposta, o PSD depois apoiou-a e os outros partidos da oposição, todos, apoiaram-na, porque houve um acordo geral sobre esta obrigação do Parlamento de obter o esclarecimento completo. E este é nosso dever perante o País. A Comissão de Inquérito não é um alvo pessoal. Estamos a fazer um levantamento político de como o Governo actuou no contexto da PT. E percebemos já enormes contradições. Tudo isto é um mar de confusão. E o que o País exige, simplesmente, é o rigor dos factos e a informação concreta. Perante ela tiraremos todas as conclusões políticas. Mas se o que quer perguntar-me é se é isto que fragiliza o Governo, isto exige esclarecimento. O Governo hoje está fragilizado por razões muito mais profundas.
Pode ficar mais fragilizado?
Veremos as conclusões. São as conclusões concretas que têm de dizer como deve o Parlamento actuar.
Esta Comissão vai estar a trabalhar cerca de dois meses.
Espero até que menos.
Mas essa vai ser a janela de oportunidade para haver eleições em Portugal este ano. Isso vai condicionar ou não os trabalhos, a conclusão e o relatório?
De forma nenhuma! A Comissão tem de fazer o seu trabalho sério. Mas não há nenhuma relação entre esta Comissão e qualquer jogo político de eleições antecipadas. Sei que o primeiro-ministro é hoje um general perdido no seu labirinto e não quer outra coisa senão repetir o episódio Cavaco Silva de 1983 e provocar eleições com qualquer crise artificial. Quem quer que faça da política um jogo de poder está condenado perante a democracia. Nós agora temos de ter toda a responsabilidade - é por isso que a Comissão de Inquérito tem o seu lugar. O debate sobre o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) é o debate essencial do País.
Se diz que o Governo já está fragilizado e, portanto, não é precisa esta Comissão de Inquérito para o fragilizar…
Mas não é esse o objectivo da Comissão de Inquérito; é saber a verdade!
Mas diz que o Governo já está fragilizado. O que falta para que um partido da oposição apresente uma moção de censura a este Governo, minoritário no Parlamento?
Quem tem procurado provocar crises artificiais é o PS, por um jogo político. O PS não aceita, José Sócrates em particular não aceita, governar sem maioria absoluta. E por isso o jogo dele não é responder ao País. É, pelo contrário, usar qualquer pretexto para precipitar eleições. Foi o que fez a propósito da Lei das Finanças Regionais. Acho espantoso que, quando o Presidente da República promulgou a Lei das Finanças Regionais, que introduzia critérios mais rigorosos que os do passado - que foram laxistas, desastrosos, desorçamentais e prejudiciais ao País no facilitismo em relação à Madeira, do qual, aliás, este Governo de José Sócrates foi um dos grandes promotores -, o primeiro partido que veio registar essa decisão do Presidente foi o PS, e veio felicitar o Presidente! Ora, há três meses, esta lei provocaria eleições antecipadas.
Sendo os partidos da oposição tão críticos com este Governo - e no caso do Bloco, que diz que o futuro do País está a ser posto em causa com este tipo de políticas -, como se explica isso e ao mesmo tempo se deixa que seja o PS e José Sócrates a continuar a governar?
Mas José Sócrates tem neste momento o apoio do PSD e do CDS no Orçamento. E o Orçamento e o PEC são as discussões sobre a política do País. As moções de censura que o BE já apresentou são a rejeição do Orçamento e a resolução para rejeitar o PEC, em que tivemos o cuidado detalhado de apresentar alternativas sobre a política social e económica. O PS sabe que tem do seu lado os partidos da direita. E a discussão que importa aos portugueses é sempre sobre alternativas, e é isso que vai disputar-se. E vai disputar-se intensamente: saber se há ou não outra forma de consolidação orçamental - e eu digo que existe, acho que é possível reduzir o desperdício e cortar três mil milhões de euros no desperdício, na extravagância, nas mordomias e nas benesses já este ano. É possível fazer um ajustamento orçamental de mais de 2%, ao contrário dos objectivos medíocres do Governo. Bastava retirar mil e tal milhões de euros que se pagam no offshore da Madeira - nós pagamos todos, todos os contribuintes. Bastava reavaliar ou renegociar os contratos militares cujas contrapartidas não foram pagas a Portugal. Quem fez negócios connosco está em falta.
Podia rasgar-se esse contrato?
Não, tem de se renegociar, foi o que eu utilizei. Nós comprámos equipamento militar em três mil milhões de euros e havia contrapartidas de três mil milhões de euros. Neste momento…
O próprio ministro já disse isso.
Porque reconheceu a nossa razão a esse respeito! Agora, se os vendedores não executaram a sua parte do contrato, temos de lhes bater à porta e dizer: "Meus amigos, nós comprámos a um preço mais alto que o preço verdadeiro porque nos garantiram contrapartidas." Devem-nos 2300 milhões de euros! Mais que 1% do produto…
E, já agora, como é que chegava a essa poupança dos três mil milhões?
Mil milhões de euros nos offshores, renegociar os contratos militares, vender os submarinos - são mil milhões de euros -, renegociar as parcerias público-privadas, porque elas implicam 45 mil milhões de euros durante os próximos 30 anos. E basta dizer aos construtores das auto-estradas, que ganham por tráfego que não existe, ou a quem está a construir os hospitais para os gerir e para lucrar com eles durante 30 anos, que agora é tempo de repartir sacrifícios.
É professor de Economia. Que preço pagaria o País por essa política anticapitalista?
Isto é, em primeiro lugar, uma política decente. Isto é uma política de negociação contratual.
No caso do offshore da Madeira, só será possível quando houver um acordo, pelo menos a nível europeu, para tratar dos offshores.
Sabe que isso não é verdade...
Dizem muitos economistas.
Pois dizem!
E, digo eu, haverá menos economistas a dizer o contrário.
Mas isto não é uma questão de voto. Digo-lhe simplesmente o seguinte: em Espanha, qualquer transferência para o offshore das Canárias paga à partida 25%. Extraordinário que os espanhóis são capazes de fazer isso e em Portugal não é capaz de se fazer! Há uma lei que determina que o Banco de Portugal tem de ter o registo de todas as transferências para offshores. Sabe que essa lei não está a ser aplicada? Sabe que não há nenhum registo? E sabe quanto houve o ano passado, o recorde em Portugal? Dezoito mil milhões, ou seja, 10% do produto, dez euros em cada cem do que é produzido em Portugal foi transferido para os offshores para não pagar imposto. Se tivessem pago os 25% de IRC - que é o que paga uma mercearia ou uma tabacaria, o que pagam os donos da TSF e do DN como imposto normal -, nós tínhamos pago este ano metade do ajuste orçamental para o défice de que precisamos, 4500 milhões de euros.
O PEC também prevê novas privatizações. De que sectores acha que o Estado não deve abdicar, de onde não deveria sair?
Este PEC propõe algumas privatizações que são dramáticas, que são, aliás, as que têm provocado uma resposta directa de Manuel Alegre, ou de Mário Soares, ou de João Cravinho, e creio que têm razão. Dou-lhe três exemplos: Correios e Caminhos-de-Ferro são dois serviços públicos essenciais para o conjunto do território nacional. Poucos países europeus privatizaram os Correios. Não tem sentido entregar empresas de distribuição de serviço pelo território a empresas que possam utilizá-lo com um princípio de lucro, o que quer dizer que muitas das estações de correios no interior do País vão fechar. Em segundo lugar, este Governo, pela primeira vez, atreveu-se a privatizar uma parte da Caixa Geral de Depósitos (CGD), que é uma parte importantíssima, um terço do sector segurador do País. Lembro-me quando Durão Barroso e Paulo Portas formaram o Governo; chegou a falar-se nessa campanha de privatizar a CGD e imediatamente recuaram, e estabeleceu-se um tabu em Portugal - não se mexe na CGD.
E um bom tabu.
Correctíssimo! Provou-se, aliás, nesta crise que ter um banco público que pode ter confiança, gestão pública, que pode ter um princípio de utilização do crédito como um instrumento para a política económica num momento de crise, de seriedade, é importantíssimo. Agora, pela primeira vez, vai ser privatizado. Mas, digo--lhe também, as redes de alta tensão: não há concorrência nas redes de alta tensão! Como é possível vender as redes de alta tensão a uma empresa privada! Aliás, os privados já têm 49%, o primeiro-ministro garantiu-me num debate que nunca ia privatizar os 51% da REN - cá está, vai privatizá-los agora. O primeiro-ministro tem pouca preocupação com a palavra.
Deve o Estado manter a golden share na PT, que tantas polémicas tem criado ao longo dos tempos?
Acho que sim. Deve manter a golden share ou a capacidade de intervenção estratégica em empresas estratégicas: comunicações, energia são sectores estratégicos do ponto de vista do desenvolvimento do País e da criação da sua capacidade, da infra-estrutura tecnológica moderna.
Essa golden share, se fosse primeiro-ministro, equivaleria a dizer que teria de ser informado de um negócio de aquisição?
Absolutamente! Se é Rui Pedro Soares que vai a Madrid de jacto privado com um documento na mão, tendo ele sido nomeado pelo Estado para a PT…
O senhor primeiro-ministro teria de saber?
Com certeza que teria de saber.
Quando se define que um banco deve ser público, deve ou não clarificar-se em nome da transparência em que empresas e sectores este pode vir a estar interessado, e ter posições? Acha aceitável que um banco como a Caixa, público, tenha posições em empresas privadas?
Acho aceitável que tenha posições em empresas privadas. É evidente que tudo isso obriga à total transparência do mercado, porque se trata numa parte de empresas cotadas na bolsa. Tem de ser público qual é a componente de capital que corresponde a cada um dos accionistas. E a acção da Caixa deve ser absolutamente transparente, a Caixa não pode ser um instrumento de jogo de poder do Governo para nomear um administrador da Cimpor, por exemplo, ou para arranjar uma reforma dourada para ex-ministros. Tem de ter uma capacidade de actuação estratégica. Se os cimentos interessam do ponto de vista da actuação económica para ajudar a uma construção civil, que é uma parte importante da economia do País, deve ser em nome dessa actuação económica que a Caixa deve agir.
E acha que a Caixa esteve bem no caso da Cimpor?
Acho que fez muitíssimo mal. Contestei na altura, tive discussões acaloradas com o ministro das Finanças, porque a Caixa comprou uma parte de Manuel Fino dando--lhe opção de recompra sem risco uns anos depois por 25% acima do valor de mercado. Perdeu 62 milhões de euros - 62 milhões de euros! Não se brinca com o dinheiro dos contribuintes! A Caixa agiu mal nesse negócio, já vi até Manuel Fino vir dizer que queria agora recuperar os direitos de voto da Caixa, coisa absolutamente espantosa.
E, agora, a Caixa esteve bem na guerra entre brasileiros pelo controlo da Cimpor?
Não se deveria ter facilitado o controlo da Cimpor por um jogo de concorrência entre duas empresas brasileiras para a sua internacionalização. É evidente que naquele mercado têm de seguir-se regras e essas não têm que ver com a nacionalidade do capital, mas com um objectivo estratégico. Há um sector importante de emprego cuja capacidade de produção tem de ser garantida que exista em Portugal e que sobreviva e se desenvolva.
Como vê o corte nas despesas sociais? O ministro da Economia, Vieira da Silva, já disse aqui que, apesar de tudo, em 2013 o Estado gastará mais em despesas sociais que em 2008. Como vê a polémica à volta desta questão?
O Governo falsifica as contas com uma sem-vergonha sem limites. O produto desceu ao longo do último ano, e o que pode recuperar este ano quer dizer que o produto português é mais pequeno em 2010 do que era em 2008. Jogar com pequenas diferenças de percentagem sobre um produto que é mais pequeno é, evidentemente, tentar lançar areia para os olhos das pessoas. O que o Governo faz é simplesmente dizer: "Retirámos 130 milhões de euros do rendimento social de inserção (RSI)" sem fazer qualquer investigação sobre fraudes, sem separar quem merece e quem não merece, simplesmente porque o dr. Paulo Portas pediu que se retirassem.
Foi uma condição para a viabilização do PEC?
Obviamente! Foi uma condição no jogo político entre o PS e o CDS, porque os números são exactamente esses: 130 milhões de euros, dizia Paulo Portas na campanha eleitoral, porque acha que é aos pobres que tem de se retirar dinheiro. E 130 milhões de euros cá está José Sócrates a retirar do RSI quando sabemos que os 300 mil desempregados que ainda recebem subsídio de desemprego agora e que já não vão receber daqui a três anos, quando acabar o PEC, só vão poder bater à porta do rendimento social. Portanto, não vão ter nada, nem aqueles 80 euros por família dados pelo RSI. Mas o Governo tira 600 milhões de euros também da dotação orçamental da Segurança Social. Portanto, vai reduzir, congelar, o que quer dizer retirar a inflação no conjunto das pensões, reduzir o conjunto das despesas sociais. Como dizia o Pedro Adão e Silva, isto é dramático: os mais pobres vão pagar o ajustamento orçamental. Sempre tem sido assim e é por isso que sinto uma revolta enorme, de muita gente que sente que o PS é hoje um partido vendido às políticas liberais mais agressivas. É o que acontece com o subsídio de desemprego também: a limitação do total do subsídio de desemprego e das prestações sociais leva o Governo a propor que se possa impor a uma pessoa que tem subsídio de desemprego a obrigação de ir trabalhar por um pouco mais do que o subsídio que recebia
http://dn.sapo.pt/inicio/opiniao/discursodirecto.aspx?content_id=1530515
In DN
por JOÃO MARCELINO (DN) e PAULO BALDAIA (TSF)
Hoje
O líder do Bloco de Esquerda defende que a Comissão de Inquérito ao caso TVI não é para julgar ou fragilizar Sócrates, nem pode servir como uma "instância de recurso para decisões da própria justiça". Francisco Louçã garante que só conhece um membro do BE que já declarou apoio ao "monárquico" Fernando Nobre, candidato a Belém.
O Bloco de Esquerda (BE) é um dos partidos proponentes da Comissão de Inquérito ao frustrado negócio PT/TVI. Está convencido de que José Sócrates mentiu ao Parlamento sobre o seu conhecimento da operação?
A Comissão de Inquérito ainda não começou a funcionar. Quando a propus, os partidos todos mantiveram reserva, para rapidamente se perceber que era a única solução. O Parlamento tem uma obrigação de fiscalizar a actividade do Governo. E uma grande intervenção na comunicação social, eventualmente para a condicionar, como foi toda a operação da PT ou da Ongoing sobre a TVI, exige um esclarecimento de transparência absoluta. O primeiro-ministro apresentou esta iniciativa sob vários ângulos diferentes. A Comissão de Inquérito quer saber factos. Não tiro conclusões antes de ela fazer as suas audições. Não estamos a julgar o primeiro-ministro, estamos a apurar a verdade dos factos sobre como o Governo terá agido ou não no contexto da sua relação com a PT e com a TVI.
A questão não é saber, na sua opinião, se mentiu ou se não mentiu, se tinha conhecimento ou não, mas se interferiu no negócio.
Esse é o objectivo da Comissão de Inquérito: saber que tipo de interferência houve ou não do Governo na operação da PT para comprar a TVI e se, face a isso, o primeiro-ministro deu informações verdadeiras ou não ao Parlamento quando disse que não conhecia o negócio. Se assim se concluir, assim os factos o dirão. Por outro lado, também devo dizer-lhe que não concordo de forma nenhuma com qualquer jogo político sobre a Comissão. A Comissão foi usada por candidatos do PSD como instrumento da sua luta interna para as suas eleições - isto é indignificar o Parlamento. Isto significa reduzir a política à sua expressão mais demagógica. E já vi mesmo o PSD pedir a vinda do procurador-geral da República ou documentos judiciais. Ora, o Parlamento não é, não quer ser, não vai ser instância de recurso para decisões da própria justiça.
Mas a verdade é que o PSD e o Bloco coincidiram na proposta desta Comissão de Inquérito. Há aqui uma iniciativa comum. Depois, é óbvio que esta Comissão terá sempre um âmbito político, terá sempre conclusões que serão interpretadas politicamente.
Com certeza.
Se a "verdade dos factos" viesse a apontar no sentido de uma eventual mentira do primeiro-ministro ao Parlamento, que conclusões políticas tiraria o BE?
O BE fez esta proposta, o PSD depois apoiou-a e os outros partidos da oposição, todos, apoiaram-na, porque houve um acordo geral sobre esta obrigação do Parlamento de obter o esclarecimento completo. E este é nosso dever perante o País. A Comissão de Inquérito não é um alvo pessoal. Estamos a fazer um levantamento político de como o Governo actuou no contexto da PT. E percebemos já enormes contradições. Tudo isto é um mar de confusão. E o que o País exige, simplesmente, é o rigor dos factos e a informação concreta. Perante ela tiraremos todas as conclusões políticas. Mas se o que quer perguntar-me é se é isto que fragiliza o Governo, isto exige esclarecimento. O Governo hoje está fragilizado por razões muito mais profundas.
Pode ficar mais fragilizado?
Veremos as conclusões. São as conclusões concretas que têm de dizer como deve o Parlamento actuar.
Esta Comissão vai estar a trabalhar cerca de dois meses.
Espero até que menos.
Mas essa vai ser a janela de oportunidade para haver eleições em Portugal este ano. Isso vai condicionar ou não os trabalhos, a conclusão e o relatório?
De forma nenhuma! A Comissão tem de fazer o seu trabalho sério. Mas não há nenhuma relação entre esta Comissão e qualquer jogo político de eleições antecipadas. Sei que o primeiro-ministro é hoje um general perdido no seu labirinto e não quer outra coisa senão repetir o episódio Cavaco Silva de 1983 e provocar eleições com qualquer crise artificial. Quem quer que faça da política um jogo de poder está condenado perante a democracia. Nós agora temos de ter toda a responsabilidade - é por isso que a Comissão de Inquérito tem o seu lugar. O debate sobre o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) é o debate essencial do País.
Se diz que o Governo já está fragilizado e, portanto, não é precisa esta Comissão de Inquérito para o fragilizar…
Mas não é esse o objectivo da Comissão de Inquérito; é saber a verdade!
Mas diz que o Governo já está fragilizado. O que falta para que um partido da oposição apresente uma moção de censura a este Governo, minoritário no Parlamento?
Quem tem procurado provocar crises artificiais é o PS, por um jogo político. O PS não aceita, José Sócrates em particular não aceita, governar sem maioria absoluta. E por isso o jogo dele não é responder ao País. É, pelo contrário, usar qualquer pretexto para precipitar eleições. Foi o que fez a propósito da Lei das Finanças Regionais. Acho espantoso que, quando o Presidente da República promulgou a Lei das Finanças Regionais, que introduzia critérios mais rigorosos que os do passado - que foram laxistas, desastrosos, desorçamentais e prejudiciais ao País no facilitismo em relação à Madeira, do qual, aliás, este Governo de José Sócrates foi um dos grandes promotores -, o primeiro partido que veio registar essa decisão do Presidente foi o PS, e veio felicitar o Presidente! Ora, há três meses, esta lei provocaria eleições antecipadas.
Sendo os partidos da oposição tão críticos com este Governo - e no caso do Bloco, que diz que o futuro do País está a ser posto em causa com este tipo de políticas -, como se explica isso e ao mesmo tempo se deixa que seja o PS e José Sócrates a continuar a governar?
Mas José Sócrates tem neste momento o apoio do PSD e do CDS no Orçamento. E o Orçamento e o PEC são as discussões sobre a política do País. As moções de censura que o BE já apresentou são a rejeição do Orçamento e a resolução para rejeitar o PEC, em que tivemos o cuidado detalhado de apresentar alternativas sobre a política social e económica. O PS sabe que tem do seu lado os partidos da direita. E a discussão que importa aos portugueses é sempre sobre alternativas, e é isso que vai disputar-se. E vai disputar-se intensamente: saber se há ou não outra forma de consolidação orçamental - e eu digo que existe, acho que é possível reduzir o desperdício e cortar três mil milhões de euros no desperdício, na extravagância, nas mordomias e nas benesses já este ano. É possível fazer um ajustamento orçamental de mais de 2%, ao contrário dos objectivos medíocres do Governo. Bastava retirar mil e tal milhões de euros que se pagam no offshore da Madeira - nós pagamos todos, todos os contribuintes. Bastava reavaliar ou renegociar os contratos militares cujas contrapartidas não foram pagas a Portugal. Quem fez negócios connosco está em falta.
Podia rasgar-se esse contrato?
Não, tem de se renegociar, foi o que eu utilizei. Nós comprámos equipamento militar em três mil milhões de euros e havia contrapartidas de três mil milhões de euros. Neste momento…
O próprio ministro já disse isso.
Porque reconheceu a nossa razão a esse respeito! Agora, se os vendedores não executaram a sua parte do contrato, temos de lhes bater à porta e dizer: "Meus amigos, nós comprámos a um preço mais alto que o preço verdadeiro porque nos garantiram contrapartidas." Devem-nos 2300 milhões de euros! Mais que 1% do produto…
E, já agora, como é que chegava a essa poupança dos três mil milhões?
Mil milhões de euros nos offshores, renegociar os contratos militares, vender os submarinos - são mil milhões de euros -, renegociar as parcerias público-privadas, porque elas implicam 45 mil milhões de euros durante os próximos 30 anos. E basta dizer aos construtores das auto-estradas, que ganham por tráfego que não existe, ou a quem está a construir os hospitais para os gerir e para lucrar com eles durante 30 anos, que agora é tempo de repartir sacrifícios.
É professor de Economia. Que preço pagaria o País por essa política anticapitalista?
Isto é, em primeiro lugar, uma política decente. Isto é uma política de negociação contratual.
No caso do offshore da Madeira, só será possível quando houver um acordo, pelo menos a nível europeu, para tratar dos offshores.
Sabe que isso não é verdade...
Dizem muitos economistas.
Pois dizem!
E, digo eu, haverá menos economistas a dizer o contrário.
Mas isto não é uma questão de voto. Digo-lhe simplesmente o seguinte: em Espanha, qualquer transferência para o offshore das Canárias paga à partida 25%. Extraordinário que os espanhóis são capazes de fazer isso e em Portugal não é capaz de se fazer! Há uma lei que determina que o Banco de Portugal tem de ter o registo de todas as transferências para offshores. Sabe que essa lei não está a ser aplicada? Sabe que não há nenhum registo? E sabe quanto houve o ano passado, o recorde em Portugal? Dezoito mil milhões, ou seja, 10% do produto, dez euros em cada cem do que é produzido em Portugal foi transferido para os offshores para não pagar imposto. Se tivessem pago os 25% de IRC - que é o que paga uma mercearia ou uma tabacaria, o que pagam os donos da TSF e do DN como imposto normal -, nós tínhamos pago este ano metade do ajuste orçamental para o défice de que precisamos, 4500 milhões de euros.
O PEC também prevê novas privatizações. De que sectores acha que o Estado não deve abdicar, de onde não deveria sair?
Este PEC propõe algumas privatizações que são dramáticas, que são, aliás, as que têm provocado uma resposta directa de Manuel Alegre, ou de Mário Soares, ou de João Cravinho, e creio que têm razão. Dou-lhe três exemplos: Correios e Caminhos-de-Ferro são dois serviços públicos essenciais para o conjunto do território nacional. Poucos países europeus privatizaram os Correios. Não tem sentido entregar empresas de distribuição de serviço pelo território a empresas que possam utilizá-lo com um princípio de lucro, o que quer dizer que muitas das estações de correios no interior do País vão fechar. Em segundo lugar, este Governo, pela primeira vez, atreveu-se a privatizar uma parte da Caixa Geral de Depósitos (CGD), que é uma parte importantíssima, um terço do sector segurador do País. Lembro-me quando Durão Barroso e Paulo Portas formaram o Governo; chegou a falar-se nessa campanha de privatizar a CGD e imediatamente recuaram, e estabeleceu-se um tabu em Portugal - não se mexe na CGD.
E um bom tabu.
Correctíssimo! Provou-se, aliás, nesta crise que ter um banco público que pode ter confiança, gestão pública, que pode ter um princípio de utilização do crédito como um instrumento para a política económica num momento de crise, de seriedade, é importantíssimo. Agora, pela primeira vez, vai ser privatizado. Mas, digo--lhe também, as redes de alta tensão: não há concorrência nas redes de alta tensão! Como é possível vender as redes de alta tensão a uma empresa privada! Aliás, os privados já têm 49%, o primeiro-ministro garantiu-me num debate que nunca ia privatizar os 51% da REN - cá está, vai privatizá-los agora. O primeiro-ministro tem pouca preocupação com a palavra.
Deve o Estado manter a golden share na PT, que tantas polémicas tem criado ao longo dos tempos?
Acho que sim. Deve manter a golden share ou a capacidade de intervenção estratégica em empresas estratégicas: comunicações, energia são sectores estratégicos do ponto de vista do desenvolvimento do País e da criação da sua capacidade, da infra-estrutura tecnológica moderna.
Essa golden share, se fosse primeiro-ministro, equivaleria a dizer que teria de ser informado de um negócio de aquisição?
Absolutamente! Se é Rui Pedro Soares que vai a Madrid de jacto privado com um documento na mão, tendo ele sido nomeado pelo Estado para a PT…
O senhor primeiro-ministro teria de saber?
Com certeza que teria de saber.
Quando se define que um banco deve ser público, deve ou não clarificar-se em nome da transparência em que empresas e sectores este pode vir a estar interessado, e ter posições? Acha aceitável que um banco como a Caixa, público, tenha posições em empresas privadas?
Acho aceitável que tenha posições em empresas privadas. É evidente que tudo isso obriga à total transparência do mercado, porque se trata numa parte de empresas cotadas na bolsa. Tem de ser público qual é a componente de capital que corresponde a cada um dos accionistas. E a acção da Caixa deve ser absolutamente transparente, a Caixa não pode ser um instrumento de jogo de poder do Governo para nomear um administrador da Cimpor, por exemplo, ou para arranjar uma reforma dourada para ex-ministros. Tem de ter uma capacidade de actuação estratégica. Se os cimentos interessam do ponto de vista da actuação económica para ajudar a uma construção civil, que é uma parte importante da economia do País, deve ser em nome dessa actuação económica que a Caixa deve agir.
E acha que a Caixa esteve bem no caso da Cimpor?
Acho que fez muitíssimo mal. Contestei na altura, tive discussões acaloradas com o ministro das Finanças, porque a Caixa comprou uma parte de Manuel Fino dando--lhe opção de recompra sem risco uns anos depois por 25% acima do valor de mercado. Perdeu 62 milhões de euros - 62 milhões de euros! Não se brinca com o dinheiro dos contribuintes! A Caixa agiu mal nesse negócio, já vi até Manuel Fino vir dizer que queria agora recuperar os direitos de voto da Caixa, coisa absolutamente espantosa.
E, agora, a Caixa esteve bem na guerra entre brasileiros pelo controlo da Cimpor?
Não se deveria ter facilitado o controlo da Cimpor por um jogo de concorrência entre duas empresas brasileiras para a sua internacionalização. É evidente que naquele mercado têm de seguir-se regras e essas não têm que ver com a nacionalidade do capital, mas com um objectivo estratégico. Há um sector importante de emprego cuja capacidade de produção tem de ser garantida que exista em Portugal e que sobreviva e se desenvolva.
Como vê o corte nas despesas sociais? O ministro da Economia, Vieira da Silva, já disse aqui que, apesar de tudo, em 2013 o Estado gastará mais em despesas sociais que em 2008. Como vê a polémica à volta desta questão?
O Governo falsifica as contas com uma sem-vergonha sem limites. O produto desceu ao longo do último ano, e o que pode recuperar este ano quer dizer que o produto português é mais pequeno em 2010 do que era em 2008. Jogar com pequenas diferenças de percentagem sobre um produto que é mais pequeno é, evidentemente, tentar lançar areia para os olhos das pessoas. O que o Governo faz é simplesmente dizer: "Retirámos 130 milhões de euros do rendimento social de inserção (RSI)" sem fazer qualquer investigação sobre fraudes, sem separar quem merece e quem não merece, simplesmente porque o dr. Paulo Portas pediu que se retirassem.
Foi uma condição para a viabilização do PEC?
Obviamente! Foi uma condição no jogo político entre o PS e o CDS, porque os números são exactamente esses: 130 milhões de euros, dizia Paulo Portas na campanha eleitoral, porque acha que é aos pobres que tem de se retirar dinheiro. E 130 milhões de euros cá está José Sócrates a retirar do RSI quando sabemos que os 300 mil desempregados que ainda recebem subsídio de desemprego agora e que já não vão receber daqui a três anos, quando acabar o PEC, só vão poder bater à porta do rendimento social. Portanto, não vão ter nada, nem aqueles 80 euros por família dados pelo RSI. Mas o Governo tira 600 milhões de euros também da dotação orçamental da Segurança Social. Portanto, vai reduzir, congelar, o que quer dizer retirar a inflação no conjunto das pensões, reduzir o conjunto das despesas sociais. Como dizia o Pedro Adão e Silva, isto é dramático: os mais pobres vão pagar o ajustamento orçamental. Sempre tem sido assim e é por isso que sinto uma revolta enorme, de muita gente que sente que o PS é hoje um partido vendido às políticas liberais mais agressivas. É o que acontece com o subsídio de desemprego também: a limitação do total do subsídio de desemprego e das prestações sociais leva o Governo a propor que se possa impor a uma pessoa que tem subsídio de desemprego a obrigação de ir trabalhar por um pouco mais do que o subsídio que recebia
http://dn.sapo.pt/inicio/opiniao/discursodirecto.aspx?content_id=1530515
In DN
Última edição por João Ruiz em Sex maio 07, 2010 9:13 am, editado 1 vez(es)
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Então diga, Excelência!
Transmontana no parlamento
Deputada Paula Barros em «Transmontanos de gema»
No parlamento nunca foi preciso dizer que é transmontana, porque isso é evidente. Até pelo sotaque. Na política, entrou por influência da mãe, mas também por uma questão de feitio: sempre gostou de dizer o que pensa e de confrontar as suas ideias com as dos outros. No prato, não podia ser mais transmontana.
Propõe sempre restaurantes “onde se coma e não onde enfeitem o prato”. A flaviense Paula Barros, deputada socialista à Assembleia da República, é a convidada desta semana da rubrica “Transmontanos de gema”. E faz uma revelação: É candidata à concelhia de Chaves do PS, nas eleições do próximo dia 9 de Abril. E, se ganhar, em 2013, será candidata à Câmara.
Semanário TRANSMONTANO: No Parlamento, é preciso puxar pela sua costela transmontana?
Paula Barros: Não. Aliás, como muitas vezes me dizem, não é preciso puxar por ela, está tão patente que quase antes de eu falar já adivinham o que eu vou dizer quando me refiro à minha região, ao meu distrito e particularmente a Chaves. É inato.
Nunca foi preciso dizer: “atenção que eu sou transmontana, não se metam comigo”
Nunca me saiu essa expressão. Os debates têm fórmulas regimentais, devemos ter esse cuidado, evitar questões de espontaneidade, embora apeteça. Mas fica logo bem patente que eu sou transmontana até pelo sotaque, que nunca consegui perder.
ST: Gozam consigo nos corredores. Chama-lhe transmontana?
PB: Gozar não. Mas sim, dizem: lá vem a flaviense.
ST: Faz questão de dizer que é transmontana?
PB: Eu faço questão de dizer que sou de Chaves. Como bem sabem, ao sermos eleitos somos deputados da nação, que representam os portugueses, mas é impossível esconder e é com orgulho que digo que sou de Chaves.
ST: Como se iniciou na política?
PB: O meu percurso político é muito associado ao meu percurso pessoal e até profissional. Todos nós temos a nossa história, a minha tem muito a ver com a postura da minha mãe e com a vivência da minha mãe no antes e no pós 25 de Abril. Lembro-me de serões a falar dessa matéria e recordo com muita saudade. E isso fez-me perceber que estava na altura em que era possível intervir, fazer coisas, ser proactiva, emitir opinião e eu sempre tive um feitio interventivo, de dizer aquilo que pensava e isso foi acontecendo na escola, desde cedo, no ciclo preparatório, no liceu...
ST: Quando percebeu que queria estar na política?
PB: Percebi desde cedo, percebi que tinha vontade de intervir, de emitir a minha opinião e de a confrontar com a dos outros, porque eu acho que é extremamente importante que isto aconteça. Também sei que não somos absolutamente donos da verdade. Aliás, sou muito, não queria empregar a expressão contestatária, mas se calhar é mesmo essa que tenho de empregar em relação àquelas pessoas que acham que assumem a arrogância de se acharem donos da verdade. Eu contesto-os porque isso não é verdade. Ninguém é dono da verdade absoluta. Nem ninguém tem razão a cem por cento.
ST: Diz-se muito que os deputados não fazem nada e que quando chegam a Lisboa depressa esquecem a região. É assim?
PB: Quem sou eu para falar, exerço funções de deputada, neste momento, mas posso e quero, sem qualquer problema, dizer que os deputados levam muito a sério aquilo que fazem. E o levarem a sério aquilo que fazem exige que estejam em trabalho permanente. A informação no Parlamento corre a uma velocidade estonteante e quem se quiser envolver, estar por dentro das questões, não consegue ter grande tempo, para além do tempo que passa a ler, a estar por dentro dos assuntos. Para além das reuniões e intervenções, sejam em reuniões do grupo parlamentar, seja as institucionais, ao nível da Assembleia da República, ao nível das comissões ou do plenário.
ST: Os seus colegas professores queixaram-se muito a si das reformas levadas a cabo no campo da educação?
PB: Eu sou professora, já passei por várias situações no exercício da profissão. E converso muito como os meus colegas professores e, sendo certo que há matérias que geraram muita perturbação, muita controvérsia, também é verdade que grande parte dos professores reconhece que houve muitas medidas que foram tomadas, nomeadamente, na anterior legislativa, que eram absolutamente necessárias, a bem da escola pública. Temos que perceber que a escola pública primeiramente se massificou, não se democratizou. Houve medidas que foram tomadas plenamente justificadas pelos seus objectivos e refiro-me, por exemplo, à avaliação dos professores. Foi uma das medidas que mais contestação gerou, mas não pelo que esteve em questão. Os meus colegas reconheceram que uma avaliação séria dos professores é um passo muito importante para dignificar a classe docente.
A primeira proposta que foi colocada e que foi sendo desenvolvida era uma proposta que necessitava de muitos acertos. É aquilo que eu acho. Às vezes peço às pessoas que leiam as minha intervenções que proferi na AR em diversas ocaiões em relação a esta matéria.
ST: É difícil gerir as aspirações locais com as decisões do Governo, na saúde?
PB: A saúde foi outra área em que o Governo se emprenhou fortemente em fazer reformas. No caso da saúde, temos que distinguir três áreas: cuidados primários; cuidados diferenciados e cuidados emergentes.
No meu ponto de vista, julgo que devemos ter a capacidade de olhar para o Sistema Nacional de Saúde (SNS) como um todo e definir se queremos um SNS. Eu quero um SNS. Eu desejo um SNS. Julgo que privatizar a saúde seria deixar de ter saúde de qualidade para todos os cidadãos. E a minha defesa é sempre nesse sentido, de que todos os cidadãos tenham acesso a cuidados de saúde de qualidade e com a proximidade possível. No que diz respeito particularmente a Chaves, eu já disse que há uma situação que não está bem, uma situação que precisa de melhorar, mas esta situação também não deve abafar, por si só, os ganhos que também foram conquistados e há alguns ganhos em termos de proximidade de serviços, que anteriormente não tínhamos na região e que passamos a ter. Isso é uma mais valia. Em Chaves há uma área que tem que melhorar, e eu tenho acompanhado, tenho tido diversas reuniões, é a área da urgência, que é a porta de entrada do hospital e tudo aquilo que se passa na urgência contamina todo o resto.
ST: Falando agora um pouco em política local, do PS, nas últimas eleições autárquicas, os resultados foram desastrosos. Ficou muito triste? O que falhou?
PB: Fiquei, porque acompanhei o projecto local do PS, defendi-o e porque acredito que tinha uma visão alternativa para o concelho. No entanto, o PS perdeu de cabeça levantada, de forma digna e, neste momento, tem dois vereadores na Câmara que estarão a fazer o seu trabalho de oposição, atenta e responsável. Também na Assembleia Municipal, os 17 eleitos estamos a fazer o nosso trabalho de oposição séria e responsável. Temos bases para continuar a construir um caminho, o caminho do Partido Socialista, como formação político-partidária verdadeiramente alternativa.
ST: Após as eleições, Nuno Rodrigues anunciou que iria pôr o lugar à disposição, admite concorrer à presidência da concelhia?
PB: As eleições estão marcadas para o dia 9 de Abril e eu não admito, eu sou candidata à presidência da concelhia. Os militantes já têm esse conhecimento, através de uma carta que dirigi a todos.
ST: É o primeiro passo para uma candidatura à Câmara nas próximas eleições?
PB: A candidatura à presidência da concelhia é um passo que eu desejo no sentido da construção de um projecto forte, sério e credível para as eleições de 2013. Mas é um projecto onde devem participar todos os militantes do PS de Chaves, porque cada militante é uma pessoa com ideias, com experiências de vida que pode enriquecer muito o projecto, mas também com todas as organizações flavienses, no sentido de quando o projecto estiver finalizado todos se possam rever nele.
ST: Acha que está em condições de agregar todas as facções do PS?
PB: Os consensos são difíceis, mas o pior que se pode ter são falsos consensos e, portanto, acho que é a altura propícia para que as pessoas apresentem os seus projectos, se tiverem vontade e disponibilidade.
ST: Já há mais candidatos?
PB: Tenho conhecimento que existe outra.
ST: Liderada por?
PB: Julgo que competirá ao candidato apresentá-la, quando entender.
ST: Está a favor ou contra as barragens no rio Tâmega?
PB: O Plano Nacional de Barragens é um programa muito interessante, muito valioso para o país na sua globalidade. Agora uma das minhas preocupações tem sido sempre ver se o que é importante para o país na globalidade tem impactos negativos para a região. As questões das barragens ainda estão em debate público e eu estou a formar a minha opinião e entendo que é necessário prestar esclarecimentos às populações dos impactos positivos e dos negativos. No outro dia estive numa reunião extraordinária em Vidago. E extraordinária porque a dada altura não sabia se estava no século XXI, se estava na Idade Média. Custou-me muito o que ouvi ali. O fundamentalismo e o facto de não se ter feito o exercício do contraditório. Ninguém é dono da verdade. As boas decisões, passam por boa informação, de qualidade, pelo confronto de ideias.
ST: E no prato, é transmontana?
PB: Sou um verdadeira transmontana em termos de comida, o que às vezes me causa alguns problemas de consciência. Gosto de tudo que é típico da nossa região, nomeadamente dos produtos associados à transformação do porco. Adoro o nosso cozido à transmontana, a nossa posta...
ST: E leva para Lisboa as iguarias de cá?
PB: Pois, o pior foi levá-las a primeira vez. Em Lisboa, normalmente almoço no Parlamento. Ao jantar, costumo jantar com um grupo de deputados com quem fomos criando alguns laços e quando me perguntam: ‘Paulinha, onde vamos jantar?’Onde se coma e não onde enfeitem o prato.
ST: Definição de transmontano de gema:
PB: É uma pessoa naturalmente franca, aberta, genuína, é uma pessoa que quando lhe batem à porta diz: entre, quem é?
Margarida Luzio, Semanário Transmontano, 2010-03-30
Deputada Paula Barros em «Transmontanos de gema»
No parlamento nunca foi preciso dizer que é transmontana, porque isso é evidente. Até pelo sotaque. Na política, entrou por influência da mãe, mas também por uma questão de feitio: sempre gostou de dizer o que pensa e de confrontar as suas ideias com as dos outros. No prato, não podia ser mais transmontana.
Propõe sempre restaurantes “onde se coma e não onde enfeitem o prato”. A flaviense Paula Barros, deputada socialista à Assembleia da República, é a convidada desta semana da rubrica “Transmontanos de gema”. E faz uma revelação: É candidata à concelhia de Chaves do PS, nas eleições do próximo dia 9 de Abril. E, se ganhar, em 2013, será candidata à Câmara.
Semanário TRANSMONTANO: No Parlamento, é preciso puxar pela sua costela transmontana?
Paula Barros: Não. Aliás, como muitas vezes me dizem, não é preciso puxar por ela, está tão patente que quase antes de eu falar já adivinham o que eu vou dizer quando me refiro à minha região, ao meu distrito e particularmente a Chaves. É inato.
Nunca foi preciso dizer: “atenção que eu sou transmontana, não se metam comigo”
Nunca me saiu essa expressão. Os debates têm fórmulas regimentais, devemos ter esse cuidado, evitar questões de espontaneidade, embora apeteça. Mas fica logo bem patente que eu sou transmontana até pelo sotaque, que nunca consegui perder.
ST: Gozam consigo nos corredores. Chama-lhe transmontana?
PB: Gozar não. Mas sim, dizem: lá vem a flaviense.
ST: Faz questão de dizer que é transmontana?
PB: Eu faço questão de dizer que sou de Chaves. Como bem sabem, ao sermos eleitos somos deputados da nação, que representam os portugueses, mas é impossível esconder e é com orgulho que digo que sou de Chaves.
ST: Como se iniciou na política?
PB: O meu percurso político é muito associado ao meu percurso pessoal e até profissional. Todos nós temos a nossa história, a minha tem muito a ver com a postura da minha mãe e com a vivência da minha mãe no antes e no pós 25 de Abril. Lembro-me de serões a falar dessa matéria e recordo com muita saudade. E isso fez-me perceber que estava na altura em que era possível intervir, fazer coisas, ser proactiva, emitir opinião e eu sempre tive um feitio interventivo, de dizer aquilo que pensava e isso foi acontecendo na escola, desde cedo, no ciclo preparatório, no liceu...
ST: Quando percebeu que queria estar na política?
PB: Percebi desde cedo, percebi que tinha vontade de intervir, de emitir a minha opinião e de a confrontar com a dos outros, porque eu acho que é extremamente importante que isto aconteça. Também sei que não somos absolutamente donos da verdade. Aliás, sou muito, não queria empregar a expressão contestatária, mas se calhar é mesmo essa que tenho de empregar em relação àquelas pessoas que acham que assumem a arrogância de se acharem donos da verdade. Eu contesto-os porque isso não é verdade. Ninguém é dono da verdade absoluta. Nem ninguém tem razão a cem por cento.
ST: Diz-se muito que os deputados não fazem nada e que quando chegam a Lisboa depressa esquecem a região. É assim?
PB: Quem sou eu para falar, exerço funções de deputada, neste momento, mas posso e quero, sem qualquer problema, dizer que os deputados levam muito a sério aquilo que fazem. E o levarem a sério aquilo que fazem exige que estejam em trabalho permanente. A informação no Parlamento corre a uma velocidade estonteante e quem se quiser envolver, estar por dentro das questões, não consegue ter grande tempo, para além do tempo que passa a ler, a estar por dentro dos assuntos. Para além das reuniões e intervenções, sejam em reuniões do grupo parlamentar, seja as institucionais, ao nível da Assembleia da República, ao nível das comissões ou do plenário.
ST: Os seus colegas professores queixaram-se muito a si das reformas levadas a cabo no campo da educação?
PB: Eu sou professora, já passei por várias situações no exercício da profissão. E converso muito como os meus colegas professores e, sendo certo que há matérias que geraram muita perturbação, muita controvérsia, também é verdade que grande parte dos professores reconhece que houve muitas medidas que foram tomadas, nomeadamente, na anterior legislativa, que eram absolutamente necessárias, a bem da escola pública. Temos que perceber que a escola pública primeiramente se massificou, não se democratizou. Houve medidas que foram tomadas plenamente justificadas pelos seus objectivos e refiro-me, por exemplo, à avaliação dos professores. Foi uma das medidas que mais contestação gerou, mas não pelo que esteve em questão. Os meus colegas reconheceram que uma avaliação séria dos professores é um passo muito importante para dignificar a classe docente.
A primeira proposta que foi colocada e que foi sendo desenvolvida era uma proposta que necessitava de muitos acertos. É aquilo que eu acho. Às vezes peço às pessoas que leiam as minha intervenções que proferi na AR em diversas ocaiões em relação a esta matéria.
ST: É difícil gerir as aspirações locais com as decisões do Governo, na saúde?
PB: A saúde foi outra área em que o Governo se emprenhou fortemente em fazer reformas. No caso da saúde, temos que distinguir três áreas: cuidados primários; cuidados diferenciados e cuidados emergentes.
No meu ponto de vista, julgo que devemos ter a capacidade de olhar para o Sistema Nacional de Saúde (SNS) como um todo e definir se queremos um SNS. Eu quero um SNS. Eu desejo um SNS. Julgo que privatizar a saúde seria deixar de ter saúde de qualidade para todos os cidadãos. E a minha defesa é sempre nesse sentido, de que todos os cidadãos tenham acesso a cuidados de saúde de qualidade e com a proximidade possível. No que diz respeito particularmente a Chaves, eu já disse que há uma situação que não está bem, uma situação que precisa de melhorar, mas esta situação também não deve abafar, por si só, os ganhos que também foram conquistados e há alguns ganhos em termos de proximidade de serviços, que anteriormente não tínhamos na região e que passamos a ter. Isso é uma mais valia. Em Chaves há uma área que tem que melhorar, e eu tenho acompanhado, tenho tido diversas reuniões, é a área da urgência, que é a porta de entrada do hospital e tudo aquilo que se passa na urgência contamina todo o resto.
ST: Falando agora um pouco em política local, do PS, nas últimas eleições autárquicas, os resultados foram desastrosos. Ficou muito triste? O que falhou?
PB: Fiquei, porque acompanhei o projecto local do PS, defendi-o e porque acredito que tinha uma visão alternativa para o concelho. No entanto, o PS perdeu de cabeça levantada, de forma digna e, neste momento, tem dois vereadores na Câmara que estarão a fazer o seu trabalho de oposição, atenta e responsável. Também na Assembleia Municipal, os 17 eleitos estamos a fazer o nosso trabalho de oposição séria e responsável. Temos bases para continuar a construir um caminho, o caminho do Partido Socialista, como formação político-partidária verdadeiramente alternativa.
ST: Após as eleições, Nuno Rodrigues anunciou que iria pôr o lugar à disposição, admite concorrer à presidência da concelhia?
PB: As eleições estão marcadas para o dia 9 de Abril e eu não admito, eu sou candidata à presidência da concelhia. Os militantes já têm esse conhecimento, através de uma carta que dirigi a todos.
ST: É o primeiro passo para uma candidatura à Câmara nas próximas eleições?
PB: A candidatura à presidência da concelhia é um passo que eu desejo no sentido da construção de um projecto forte, sério e credível para as eleições de 2013. Mas é um projecto onde devem participar todos os militantes do PS de Chaves, porque cada militante é uma pessoa com ideias, com experiências de vida que pode enriquecer muito o projecto, mas também com todas as organizações flavienses, no sentido de quando o projecto estiver finalizado todos se possam rever nele.
ST: Acha que está em condições de agregar todas as facções do PS?
PB: Os consensos são difíceis, mas o pior que se pode ter são falsos consensos e, portanto, acho que é a altura propícia para que as pessoas apresentem os seus projectos, se tiverem vontade e disponibilidade.
ST: Já há mais candidatos?
PB: Tenho conhecimento que existe outra.
ST: Liderada por?
PB: Julgo que competirá ao candidato apresentá-la, quando entender.
ST: Está a favor ou contra as barragens no rio Tâmega?
PB: O Plano Nacional de Barragens é um programa muito interessante, muito valioso para o país na sua globalidade. Agora uma das minhas preocupações tem sido sempre ver se o que é importante para o país na globalidade tem impactos negativos para a região. As questões das barragens ainda estão em debate público e eu estou a formar a minha opinião e entendo que é necessário prestar esclarecimentos às populações dos impactos positivos e dos negativos. No outro dia estive numa reunião extraordinária em Vidago. E extraordinária porque a dada altura não sabia se estava no século XXI, se estava na Idade Média. Custou-me muito o que ouvi ali. O fundamentalismo e o facto de não se ter feito o exercício do contraditório. Ninguém é dono da verdade. As boas decisões, passam por boa informação, de qualidade, pelo confronto de ideias.
ST: E no prato, é transmontana?
PB: Sou um verdadeira transmontana em termos de comida, o que às vezes me causa alguns problemas de consciência. Gosto de tudo que é típico da nossa região, nomeadamente dos produtos associados à transformação do porco. Adoro o nosso cozido à transmontana, a nossa posta...
ST: E leva para Lisboa as iguarias de cá?
PB: Pois, o pior foi levá-las a primeira vez. Em Lisboa, normalmente almoço no Parlamento. Ao jantar, costumo jantar com um grupo de deputados com quem fomos criando alguns laços e quando me perguntam: ‘Paulinha, onde vamos jantar?’Onde se coma e não onde enfeitem o prato.
ST: Definição de transmontano de gema:
PB: É uma pessoa naturalmente franca, aberta, genuína, é uma pessoa que quando lhe batem à porta diz: entre, quem é?
Margarida Luzio, Semanário Transmontano, 2010-03-30
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Sem 'golden share', risco de OPA sobre PT é fortíssimo"
"Sem 'golden share', risco de OPA sobre PT é fortíssimo"
por JOÃO MARCELINO (DN) e PAULO BALDAIA (TSF)
Hoje
Regressado às mãos da família, que o detinha há longas décadas, em fins dos anos 80,o grupo BES emprega hoje cerca de 20 000 pessoas em 20 países, em mais de 400 empresas. Ricardo do Espírito Santo Salgado é o convidado da TSF e do DN.
Vítor Constâncio prevê processos de concentração na banca portuguesa. Que papel terá o BES neles?
O dr. Vítor Constâncio é uma pessoa que respeito muito. Aliás, aproveito para o felicitar publicamente pela sua nomeação para vice- -governador do Banco Central Europeu. É um grande economista, mas nesse campo tenho algumas dúvidas. Em Portugal, o sector bancário está altamente concentrado, as cinco maiores instituições bancárias representam mais de 80% dos activos bancários. É um nível de concentração que é raro ver na Europa. Se houver países com uma concentração superior, é um ou dois e não mais.
Mas há sempre tentativas de crescer: há uns anos, houve uma OPA do BCP sobre o BPI, uma tentativa do BPI de conseguir a fusão…
Gostava de desenvolver a sua pergunta mais a fundo. Esta crise foi um bom exemplo daquilo que aconteceu. Quem foi mais afectado no sector financeiro pela crise? As 25 maiores instituições bancárias internacionais que cresceram muito por aquisições. As instituições maiores são as que, no fundo, podem vir a ser até mais vulne- ráveis. E é de tal maneira assim que ho-je, em termos europeus, está a pôr-se em prática uma forma de super-visão do chamado risco sistémico das grandes organizações financeiras. Uma das razões de Portugal ter passado relativamente incólume em relação a esta crise no sector financeiro foi exactamente o facto de as instituições terem a dimensão adequada. Agora, o senhor governador tem razão porque ainda temos algumas instituições muito pequenas, que vão ter muita dificuldade em sobreviver num contexto de concorrência mais intensa no domínio europeu. A crise é forte, bateu duro, a concorrência vai aumentar porque o negócio está a diminuir. É natural que em relação a bancos de dimensão média/pequena possa haver novas concentrações...
Em relação aos grandes bancos como o BCP e o BPI, acredita que não se voltará a falar de fusões?
As concentrações sempre podem acontecer, nada as impede. O que me parece é que a lógica, quer em termos de viabilidade económica, quer em termos do risco do sector bancário, não aconselha a que haja a partir de uma certa dimensão maiores concentrações. E tem de haver alguma concorrência em Portugal, que é um país pequeno. Quem ganha com a concorrência, todos sa-bem quem é: são, naturalmente, os clientes dos bancos.
Adquirir o BCP é uma coisa que está completamente fora dos horizontes do BES?
O BCP é um banco por quem temos a maior consideração, ainda é o maior banco privado português em termos de dimensão. O BES já é maior em termos de capitalização bolsista, somos o quinto da Penín-sula Ibérica e o maior em Portugal. Mas o BCP já tem uma dimensão muito grande em Portugal. E julgo que foi a dimensão do BCP que o levou a ter de sair para fora das nossas fronteiras, para países e mercados completamente diferentes, alguns até com muito pouca afinidade com o nosso país. É o caso da Polónia, da Turquia, da Grécia. O BCP hoje tem uma dimensão tal que qualquer fusão com outro banco iria provocar um esforço colossal de racionalização.
Seria um erro a fusão de um banco com o BCP?
O BCP tem praticamente mil balcões, o Banco Espírito Santo tem 700. Nós, com os nossos 700, cobrimos 95% do poder de compra em termos das municipalidades portuguesas. O BCP cobre ainda mais. Se houvesse uma fusão destas duas instituições, teríamos necessariamente de encerrar balcões e despedir pessoas. Ora, isso é tudo o que não se deve fazer nesta altura. Não só pela crise, como também pelos encargos que iria levantar, em termos dos fundos de pensões, que hoje já representam um peso considerável para o sistema bancário.
Como são as relações do BES com a Caixa Geral de Depósitos? No caso recente da Cimpor estiveram em campos opostos: o BES assessorou a CSN e o banco do Estado fez um acordo com a Votorantim...
Não teci nenhuma consideração sobre a intervenção da Caixa. Temos relações institucionais muitíssimo boas, não só na Associação Portuguesa de Bancos, mas também relações tradicionais, e temos até alguns desenvolvimentos conjugados com a Caixa, como, por exemplo, em Espanha: colocamos produtos nossos na rede espanhola da Caixa Geral de Depósitos. E temos colaborações a diversos níveis em transacções financeiras no mercado nacional e internacional. Quando a Caixa se pronunciou por um apoio a um concorrente do nosso cliente brasileiro em relação à Cimpor, nós não podemos estabelecer nenhum juízo de valor. Acredito que a Caixa fez o seu melhor, porque julgo que procurou defender os interesses dos seus clientes brasileiros, por um lado, mas também os accionistas da Cimpor, que estavam de alguma forma acolhidos, eram clientes da Caixa. Acredito que a administração da Caixa, quando teve esses parâmetros em consideração, seguiu uma via diferente da do nosso grupo em relação ao grupo de Benjamin Steinbruch, a CSN. Infelizmente, o grupo Steinbruch CSN - julgo que quis moderar a proposta que fez - não foi tão longe quanto poderia. E foi uma pena, porque perdeu uma excelente oportunidade. A Cimpor é uma empresa extraordinária.
As participações que a Caixa tem em várias empresas são necessárias, ou há um excesso de intervenção do banco do Estado?
Os bancos portugueses, todos eles, participaram nas privatizações. Se não fossem os bancos, não teria provavelmente havido sequer privatizações. E houve a Caixa, houve o BES, houve o BCP, houve o próprio BPI, que tomaram participações em organizações. Umas ficaram, alguns bancos foram saindo, e a Caixa tem tendência para ser um banco estável em termos das parcerias que faz. Não sou conhecedor a fundo da situação das parcerias da Caixa ou das participações que detém. Sei que algumas se cruzam connosco no bom sentido, como o caso da Portugal Telecom. E ela foi tão importante que no fundo, embora não fosse necessário, contribuiu para impedir a oferta pública de aquisição sobre a Portugal Telecom. A OPA foi defendida porque a Portugal Telecom, se não tivesse sido protegida nessa altura, já tinha perdido a participação da célebre Vivo no Brasil, que é uma participação estratégica tão importante para a PT e para Portugal.
O BES é o maior accionista da PT, está satisfeito com o caminho que a PT tem seguido? No Brasil, a situação da Vivo mantém-se pouco clarificada nas relações com a Telefónica, que está a estreitar relações com a Telecom Italia. Defende uma alteração de estratégia da PT?
Em relação ao Brasil, sou totalmente intransigente. A Portugal Telecom, sem a participação na Vivo, perderá uma substância enorme, uma participação estratégica para a PT e para o País que não pode ser de forma alguma perdida, tem de ser protegida. O Brasil é a grande potência económica e financeira hoje emergente no mundo ocidental, não há outra. Os portugueses estão a envolver-se muito no Brasil, e bem. Portanto, tudo o que seja proteger a Portugal Telecom e a sua participação na Vivo deve ser feito.
E isso passa por deixar a Telefónica ir para os braços da Telecom Italia?
A Telefónica é uma empresa globalizante e tem tendência para as grandes concentrações. É um grande actor planetário em termos do seu posicionamento estratégico e tem tendência para adquirir outras empresas. A PT não tem essa vocação nem dimensão, temos de ser realistas. Agora, a Telefónica resolveu, nessa ambição de crescer, juntar-se à Telecom Italia, para, no fundo, ter um posicionamento mais importante no Brasil. A Telecom Italia também está no Brasil, e estão criadas algumas indefinições que têm de ser resolvidas, quer pela autoridade de regulação brasileira quer pelo Governo italiano, e que nos ultrapassam.
Nesse caso da Telefónica e da necessidade que tem de crescer adquirindo, teme que possa existir uma OPA sobre a PT?
No dia em que a golden share deixar de existir, o risco de uma OPA sobre a PT é fortíssimo. E aí o fundamental é que os accionistas da PT, os accionistas portugueses da PT, se mantenham unidos e sólidos na sua estratégia de defesa do interesse…
E que o Estado mantenha a golden share?
A golden share, julgo que vai acabar, indiscutivelmente, porque isso hoje é contra as regras da União Europeia. O processo está a evoluir, e acredito que isso é inexorável. Agora, o Estado tem uma participação, através da Caixa, e essa participação é que é importante que se mantenha e que possa vir a reforçar-se, eventualmente com as de outros grupos portugueses.
Como é que o presidente do BES, o maior accionista da Portugal Telecom, observou a polémica à volta do negócio PT/TVI, das audições que se seguiram na Comissão de Ética e que agora vão seguir-se na Comissão de Inquérito?
Não estou directamente no conselho da PT. Temos dois administradores em 22. Portanto, temos lá dois membros do BES não executivos, e seguimos muito de perto tudo o que acontece na PT. Também devo dizer que, desde a privatização, a PT teve como ambição um dia estar ligada a uma televisão…
Conhecia o negócio?
Deixe-me falar: o que sei é o que está nos genes da PT há muitos anos. E se perguntar ao primeiro presidente, logo após a privatização, que julgo que foi o Francisco Murteira Nabo, ele é capaz de lhe confirmar isto. A PT desde sempre esteve a olhar para a televisão.
Então, mesmo com a polémica política, o negócio devia ter sido feito?
Vocês são homens dos media, sabem o que significa o TMT [tecnologia, media e telecomunicações]. O TMT hoje é um conceito que está a ser posto em prática no mundo inteiro. Portanto, a PT tinha de estar ligada a uma televisão, por maioria de razão a partir do momento em que se separou da PTM, hoje ZON. Aliás, a PT foi imediatamente desenvolver o MEO e precisa de conteúdos! Há muitos anos que a PT olha para as televisões, e devo dizer que aqui no nosso país já falou praticamente com todas! Não posso deixar de referir que para mim não é surpresa esse interesse que apareceu de repente pela TVI, uma vez que os espanhóis quiseram pôr a posição à venda. Mas o que não gostei naturalmente foi de ver a evolução que esta situação provocou. Não acompanhei o assunto directamente, mas soube muito cedo, pelos nossos administradores presentes no conselho de administração, que na discussão em que foi posta a hipótese de somar uma participação na TVI, já no final da agenda desse dia do conselho, o presidente do conselho foi determinante ao dizer que a operação não se devia fazer. Fui informado pelos nossos administradores, porque é que, naquela altura, era uma oportunidade péssima para se poder fazer isso, e se veio a configurar depois nesta situação que todos conhecem. Não conheço mais detalhes da operação.
Um dos grandes temas do debate político são os prémios atribuídos a gestores de empresas em que o Estado tem uma participação. Acha excessivos os prémios de Zeinal Bava, da PT, ou de António Mexia, da EDP?
Esta crise bateu muito forte, criou estragos nas economias de uma maneira transversal. Não só em Portugal, na Europa toda, nos Estados Unidos. Criou um desemprego nunca visto. Poderemos hoje ter a certeza de que esta foi a crise económica mais forte dos últimos cem anos, mais do que a de 1929. Todos os mercados estão em estado de choque. Este problema das participações nos lucros e dos bónus está a ser discutido em toda a parte. O nosso país é pequeno, há muito poucas grandes empresas. As pessoas que estão à frente dessas empresas têm, de facto, de ter estratégias correctas, execução correcta dessas estratégias e, ainda por cima, de procurar levar essas empresas para o mundo exterior, em concorrência com outras empresas muito maiores que pagam muito mais em relação ao que elas ganham em Portugal. Aquilo que pode parecer escandaloso em Portugal não é escandaloso em muitos outros países europeus. Mas hoje está tudo a ser contestado. Por isso, nós temos de pensar que, como esta crise foi muito má em termos do problema que criou às famílias, às pessoas, [é natural que] este problema venha à tona e esteja a ser discutido publicamente e que crie de facto problemas complicados.
O BES, por exemplo, está a estudar a redução de 5% para 2% do prémio anual que paga aos seus administradores...
O BES nunca foi, do sistema bancário, aquele que pagou mais. Nós, aliás, éramos o terceiro em termos dos níveis de pagamentos. O que aconteceu foi que, de facto, os resultados do BES foram resistentes e continuaram a crescer. De repente somos hoje no sistema bancário aqueles que pagamos mais, só porque tivemos mais resultados. Aquilo que as empresas são capazes de criar em termos de valor para os accionistas - e, no caso que estava a referir das empresas públicas, para o Estado também - tem de ser tido em conta e é comparável com as grandes organiza-ções internacionais. Compreendo a sensibilidade do problema, que é agudo e está a ser discutido em toda a parte na Europa e nos EUA. Provavelmente, vai chegar-se a uma solução de bom senso. Agora, estas remunerações que estão a ser pagas já foram aprovadas em anos anteriores, e julgo que, no caso da EDP, houve uma concentração pelo facto de a parte diferida cair também neste exercício de 2009.
Entende, então, que esses prémios deviam adequar-se melhor aos tempos que vivemos?
Temos de ter essa consciência, sem dúvida.
A tributação sobre os bónus e os prémios da banca é a partir deste Orçamento mais gravosa para quem trabalha na banca. Devia ser aplicada às empresas em que o Estado tem participações? A banca não gostou de ser discriminada negativamente.
O que acontece é que o Estado é concorrente. Nós, quando estamos no mercado, também concorremos com instituições do Estado e, portanto, o Estado, se quiser contratar os melhores elementos para as suas empresas, vai ter de ter isso em consideração. Mas é uma decisão do accionista Estado.
Estamos numa crise profunda e é preciso corrigir rapidamente o défice. Portanto, o Estado está a diminuir a intensidade do apoio à economia. Acha que é cedo de mais para travar essas ajudas do Estado à economia real?
Vou falar da situação portuguesa: nós tivemos aqui um período, de 2005 a 2008, em que o Governo fez um esforço positivo e construtivo ao trazer novamente o défice de Portugal para baixo dos 3%. O drama foi 2009, que tem que ver com uma queda abrupta da receita fiscal. É claro que a despesa pública é importantíssima e já está a ser equacionada dentro do PEC [Programa de Estabilidade e Crescimento]. Mas a receita teve uma queda abrupta e não foi o senhor ministro das Finanças que se enganou! Ele, aliás, disse: "Posso enganar-me, mas não engano ninguém." Os nossos economistas - que não são políticos - dentro do banco mantiveram aquele objectivo do défice de 2009 em 5,9% até muito tarde, eu diria até Setembro! E depois estavam de acordo que não deveria ser superior a 8%! Surpreendeu toda a gente quando vimos o défice acima dos 9%, foi terrível.
A crise explica tudo?
Explica uma boa parte. Agora, não há dúvida de que os Estados europeus foram impulsionados no aumento da despesa pública e da intervenção na economia pela própria Comissão Europeia! Não nos podemos esquecer de que a CE, no auge da crise, afirmava sistematicamente que os Estados tinham de intervir para relançar a economia. E a intervenção acabou no agravamento brutal dos défices dos países europeus. E agora, de repente, toda a gente acorda com um nível de endividamento demasiado alto, querem trazer já esse nível de endividamento até 2013 para níveis mais compatíveis. Logo, por curiosidade, os franceses disseram que só em 2014!
Acredita que, em 2013, nós atingimos os objectivos?
Já manifestei isso publicamente várias vezes, acredito muito neste ministro das Finanças. Aliás, já deu provas, de 2005 a 2008. E se ele estabeleceu um programa para estarmos em 2013 com aquele nível de défice, é porque acredita que é possível
In DN
por JOÃO MARCELINO (DN) e PAULO BALDAIA (TSF)
Hoje
Regressado às mãos da família, que o detinha há longas décadas, em fins dos anos 80,o grupo BES emprega hoje cerca de 20 000 pessoas em 20 países, em mais de 400 empresas. Ricardo do Espírito Santo Salgado é o convidado da TSF e do DN.
Vítor Constâncio prevê processos de concentração na banca portuguesa. Que papel terá o BES neles?
O dr. Vítor Constâncio é uma pessoa que respeito muito. Aliás, aproveito para o felicitar publicamente pela sua nomeação para vice- -governador do Banco Central Europeu. É um grande economista, mas nesse campo tenho algumas dúvidas. Em Portugal, o sector bancário está altamente concentrado, as cinco maiores instituições bancárias representam mais de 80% dos activos bancários. É um nível de concentração que é raro ver na Europa. Se houver países com uma concentração superior, é um ou dois e não mais.
Mas há sempre tentativas de crescer: há uns anos, houve uma OPA do BCP sobre o BPI, uma tentativa do BPI de conseguir a fusão…
Gostava de desenvolver a sua pergunta mais a fundo. Esta crise foi um bom exemplo daquilo que aconteceu. Quem foi mais afectado no sector financeiro pela crise? As 25 maiores instituições bancárias internacionais que cresceram muito por aquisições. As instituições maiores são as que, no fundo, podem vir a ser até mais vulne- ráveis. E é de tal maneira assim que ho-je, em termos europeus, está a pôr-se em prática uma forma de super-visão do chamado risco sistémico das grandes organizações financeiras. Uma das razões de Portugal ter passado relativamente incólume em relação a esta crise no sector financeiro foi exactamente o facto de as instituições terem a dimensão adequada. Agora, o senhor governador tem razão porque ainda temos algumas instituições muito pequenas, que vão ter muita dificuldade em sobreviver num contexto de concorrência mais intensa no domínio europeu. A crise é forte, bateu duro, a concorrência vai aumentar porque o negócio está a diminuir. É natural que em relação a bancos de dimensão média/pequena possa haver novas concentrações...
Em relação aos grandes bancos como o BCP e o BPI, acredita que não se voltará a falar de fusões?
As concentrações sempre podem acontecer, nada as impede. O que me parece é que a lógica, quer em termos de viabilidade económica, quer em termos do risco do sector bancário, não aconselha a que haja a partir de uma certa dimensão maiores concentrações. E tem de haver alguma concorrência em Portugal, que é um país pequeno. Quem ganha com a concorrência, todos sa-bem quem é: são, naturalmente, os clientes dos bancos.
Adquirir o BCP é uma coisa que está completamente fora dos horizontes do BES?
O BCP é um banco por quem temos a maior consideração, ainda é o maior banco privado português em termos de dimensão. O BES já é maior em termos de capitalização bolsista, somos o quinto da Penín-sula Ibérica e o maior em Portugal. Mas o BCP já tem uma dimensão muito grande em Portugal. E julgo que foi a dimensão do BCP que o levou a ter de sair para fora das nossas fronteiras, para países e mercados completamente diferentes, alguns até com muito pouca afinidade com o nosso país. É o caso da Polónia, da Turquia, da Grécia. O BCP hoje tem uma dimensão tal que qualquer fusão com outro banco iria provocar um esforço colossal de racionalização.
Seria um erro a fusão de um banco com o BCP?
O BCP tem praticamente mil balcões, o Banco Espírito Santo tem 700. Nós, com os nossos 700, cobrimos 95% do poder de compra em termos das municipalidades portuguesas. O BCP cobre ainda mais. Se houvesse uma fusão destas duas instituições, teríamos necessariamente de encerrar balcões e despedir pessoas. Ora, isso é tudo o que não se deve fazer nesta altura. Não só pela crise, como também pelos encargos que iria levantar, em termos dos fundos de pensões, que hoje já representam um peso considerável para o sistema bancário.
Como são as relações do BES com a Caixa Geral de Depósitos? No caso recente da Cimpor estiveram em campos opostos: o BES assessorou a CSN e o banco do Estado fez um acordo com a Votorantim...
Não teci nenhuma consideração sobre a intervenção da Caixa. Temos relações institucionais muitíssimo boas, não só na Associação Portuguesa de Bancos, mas também relações tradicionais, e temos até alguns desenvolvimentos conjugados com a Caixa, como, por exemplo, em Espanha: colocamos produtos nossos na rede espanhola da Caixa Geral de Depósitos. E temos colaborações a diversos níveis em transacções financeiras no mercado nacional e internacional. Quando a Caixa se pronunciou por um apoio a um concorrente do nosso cliente brasileiro em relação à Cimpor, nós não podemos estabelecer nenhum juízo de valor. Acredito que a Caixa fez o seu melhor, porque julgo que procurou defender os interesses dos seus clientes brasileiros, por um lado, mas também os accionistas da Cimpor, que estavam de alguma forma acolhidos, eram clientes da Caixa. Acredito que a administração da Caixa, quando teve esses parâmetros em consideração, seguiu uma via diferente da do nosso grupo em relação ao grupo de Benjamin Steinbruch, a CSN. Infelizmente, o grupo Steinbruch CSN - julgo que quis moderar a proposta que fez - não foi tão longe quanto poderia. E foi uma pena, porque perdeu uma excelente oportunidade. A Cimpor é uma empresa extraordinária.
As participações que a Caixa tem em várias empresas são necessárias, ou há um excesso de intervenção do banco do Estado?
Os bancos portugueses, todos eles, participaram nas privatizações. Se não fossem os bancos, não teria provavelmente havido sequer privatizações. E houve a Caixa, houve o BES, houve o BCP, houve o próprio BPI, que tomaram participações em organizações. Umas ficaram, alguns bancos foram saindo, e a Caixa tem tendência para ser um banco estável em termos das parcerias que faz. Não sou conhecedor a fundo da situação das parcerias da Caixa ou das participações que detém. Sei que algumas se cruzam connosco no bom sentido, como o caso da Portugal Telecom. E ela foi tão importante que no fundo, embora não fosse necessário, contribuiu para impedir a oferta pública de aquisição sobre a Portugal Telecom. A OPA foi defendida porque a Portugal Telecom, se não tivesse sido protegida nessa altura, já tinha perdido a participação da célebre Vivo no Brasil, que é uma participação estratégica tão importante para a PT e para Portugal.
O BES é o maior accionista da PT, está satisfeito com o caminho que a PT tem seguido? No Brasil, a situação da Vivo mantém-se pouco clarificada nas relações com a Telefónica, que está a estreitar relações com a Telecom Italia. Defende uma alteração de estratégia da PT?
Em relação ao Brasil, sou totalmente intransigente. A Portugal Telecom, sem a participação na Vivo, perderá uma substância enorme, uma participação estratégica para a PT e para o País que não pode ser de forma alguma perdida, tem de ser protegida. O Brasil é a grande potência económica e financeira hoje emergente no mundo ocidental, não há outra. Os portugueses estão a envolver-se muito no Brasil, e bem. Portanto, tudo o que seja proteger a Portugal Telecom e a sua participação na Vivo deve ser feito.
E isso passa por deixar a Telefónica ir para os braços da Telecom Italia?
A Telefónica é uma empresa globalizante e tem tendência para as grandes concentrações. É um grande actor planetário em termos do seu posicionamento estratégico e tem tendência para adquirir outras empresas. A PT não tem essa vocação nem dimensão, temos de ser realistas. Agora, a Telefónica resolveu, nessa ambição de crescer, juntar-se à Telecom Italia, para, no fundo, ter um posicionamento mais importante no Brasil. A Telecom Italia também está no Brasil, e estão criadas algumas indefinições que têm de ser resolvidas, quer pela autoridade de regulação brasileira quer pelo Governo italiano, e que nos ultrapassam.
Nesse caso da Telefónica e da necessidade que tem de crescer adquirindo, teme que possa existir uma OPA sobre a PT?
No dia em que a golden share deixar de existir, o risco de uma OPA sobre a PT é fortíssimo. E aí o fundamental é que os accionistas da PT, os accionistas portugueses da PT, se mantenham unidos e sólidos na sua estratégia de defesa do interesse…
E que o Estado mantenha a golden share?
A golden share, julgo que vai acabar, indiscutivelmente, porque isso hoje é contra as regras da União Europeia. O processo está a evoluir, e acredito que isso é inexorável. Agora, o Estado tem uma participação, através da Caixa, e essa participação é que é importante que se mantenha e que possa vir a reforçar-se, eventualmente com as de outros grupos portugueses.
Como é que o presidente do BES, o maior accionista da Portugal Telecom, observou a polémica à volta do negócio PT/TVI, das audições que se seguiram na Comissão de Ética e que agora vão seguir-se na Comissão de Inquérito?
Não estou directamente no conselho da PT. Temos dois administradores em 22. Portanto, temos lá dois membros do BES não executivos, e seguimos muito de perto tudo o que acontece na PT. Também devo dizer que, desde a privatização, a PT teve como ambição um dia estar ligada a uma televisão…
Conhecia o negócio?
Deixe-me falar: o que sei é o que está nos genes da PT há muitos anos. E se perguntar ao primeiro presidente, logo após a privatização, que julgo que foi o Francisco Murteira Nabo, ele é capaz de lhe confirmar isto. A PT desde sempre esteve a olhar para a televisão.
Então, mesmo com a polémica política, o negócio devia ter sido feito?
Vocês são homens dos media, sabem o que significa o TMT [tecnologia, media e telecomunicações]. O TMT hoje é um conceito que está a ser posto em prática no mundo inteiro. Portanto, a PT tinha de estar ligada a uma televisão, por maioria de razão a partir do momento em que se separou da PTM, hoje ZON. Aliás, a PT foi imediatamente desenvolver o MEO e precisa de conteúdos! Há muitos anos que a PT olha para as televisões, e devo dizer que aqui no nosso país já falou praticamente com todas! Não posso deixar de referir que para mim não é surpresa esse interesse que apareceu de repente pela TVI, uma vez que os espanhóis quiseram pôr a posição à venda. Mas o que não gostei naturalmente foi de ver a evolução que esta situação provocou. Não acompanhei o assunto directamente, mas soube muito cedo, pelos nossos administradores presentes no conselho de administração, que na discussão em que foi posta a hipótese de somar uma participação na TVI, já no final da agenda desse dia do conselho, o presidente do conselho foi determinante ao dizer que a operação não se devia fazer. Fui informado pelos nossos administradores, porque é que, naquela altura, era uma oportunidade péssima para se poder fazer isso, e se veio a configurar depois nesta situação que todos conhecem. Não conheço mais detalhes da operação.
Um dos grandes temas do debate político são os prémios atribuídos a gestores de empresas em que o Estado tem uma participação. Acha excessivos os prémios de Zeinal Bava, da PT, ou de António Mexia, da EDP?
Esta crise bateu muito forte, criou estragos nas economias de uma maneira transversal. Não só em Portugal, na Europa toda, nos Estados Unidos. Criou um desemprego nunca visto. Poderemos hoje ter a certeza de que esta foi a crise económica mais forte dos últimos cem anos, mais do que a de 1929. Todos os mercados estão em estado de choque. Este problema das participações nos lucros e dos bónus está a ser discutido em toda a parte. O nosso país é pequeno, há muito poucas grandes empresas. As pessoas que estão à frente dessas empresas têm, de facto, de ter estratégias correctas, execução correcta dessas estratégias e, ainda por cima, de procurar levar essas empresas para o mundo exterior, em concorrência com outras empresas muito maiores que pagam muito mais em relação ao que elas ganham em Portugal. Aquilo que pode parecer escandaloso em Portugal não é escandaloso em muitos outros países europeus. Mas hoje está tudo a ser contestado. Por isso, nós temos de pensar que, como esta crise foi muito má em termos do problema que criou às famílias, às pessoas, [é natural que] este problema venha à tona e esteja a ser discutido publicamente e que crie de facto problemas complicados.
O BES, por exemplo, está a estudar a redução de 5% para 2% do prémio anual que paga aos seus administradores...
O BES nunca foi, do sistema bancário, aquele que pagou mais. Nós, aliás, éramos o terceiro em termos dos níveis de pagamentos. O que aconteceu foi que, de facto, os resultados do BES foram resistentes e continuaram a crescer. De repente somos hoje no sistema bancário aqueles que pagamos mais, só porque tivemos mais resultados. Aquilo que as empresas são capazes de criar em termos de valor para os accionistas - e, no caso que estava a referir das empresas públicas, para o Estado também - tem de ser tido em conta e é comparável com as grandes organiza-ções internacionais. Compreendo a sensibilidade do problema, que é agudo e está a ser discutido em toda a parte na Europa e nos EUA. Provavelmente, vai chegar-se a uma solução de bom senso. Agora, estas remunerações que estão a ser pagas já foram aprovadas em anos anteriores, e julgo que, no caso da EDP, houve uma concentração pelo facto de a parte diferida cair também neste exercício de 2009.
Entende, então, que esses prémios deviam adequar-se melhor aos tempos que vivemos?
Temos de ter essa consciência, sem dúvida.
A tributação sobre os bónus e os prémios da banca é a partir deste Orçamento mais gravosa para quem trabalha na banca. Devia ser aplicada às empresas em que o Estado tem participações? A banca não gostou de ser discriminada negativamente.
O que acontece é que o Estado é concorrente. Nós, quando estamos no mercado, também concorremos com instituições do Estado e, portanto, o Estado, se quiser contratar os melhores elementos para as suas empresas, vai ter de ter isso em consideração. Mas é uma decisão do accionista Estado.
Estamos numa crise profunda e é preciso corrigir rapidamente o défice. Portanto, o Estado está a diminuir a intensidade do apoio à economia. Acha que é cedo de mais para travar essas ajudas do Estado à economia real?
Vou falar da situação portuguesa: nós tivemos aqui um período, de 2005 a 2008, em que o Governo fez um esforço positivo e construtivo ao trazer novamente o défice de Portugal para baixo dos 3%. O drama foi 2009, que tem que ver com uma queda abrupta da receita fiscal. É claro que a despesa pública é importantíssima e já está a ser equacionada dentro do PEC [Programa de Estabilidade e Crescimento]. Mas a receita teve uma queda abrupta e não foi o senhor ministro das Finanças que se enganou! Ele, aliás, disse: "Posso enganar-me, mas não engano ninguém." Os nossos economistas - que não são políticos - dentro do banco mantiveram aquele objectivo do défice de 2009 em 5,9% até muito tarde, eu diria até Setembro! E depois estavam de acordo que não deveria ser superior a 8%! Surpreendeu toda a gente quando vimos o défice acima dos 9%, foi terrível.
A crise explica tudo?
Explica uma boa parte. Agora, não há dúvida de que os Estados europeus foram impulsionados no aumento da despesa pública e da intervenção na economia pela própria Comissão Europeia! Não nos podemos esquecer de que a CE, no auge da crise, afirmava sistematicamente que os Estados tinham de intervir para relançar a economia. E a intervenção acabou no agravamento brutal dos défices dos países europeus. E agora, de repente, toda a gente acorda com um nível de endividamento demasiado alto, querem trazer já esse nível de endividamento até 2013 para níveis mais compatíveis. Logo, por curiosidade, os franceses disseram que só em 2014!
Acredita que, em 2013, nós atingimos os objectivos?
Já manifestei isso publicamente várias vezes, acredito muito neste ministro das Finanças. Aliás, já deu provas, de 2005 a 2008. E se ele estabeleceu um programa para estarmos em 2013 com aquele nível de défice, é porque acredita que é possível
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Entrevista com Luís Ramos
Entrevista com Luís Ramos
Políticas para Norte falham mudança nas empresas
Os planos de desenvolvimento do Norte não mudaram a sua economia e não é claro, hoje, qual o melhor caminho a seguir. Para as pessoas esta pode ser mais uma década perdida, teme Luís Ramos.
Além da estagnação do Centro, só o Norte perdeu terreno, face à União Europeia. Foi uma década perdida?
É sinal da perda de potencial exportador e de uma estrutura produtiva concentrada em poucos sectores, de mão-de-obra barata e sem acrescentar valor. Mas não sei se é uma década de políticas falhadas. O que teria acontecido sem elas? Serviram para injectar dinheiro nas indústrias tradicionais, dar-lhes uma almofada, mas não para substituir a estrutura tradicional, quer modernizando esses sectores quer permitindo a emergência de novos.
Quer-se que a economia se baseie no conhecimento. É bom caminho?
O Norte perdeu centros de decisão e, com eles, também todo o tipo de actividade de conhecimento que dependia desses centros. Além disso, a aposta na extensão de valor, dentro dos sectores tradicionais (que foi uma boa ideia) só teve sucesso parcial, no calçado e em alguns exemplos do têxtil, vestuário e moldes. Mas foi claramente insuficiente para substituir a estrutura tradicional e empregar os muitos milhares de pessoas que ainda subsistem no modelo antigo.
O que fazer às gerações de trabalhadores sem qualificações e já no desemprego ou em empresas que correm o risco de fechar?
Podemos investir em formação, mas formação em quê? Tenho dúvidas sobre quais os sectores que a economia do Norte pode suportar, mas acredito que deve ser diversificada. O agro-alimentar poderia ser uma boa aposta e o vinho tem feito um esforço notório.
Alexandra Figeuria in JN, 2010-04-12
Políticas para Norte falham mudança nas empresas
Os planos de desenvolvimento do Norte não mudaram a sua economia e não é claro, hoje, qual o melhor caminho a seguir. Para as pessoas esta pode ser mais uma década perdida, teme Luís Ramos.
Além da estagnação do Centro, só o Norte perdeu terreno, face à União Europeia. Foi uma década perdida?
É sinal da perda de potencial exportador e de uma estrutura produtiva concentrada em poucos sectores, de mão-de-obra barata e sem acrescentar valor. Mas não sei se é uma década de políticas falhadas. O que teria acontecido sem elas? Serviram para injectar dinheiro nas indústrias tradicionais, dar-lhes uma almofada, mas não para substituir a estrutura tradicional, quer modernizando esses sectores quer permitindo a emergência de novos.
Quer-se que a economia se baseie no conhecimento. É bom caminho?
O Norte perdeu centros de decisão e, com eles, também todo o tipo de actividade de conhecimento que dependia desses centros. Além disso, a aposta na extensão de valor, dentro dos sectores tradicionais (que foi uma boa ideia) só teve sucesso parcial, no calçado e em alguns exemplos do têxtil, vestuário e moldes. Mas foi claramente insuficiente para substituir a estrutura tradicional e empregar os muitos milhares de pessoas que ainda subsistem no modelo antigo.
O que fazer às gerações de trabalhadores sem qualificações e já no desemprego ou em empresas que correm o risco de fechar?
Podemos investir em formação, mas formação em quê? Tenho dúvidas sobre quais os sectores que a economia do Norte pode suportar, mas acredito que deve ser diversificada. O agro-alimentar poderia ser uma boa aposta e o vinho tem feito um esforço notório.
Alexandra Figeuria in JN, 2010-04-12
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PEC: "Em 2013 vamos estar pior do que hoje"
PEC: "Em 2013 vamos estar pior do que hoje"
por EVA CABRAL
Hoje
Diogo Leite Campos, vice-presidente de Passos Coelho, é liminar na recusa de cortes nas deduções. E diz que há alternativas, como "ir buscar aos tribunais receitas que o Estado não cobra". O fiscalista critica o PEC, "que vai ser pago pela classe média e média baixa" e denuncia a técnica do actual Governo: "Vamos pensar o hoje, o amanhã logo se verá".
O PSD tem dito que a política fiscal está a matar a classe média. Porquê?
Temos uma carga fiscal que está acima da média da UE para um país que é particularmente pobre, e que precisa de uma carga fiscal mais baixa, não só para o bem-estar das famílias como para a competitividade das empresas. E não é só a carga fiscal que é nociva: as demoras da administração a liquidar impostos e as liquidações em massa, completamente ilegais, que levam a que a Administração perca cerca de 60% dos processos em tribunal, também são negativas.
No ano passado, a arrecadação do IVA teve um mergulho de mais de 19%. Ou seja, a evasão pode ter subido muito. É o reverso da política fiscal que temos?
Nos anos oitenta, falando com o ministro das Finanças da altura, quando ele se queixava da falta de receita, dizia-lhe que aumentasse o imposto de transacções sobre o uísque, que era a medida comum. Respondia-me que não podia, pois por cada ponto de aumento a evasão fiscal aumentava dois.
O que pressiona a evasão fiscal?
A necessidade que as famílias e as empresas têm de se financiarem através do não pagamento de impostos. É reprovável, mas é uma verdade. Depois, a falta de confiança dos agentes no futuro político e económico do País. Não acreditam, não têm confiança, não consomem, e fazem evasão fiscal. Finalmente, um terceiro aspecto: nos últimos anos, o Governo financiou-se não só pela receita dos impostos como também pela cobrança da dívida executiva que estava nas repartições de finanças. Isso representou uma parcela significativa das receitas do Estado que em 2009 estava esgotada.
Acabou por ser uma receita extraordinária?
Sem dúvida. É por isso que eu digo que hoje, com um bocado de imaginação, escusávamos de estar a sobrecarregar as famílias e as empresas com os impostos e podíamos ir buscar aos tribunais receitas que lá estão paradas e que o Estado não cobra. Não tenho números e ninguém tem, mas estou convencido de que estão parados nos tribunais treze ou catorze mil milhões de euros de impostos. Se fosse possível resolver esses casos em dois ou três anos, o Estado iria cobrar em princípio cerca de seis mil milhões de euros e isto já era uma balão de oxigénio significativo. Mas tradicionalmente é mais fácil subir impostos do que ir cobrar os impostos nos tribunais ou nas repartições de finanças.
Portugal tem assimetrias de distribuição de rendimentos e sete escalões de IRS. Deve mudar?
A mim choca-me que os mais pobres, os mais desfavorecidos, sejam sobrecarregados com taxas de impostos elevadíssimos sobre rendimentos que em nenhum país europeu são tributáveis. Nas classes de mais altos rendimentos trata- -se do mesmo modo quem tem por mês ou dez mil euros ou um milhão. É perfeitamente injusto. No máximo, devíamos ter quatro taxas de IRS. A introdução de alguma justiça fiscal no IRS até pode implicar a perda de receitas. Mas tem de se fazer um esforço nesse sentido, e não confundir a classe média com a classe alta, que é tratada como se de média se tratasse.
Como vê a tributação das mais-valias das acções?
Os países estão em estreito contacto económico e financeiro e nenhum se pode dar ao luxo de tributar mais do que o vizinho. Todos tentam que a sua economia, através do factor fiscal, seja competitiva. Em matéria de tributação do capital, quer nos custe quer não, temos de ser competitivos. Diria que sou pela tributação das mais--valias da bolsa, desde que me provem que essa tributação mantém a economia portuguesa competitiva, o que não foi feito. Se não se acautelar esse factor, a tributação leva à fuga de capitais, ao desemprego e à pobreza.
É necessário realismo fiscal?
Não podemos continuar a apresentar as necessidades do Estado à vontade e depois criar e cobrar impostos. Temos primeiro de ver o imposto que podemos cobrar, atendendo à situação económica, financeira e social do País, e só depois adaptar as necessidades a esses impostos. Ou seja, continuamos a sangrar a população e as empresas em benefício de objectivos fixados muitas vezes com total indiferença pela classe política.
O PEC é uma carta de intenções. Considera-o credível?
Considero o PEC credível, por acreditar na honestidade e na competência técnica das pessoas que o fizeram. Mas se olhar só para o documento não considero muito credível, pois não pressupõe qualquer política de desenvolvimento, apesar de assentar no crescimento do PIB como que por milagre. E sobre a justiça social deixa muito a desejar, pois o PEC é para ser largamente pago pela classe média e média baixa. O PEC não vai levar o País a lado nenhum, e em 2013 vamos estar pior do que hoje.
O OE de 2010 prevê reduzir o défice em um ponto percentual. Chega?
É a técnica do actual Governo: vamos pensar o hoje, o amanhã logo se verá. Pessimistas quanto ao presente e optimistas quanto ao futuro.
In DN
por EVA CABRAL
Hoje
Diogo Leite Campos, vice-presidente de Passos Coelho, é liminar na recusa de cortes nas deduções. E diz que há alternativas, como "ir buscar aos tribunais receitas que o Estado não cobra". O fiscalista critica o PEC, "que vai ser pago pela classe média e média baixa" e denuncia a técnica do actual Governo: "Vamos pensar o hoje, o amanhã logo se verá".
O PSD tem dito que a política fiscal está a matar a classe média. Porquê?
Temos uma carga fiscal que está acima da média da UE para um país que é particularmente pobre, e que precisa de uma carga fiscal mais baixa, não só para o bem-estar das famílias como para a competitividade das empresas. E não é só a carga fiscal que é nociva: as demoras da administração a liquidar impostos e as liquidações em massa, completamente ilegais, que levam a que a Administração perca cerca de 60% dos processos em tribunal, também são negativas.
No ano passado, a arrecadação do IVA teve um mergulho de mais de 19%. Ou seja, a evasão pode ter subido muito. É o reverso da política fiscal que temos?
Nos anos oitenta, falando com o ministro das Finanças da altura, quando ele se queixava da falta de receita, dizia-lhe que aumentasse o imposto de transacções sobre o uísque, que era a medida comum. Respondia-me que não podia, pois por cada ponto de aumento a evasão fiscal aumentava dois.
O que pressiona a evasão fiscal?
A necessidade que as famílias e as empresas têm de se financiarem através do não pagamento de impostos. É reprovável, mas é uma verdade. Depois, a falta de confiança dos agentes no futuro político e económico do País. Não acreditam, não têm confiança, não consomem, e fazem evasão fiscal. Finalmente, um terceiro aspecto: nos últimos anos, o Governo financiou-se não só pela receita dos impostos como também pela cobrança da dívida executiva que estava nas repartições de finanças. Isso representou uma parcela significativa das receitas do Estado que em 2009 estava esgotada.
Acabou por ser uma receita extraordinária?
Sem dúvida. É por isso que eu digo que hoje, com um bocado de imaginação, escusávamos de estar a sobrecarregar as famílias e as empresas com os impostos e podíamos ir buscar aos tribunais receitas que lá estão paradas e que o Estado não cobra. Não tenho números e ninguém tem, mas estou convencido de que estão parados nos tribunais treze ou catorze mil milhões de euros de impostos. Se fosse possível resolver esses casos em dois ou três anos, o Estado iria cobrar em princípio cerca de seis mil milhões de euros e isto já era uma balão de oxigénio significativo. Mas tradicionalmente é mais fácil subir impostos do que ir cobrar os impostos nos tribunais ou nas repartições de finanças.
Portugal tem assimetrias de distribuição de rendimentos e sete escalões de IRS. Deve mudar?
A mim choca-me que os mais pobres, os mais desfavorecidos, sejam sobrecarregados com taxas de impostos elevadíssimos sobre rendimentos que em nenhum país europeu são tributáveis. Nas classes de mais altos rendimentos trata- -se do mesmo modo quem tem por mês ou dez mil euros ou um milhão. É perfeitamente injusto. No máximo, devíamos ter quatro taxas de IRS. A introdução de alguma justiça fiscal no IRS até pode implicar a perda de receitas. Mas tem de se fazer um esforço nesse sentido, e não confundir a classe média com a classe alta, que é tratada como se de média se tratasse.
Como vê a tributação das mais-valias das acções?
Os países estão em estreito contacto económico e financeiro e nenhum se pode dar ao luxo de tributar mais do que o vizinho. Todos tentam que a sua economia, através do factor fiscal, seja competitiva. Em matéria de tributação do capital, quer nos custe quer não, temos de ser competitivos. Diria que sou pela tributação das mais--valias da bolsa, desde que me provem que essa tributação mantém a economia portuguesa competitiva, o que não foi feito. Se não se acautelar esse factor, a tributação leva à fuga de capitais, ao desemprego e à pobreza.
É necessário realismo fiscal?
Não podemos continuar a apresentar as necessidades do Estado à vontade e depois criar e cobrar impostos. Temos primeiro de ver o imposto que podemos cobrar, atendendo à situação económica, financeira e social do País, e só depois adaptar as necessidades a esses impostos. Ou seja, continuamos a sangrar a população e as empresas em benefício de objectivos fixados muitas vezes com total indiferença pela classe política.
O PEC é uma carta de intenções. Considera-o credível?
Considero o PEC credível, por acreditar na honestidade e na competência técnica das pessoas que o fizeram. Mas se olhar só para o documento não considero muito credível, pois não pressupõe qualquer política de desenvolvimento, apesar de assentar no crescimento do PIB como que por milagre. E sobre a justiça social deixa muito a desejar, pois o PEC é para ser largamente pago pela classe média e média baixa. O PEC não vai levar o País a lado nenhum, e em 2013 vamos estar pior do que hoje.
O OE de 2010 prevê reduzir o défice em um ponto percentual. Chega?
É a técnica do actual Governo: vamos pensar o hoje, o amanhã logo se verá. Pessimistas quanto ao presente e optimistas quanto ao futuro.
In DN
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Alberto João Jardim - «O PSD não tem juízo!»
Alberto João Jardim - «O PSD não tem juízo!»
por JOÃO CÉU E SILVA, fotografia GUSTAVO BOM Global/Imagens
Quando se explica ao presidente do Governo Regional da Madeira os temas da entrevista, a resposta corta qualquer dúvida pela raiz: «Pergunte o que quiser.»
É o género de afirmação que o entrevistador gosta de ouvir e de, durante o diálogo, ver como é que Jardim reage às questões mais inesperadas. Umas vezes faz um breve silêncio para encaixar a pergunta, outras ajeita-se na cadeira e pesa as palavras e, quando acha que foi longe de mais e que pode haver uma suavização das suas palavras, aponta o dedo para o gravador e avisa: «Isto é para sair mesmo como eu disse.» Certo, senhor presidente, será feita a sua vontade e quem se sentir ofendido que reclame directamente para a Quinta da Vigia.
DA VARANDA DO PALÁCIO vê-se o «jardim» que Alberto João, o eterno presidente do Governo Regional, controla há mais de três décadas. Chamam-lhe Madeira e também Pérola do Atlântico, tem hotéis por todo o lado, está furada por dezenas de túneis ligados a viadutos como um queijo suíço e o povo vota sempre nele. Por isso ninguém lhe faz frente na ilha, não teme o Governo da República e aprecia brincar com os primeiros-ministros e presidentes da República que os continentais elegem. Todos sabem que o seu PSD tem o pé bem firme em cada metro quadrado da ilha e que nada se faz sem a sua aprovação, mas ninguém lhe encontra os escândalos que envolvem a classe política portuguesa nem lhe apontam um enriquecimento por favorecer interesses.
Este fim-de-semana, Jardim recebe José Sócrates, o seu mais recente amigo, que se desloca à região para participar da Festa da Flor, em solidariedade com a tragédia que se abateu em Fevereiro sobre a Madeira. Na semana passada falhou o congresso que entronizava o novo presidente social-democrata. São dois passos da última cartada que joga antes de se reformar de uma vida em grande parte dedicada à política, desde que em Maio de 1974 foi um dos fundadores do PPD.
Administra a Madeira a partir de um palácio onde os turistas entram sem pedir autorização, tiram fotografias para recordar o momento e podem abordar Alberto João Jardim ao cruzarem-se com ele. Faz questão de ter o portão sempre aberto e não esconde o que lhe vai na alma logo na sala onde se aguarda pela hora de subir ao seu gabinete. Nessa sala estão posters, cartões e fotografias espalhados pela parede que entretêm a breve espera.
O primeiro que chama a atenção é um postal de boas-festas que tem a assinatura de José Sócrates. Seguem-se outros cartões, com frases: «Tenho sempre razão»; «Vida longa aos inimigos para que assistam de pé à minha vitória»; «Porquê questionar? Deixem-me seguir o meu próprio caminho» ou «Mais tarde ou mais cedo os visionários provaram ser verdadeiros realistas».
Esta última máxima é do antigo chanceler alemão Helmut Kohl, as anteriores são ditados populares, frases que interpretam o instinto político matador e os ideários de governabilidade de João Jardim, também expostos em fotografias inesperadas como uma em que surge com a bandeira do Partido Comunista Português nas mãos. No final do encontro, enquanto se passeia pelos jardins do palácio, dirá uma frase que sustenta a sua orientação económica: «Salazar defendia o equilíbrio orçamental. Viu-se o resultado em Abril de 1974.»
Alberto João Jardim acabou de almoçar mas não lhe falta apetite para a sobremesa. Coloca na ementa a «inexistente» oposição madeirense, o velho e o novo PSD de Pedro Passos Coelho, o apoio à reeleição de Cavaco Silva e a candidatura de Manuel Alegre, entre outras questões polémicas. O presidente do Governo Regional vai provando as sugestões do cardápio mas acaba por degustar com mais prazer os pratos fortes e polémicos. De lado fica a obstinação de Sócrates em legalizar o casamento gay com o argumento de que não vai estragar a convergência que neste momento é necessária para discutir a questão mas evita considerá-la uma garotice porque, diz, «cada um tem as suas ideias e valores».
Quando se lhe faz a pergunta que está dentro da cabeça de todos os portugueses – se alguma vez alguém o vai meter na ordem? – a resposta é desabrida: «Espero que Nosso Senhor Jesus Cristo, quando eu chegar ao céu. Porque senão vai ser uma marabunta lá para cima.»
Sai da tragédia que ocorreu na Madeira em Fevereiro com um novo fôlego. Porquê?
Sim, reconheço que a adrenalina subiu porque é um desafio enorme que tenho de vencer. Primeiro pelo imprevisto, depois pela dimensão do que é preciso fazer. Não é por acaso que os médicos me dizem que a minha melhor forma física é quando faço eleições!
Naqueles dias estava mais tenso e preocupado do que o normal?
Não era para menos.
Foi um dos momentos da sua vida mais...
Mais duros de enfrentar. É uma ocasião em que perdemos o direito a chorar ou lamentar, temos de demonstrar força, autoridade, capacidade e velocidade de decisão. Nessas alturas, se queremos queixar-nos é com nós próprios e junto da almofada.
Neste novo presidente pós-temporal também se nota uma alteração em relação ao primeiro-ministro da República. É para durar?
Não há um novo presidente pós-temporal. Há uma pessoa que, conforme as responsabilidades que lhe estão atribuídas, tem obrigação de actuar em função das circunstâncias novas sem pôr de parte a ideologia e os valores em que acredito. Há, de facto, uma convergência com o primeiro-ministro nos esforços para reabilitar a Madeira e, também, em tudo aquilo em que eu possa ajudar o Estado a não ser perturbado em termos de comprometer o auxílio à Madeira.
Mas aceitou um entendimento diferente do que era habitual?
Perante a disponibilidade que o primeiro-ministro revelou seria absolutamente imoral da minha parte não saber corresponder.
Até disse: «Serei aliado do engenheiro Sócrates nem que seja contra o PSD.»
Não era a primeira vez. A minha concepção da vida política define-se do seguinte modo: a Madeira é o meu partido e Portugal a minha pátria. Repare que não digo Estado ou país, digo pátria. A Madeira é o meu partido e Portugal a minha pátria. Os partidos políticos em si são instrumentos para eu concretizar o que entendo dever ser o meu serviço à Madeira e à pátria, a partir daqui é só tirar as consequências.
Não é a primeira vez que está em desacordo com o PSD!
Estar em desacordo não significa conspirar. É a coisa mais natural no mundo democrático haver pessoas que são do topo do partido e discordam do líder ou da direcção política nacional. Isto não tem nada de dramático, só em Portugal é que se fazem dramas com estas pequenas coisas. Quando Cavaco Silva escolheu Freitas do Amaral para candidato a Presidente da República eu apoiei Mário Soares por razões que então dei; quando Cavaco apoiou Soares eu não apoiei ninguém e não votei em Soares. Tem havido comportamentos autónomos porque o partido [na Madeira] é autónomo nos estatutos do PSD e as decisões que visem a região são tomadas autonomamente. Não estou a defender partidos regionais – obviamente uma constituição democrática não proíbe partidos de qualquer tipo ou é indecorosa –, nem preciso de criar um assim ou que tenha a sede em Lisboa.
Foi pelo interesse da Madeira que o vimos fazer as pazes com José Sócrates?
Não se trata de fazer pazes, até porque isso dá uma impressão de guerras entre comadres. O que se passou foi uma convergência no interesse nacional, que era recuperar do que se tinha passado numa das parcelas do seu território.
Mas é uma convergência para continuar?
É uma convergência para continuar desde que ninguém quebre os seus compromissos.
José Sócrates terá em si um companheiro durante esta legislatura?
Sim, considero que seria altamente negativo para a Madeira haver instabilidade governativa na República.
Considera, então, que esta legislatura deve ir até ao fim?
Vamos aguardar pelas eleições presidenciais e, também, ver se a situação do país evolui no sentido positivo. Porque, se daqui a um ano estivermos ainda pior do que hoje, o pragmatismo e sobretudo o patriotismo obrigam-nos a uma nova reflexão.
Até porque o poder em Portugal costuma alternar entre o PS e o PSD.
Desculpe, a Madeira é Portugal e aqui não alterna.
É a excepção?
Essa história de se dizer que a alternância é uma regra da democracia não é bem assim, o que é regra da democracia é que se expresse a vontade do povo livremente.
Deixe-me refazer a pergunta…
Não, a pergunta é perfeita! Muitas vezes tem-se acusado a Madeira de défice democrático porque até agora não houve alternância governativa, mas essa é a prova de que a democracia não reside aí senão fazia-se isso por decreto e não era preciso gastar dinheiro em eleições! A democracia reside no povo escolher em liberdade.
Acha que este PSD teria capacidade, no continente, de substituir o actual Governo PS?
(Com esta pergunta confirma-se que a digestão do almoço não perturba Alberto João Jardim. Imediatamente contrapõe que a entrevista poderia ser publicada após o congresso que iria realizar-se no fim-de-semana passado mas que as suas declarações eram feitas por antecipação. Portanto, «se eu dissesse que tem capacidade estava a cair em demagogia». Mas, salvaguarda: «Se eu dissesse que não tinha capacidade também estava a ter má vontade com o rapaz.» Diz-se que com a sua experiência política e o conhecimento que tem de Passos Coelho já terá noção se este PSD poderá ou não ser capaz de ser alternativa no continente. Só então responde.)
Poderei ter sentimentos pessoais para avaliar uma determinada situação, mas como político direi de uma maneira já objectiva que é cedo para poder ter um juízo.
Não foi ao congresso do PSD porque não se justificava?
O anterior era mais importante porque fui um dos que o defenderam em nome da discussão sobre o partido. No entanto, eles foram para lá e nem discutiram coisa nenhuma. Andaram em campanha eleitoral e depois é maria-vai-com-as-outras e já vejo tudo no mesmo cesto. Eu não entro nisso e não quero fazer parte desse espectáculo.
Deu o seu apoio a Paulo Rangel, que foi escolhido por Passos Coelho para ser o cabeça de lista ao Conselho Nacional. Gostou?
Não tenho de gostar ou deixar de gostar! São feitios que eu não tenho.
Paulo Rangel seria o seu homem no PSD?
Desculpe, mas homens não tenho e mulheres só uma, por isso não estou ligado por qualquer vínculo a personalidades do PSD.
Não estranhou que Aguiar-Branco tivesse aceite fazer revisão do programa do PSD?
Eu não percebo o que é rever o programa do PSD. É um partido social-democrata de raiz social cristã que o distingue dos outros partidos da Internacional Socialista cuja matriz é a luta de classes do século XIX. Não estou a ver, portanto, o que é que vão mudar agora no programa do PSD. Serei um dos que não admitirão que se toque nos valores e princípios que trouxeram à fundação, à existência e à vida do PSD em Portugal. Se há intenção de transformar o PSD num partido liberal, pode contar com a minha guerra.
A sua única sugestão é «deixe-o ficar como está»?
Aceito que se veja em função da evolução tecnológica porque é cada vez mais acelerada, ou seja, uma actualização e não uma revisão do programa. As tecnologias evoluíram muito mas as ideologias não tiveram qualquer evolução, pelo contrário, o reaparecimento do neoliberalismo deu o resultado que estamos todos a pagar agora. Os orçamentistas ainda nem se penitenciaram ou perceberam o que têm de fazer para que o mundo recupere e, portanto, se não surgiu nada depois da fundação do PSD que ideologicamente permita contestar alguma coisa no plano dos valores e princípios do partido, não vejo razão para se lhes tocar porque são mais do que actuais! O que apareceu depois é uma autêntica chachada.
No seu íntimo receia que haja uma deriva de liberalismo na revisão?
No meu íntimo já assisti a tudo em Portugal. A um povo inteiro a andar nas ruas contra o primeiro-ministro e a seguir reelegê-lo e a outras coisas mais fantásticas e absurdas. Depois de Durão Barroso ir para Bruxelas assisti a uma vida kafkiana dentro do PSD, parece que só me falta ver um porco andar de bicicleta!
Quanto tempo de liderança dá a Pedro Passos Coelho?
Aquele tempo que a capacidade dele merecer.
Muito raramente tem estado a favor das lideranças do PSD. Como será desta vez?
Uma vez eleito um líder nunca vi a partir da Madeira qualquer conspiração para derrubar os dirigentes nacionais, mesmo às vezes discordando, e estive sempre ao lado deles mesmo quando foram derrotados por concorrentes ao cargo. Nunca me viram meter uma faca nas costas do partido a nível nacional! Discordar é uma coisa, trair é outra. O que se tem passado é: o partido na Madeira é autónomo e, como disse, para mim o que conta é a Madeira e a pátria, os partidos são um instrumento. E quando entendo discordar do partido discordo mesmo, mas não traio.
Manuela Ferreira Leite foi uma excepção na relação consigo?
Fiquei-lhe devedor de duas coisas. Teve a coragem de chamar mentirosas às pessoas que deturpavam a realidade madeirense por razões políticas, pessoais ou até do foro psiquiátrico. Em segundo lugar, deu o grande exemplo de ética política ao perder as eleições porque se atreveu a não dizer apenas aquilo que o povo quer ouvir.
Por que razão não conseguiu aguentar o PSD?
Porque o partido não tem juízo! Há dois anos e meio fui a Lisboa quando eram três os concorrentes: Santana, Ferreira Leite e o Passos Coelho. E disse-lhes: «Pego nisto, faço uma equipa com todas as tendências e ganho ao engenheiro Sócrates. Serão eleições duras e sem politicamente correctos.» A resposta foi se quisesse que me candidatasse e passasse a ser o quarto candidato porque andarem à pancadaria uns com os outros é que era a riqueza do partido. Como não estava para aturar esta gente, peguei na malinha e voltei à Madeira. Passou-se exactamente o mesmo agora com Marcelo Rebelo de Sousa e deram-lhe com os pés porque queriam era mais um à pancada!
Está-se longe do suicídio colectivo apregoado por Pinto Balsemão?
Não me peça para fazer futurologia.
Mesmo com a sua experiência política?
Vou ser franco: com a minha experiência, aquilo que receio, embora esteja atenuado porque também se verifica nos outros partidos, é que o efeito da mediocrização que se deu em Portugal no interior de todos os partidos, sem excepção, possa ter reflexo na estabilidade de todos esses mesmos partidos. Foi uma mediocridade que resultou do progresso do país e que fez que as pessoas se sintam mais aliciadas por outras actividades profissionais que não a política. Também o facto de as pessoas se sentirem vulneráveis na praça pública perante um certo tipo de jornalismo – não digo todo – que se fez e faz em Portugal, através do qual de um momento para o outro, estando inocentes, vêem-se acusadas das coisas mais inqualificáveis. E se há pessoas como eu que têm feitio para andar à porrada, há outras que não o têm. Se os partidos se mediocrizaram, fatalmente a democracia mediocrizou-se e o esforço de qualquer líder nacional terá de ser no sentido de ir buscar os melhores quadros para o bem do país e da qualidade da vida política.
É o chamado rejuvenescimento do PSD, uma nova geração como Passos Coelho, Sócrates ou Portas?
Que eu saiba, eles não são assim tão novos! Esta coisa de chamar renovação geracional aos cinquentões é um pedacito caricato.
(João Jardim aproveita para falar da sua renovação geracional: «Façam como eu fiz no meu segundo governo. Fui buscar gente com vinte e tal anos e todos eles estão na política activa.» Para o presidente, a reforma geracional é uma «panaceia que se arranjou agora» e que significa apenas «saneiem os velhos». É, no seu entender, mais uma forma de se desviar as atenções e dizer que o que conta é a idade e não a qualidade: «É mais um modo de enganar os portugueses» porque «há gente de qualidade muito nova como há gente tonta bastante nova». Ou seja, diz, «é mais um bluff para empurrar o país para a massificação e retirar qualidade à vida política»)
Nem o seu governo precisa de ser rejuvenescido?
Os meus governos têm durado três mandatos com a mesma equipa mas obedeço sempre à regra de um terço de juventude e caras novas. Não há reforma geracional se a par da nova geração não estiver a experiência e a qualidade.
Depois deste temporal, considera que ainda tem muito para dar à Madeira?
Costumo dizer que essas coisas pertencem a Deus – porque sou crente – e ao povo madeirense.
Antes admitira cessar funções em 2011, mas agora refere uma solução intermédia. Qual é?
Essa era a minha hipótese anterior porque antes disto ter sucedido estava tudo encaminhado para já não concorrer nem à direcção do partido nem a presidente do governo. Entretanto, deu-se o que se deu e seria vergonhoso da minha parte, com tanto drama que havia aí, aparecer a dizer «agora amanhem-se que eu daqui a um ano vou-me embora». Não, essa é a altura em que ninguém pode dizer «eu vou abandonar» mas sim de afirmar «atenção, que eu não decidi abandonar!»
Como será então?
As eleições regionais são em Outubro de 2011, temos ano e meio para eu e o partido reflectirmos. Como se diz na Madeira, nada de pôr o carro à frente dos bois. Mas, para já, a palavra sair ou abandonar…
Estão riscadas?
Estão riscadas do vocabulário, até porque há muitas maneiras de estar.
O que quer dizer com uma solução intermédia?
Já disse tudo: há muitas maneiras de estar.
Explique a quem conhece menos a política madeirense…
A Madeira é um sistema parlamentar, como no continente...
Portanto, manter-se-á como deputado?
Isso depois vê-se.
Mas é uma opção?
Há várias hipóteses. Estive a conceber várias hipóteses porque eu raciocino sempre de uma forma militar – opção A, B, C e D – e cheguei à conclusão de que o ideal seria fazer o congresso regional depois da Páscoa de 2011, a cinco meses de eleições regionais, onde será eleita a comissão política que terá pela frente escolher o governo que sairá das eleições de 2011 se o PSD ganhar na Madeira. Terá também de escolher os autarcas, porque há muitos a atingir o final de mandato permitido por lei, e candidatos a outras eleições.
(João Jardim gosta de personalizar a entrevista e ao questioná-lo se tem dúvidas sobre o PSD continuar a ganhar na Madeira faz a seguinte tirada: «Como é que pode não ter dúvidas se não é eleitor na Madeira?» Respondo que a tendência de todas as eleições é no sentido do reforço dos resultados mas a resposta é: «Se eu raciocinasse assim tornava-me um preguiçoso.» Continua o vaivém e digo-lhe que vê-se que aproveitou bem o tempo em que foi oficial de Acção Psicológica na vida militar: «Olhe, eu saí do curso de Direito sabendo pouco e mal, com as teorias todas do senhor tal e do senhor tal que na vida prática valiam zero. De facto devo à minha vida militar ter aprendido muitas coisas.»)
Quem vai ser o seu delfim?
Por definição, enquanto não houver um novo presidente da comissão política regional, Alberto João Jardim é o delfim do Alberto João Jardim. É preciso ver que não sou eu quem vai designar o sucessor, são os militantes do PSD. Foi o primeiro sítio no país onde se fez isto, o voto universal, individual e secreto de todos os militantes. Não me digam que um partido que já está no poder na Madeira desde 1976 ao fim de 34 anos não tem maturidade suficiente para fazer uma mudança de líder na maior paz do mundo.
E a sociedade madeirense vai aceitar essa mudança de líder?
Aí é que está a grande questão. Não é por acaso que me farto de dizer no partido – e era bom que o PSD a nível nacional primeiro se convencesse disto – que quem vota não são os filiados do partido, que elegem direcções partidárias, mas sim o povo soberano. Até podem pintar de ouro o líder que quiserem escolher, quem vai decidir é o povo e ainda bem que assim é.
E o povo vai pedir-lhe opinião ao confrontar-se com a sucessão?
Se o povo me pedir opinião eu terei de ser, porque se trata de umas eleições, solidário com o meu partido. Agora, o povo que me conhece muito bem – até por um simples trejeito de beiços – vai ver se estou convencido do que estou a dizer ou não. O povo vai acreditar no que eu estou dizendo ou não vai acreditar no que eu estou dizendo.
Livre da Madeira, ainda o teremos como candidato a presidente da República?
Eu conheço o princípio de Peter, o que muita gente em Portugal não sabe! Para mim isso é um assunto resolvido! O professor Cavaco deve candidatar-se e eu vou apoiá-lo. Nem sequer me preocupo a pensar nisso. Algumas vezes discordei dele enquanto primeiro-ministro, mas como Presidente só uma vez, quando promulgou a anterior Lei das Finanças Regionais, que era francamente inconstitucional. Não sei se a promulgou em nome daquilo que na altura se chamava de forma engraçadíssima a «cooperação estratégica». De resto, nunca o tive por pessoa irresponsável, pelo contrário, se há pedra que não se lhe pode atirar é a de falta de responsabilidade. E não acredito que, com o sentido de responsabilidade que tem, por vontade própria, alguma vez se recusasse à recandidatura. Não me passa sequer pela cabeça.
Já se aborreceu muito com ele, até lhe chamou senhor Silva.
Desculpe, no avião ninguém o trata por doutor nem por engenheiro. As hospedeiras dizem a toda a gente «senhor tal». Eu aprendi com as hospedeiras.
A sua forma de ser traz-lhe problemas?
Eu acarretei sobre mim ódios históricos em certos sectores da colónia britânica da Madeira. Havendo dois jornais diários na Madeira e um sendo propriedade de empresários britânicos, esse diário bate-me todos os dias desde que em Outubro de 1974 eu assumi a direcção do outro, o Jornal da Madeira, do qual só saí em 1978 para tomar posse como presidente do governo.
Não deve ter gostado da mentira do 1 de Abril que o Diário de Notícias da Madeira fez?
Gostei mais da do Jornal da Madeira, que dizia que o PS já estava a preparar as listas e que o facto de deixar de fora jornalistas e empresários que nos apoiam tinha dado resultado. Vinha lá o nome de todos os jornalistas que eram contra o PSD e que iam fazer parte das listas do PS. E acrescentava que os ingleses, os seus proprietários, só não faziam parte porque cidadãos estrangeiros não podem concorrer às eleições regionais. Penso que esta tem mais piada do que estar há vinte anos a criticar eu usar a residência oficial a que tenho direito no Porto Santo só porque eles, coitados, não têm residência no Porto Santo. A inveja…
O Diário de Notícias da Madeira acaba por ser a sua Manuela Moura Guedes?
Desculpe, mas ela tem mais qualidade. Eu diria até outra coisa, e aí é um elogio que lhes faço porque também sei ver as qualidades dos adversários: a oposição da Madeira é tão medíocre que se o Diário não a fizesse todos os dias, o povo podia dizer que não havia oposição na Madeira! Até porque é o jornal que dá o mote dos assuntos que a oposição depois levanta.
Até o seu «amigo» ministro Santos Silva reclamou sobre os apoios ao Jornal da Madeira.
Foi uma manobra do anterior governo socialista e uma tentativa de fechar toda a imprensa que não fosse da cor do PS. Um assunto, aliás, que hoje está em equação na vida pública portuguesa e não está esclarecido.
Vê-se que não esqueceu o seu tempo de jornalista!
É uma paixão. Tenho dois amores: a política e o jornalismo.
Ainda sonha voltar ao jornalismo?
Por amor de Deus!
Está vacinado contra jornalistas?
Adoro os jornalistas porque preciso de me pegar com eles.
A Festa da Flor serve para mostrar que Alberto João sabe tratar bem do seu jardim?
A floricultura não tem uma grande expressão mas é um sector de venda e de exportação em franca expansão e, como a Madeira é um destino turístico, temos de ter vários eventos programados. A Festa da Flor é um deles.
Como é que convenceu José Sócrates a vir à Festa da Flor?
Tenho muito prazer em que ele venha e compreendo o seu interesse porque vai fazer dois meses que aconteceu o temporal e o primeiro-ministro quererá ver o que é que estes tipos conseguiram fazer. Também o interpreto como um gesto de solidariedade para com o povo da Madeira e, julgo, que se o primeiro-ministro compreender como é que nós aqui trabalhamos também vai ajudar na Lei de Meios que o Governo vai apresentar à Assembleia da República para tratar especificamente da reconstrução na região autónoma.
Sentiram uma solidariedade inesperada do continente?
Não era inesperada, eu sempre disse que não havia um conflito entre a Madeira e o continente mas sim com certos sectores da comunicação social e da classe política.
Quanto mais longe estão do Funchal, mais as pessoas se queixam sobre a demora da recuperação. Porquê este atraso?
Passado o susto, há umas pessoas que se entretêm a reclamar porque antes já reclamavam por outra coisa qualquer. Compreendo que não é agradável estar na situação deles mas, em vez de me refugiar em justificações tontas, vou ser muito franco: a primeira coisa a fazer era limpar o Funchal porque é a primeira imagem da região autónoma. Logo que estava a ser concluída a limpeza do Funchal, foi desviada toda a maquinaria e pessoal para as outras zonas afectadas, e ainda não recebemos apoios do Estado nem da União Europeia.
Para além de encontrar petróleo, o que é que gostaria que acontecesse mais na Madeira?
Não encontrar petróleo! Porque iria servir para um confronto com o Governo da República quando chamasse a si os proventos. Na Madeira já há o petróleo branco porque tem muita água e dentro de cinquenta anos ela será mais cara que o petróleo.
Confissões políticas
«Não teria preconceito em ser primeiro-ministro de uma coligação com o PCP»
Quando se lembra a João Jardim que disse que os partidos comunistas deviam ser eliminados da Constituição a resposta é: «Não foi isso! O que disse foi que se a Constituição andava a proibir indecorosamente qualquer tipo de ideologia, então tinha de proibir as totalitárias. Foi a esquerda que chegou à conclusão de que o Partido Comunista Português (PCP) era totalitário e não eu, que disse exactamente o contrário. A democracia, embora sendo o regime que pelos seus valores éticos e morais tem às vezes certas fragilidades, não tem de ter medo de qualquer tipo de partidos mesmo quando eles são totalitários.»
Não será por acaso que no Palácio está uma fotografia bem à vista onde Jardim segura uma bandeira do PCP. Diz que é uma brincadeira mas que não tem preconceitos sobre o tema: «Se calhar é um pouco escandaloso o que vou dizer, mas eu não teria qualquer preconceito em ser primeiro-ministro de uma coligação que tivesse o Partido Comunista. Agora há uma coisa que garanto, não era eu a fazer a vontade ao PCP, como se via em 1974/75, era o Partido Comunista que tinha que cumprir os compromissos assumidos comigo.» Concorda-se que seria um acordo a necessitar de uma boa vigilância mas isso não preocupa o presidente pois, garante, «não sou de dar água a pintos».
Saindo de cenários hipotéticos, João Jardim recorda situações históricas que se assemelham: «Quando uma coligação de partidos que ia desde o Bloco de Esquerda, Partido Comunista, PSD e CDS – ficando apenas de fora o PS – aprovou a nova Lei das Finanças Regionais, que o Presidente da República promulgou, o que se passou foi como na história recente de Itália – um compromesso storico. Eu alertei que ao fazer-se esse compromisso histórico tinha acabado o mito de que não havia uma alternativa maioritária ao governo minoritário socialista. Claro que isto provocou escândalos e até no Conselho Nacional do PSD, a 12 de Fevereiro, vários elementos da tendência liberal Passos Coelho atacaram-me acusando de querer fazer alianças com o PCP. Estou convencido de que tendo o sistema político da III República falhado só podemos recuperar o país através de um grande compromisso que envolva as bases de todos os partidos e que leve todos a sentirem-se motivados para dar um impulso positivo ao país.» Reafirma: «Como vê, não tenho preconceitos.»
Confissões presidenciais
«Preferia Manuel Alegre a aturar uma tontaria qualquer»
A pergunta é directa: Manuel Alegre nunca será seu candidato? A resposta é mais vaga e percebe-se o porquê: «Eu gosto muito de uma coisa em Manuel Alegre, o facto de rever-me um pouco naquela rebeldia face à disciplina partidária. Identifico-me com ele na defesa sagrada do que é um regime democrático e na maneira libertária de ver a vida.» E na ideologia? «Claro que não me identifico com ele na ideologia política, mas se aparecesse outra pessoa que não o professor Cavaco, e que eu julgasse que ia aturar uma tontaria qualquer, eu era capaz também de considerar essa hipótese.»
Quando se questiona se acha que Alegre pode ser um bom presidente, Jardim é cauteloso: «Tenho muitos amigos poetas. O meu receio é que a condução do Estado não seja compatível com os mecanismos mentais de um poeta.» Mas também escreve romances, replica: «Estou a dizer isto em tom de caricatura, obviamente, porque tenho muito respeito pelos poetas e pelos grandes poetas que Portugal tem. O que quero dizer é que a política é muito “pés na terra” e às vezes um excesso de idealismo pode comprometer a eficiência da política.»
Confissões da juventude
«Ainda hoje, feito velho tonto, adoro recordar-me da vida de estudante em Lisboa e Coimbra.»
Quando se fala dos seus tempos de estudante, inicia-se a pergunta com um «sei que passou dez anos em Coimbra». Alberto João Jardim corta a palavra e repõe a verdade: «É mentira, foram oito. E não foram oito em Coimbra, calma aí. Foram três em Lisboa, onde me diverti à grande e fiz apenas quatro cadeiras do primeiro ano. Os outros cinco, fiz em Coimbra e as duas últimas cadeiras já no regime militar. Claro que a oposição diz sempre dez anos mas são oito.» Fica o acinte da oposição esclarecido apesar de não ter sido essa a intenção.
Pergunta-se onde é que se divertiu mais se em Lisboa ou em Coimbra? «Diverti-me mais em Lisboa, é que a vida boémia de Coimbra é diferente. Na capital não é restrita a qualquer grupo enquanto a boémia de Coimbra está mais fechada nas classes estudantil e da academia.» Passada esta análise, sorri e acaba por se denunciar: «Com o meu feitio, fui bem feliz tanto na boémia de Lisboa como na de Coimbra. E não me arrependo!» Ainda tem mais para dizer: «Se alguma coisa sei hoje devo-o ao tempo passado a ler e a conhecer um pouco do que era o povo e a vida cultural portuguesa. Eu saí da ilha em 1960, de onde só se podia sair de barco e aonde só se vinha duas vezes por ano em férias, e se hoje ainda tem constrangimentos em relação às regiões continentalizadas, o que não seria nessa altura... Ainda hoje, feito velho tonto com 67 anos, adoro recordar-me da vida de Lisboa e de Coimbra enquanto estudante.»
Confissões memorialistas
«Os malucos que eu conheci»
Com uma vida cheia de tantas peripécias, decerto Alberto João Jardim tem matéria para fazer um livro de memórias. Não o pensa escrever porque acha que não vai ter tempo de vida para isso. Considera que tem uma certa despreocupação com a história e a posteridade e tem razão: «Destruí toda a correspondência privada com políticos porque entendo que quando as cartas são privadas nem os meus filhos têm o direito de ver o que é que o senhor A, B ou C me disseram a certa altura.» Após a confissão fica a pensar e acaba por revelar que só o faria «se não fosse uma coisa maçuda». Acrescenta que, a fazê-lo, «seriam contadas com um certo humor». Sugere-se um registo à Eça de Queirós a Jardim, que acaba por revelar o título: «Os malucos que eu conheci.»
Enquanto não tem tempo para escrever as recordações de muitas décadas de política activa, a Fundação Social-Democrata da Madeira comprou a casa onde nasceu para fazer uma Casa-Museu onde João Jardim vai deixar todo o seu espólio. Muitos livros que tem dentro de caixotes que não abriu por falta de espaço na sua casa, comprada «ainda estudante em Coimbra com a herança do meu pai».
In DN
por JOÃO CÉU E SILVA, fotografia GUSTAVO BOM Global/Imagens
Quando se explica ao presidente do Governo Regional da Madeira os temas da entrevista, a resposta corta qualquer dúvida pela raiz: «Pergunte o que quiser.»
É o género de afirmação que o entrevistador gosta de ouvir e de, durante o diálogo, ver como é que Jardim reage às questões mais inesperadas. Umas vezes faz um breve silêncio para encaixar a pergunta, outras ajeita-se na cadeira e pesa as palavras e, quando acha que foi longe de mais e que pode haver uma suavização das suas palavras, aponta o dedo para o gravador e avisa: «Isto é para sair mesmo como eu disse.» Certo, senhor presidente, será feita a sua vontade e quem se sentir ofendido que reclame directamente para a Quinta da Vigia.
DA VARANDA DO PALÁCIO vê-se o «jardim» que Alberto João, o eterno presidente do Governo Regional, controla há mais de três décadas. Chamam-lhe Madeira e também Pérola do Atlântico, tem hotéis por todo o lado, está furada por dezenas de túneis ligados a viadutos como um queijo suíço e o povo vota sempre nele. Por isso ninguém lhe faz frente na ilha, não teme o Governo da República e aprecia brincar com os primeiros-ministros e presidentes da República que os continentais elegem. Todos sabem que o seu PSD tem o pé bem firme em cada metro quadrado da ilha e que nada se faz sem a sua aprovação, mas ninguém lhe encontra os escândalos que envolvem a classe política portuguesa nem lhe apontam um enriquecimento por favorecer interesses.
Este fim-de-semana, Jardim recebe José Sócrates, o seu mais recente amigo, que se desloca à região para participar da Festa da Flor, em solidariedade com a tragédia que se abateu em Fevereiro sobre a Madeira. Na semana passada falhou o congresso que entronizava o novo presidente social-democrata. São dois passos da última cartada que joga antes de se reformar de uma vida em grande parte dedicada à política, desde que em Maio de 1974 foi um dos fundadores do PPD.
Administra a Madeira a partir de um palácio onde os turistas entram sem pedir autorização, tiram fotografias para recordar o momento e podem abordar Alberto João Jardim ao cruzarem-se com ele. Faz questão de ter o portão sempre aberto e não esconde o que lhe vai na alma logo na sala onde se aguarda pela hora de subir ao seu gabinete. Nessa sala estão posters, cartões e fotografias espalhados pela parede que entretêm a breve espera.
O primeiro que chama a atenção é um postal de boas-festas que tem a assinatura de José Sócrates. Seguem-se outros cartões, com frases: «Tenho sempre razão»; «Vida longa aos inimigos para que assistam de pé à minha vitória»; «Porquê questionar? Deixem-me seguir o meu próprio caminho» ou «Mais tarde ou mais cedo os visionários provaram ser verdadeiros realistas».
Esta última máxima é do antigo chanceler alemão Helmut Kohl, as anteriores são ditados populares, frases que interpretam o instinto político matador e os ideários de governabilidade de João Jardim, também expostos em fotografias inesperadas como uma em que surge com a bandeira do Partido Comunista Português nas mãos. No final do encontro, enquanto se passeia pelos jardins do palácio, dirá uma frase que sustenta a sua orientação económica: «Salazar defendia o equilíbrio orçamental. Viu-se o resultado em Abril de 1974.»
Alberto João Jardim acabou de almoçar mas não lhe falta apetite para a sobremesa. Coloca na ementa a «inexistente» oposição madeirense, o velho e o novo PSD de Pedro Passos Coelho, o apoio à reeleição de Cavaco Silva e a candidatura de Manuel Alegre, entre outras questões polémicas. O presidente do Governo Regional vai provando as sugestões do cardápio mas acaba por degustar com mais prazer os pratos fortes e polémicos. De lado fica a obstinação de Sócrates em legalizar o casamento gay com o argumento de que não vai estragar a convergência que neste momento é necessária para discutir a questão mas evita considerá-la uma garotice porque, diz, «cada um tem as suas ideias e valores».
Quando se lhe faz a pergunta que está dentro da cabeça de todos os portugueses – se alguma vez alguém o vai meter na ordem? – a resposta é desabrida: «Espero que Nosso Senhor Jesus Cristo, quando eu chegar ao céu. Porque senão vai ser uma marabunta lá para cima.»
Sai da tragédia que ocorreu na Madeira em Fevereiro com um novo fôlego. Porquê?
Sim, reconheço que a adrenalina subiu porque é um desafio enorme que tenho de vencer. Primeiro pelo imprevisto, depois pela dimensão do que é preciso fazer. Não é por acaso que os médicos me dizem que a minha melhor forma física é quando faço eleições!
Naqueles dias estava mais tenso e preocupado do que o normal?
Não era para menos.
Foi um dos momentos da sua vida mais...
Mais duros de enfrentar. É uma ocasião em que perdemos o direito a chorar ou lamentar, temos de demonstrar força, autoridade, capacidade e velocidade de decisão. Nessas alturas, se queremos queixar-nos é com nós próprios e junto da almofada.
Neste novo presidente pós-temporal também se nota uma alteração em relação ao primeiro-ministro da República. É para durar?
Não há um novo presidente pós-temporal. Há uma pessoa que, conforme as responsabilidades que lhe estão atribuídas, tem obrigação de actuar em função das circunstâncias novas sem pôr de parte a ideologia e os valores em que acredito. Há, de facto, uma convergência com o primeiro-ministro nos esforços para reabilitar a Madeira e, também, em tudo aquilo em que eu possa ajudar o Estado a não ser perturbado em termos de comprometer o auxílio à Madeira.
Mas aceitou um entendimento diferente do que era habitual?
Perante a disponibilidade que o primeiro-ministro revelou seria absolutamente imoral da minha parte não saber corresponder.
Até disse: «Serei aliado do engenheiro Sócrates nem que seja contra o PSD.»
Não era a primeira vez. A minha concepção da vida política define-se do seguinte modo: a Madeira é o meu partido e Portugal a minha pátria. Repare que não digo Estado ou país, digo pátria. A Madeira é o meu partido e Portugal a minha pátria. Os partidos políticos em si são instrumentos para eu concretizar o que entendo dever ser o meu serviço à Madeira e à pátria, a partir daqui é só tirar as consequências.
Não é a primeira vez que está em desacordo com o PSD!
Estar em desacordo não significa conspirar. É a coisa mais natural no mundo democrático haver pessoas que são do topo do partido e discordam do líder ou da direcção política nacional. Isto não tem nada de dramático, só em Portugal é que se fazem dramas com estas pequenas coisas. Quando Cavaco Silva escolheu Freitas do Amaral para candidato a Presidente da República eu apoiei Mário Soares por razões que então dei; quando Cavaco apoiou Soares eu não apoiei ninguém e não votei em Soares. Tem havido comportamentos autónomos porque o partido [na Madeira] é autónomo nos estatutos do PSD e as decisões que visem a região são tomadas autonomamente. Não estou a defender partidos regionais – obviamente uma constituição democrática não proíbe partidos de qualquer tipo ou é indecorosa –, nem preciso de criar um assim ou que tenha a sede em Lisboa.
Foi pelo interesse da Madeira que o vimos fazer as pazes com José Sócrates?
Não se trata de fazer pazes, até porque isso dá uma impressão de guerras entre comadres. O que se passou foi uma convergência no interesse nacional, que era recuperar do que se tinha passado numa das parcelas do seu território.
Mas é uma convergência para continuar?
É uma convergência para continuar desde que ninguém quebre os seus compromissos.
José Sócrates terá em si um companheiro durante esta legislatura?
Sim, considero que seria altamente negativo para a Madeira haver instabilidade governativa na República.
Considera, então, que esta legislatura deve ir até ao fim?
Vamos aguardar pelas eleições presidenciais e, também, ver se a situação do país evolui no sentido positivo. Porque, se daqui a um ano estivermos ainda pior do que hoje, o pragmatismo e sobretudo o patriotismo obrigam-nos a uma nova reflexão.
Até porque o poder em Portugal costuma alternar entre o PS e o PSD.
Desculpe, a Madeira é Portugal e aqui não alterna.
É a excepção?
Essa história de se dizer que a alternância é uma regra da democracia não é bem assim, o que é regra da democracia é que se expresse a vontade do povo livremente.
Deixe-me refazer a pergunta…
Não, a pergunta é perfeita! Muitas vezes tem-se acusado a Madeira de défice democrático porque até agora não houve alternância governativa, mas essa é a prova de que a democracia não reside aí senão fazia-se isso por decreto e não era preciso gastar dinheiro em eleições! A democracia reside no povo escolher em liberdade.
Acha que este PSD teria capacidade, no continente, de substituir o actual Governo PS?
(Com esta pergunta confirma-se que a digestão do almoço não perturba Alberto João Jardim. Imediatamente contrapõe que a entrevista poderia ser publicada após o congresso que iria realizar-se no fim-de-semana passado mas que as suas declarações eram feitas por antecipação. Portanto, «se eu dissesse que tem capacidade estava a cair em demagogia». Mas, salvaguarda: «Se eu dissesse que não tinha capacidade também estava a ter má vontade com o rapaz.» Diz-se que com a sua experiência política e o conhecimento que tem de Passos Coelho já terá noção se este PSD poderá ou não ser capaz de ser alternativa no continente. Só então responde.)
Poderei ter sentimentos pessoais para avaliar uma determinada situação, mas como político direi de uma maneira já objectiva que é cedo para poder ter um juízo.
Não foi ao congresso do PSD porque não se justificava?
O anterior era mais importante porque fui um dos que o defenderam em nome da discussão sobre o partido. No entanto, eles foram para lá e nem discutiram coisa nenhuma. Andaram em campanha eleitoral e depois é maria-vai-com-as-outras e já vejo tudo no mesmo cesto. Eu não entro nisso e não quero fazer parte desse espectáculo.
Deu o seu apoio a Paulo Rangel, que foi escolhido por Passos Coelho para ser o cabeça de lista ao Conselho Nacional. Gostou?
Não tenho de gostar ou deixar de gostar! São feitios que eu não tenho.
Paulo Rangel seria o seu homem no PSD?
Desculpe, mas homens não tenho e mulheres só uma, por isso não estou ligado por qualquer vínculo a personalidades do PSD.
Não estranhou que Aguiar-Branco tivesse aceite fazer revisão do programa do PSD?
Eu não percebo o que é rever o programa do PSD. É um partido social-democrata de raiz social cristã que o distingue dos outros partidos da Internacional Socialista cuja matriz é a luta de classes do século XIX. Não estou a ver, portanto, o que é que vão mudar agora no programa do PSD. Serei um dos que não admitirão que se toque nos valores e princípios que trouxeram à fundação, à existência e à vida do PSD em Portugal. Se há intenção de transformar o PSD num partido liberal, pode contar com a minha guerra.
A sua única sugestão é «deixe-o ficar como está»?
Aceito que se veja em função da evolução tecnológica porque é cada vez mais acelerada, ou seja, uma actualização e não uma revisão do programa. As tecnologias evoluíram muito mas as ideologias não tiveram qualquer evolução, pelo contrário, o reaparecimento do neoliberalismo deu o resultado que estamos todos a pagar agora. Os orçamentistas ainda nem se penitenciaram ou perceberam o que têm de fazer para que o mundo recupere e, portanto, se não surgiu nada depois da fundação do PSD que ideologicamente permita contestar alguma coisa no plano dos valores e princípios do partido, não vejo razão para se lhes tocar porque são mais do que actuais! O que apareceu depois é uma autêntica chachada.
No seu íntimo receia que haja uma deriva de liberalismo na revisão?
No meu íntimo já assisti a tudo em Portugal. A um povo inteiro a andar nas ruas contra o primeiro-ministro e a seguir reelegê-lo e a outras coisas mais fantásticas e absurdas. Depois de Durão Barroso ir para Bruxelas assisti a uma vida kafkiana dentro do PSD, parece que só me falta ver um porco andar de bicicleta!
Quanto tempo de liderança dá a Pedro Passos Coelho?
Aquele tempo que a capacidade dele merecer.
Muito raramente tem estado a favor das lideranças do PSD. Como será desta vez?
Uma vez eleito um líder nunca vi a partir da Madeira qualquer conspiração para derrubar os dirigentes nacionais, mesmo às vezes discordando, e estive sempre ao lado deles mesmo quando foram derrotados por concorrentes ao cargo. Nunca me viram meter uma faca nas costas do partido a nível nacional! Discordar é uma coisa, trair é outra. O que se tem passado é: o partido na Madeira é autónomo e, como disse, para mim o que conta é a Madeira e a pátria, os partidos são um instrumento. E quando entendo discordar do partido discordo mesmo, mas não traio.
Manuela Ferreira Leite foi uma excepção na relação consigo?
Fiquei-lhe devedor de duas coisas. Teve a coragem de chamar mentirosas às pessoas que deturpavam a realidade madeirense por razões políticas, pessoais ou até do foro psiquiátrico. Em segundo lugar, deu o grande exemplo de ética política ao perder as eleições porque se atreveu a não dizer apenas aquilo que o povo quer ouvir.
Por que razão não conseguiu aguentar o PSD?
Porque o partido não tem juízo! Há dois anos e meio fui a Lisboa quando eram três os concorrentes: Santana, Ferreira Leite e o Passos Coelho. E disse-lhes: «Pego nisto, faço uma equipa com todas as tendências e ganho ao engenheiro Sócrates. Serão eleições duras e sem politicamente correctos.» A resposta foi se quisesse que me candidatasse e passasse a ser o quarto candidato porque andarem à pancadaria uns com os outros é que era a riqueza do partido. Como não estava para aturar esta gente, peguei na malinha e voltei à Madeira. Passou-se exactamente o mesmo agora com Marcelo Rebelo de Sousa e deram-lhe com os pés porque queriam era mais um à pancada!
Está-se longe do suicídio colectivo apregoado por Pinto Balsemão?
Não me peça para fazer futurologia.
Mesmo com a sua experiência política?
Vou ser franco: com a minha experiência, aquilo que receio, embora esteja atenuado porque também se verifica nos outros partidos, é que o efeito da mediocrização que se deu em Portugal no interior de todos os partidos, sem excepção, possa ter reflexo na estabilidade de todos esses mesmos partidos. Foi uma mediocridade que resultou do progresso do país e que fez que as pessoas se sintam mais aliciadas por outras actividades profissionais que não a política. Também o facto de as pessoas se sentirem vulneráveis na praça pública perante um certo tipo de jornalismo – não digo todo – que se fez e faz em Portugal, através do qual de um momento para o outro, estando inocentes, vêem-se acusadas das coisas mais inqualificáveis. E se há pessoas como eu que têm feitio para andar à porrada, há outras que não o têm. Se os partidos se mediocrizaram, fatalmente a democracia mediocrizou-se e o esforço de qualquer líder nacional terá de ser no sentido de ir buscar os melhores quadros para o bem do país e da qualidade da vida política.
É o chamado rejuvenescimento do PSD, uma nova geração como Passos Coelho, Sócrates ou Portas?
Que eu saiba, eles não são assim tão novos! Esta coisa de chamar renovação geracional aos cinquentões é um pedacito caricato.
(João Jardim aproveita para falar da sua renovação geracional: «Façam como eu fiz no meu segundo governo. Fui buscar gente com vinte e tal anos e todos eles estão na política activa.» Para o presidente, a reforma geracional é uma «panaceia que se arranjou agora» e que significa apenas «saneiem os velhos». É, no seu entender, mais uma forma de se desviar as atenções e dizer que o que conta é a idade e não a qualidade: «É mais um modo de enganar os portugueses» porque «há gente de qualidade muito nova como há gente tonta bastante nova». Ou seja, diz, «é mais um bluff para empurrar o país para a massificação e retirar qualidade à vida política»)
Nem o seu governo precisa de ser rejuvenescido?
Os meus governos têm durado três mandatos com a mesma equipa mas obedeço sempre à regra de um terço de juventude e caras novas. Não há reforma geracional se a par da nova geração não estiver a experiência e a qualidade.
Depois deste temporal, considera que ainda tem muito para dar à Madeira?
Costumo dizer que essas coisas pertencem a Deus – porque sou crente – e ao povo madeirense.
Antes admitira cessar funções em 2011, mas agora refere uma solução intermédia. Qual é?
Essa era a minha hipótese anterior porque antes disto ter sucedido estava tudo encaminhado para já não concorrer nem à direcção do partido nem a presidente do governo. Entretanto, deu-se o que se deu e seria vergonhoso da minha parte, com tanto drama que havia aí, aparecer a dizer «agora amanhem-se que eu daqui a um ano vou-me embora». Não, essa é a altura em que ninguém pode dizer «eu vou abandonar» mas sim de afirmar «atenção, que eu não decidi abandonar!»
Como será então?
As eleições regionais são em Outubro de 2011, temos ano e meio para eu e o partido reflectirmos. Como se diz na Madeira, nada de pôr o carro à frente dos bois. Mas, para já, a palavra sair ou abandonar…
Estão riscadas?
Estão riscadas do vocabulário, até porque há muitas maneiras de estar.
O que quer dizer com uma solução intermédia?
Já disse tudo: há muitas maneiras de estar.
Explique a quem conhece menos a política madeirense…
A Madeira é um sistema parlamentar, como no continente...
Portanto, manter-se-á como deputado?
Isso depois vê-se.
Mas é uma opção?
Há várias hipóteses. Estive a conceber várias hipóteses porque eu raciocino sempre de uma forma militar – opção A, B, C e D – e cheguei à conclusão de que o ideal seria fazer o congresso regional depois da Páscoa de 2011, a cinco meses de eleições regionais, onde será eleita a comissão política que terá pela frente escolher o governo que sairá das eleições de 2011 se o PSD ganhar na Madeira. Terá também de escolher os autarcas, porque há muitos a atingir o final de mandato permitido por lei, e candidatos a outras eleições.
(João Jardim gosta de personalizar a entrevista e ao questioná-lo se tem dúvidas sobre o PSD continuar a ganhar na Madeira faz a seguinte tirada: «Como é que pode não ter dúvidas se não é eleitor na Madeira?» Respondo que a tendência de todas as eleições é no sentido do reforço dos resultados mas a resposta é: «Se eu raciocinasse assim tornava-me um preguiçoso.» Continua o vaivém e digo-lhe que vê-se que aproveitou bem o tempo em que foi oficial de Acção Psicológica na vida militar: «Olhe, eu saí do curso de Direito sabendo pouco e mal, com as teorias todas do senhor tal e do senhor tal que na vida prática valiam zero. De facto devo à minha vida militar ter aprendido muitas coisas.»)
Quem vai ser o seu delfim?
Por definição, enquanto não houver um novo presidente da comissão política regional, Alberto João Jardim é o delfim do Alberto João Jardim. É preciso ver que não sou eu quem vai designar o sucessor, são os militantes do PSD. Foi o primeiro sítio no país onde se fez isto, o voto universal, individual e secreto de todos os militantes. Não me digam que um partido que já está no poder na Madeira desde 1976 ao fim de 34 anos não tem maturidade suficiente para fazer uma mudança de líder na maior paz do mundo.
E a sociedade madeirense vai aceitar essa mudança de líder?
Aí é que está a grande questão. Não é por acaso que me farto de dizer no partido – e era bom que o PSD a nível nacional primeiro se convencesse disto – que quem vota não são os filiados do partido, que elegem direcções partidárias, mas sim o povo soberano. Até podem pintar de ouro o líder que quiserem escolher, quem vai decidir é o povo e ainda bem que assim é.
E o povo vai pedir-lhe opinião ao confrontar-se com a sucessão?
Se o povo me pedir opinião eu terei de ser, porque se trata de umas eleições, solidário com o meu partido. Agora, o povo que me conhece muito bem – até por um simples trejeito de beiços – vai ver se estou convencido do que estou a dizer ou não. O povo vai acreditar no que eu estou dizendo ou não vai acreditar no que eu estou dizendo.
Livre da Madeira, ainda o teremos como candidato a presidente da República?
Eu conheço o princípio de Peter, o que muita gente em Portugal não sabe! Para mim isso é um assunto resolvido! O professor Cavaco deve candidatar-se e eu vou apoiá-lo. Nem sequer me preocupo a pensar nisso. Algumas vezes discordei dele enquanto primeiro-ministro, mas como Presidente só uma vez, quando promulgou a anterior Lei das Finanças Regionais, que era francamente inconstitucional. Não sei se a promulgou em nome daquilo que na altura se chamava de forma engraçadíssima a «cooperação estratégica». De resto, nunca o tive por pessoa irresponsável, pelo contrário, se há pedra que não se lhe pode atirar é a de falta de responsabilidade. E não acredito que, com o sentido de responsabilidade que tem, por vontade própria, alguma vez se recusasse à recandidatura. Não me passa sequer pela cabeça.
Já se aborreceu muito com ele, até lhe chamou senhor Silva.
Desculpe, no avião ninguém o trata por doutor nem por engenheiro. As hospedeiras dizem a toda a gente «senhor tal». Eu aprendi com as hospedeiras.
A sua forma de ser traz-lhe problemas?
Eu acarretei sobre mim ódios históricos em certos sectores da colónia britânica da Madeira. Havendo dois jornais diários na Madeira e um sendo propriedade de empresários britânicos, esse diário bate-me todos os dias desde que em Outubro de 1974 eu assumi a direcção do outro, o Jornal da Madeira, do qual só saí em 1978 para tomar posse como presidente do governo.
Não deve ter gostado da mentira do 1 de Abril que o Diário de Notícias da Madeira fez?
Gostei mais da do Jornal da Madeira, que dizia que o PS já estava a preparar as listas e que o facto de deixar de fora jornalistas e empresários que nos apoiam tinha dado resultado. Vinha lá o nome de todos os jornalistas que eram contra o PSD e que iam fazer parte das listas do PS. E acrescentava que os ingleses, os seus proprietários, só não faziam parte porque cidadãos estrangeiros não podem concorrer às eleições regionais. Penso que esta tem mais piada do que estar há vinte anos a criticar eu usar a residência oficial a que tenho direito no Porto Santo só porque eles, coitados, não têm residência no Porto Santo. A inveja…
O Diário de Notícias da Madeira acaba por ser a sua Manuela Moura Guedes?
Desculpe, mas ela tem mais qualidade. Eu diria até outra coisa, e aí é um elogio que lhes faço porque também sei ver as qualidades dos adversários: a oposição da Madeira é tão medíocre que se o Diário não a fizesse todos os dias, o povo podia dizer que não havia oposição na Madeira! Até porque é o jornal que dá o mote dos assuntos que a oposição depois levanta.
Até o seu «amigo» ministro Santos Silva reclamou sobre os apoios ao Jornal da Madeira.
Foi uma manobra do anterior governo socialista e uma tentativa de fechar toda a imprensa que não fosse da cor do PS. Um assunto, aliás, que hoje está em equação na vida pública portuguesa e não está esclarecido.
Vê-se que não esqueceu o seu tempo de jornalista!
É uma paixão. Tenho dois amores: a política e o jornalismo.
Ainda sonha voltar ao jornalismo?
Por amor de Deus!
Está vacinado contra jornalistas?
Adoro os jornalistas porque preciso de me pegar com eles.
A Festa da Flor serve para mostrar que Alberto João sabe tratar bem do seu jardim?
A floricultura não tem uma grande expressão mas é um sector de venda e de exportação em franca expansão e, como a Madeira é um destino turístico, temos de ter vários eventos programados. A Festa da Flor é um deles.
Como é que convenceu José Sócrates a vir à Festa da Flor?
Tenho muito prazer em que ele venha e compreendo o seu interesse porque vai fazer dois meses que aconteceu o temporal e o primeiro-ministro quererá ver o que é que estes tipos conseguiram fazer. Também o interpreto como um gesto de solidariedade para com o povo da Madeira e, julgo, que se o primeiro-ministro compreender como é que nós aqui trabalhamos também vai ajudar na Lei de Meios que o Governo vai apresentar à Assembleia da República para tratar especificamente da reconstrução na região autónoma.
Sentiram uma solidariedade inesperada do continente?
Não era inesperada, eu sempre disse que não havia um conflito entre a Madeira e o continente mas sim com certos sectores da comunicação social e da classe política.
Quanto mais longe estão do Funchal, mais as pessoas se queixam sobre a demora da recuperação. Porquê este atraso?
Passado o susto, há umas pessoas que se entretêm a reclamar porque antes já reclamavam por outra coisa qualquer. Compreendo que não é agradável estar na situação deles mas, em vez de me refugiar em justificações tontas, vou ser muito franco: a primeira coisa a fazer era limpar o Funchal porque é a primeira imagem da região autónoma. Logo que estava a ser concluída a limpeza do Funchal, foi desviada toda a maquinaria e pessoal para as outras zonas afectadas, e ainda não recebemos apoios do Estado nem da União Europeia.
Para além de encontrar petróleo, o que é que gostaria que acontecesse mais na Madeira?
Não encontrar petróleo! Porque iria servir para um confronto com o Governo da República quando chamasse a si os proventos. Na Madeira já há o petróleo branco porque tem muita água e dentro de cinquenta anos ela será mais cara que o petróleo.
Confissões políticas
«Não teria preconceito em ser primeiro-ministro de uma coligação com o PCP»
Quando se lembra a João Jardim que disse que os partidos comunistas deviam ser eliminados da Constituição a resposta é: «Não foi isso! O que disse foi que se a Constituição andava a proibir indecorosamente qualquer tipo de ideologia, então tinha de proibir as totalitárias. Foi a esquerda que chegou à conclusão de que o Partido Comunista Português (PCP) era totalitário e não eu, que disse exactamente o contrário. A democracia, embora sendo o regime que pelos seus valores éticos e morais tem às vezes certas fragilidades, não tem de ter medo de qualquer tipo de partidos mesmo quando eles são totalitários.»
Não será por acaso que no Palácio está uma fotografia bem à vista onde Jardim segura uma bandeira do PCP. Diz que é uma brincadeira mas que não tem preconceitos sobre o tema: «Se calhar é um pouco escandaloso o que vou dizer, mas eu não teria qualquer preconceito em ser primeiro-ministro de uma coligação que tivesse o Partido Comunista. Agora há uma coisa que garanto, não era eu a fazer a vontade ao PCP, como se via em 1974/75, era o Partido Comunista que tinha que cumprir os compromissos assumidos comigo.» Concorda-se que seria um acordo a necessitar de uma boa vigilância mas isso não preocupa o presidente pois, garante, «não sou de dar água a pintos».
Saindo de cenários hipotéticos, João Jardim recorda situações históricas que se assemelham: «Quando uma coligação de partidos que ia desde o Bloco de Esquerda, Partido Comunista, PSD e CDS – ficando apenas de fora o PS – aprovou a nova Lei das Finanças Regionais, que o Presidente da República promulgou, o que se passou foi como na história recente de Itália – um compromesso storico. Eu alertei que ao fazer-se esse compromisso histórico tinha acabado o mito de que não havia uma alternativa maioritária ao governo minoritário socialista. Claro que isto provocou escândalos e até no Conselho Nacional do PSD, a 12 de Fevereiro, vários elementos da tendência liberal Passos Coelho atacaram-me acusando de querer fazer alianças com o PCP. Estou convencido de que tendo o sistema político da III República falhado só podemos recuperar o país através de um grande compromisso que envolva as bases de todos os partidos e que leve todos a sentirem-se motivados para dar um impulso positivo ao país.» Reafirma: «Como vê, não tenho preconceitos.»
Confissões presidenciais
«Preferia Manuel Alegre a aturar uma tontaria qualquer»
A pergunta é directa: Manuel Alegre nunca será seu candidato? A resposta é mais vaga e percebe-se o porquê: «Eu gosto muito de uma coisa em Manuel Alegre, o facto de rever-me um pouco naquela rebeldia face à disciplina partidária. Identifico-me com ele na defesa sagrada do que é um regime democrático e na maneira libertária de ver a vida.» E na ideologia? «Claro que não me identifico com ele na ideologia política, mas se aparecesse outra pessoa que não o professor Cavaco, e que eu julgasse que ia aturar uma tontaria qualquer, eu era capaz também de considerar essa hipótese.»
Quando se questiona se acha que Alegre pode ser um bom presidente, Jardim é cauteloso: «Tenho muitos amigos poetas. O meu receio é que a condução do Estado não seja compatível com os mecanismos mentais de um poeta.» Mas também escreve romances, replica: «Estou a dizer isto em tom de caricatura, obviamente, porque tenho muito respeito pelos poetas e pelos grandes poetas que Portugal tem. O que quero dizer é que a política é muito “pés na terra” e às vezes um excesso de idealismo pode comprometer a eficiência da política.»
Confissões da juventude
«Ainda hoje, feito velho tonto, adoro recordar-me da vida de estudante em Lisboa e Coimbra.»
Quando se fala dos seus tempos de estudante, inicia-se a pergunta com um «sei que passou dez anos em Coimbra». Alberto João Jardim corta a palavra e repõe a verdade: «É mentira, foram oito. E não foram oito em Coimbra, calma aí. Foram três em Lisboa, onde me diverti à grande e fiz apenas quatro cadeiras do primeiro ano. Os outros cinco, fiz em Coimbra e as duas últimas cadeiras já no regime militar. Claro que a oposição diz sempre dez anos mas são oito.» Fica o acinte da oposição esclarecido apesar de não ter sido essa a intenção.
Pergunta-se onde é que se divertiu mais se em Lisboa ou em Coimbra? «Diverti-me mais em Lisboa, é que a vida boémia de Coimbra é diferente. Na capital não é restrita a qualquer grupo enquanto a boémia de Coimbra está mais fechada nas classes estudantil e da academia.» Passada esta análise, sorri e acaba por se denunciar: «Com o meu feitio, fui bem feliz tanto na boémia de Lisboa como na de Coimbra. E não me arrependo!» Ainda tem mais para dizer: «Se alguma coisa sei hoje devo-o ao tempo passado a ler e a conhecer um pouco do que era o povo e a vida cultural portuguesa. Eu saí da ilha em 1960, de onde só se podia sair de barco e aonde só se vinha duas vezes por ano em férias, e se hoje ainda tem constrangimentos em relação às regiões continentalizadas, o que não seria nessa altura... Ainda hoje, feito velho tonto com 67 anos, adoro recordar-me da vida de Lisboa e de Coimbra enquanto estudante.»
Confissões memorialistas
«Os malucos que eu conheci»
Com uma vida cheia de tantas peripécias, decerto Alberto João Jardim tem matéria para fazer um livro de memórias. Não o pensa escrever porque acha que não vai ter tempo de vida para isso. Considera que tem uma certa despreocupação com a história e a posteridade e tem razão: «Destruí toda a correspondência privada com políticos porque entendo que quando as cartas são privadas nem os meus filhos têm o direito de ver o que é que o senhor A, B ou C me disseram a certa altura.» Após a confissão fica a pensar e acaba por revelar que só o faria «se não fosse uma coisa maçuda». Acrescenta que, a fazê-lo, «seriam contadas com um certo humor». Sugere-se um registo à Eça de Queirós a Jardim, que acaba por revelar o título: «Os malucos que eu conheci.»
Enquanto não tem tempo para escrever as recordações de muitas décadas de política activa, a Fundação Social-Democrata da Madeira comprou a casa onde nasceu para fazer uma Casa-Museu onde João Jardim vai deixar todo o seu espólio. Muitos livros que tem dentro de caixotes que não abriu por falta de espaço na sua casa, comprada «ainda estudante em Coimbra com a herança do meu pai».
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Fazer financiamentos ilícitos a partidos é fácil"[/size]
"Fazer financiamentos ilícitos a partidos é fácil"
por CARLOS RODRIGUES LIMA e DAVID DINIS
Hoje
O estudo que fez com o DCIAP sobre a corrupção provou-lhe uma tese de há muito: que há falta de estratégia e coordenação no combate à corrupção. Mas o sociólogo Luís de Sousa, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, diz que o problema é mais profundo, sobretudo ao nível da legislação sobre financiamento partidário, que está sem fiscalização. E não vê vontade política para resolver o problema.
Freeport, submarinos, Taguspark, "Face Oculta"… o País está em fogo ou é mais fumo?
Há que distinguir dois aspectos: a intensidade do fenómeno e a sua frequência. Quando falamos de alta corrupção, são casos que escandalizam mais a opinião pública - pelo tipo de montantes, pelo tipo de actores, também pelo tipo de processos de decisão, que são extremamente mais complexos. Estes acabam por escandalizar porque há, da parte dos cidadãos, esta concepção, que é natural, idealista do funcionamento da democracia, criando uma discrepância entre os valores, as expectativas e a prática dos actores. Os casos, apenas quatro ou cinco - e digo apenas - que preenchem as manchetes dos jornais, têm um impacto muito mais estruturante na opinião pública do que cem casos, 200 casos de pequena corrupção em cartórios notariais ou o que quer que seja. Esses não fazem manchete, mas continuam a afectar diariamente a vida das pessoas.
Seguindo o estudo que realizou com o DCIAP, é muito difícil levar a julgamento os casos graves.
A repressão da corrupção em Portugal assenta muito na denúncia.
E o Ministério Público não é proactivo.
Está à espera que lhe passem a bola. Há áreas, como a do financiamento político, onde os casos se repetem sempre, assumem o mesmo formato. Aí, por exemplo, convém ser proactivo, fazer uma análise de porque é que existe este risco, porque é que existem estas estruturas de oportunidade, e intervir preventivamente. Nós não estamos aqui única e exclusivamente para reprimir e para enviar culpados para a televisão - não queremos é que existam culpados, que se antecipe a possibilidade da ocorrência deste tipo de situações. Daí que a prevenção não pode andar desassociada da repressão e, infelizmente, no caso português, anda. Aliás, até o modelo que escolheram como resposta ao compromisso que tinham assumido perante a convenção das Nações Unidas foi a opção mais económica: em vez de se optar por uma agência especializada única, com competências de prevenção e repressão, optou-se por ter entidades separadas [criando o Conselho de Prevenção da Corrupção no Tribunal de Contas, no lugar de uma entidade que já existiu com competências semelhantes].
Ou seja, o novo órgão não mudou nada?
Esta opção das entidades separadas é mais económica porque, geralmente, elas já existem. É uma questão de pequenos ajustamentos, umas afinações aqui e ali. O pouco trabalho de prevenção que estava a fazer-se em Portugal era pelo Tribunal de Contas, embora nunca tenha colocado o nome aos bois. Agora esse terreno já está queimado para qualquer outra possível solução, nomeadamente a que se vinha defendendo, que seria a criação de uma nova alta autoridade contra a corrupção.
O que foi feito nos últimos anos é, de alguma forma, inibidor de actos de corrupção? Pressente que há mais atenção?
Não há essa percepção, nem com o Conselho de Prevenção nem com algumas reformas em matéria de branqueamento de capitais. Aquilo que me parece relativamente a muitas medidas que são pensadas e implementadas é que elas não estão articuladas, não há uma estratégia que diga como é que uma funciona com a outra. Por exemplo: cria-se um Conselho e exclui-se a Entidade das Contas desse grupo, quando sabemos que a maior parte dos grandes casos (que neste momento continuam) estão ligados ao financiamento político, fazem parte desse núcleo de ocorrências ou de estruturas de oportunidade para a corrupção que são sistémicas. Não têm a ver com a cunha e com o pequeno tráfico de influências. Estamos numa corrupção que é alta em recursos e que é alta em frequência, cada vez mais alta em frequência. É claro que não vemos isso, mal feito fora se tivéssemos todos os dias nos jornais um novo caso de financiamento ilícito, mas quem está próximo dessa realidade, isto é, membros dos partidos, staffs dos partidos, Entidade das Contas, Comissão Nacional de Eleições - que tinham alguma tradição também nisto e sabem perfeitamente o que se passa -, sabem que basta fazer uma monitorização de gastos de campanha para perceber o quanto é fácil haver financiamentos ilícitos, haver pagamentos de despesas por terceiros, haver favores pagos agora para benefícios a posteriori.
E é fácil descobri-lo?
Não. Não é fácil de provar essa relação entre o donativo ou pagamento de despesas por terceiros agora e os benefícios que eu vou retirar daqui a um ano. Até porque há sempre aquele problema de "eu se calhar apostei no cavalo errado e ele não vai ganhar". Geralmente aqui não acontece, e a nível local acontece muito menos porque há uma previsão muito grande de quem vai ganhar e, portanto, muito do financiamento passa por redes clientelares que estão bastantes cristalizadas a nível local, quer dizer, são as mesmas empresas que negoceiam com a câmara e que vendem praticamente todos os contratos.
Mesmo a nível nacional, é mais fácil ser corrompido quem está no poder?
Os partidos do Governo são mais permeáveis a este tipo de corrupção, claro.
Tem estudado legislação não só portuguesa mas exterior a Portugal. Temos um problema maior do que o que se verifica lá fora?
As opiniões dividem-se tanto... é complexa a questão, não é fácil. Há o problema do número, discute-se sempre o volume da legislação existente, se é muita, se é pouca. Eu, geralmente, fujo do enfoque de volume, concentro-me mais no enfoque da qualidade dos diplomas. O que acontece é que estes processos, o processo de aprovação de uma lei anticorrupção, não é uma questão neutra. Há interesses fortes, e que não têm de ser interesses necessariamente partidários, até podem ser corporativos.
Que conseguem neutralizar as leis?
Discute-se muito a introdução de um novo mecanismo, que vai melhorar o combate à corrupção, etc. E, quando se passa à fase do seu desenho e discussão, começam a cair as peças do puzzle e começa a ficar um instrumento completamente enfraquecido, com uma norma muito forte, mas sem dentes para morder. E isso acontece com muitos diplomas, acontece com a lei do financiamento político, acontece com o controlo da riqueza dos eleitos para cargos públicos, acontece com o crime de tráfico de influências. Ainda que tenha sofrido uma alteração não mudou o estado de coisas - basta ver as estatísticas, não aparece nenhum. Não existe! E, de facto, existe e muito.
Mas também os tribunais passam anos e anos a discutir se aquilo é tráfico de influências ou se é uma cunha...
Exactamente. Há aqui um problema de formação! Enfim, não será a única questão aqui. Há sempre este desespero de trazer algo novo, de procurar olhar a modelos de sucesso. E é muito difícil de definir o que será um modelo de sucesso. Por exemplo, no caso espanhol, não o foi por terem o crime do urbanismo, mas se calhar por terem uma magistratura mais audaz. Se calhar já conseguiam fazer mais sem o crime urbanístico do que a magistratura portuguesa. Eu dou várias vezes o exemplo do caso francês, onde as investigações que estavam a decorrer eram volumes e volumes de processos de financiamento ilícito. E a classe política, perante esta ameaça da magistratura, decidiu lançar uma lei de financiamento em que criou uma cláusula de amnistia, que é uma coisa impensável. É um exemplo de como estas leis são feitas de interesses corporativos. Eu não fiquei surpreendido quando vi a lei de financiamento político, cá, ser aprovada em 2009 por todos os partidos excepto um. Duvido que tenha havido uma lei até hoje que tenha sido aprovada com um consenso tão grande no Parlamento.
O seu estudo para o DCIAP levanta esta dúvida: há um desfasamento entre a percepção e a realidade, ou o sistema de justiça só consegue chegar à pequena corrupção?
As duas coisas. O sistema consegue chegar mais facilmente à pequena corrupção do que à corrupção complexa, mas aí há problemas de formação, há problemas de coordenação, há problemas de recrutamento em determinadas matérias. Não estamos a atingir, de facto, o core do problema. Isso afecta a capacidade do aparelho repressivo de lidar com casos complexos e vai-se vendo a braços com alguns desses casos por uma série de infelizes coincidências: ou porque alguém foi lesado nesse negócio, meteu a boca no trombone e deu informação muito detalhada sobre esses crimes.
In DN
por CARLOS RODRIGUES LIMA e DAVID DINIS
Hoje
O estudo que fez com o DCIAP sobre a corrupção provou-lhe uma tese de há muito: que há falta de estratégia e coordenação no combate à corrupção. Mas o sociólogo Luís de Sousa, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, diz que o problema é mais profundo, sobretudo ao nível da legislação sobre financiamento partidário, que está sem fiscalização. E não vê vontade política para resolver o problema.
Freeport, submarinos, Taguspark, "Face Oculta"… o País está em fogo ou é mais fumo?
Há que distinguir dois aspectos: a intensidade do fenómeno e a sua frequência. Quando falamos de alta corrupção, são casos que escandalizam mais a opinião pública - pelo tipo de montantes, pelo tipo de actores, também pelo tipo de processos de decisão, que são extremamente mais complexos. Estes acabam por escandalizar porque há, da parte dos cidadãos, esta concepção, que é natural, idealista do funcionamento da democracia, criando uma discrepância entre os valores, as expectativas e a prática dos actores. Os casos, apenas quatro ou cinco - e digo apenas - que preenchem as manchetes dos jornais, têm um impacto muito mais estruturante na opinião pública do que cem casos, 200 casos de pequena corrupção em cartórios notariais ou o que quer que seja. Esses não fazem manchete, mas continuam a afectar diariamente a vida das pessoas.
Seguindo o estudo que realizou com o DCIAP, é muito difícil levar a julgamento os casos graves.
A repressão da corrupção em Portugal assenta muito na denúncia.
E o Ministério Público não é proactivo.
Está à espera que lhe passem a bola. Há áreas, como a do financiamento político, onde os casos se repetem sempre, assumem o mesmo formato. Aí, por exemplo, convém ser proactivo, fazer uma análise de porque é que existe este risco, porque é que existem estas estruturas de oportunidade, e intervir preventivamente. Nós não estamos aqui única e exclusivamente para reprimir e para enviar culpados para a televisão - não queremos é que existam culpados, que se antecipe a possibilidade da ocorrência deste tipo de situações. Daí que a prevenção não pode andar desassociada da repressão e, infelizmente, no caso português, anda. Aliás, até o modelo que escolheram como resposta ao compromisso que tinham assumido perante a convenção das Nações Unidas foi a opção mais económica: em vez de se optar por uma agência especializada única, com competências de prevenção e repressão, optou-se por ter entidades separadas [criando o Conselho de Prevenção da Corrupção no Tribunal de Contas, no lugar de uma entidade que já existiu com competências semelhantes].
Ou seja, o novo órgão não mudou nada?
Esta opção das entidades separadas é mais económica porque, geralmente, elas já existem. É uma questão de pequenos ajustamentos, umas afinações aqui e ali. O pouco trabalho de prevenção que estava a fazer-se em Portugal era pelo Tribunal de Contas, embora nunca tenha colocado o nome aos bois. Agora esse terreno já está queimado para qualquer outra possível solução, nomeadamente a que se vinha defendendo, que seria a criação de uma nova alta autoridade contra a corrupção.
O que foi feito nos últimos anos é, de alguma forma, inibidor de actos de corrupção? Pressente que há mais atenção?
Não há essa percepção, nem com o Conselho de Prevenção nem com algumas reformas em matéria de branqueamento de capitais. Aquilo que me parece relativamente a muitas medidas que são pensadas e implementadas é que elas não estão articuladas, não há uma estratégia que diga como é que uma funciona com a outra. Por exemplo: cria-se um Conselho e exclui-se a Entidade das Contas desse grupo, quando sabemos que a maior parte dos grandes casos (que neste momento continuam) estão ligados ao financiamento político, fazem parte desse núcleo de ocorrências ou de estruturas de oportunidade para a corrupção que são sistémicas. Não têm a ver com a cunha e com o pequeno tráfico de influências. Estamos numa corrupção que é alta em recursos e que é alta em frequência, cada vez mais alta em frequência. É claro que não vemos isso, mal feito fora se tivéssemos todos os dias nos jornais um novo caso de financiamento ilícito, mas quem está próximo dessa realidade, isto é, membros dos partidos, staffs dos partidos, Entidade das Contas, Comissão Nacional de Eleições - que tinham alguma tradição também nisto e sabem perfeitamente o que se passa -, sabem que basta fazer uma monitorização de gastos de campanha para perceber o quanto é fácil haver financiamentos ilícitos, haver pagamentos de despesas por terceiros, haver favores pagos agora para benefícios a posteriori.
E é fácil descobri-lo?
Não. Não é fácil de provar essa relação entre o donativo ou pagamento de despesas por terceiros agora e os benefícios que eu vou retirar daqui a um ano. Até porque há sempre aquele problema de "eu se calhar apostei no cavalo errado e ele não vai ganhar". Geralmente aqui não acontece, e a nível local acontece muito menos porque há uma previsão muito grande de quem vai ganhar e, portanto, muito do financiamento passa por redes clientelares que estão bastantes cristalizadas a nível local, quer dizer, são as mesmas empresas que negoceiam com a câmara e que vendem praticamente todos os contratos.
Mesmo a nível nacional, é mais fácil ser corrompido quem está no poder?
Os partidos do Governo são mais permeáveis a este tipo de corrupção, claro.
Tem estudado legislação não só portuguesa mas exterior a Portugal. Temos um problema maior do que o que se verifica lá fora?
As opiniões dividem-se tanto... é complexa a questão, não é fácil. Há o problema do número, discute-se sempre o volume da legislação existente, se é muita, se é pouca. Eu, geralmente, fujo do enfoque de volume, concentro-me mais no enfoque da qualidade dos diplomas. O que acontece é que estes processos, o processo de aprovação de uma lei anticorrupção, não é uma questão neutra. Há interesses fortes, e que não têm de ser interesses necessariamente partidários, até podem ser corporativos.
Que conseguem neutralizar as leis?
Discute-se muito a introdução de um novo mecanismo, que vai melhorar o combate à corrupção, etc. E, quando se passa à fase do seu desenho e discussão, começam a cair as peças do puzzle e começa a ficar um instrumento completamente enfraquecido, com uma norma muito forte, mas sem dentes para morder. E isso acontece com muitos diplomas, acontece com a lei do financiamento político, acontece com o controlo da riqueza dos eleitos para cargos públicos, acontece com o crime de tráfico de influências. Ainda que tenha sofrido uma alteração não mudou o estado de coisas - basta ver as estatísticas, não aparece nenhum. Não existe! E, de facto, existe e muito.
Mas também os tribunais passam anos e anos a discutir se aquilo é tráfico de influências ou se é uma cunha...
Exactamente. Há aqui um problema de formação! Enfim, não será a única questão aqui. Há sempre este desespero de trazer algo novo, de procurar olhar a modelos de sucesso. E é muito difícil de definir o que será um modelo de sucesso. Por exemplo, no caso espanhol, não o foi por terem o crime do urbanismo, mas se calhar por terem uma magistratura mais audaz. Se calhar já conseguiam fazer mais sem o crime urbanístico do que a magistratura portuguesa. Eu dou várias vezes o exemplo do caso francês, onde as investigações que estavam a decorrer eram volumes e volumes de processos de financiamento ilícito. E a classe política, perante esta ameaça da magistratura, decidiu lançar uma lei de financiamento em que criou uma cláusula de amnistia, que é uma coisa impensável. É um exemplo de como estas leis são feitas de interesses corporativos. Eu não fiquei surpreendido quando vi a lei de financiamento político, cá, ser aprovada em 2009 por todos os partidos excepto um. Duvido que tenha havido uma lei até hoje que tenha sido aprovada com um consenso tão grande no Parlamento.
O seu estudo para o DCIAP levanta esta dúvida: há um desfasamento entre a percepção e a realidade, ou o sistema de justiça só consegue chegar à pequena corrupção?
As duas coisas. O sistema consegue chegar mais facilmente à pequena corrupção do que à corrupção complexa, mas aí há problemas de formação, há problemas de coordenação, há problemas de recrutamento em determinadas matérias. Não estamos a atingir, de facto, o core do problema. Isso afecta a capacidade do aparelho repressivo de lidar com casos complexos e vai-se vendo a braços com alguns desses casos por uma série de infelizes coincidências: ou porque alguém foi lesado nesse negócio, meteu a boca no trombone e deu informação muito detalhada sobre esses crimes.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Viver na cidade de Paris só a mim diz respeito"
"Viver na cidade de Paris só a mim diz respeito"
por FRANCISCO MANGAS
Hoje
Entrevista com Inês de Medeiros, deputada e vice-presidente da bancada do PS, sobre a polémica à volta do pagamento das suas viagens entre o Parlamento e a sua residência, em Paris.
Está satisfeita com resolução do pagamento das suas viagens a Paris, onde tem residência?
Estou satisfeita por ter havido uma decisão, independentemente do resultado. Eu escrevi ao senhor presidente da Assembleia da República a pedir celeridade no caso, para acabar de uma vez por todas com esta longa campanha de enxovalhos, humilhações e informações pouco rigorosas.
Não lhe parece que demorou bastante tempo a resolver esta polémica?
Foi por isso mesmo que enviei a carta ao senhor presidente da Assembleia da República, pedindo celeridade - foi o único pedido que lhe fiz.
Desconhecia o problema?
Não sabia que havia este problema, não conhecia o regimento nem o estatuto do deputado.
Como é evidente, ficou desagradada com a campanha em redor do caso?
Não acho que tenha havido qualquer perseguição pessoal. Grave foi a forma como este episódio foi tratado. Há direitos que os deputados têm, como as ajudas de custas, para que a representação seja de todo o País - respeitando o que está estabelecido para ser garantido o pluralismo no Parlamento.
Esta polémica serviu para desprestigiar o Parlamento?
Pelo menos, este caso desprestigia a classe política, a democracia representativa em geral. Estou aterrada. Não houve pedido especial nenhum da minha parte. Tenho direito à minha vida privada: viver em Paris só a mim diz respeito. Não acho que seja esta a melhor maneira de cativar novas pessoas, independentes - a chamada sociedade civil - para a política. Quem chega aqui pode, de um momento para o outro, ver a sua vida vasculhada, ser enxovalhado, ser alvo de suspeições generalizadas. E isto põe em risco a própria democracia.
Depois deste caso, que se arrastou por longos meses, pensa repetir a experiência num próximo mandato?
Não faço projecções para um novo mandato. Apenas lhe digo que estou a cumprir e a desempenhar com muito entusiasmo o meu papel. Tenho trabalho feito. Tenho diversos projectos. Sendo assim, não me arrependo de todo de ter aceitado o convite do Partido Socialista, apesar de ter sofridos estes danos colaterais. A recepção foi boa, tenho conhecido pessoas interessantes.
Os deputados, portanto, merecem mais respeito?
Pelo menos não merecem, como tem acontecido até agora, um permanente clima de suspeição que sobre eles cai. O descrédito total é sempre muito perigoso.
In DN
por FRANCISCO MANGAS
Hoje
Entrevista com Inês de Medeiros, deputada e vice-presidente da bancada do PS, sobre a polémica à volta do pagamento das suas viagens entre o Parlamento e a sua residência, em Paris.
Está satisfeita com resolução do pagamento das suas viagens a Paris, onde tem residência?
Estou satisfeita por ter havido uma decisão, independentemente do resultado. Eu escrevi ao senhor presidente da Assembleia da República a pedir celeridade no caso, para acabar de uma vez por todas com esta longa campanha de enxovalhos, humilhações e informações pouco rigorosas.
Não lhe parece que demorou bastante tempo a resolver esta polémica?
Foi por isso mesmo que enviei a carta ao senhor presidente da Assembleia da República, pedindo celeridade - foi o único pedido que lhe fiz.
Desconhecia o problema?
Não sabia que havia este problema, não conhecia o regimento nem o estatuto do deputado.
Como é evidente, ficou desagradada com a campanha em redor do caso?
Não acho que tenha havido qualquer perseguição pessoal. Grave foi a forma como este episódio foi tratado. Há direitos que os deputados têm, como as ajudas de custas, para que a representação seja de todo o País - respeitando o que está estabelecido para ser garantido o pluralismo no Parlamento.
Esta polémica serviu para desprestigiar o Parlamento?
Pelo menos, este caso desprestigia a classe política, a democracia representativa em geral. Estou aterrada. Não houve pedido especial nenhum da minha parte. Tenho direito à minha vida privada: viver em Paris só a mim diz respeito. Não acho que seja esta a melhor maneira de cativar novas pessoas, independentes - a chamada sociedade civil - para a política. Quem chega aqui pode, de um momento para o outro, ver a sua vida vasculhada, ser enxovalhado, ser alvo de suspeições generalizadas. E isto põe em risco a própria democracia.
Depois deste caso, que se arrastou por longos meses, pensa repetir a experiência num próximo mandato?
Não faço projecções para um novo mandato. Apenas lhe digo que estou a cumprir e a desempenhar com muito entusiasmo o meu papel. Tenho trabalho feito. Tenho diversos projectos. Sendo assim, não me arrependo de todo de ter aceitado o convite do Partido Socialista, apesar de ter sofridos estes danos colaterais. A recepção foi boa, tenho conhecido pessoas interessantes.
Os deputados, portanto, merecem mais respeito?
Pelo menos não merecem, como tem acontecido até agora, um permanente clima de suspeição que sobre eles cai. O descrédito total é sempre muito perigoso.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
]"Pessoas não querem ligar-se a esta ditadura socialista"
.
"Pessoas não querem ligar-se a esta ditadura socialista"
por AMADEU ARAÚJO
Hoje
Entrevista com João Gomes, Porta-voz do site Salazar, o Obreiro da Pátria e do movimento cívico Assembleia.
Este ano, as comemorações do nascimento de Salazar são abertas à comunicação social. Sentem a necessidade de ampliar as vossas ideias?
O ano passado quisemos fazer uma festa privada, não houve intenção nenhuma de excluir quem quer que fosse. Estas coisas começam, sem queremos, a saber-se, e as pessoas aparecem. Mas a intenção única era fazer uma festa privada.
Não temem polémicas, tendo em conta que as comemorações decorrem na véspera do 25 de Abril?
Críticas pode haver sempre, em qualquer outra data haveria sempre críticas. Ocorre na véspera do 25 de Abril mas quem queira ver por bem vai perceber. O dr. Salazar fazia anos a dia 28, este ano é uma quarta-feira e decidimos fazer no fim- -de-semana anterior. Já não fizemos no dia 25 porque, eventualmente, alguém podia pensar que queríamos criar algum confronto. Pensámos no dia 24, mas não tem nada a ver com o 25 de Abril, é tão-só uma coincidência de datas.
Aproveitam para lançar o movimento Assembleia, que no fundo relança os valores salazaristas. Com que objectivos?
Quanto às más ideias que podem criar-se acerca do movimento, só as pessoas que gostam desta balbúrdia que o País hoje vive, com fome, miséria, homossexualidade, prostituição, tudo autorizado pelo Estado, é que o fazem. Não somos todos salazaristas nem se fala disso. Fala-se numa doutrina, considerada por presidentes estrangeiros como a única doutrina que serviria qualquer país que quisesse ser evoluído economicamente, que é a doutrina corporativa e não queremos ligar ninguém ao dr. Salazar. Agora se me pergunta se isto coincide com a doutrina do dr. Salazar e do Estado Novo, obviamente que sim. Temos de recolher e implementar no nosso país aquilo que é bom e se temos oportunidade de querer para Portugal alguma coisa que já foi testada - e deu resultado - devemos ir buscá-la. Desde 1969 que o País vem em linha descendente e depois dá-se o 25 de Abril e foi o descalabro completo.
Querem ainda abrir um espaço, no Vimieiro, para expor temas e objectos ligados ao Estado Novo.
Estamos a tratar disso, já temos o espaço. A altura ainda não é propícia, não que haja medo, não é por isso, mas mais por razões económicas.
Sentem-se perseguidos por defender uma ideologia em torno de um ditador?
Tenho um site e nunca me senti tão perseguido como agora, pela positiva, de pessoas a quererem saber o que foi o Estado Novo e Salazar. As pessoas não querem ligar-se ao regime actual, a esta ditadura socialista, estão desmotivadas e fartas disto. Perseguido em termos depreciativos, isso nunca.
In DN
"Pessoas não querem ligar-se a esta ditadura socialista"
por AMADEU ARAÚJO
Hoje
Entrevista com João Gomes, Porta-voz do site Salazar, o Obreiro da Pátria e do movimento cívico Assembleia.
Este ano, as comemorações do nascimento de Salazar são abertas à comunicação social. Sentem a necessidade de ampliar as vossas ideias?
O ano passado quisemos fazer uma festa privada, não houve intenção nenhuma de excluir quem quer que fosse. Estas coisas começam, sem queremos, a saber-se, e as pessoas aparecem. Mas a intenção única era fazer uma festa privada.
Não temem polémicas, tendo em conta que as comemorações decorrem na véspera do 25 de Abril?
Críticas pode haver sempre, em qualquer outra data haveria sempre críticas. Ocorre na véspera do 25 de Abril mas quem queira ver por bem vai perceber. O dr. Salazar fazia anos a dia 28, este ano é uma quarta-feira e decidimos fazer no fim- -de-semana anterior. Já não fizemos no dia 25 porque, eventualmente, alguém podia pensar que queríamos criar algum confronto. Pensámos no dia 24, mas não tem nada a ver com o 25 de Abril, é tão-só uma coincidência de datas.
Aproveitam para lançar o movimento Assembleia, que no fundo relança os valores salazaristas. Com que objectivos?
Quanto às más ideias que podem criar-se acerca do movimento, só as pessoas que gostam desta balbúrdia que o País hoje vive, com fome, miséria, homossexualidade, prostituição, tudo autorizado pelo Estado, é que o fazem. Não somos todos salazaristas nem se fala disso. Fala-se numa doutrina, considerada por presidentes estrangeiros como a única doutrina que serviria qualquer país que quisesse ser evoluído economicamente, que é a doutrina corporativa e não queremos ligar ninguém ao dr. Salazar. Agora se me pergunta se isto coincide com a doutrina do dr. Salazar e do Estado Novo, obviamente que sim. Temos de recolher e implementar no nosso país aquilo que é bom e se temos oportunidade de querer para Portugal alguma coisa que já foi testada - e deu resultado - devemos ir buscá-la. Desde 1969 que o País vem em linha descendente e depois dá-se o 25 de Abril e foi o descalabro completo.
Querem ainda abrir um espaço, no Vimieiro, para expor temas e objectos ligados ao Estado Novo.
Estamos a tratar disso, já temos o espaço. A altura ainda não é propícia, não que haja medo, não é por isso, mas mais por razões económicas.
Sentem-se perseguidos por defender uma ideologia em torno de um ditador?
Tenho um site e nunca me senti tão perseguido como agora, pela positiva, de pessoas a quererem saber o que foi o Estado Novo e Salazar. As pessoas não querem ligar-se ao regime actual, a esta ditadura socialista, estão desmotivadas e fartas disto. Perseguido em termos depreciativos, isso nunca.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Alterações climáticas vão originar Estados 'falhados' e autoritários"
"Alterações climáticas vão originar Estados 'falhados' e autoritários"
por MARIA DE LURDES VALE
Hoje
Alerta: não é o fim do mundo, mas pode ser o fim de muitos Estados. Antonio Marquina, catedrático de Relações Internacionais da Universidade Complutense de Madrid e coordenador do livro 'Global Warming and Climate Change - Prospects and Policies in Asia and Europe', editado em Nova Iorque, Londres e Sydney, avisa que a segurança entre vários países está em risco devido ao aquecimento global e à desertificação
Antonio Marquina, professor catedrático de Relações Internacionais na Universidade Complutense em Madrid, acaba de editar o livro Global Warming and Climate Change - Prospects and Policies in Asia and Europe -, que perspectiva o impacto e as consequências do aquecimento global e das alterações climáticas na Ásia e na Europa. A obra, que começou a ser preparada há três anos e tem contributos de 29 especialistas asiáticos e europeus, chama a atenção para os problemas de segurança, que vão colocar-se a nível mundial, devido à proliferação de Estados "falhados", como a Somália e o Afeganistão.
A falta de água, de alimentos e de condições de vida mínimas, nomeadamente em alguns países asiáticos e no Norte de África, provocarão novas migrações e o surgimento de mais regimes autoritários. O Norte e o Sul da Europa, dentro de 30 anos, serão igualmente duas realidades bem distintas e haverá uma profunda clivagem entre os países que hoje fazem parte da União Europeia.
No livro descrevem-se situações provocadas pelas alterações climáticas que podem colocar em causa a segurança humana. Trata-se de um alerta?
Mais que isso, é uma reflexão sobre dados científicos que temos e que conhecemos e sobre aspectos que ainda hoje nos parecem pouco compreensíveis. Ainda não sabemos ao certo as interconexões de determinados fenómenos, mas, em função do que conhecemos, deduzimos uma série de consequências muito importantes e às quais há que dar a maior atenção. Gostaríamos que os governos e a opinião pública reflectissem sobre as consequências do aquecimento global nas vidas das pessoas, já que vai ter um impacto importante na vida de milhões de pessoas. Muitos países perderão força, capacidade de governo, de fornecer serviços públicos... E outros haverá que, devido a esta incapacidade, entrarão em colapso e terão graves convulsões políticas e sociais.
Aquilo a que chama "Estados falhados"...
Sem ser alarmista - a partir de 2030 até final do século - verificamos que há problemas de uma certa envergadura que, em função de uma extrapolação sobre a aplicação das políticas de mitigação ou de adaptação que existem, vão ter consequências terríveis se não se fizer algo mais. Haverá muitos países perdedores, muitos, e também ganhadores.
A que países se refere?
Estamos a falar de países da Ásia e da periferia da Europa.
Do Sul?
Sim. O Sul da Europa vai ser o grande perdedor devido às alterações climáticas. Perde no crescimento económico, nos recursos disponíveis, na disponibilidade de água. Terá de reorientar a despesa pública e não pública para os recursos básicos que vão escassear.
Vamos ter então conflitos por causa da água, dos alimentos... por causa da sobrevivência mais básica?
Primeiro vamos ter uma nova afectação de recursos, que deveriam ser destinados à melhoria da vida da população. Essa nova gestão dos recursos será essencial para que as populações possam comer e beber e também para uma distribuição de água pela agricultura, indústria, urbanização... A redistribuição vai ser complicada e há processos que já não têm solução. Por exemplo o da água dos rios em muitos países da bacia do Mediterrâneo, no Norte e no Sul, que já registam uma redução muito significativa ao longo dos últimos 40 anos. Em Marrocos, verificou-se nas ultimas quatro décadas uma diminuição de 35% no fluxo de água dos rios.
É possível que a temperatura suba 1 ou 2 graus na próxima década? Isso agravará a situação?
Depende das zonas. Para o Mediterrâneo, calcula-se - sendo optimista - que possa chegar a subir cinco ou seis graus ainda neste século. Em 2020, a subida das temperaturas, com base em medições realizadas nos anos 50 ou 60, poderá chegar a ser de um ou dois graus. Se ultrapassar este valor, imagine-se o que vai custar a adaptação a essa nova realidade.
E quais serão as consequências para a Península Ibérica?
Vão ser consequências líquidas. Boa parte das verbas que se poderiam empregar, por exemplo para o bem-estar da população, para melhores cidades, melhor meio ambiente, para o habitat, vão ter de ser para algo mais básico, que tem a ver com a água. Mas onde vamos conseguir água suficiente para tantas pessoas?
Há dados que podem demonstrar que isso vai realmente acontecer assim?
Os dados com que trabalhamos resultam de investigações feitas ao longo de anos. Na questão da água citamos estudos feitos pela União Europeia e pelo Ministério do Ambiente espanhol para o caso de Espanha. Os mapas são projecções que se fazem da actualidade até 2030 acerca de reservas e diminuições de recursos de água que são muito significativas em todo o Sul da Europa. A água para a agricultura vai reduzir-se drasticamente porque esta tem de servir também para as cidades e para a indústria. Essa vai ser a questão mais importante para que os governos tomem decisões nos próximos anos. Já é possível calcular os gastos em dessalinizadoras, em energia para tirar o sal à água, em instalações e na depuração da água para que possa ser reutilizada.
Vamos então pagar muito caro a água e a alimentação?
Sim, vai ser muito caro.
A Península Ibérica vai desertificar-se?
Sim, a desertificação é crescente. Mas, para já, é muito mais grave o que está a passar-se no Norte de África. O processo de desertificação em Marrocos, Argélia, Tunísia, até ao Egipto, é enorme. Isso vai provocar novas migrações? A Europa vai estar mais pressionada... Sem nenhuma dúvida.
Mas, se no Sul da Europa também houver escassez de água e de alimentos, para onde vão esses imigrantes que vêm do Norte de África?
O impacto vai ser muito diferente, dependendo dos casos. Por exemplo em Marrocos, em que 44% da população vivem da agricultura, mas que é uma agricultura de subsistência, que está nos limites, qualquer subida de temperatura de um grau ou de dois graus, qualquer alteração na estação das chuvas - antes era de seis em seis meses, agora é de três em três - poderá agravar a situação agrícola que, como disse, já está a atingir os limites. A Líbia e a Argélia também estão na mesma situação. O único país que se salva, para já, a nível agrícola, é o Egipto por causa do delta do Nilo. Mas isso só será assim enquanto o nível do mar não subir. Ora, os números mais conservadores falam de uma subida do nível do mar de meio metro neste século. Há outros estudos que indicam um metro, metro e meio e até dois metros...
Neste livro, há também uma importante abordagem aos problemas da segurança provocados por estas alterações do clima. Quais são as perspectivas? Terá de haver intervenções militares?
O que sabemos é que há questões muito sérias, que vão afectar a vida das pessoas, dos Estados, da segurança estatal. Se há Estados falhados ou Estados que se debilitam muito e onde a autoridade central não chega - caso da Somália e Afeganistão - que começam a dar problemas e a afectar a segurança de milhões de cidadãos, então vamos ter de acabar por intervir. Isso é uma das coisas que dizemos neste livro. Trata-se da responsabilidade de proteger que actualmente só se aplica para casos de grandes massacres. Mas, se isto continua assim, o Conselho de Segurança da ONU vai ter de reconhecer que existe a necessidade e a responsabilidade de proteger os cidadãos de Estados que são incapazes de fornecer o mínimo, porque estão enfraquecidos, porque dependem da importação para sobreviver ou porque tem imigrações internas maciças. Estes Estados vão estar sem capacidade para enfrentar seja o que for.
Significa que vai haver uma grande clivagem entre o Norte e o Sul?
O entendimento entre o Norte e o Sul será cada vez mais difícil. E note-se que a tendência é para o agravamento dos regimes autoritários. Na Ásia, estes casos já são notórios e no Norte de África, também. Os regimes só mudam em função da alternativa que as pessoas têm para viver melhor.
E a Europa?
Partindo de um estudo e projecções de alterações climáticas graduais, é claro que os países do Norte da Europa irão aumentar o seu poder em relação aos países do Sul, que estarão mais debilitados. O equilíbrio de forças vai mudar.
As alterações climáticas tornaram-se uma prioridade dos líderes europeus. A União Europeia tem feito um bom trabalho de casa?
A Europa fez o que tinha a fazer e fê-lo inclusivamente bem na Cimeira de Copenhaga. O que se passa é que ninguém segue a Europa nesta questão. A União Europeia tem de ser mais pragmática, mais negociadora. Afirmar- -se como actor normativo não a levou a sítio nenhum. Pode ser que tenha de ser necessário reduzir um pouco as suas posições para poder convencer a China, a Índia e os EUA e chegar a acordos concretos. As políticas de mitigação e de adaptação às alterações climáticas são muito diferentes na Ásia e na Europa. Com a excepção do Japão e da Coreia do Sul, ninguém na Ásia fez ainda nada.
In DN
por MARIA DE LURDES VALE
Hoje
Alerta: não é o fim do mundo, mas pode ser o fim de muitos Estados. Antonio Marquina, catedrático de Relações Internacionais da Universidade Complutense de Madrid e coordenador do livro 'Global Warming and Climate Change - Prospects and Policies in Asia and Europe', editado em Nova Iorque, Londres e Sydney, avisa que a segurança entre vários países está em risco devido ao aquecimento global e à desertificação
Antonio Marquina, professor catedrático de Relações Internacionais na Universidade Complutense em Madrid, acaba de editar o livro Global Warming and Climate Change - Prospects and Policies in Asia and Europe -, que perspectiva o impacto e as consequências do aquecimento global e das alterações climáticas na Ásia e na Europa. A obra, que começou a ser preparada há três anos e tem contributos de 29 especialistas asiáticos e europeus, chama a atenção para os problemas de segurança, que vão colocar-se a nível mundial, devido à proliferação de Estados "falhados", como a Somália e o Afeganistão.
A falta de água, de alimentos e de condições de vida mínimas, nomeadamente em alguns países asiáticos e no Norte de África, provocarão novas migrações e o surgimento de mais regimes autoritários. O Norte e o Sul da Europa, dentro de 30 anos, serão igualmente duas realidades bem distintas e haverá uma profunda clivagem entre os países que hoje fazem parte da União Europeia.
No livro descrevem-se situações provocadas pelas alterações climáticas que podem colocar em causa a segurança humana. Trata-se de um alerta?
Mais que isso, é uma reflexão sobre dados científicos que temos e que conhecemos e sobre aspectos que ainda hoje nos parecem pouco compreensíveis. Ainda não sabemos ao certo as interconexões de determinados fenómenos, mas, em função do que conhecemos, deduzimos uma série de consequências muito importantes e às quais há que dar a maior atenção. Gostaríamos que os governos e a opinião pública reflectissem sobre as consequências do aquecimento global nas vidas das pessoas, já que vai ter um impacto importante na vida de milhões de pessoas. Muitos países perderão força, capacidade de governo, de fornecer serviços públicos... E outros haverá que, devido a esta incapacidade, entrarão em colapso e terão graves convulsões políticas e sociais.
Aquilo a que chama "Estados falhados"...
Sem ser alarmista - a partir de 2030 até final do século - verificamos que há problemas de uma certa envergadura que, em função de uma extrapolação sobre a aplicação das políticas de mitigação ou de adaptação que existem, vão ter consequências terríveis se não se fizer algo mais. Haverá muitos países perdedores, muitos, e também ganhadores.
A que países se refere?
Estamos a falar de países da Ásia e da periferia da Europa.
Do Sul?
Sim. O Sul da Europa vai ser o grande perdedor devido às alterações climáticas. Perde no crescimento económico, nos recursos disponíveis, na disponibilidade de água. Terá de reorientar a despesa pública e não pública para os recursos básicos que vão escassear.
Vamos ter então conflitos por causa da água, dos alimentos... por causa da sobrevivência mais básica?
Primeiro vamos ter uma nova afectação de recursos, que deveriam ser destinados à melhoria da vida da população. Essa nova gestão dos recursos será essencial para que as populações possam comer e beber e também para uma distribuição de água pela agricultura, indústria, urbanização... A redistribuição vai ser complicada e há processos que já não têm solução. Por exemplo o da água dos rios em muitos países da bacia do Mediterrâneo, no Norte e no Sul, que já registam uma redução muito significativa ao longo dos últimos 40 anos. Em Marrocos, verificou-se nas ultimas quatro décadas uma diminuição de 35% no fluxo de água dos rios.
É possível que a temperatura suba 1 ou 2 graus na próxima década? Isso agravará a situação?
Depende das zonas. Para o Mediterrâneo, calcula-se - sendo optimista - que possa chegar a subir cinco ou seis graus ainda neste século. Em 2020, a subida das temperaturas, com base em medições realizadas nos anos 50 ou 60, poderá chegar a ser de um ou dois graus. Se ultrapassar este valor, imagine-se o que vai custar a adaptação a essa nova realidade.
E quais serão as consequências para a Península Ibérica?
Vão ser consequências líquidas. Boa parte das verbas que se poderiam empregar, por exemplo para o bem-estar da população, para melhores cidades, melhor meio ambiente, para o habitat, vão ter de ser para algo mais básico, que tem a ver com a água. Mas onde vamos conseguir água suficiente para tantas pessoas?
Há dados que podem demonstrar que isso vai realmente acontecer assim?
Os dados com que trabalhamos resultam de investigações feitas ao longo de anos. Na questão da água citamos estudos feitos pela União Europeia e pelo Ministério do Ambiente espanhol para o caso de Espanha. Os mapas são projecções que se fazem da actualidade até 2030 acerca de reservas e diminuições de recursos de água que são muito significativas em todo o Sul da Europa. A água para a agricultura vai reduzir-se drasticamente porque esta tem de servir também para as cidades e para a indústria. Essa vai ser a questão mais importante para que os governos tomem decisões nos próximos anos. Já é possível calcular os gastos em dessalinizadoras, em energia para tirar o sal à água, em instalações e na depuração da água para que possa ser reutilizada.
Vamos então pagar muito caro a água e a alimentação?
Sim, vai ser muito caro.
A Península Ibérica vai desertificar-se?
Sim, a desertificação é crescente. Mas, para já, é muito mais grave o que está a passar-se no Norte de África. O processo de desertificação em Marrocos, Argélia, Tunísia, até ao Egipto, é enorme. Isso vai provocar novas migrações? A Europa vai estar mais pressionada... Sem nenhuma dúvida.
Mas, se no Sul da Europa também houver escassez de água e de alimentos, para onde vão esses imigrantes que vêm do Norte de África?
O impacto vai ser muito diferente, dependendo dos casos. Por exemplo em Marrocos, em que 44% da população vivem da agricultura, mas que é uma agricultura de subsistência, que está nos limites, qualquer subida de temperatura de um grau ou de dois graus, qualquer alteração na estação das chuvas - antes era de seis em seis meses, agora é de três em três - poderá agravar a situação agrícola que, como disse, já está a atingir os limites. A Líbia e a Argélia também estão na mesma situação. O único país que se salva, para já, a nível agrícola, é o Egipto por causa do delta do Nilo. Mas isso só será assim enquanto o nível do mar não subir. Ora, os números mais conservadores falam de uma subida do nível do mar de meio metro neste século. Há outros estudos que indicam um metro, metro e meio e até dois metros...
Neste livro, há também uma importante abordagem aos problemas da segurança provocados por estas alterações do clima. Quais são as perspectivas? Terá de haver intervenções militares?
O que sabemos é que há questões muito sérias, que vão afectar a vida das pessoas, dos Estados, da segurança estatal. Se há Estados falhados ou Estados que se debilitam muito e onde a autoridade central não chega - caso da Somália e Afeganistão - que começam a dar problemas e a afectar a segurança de milhões de cidadãos, então vamos ter de acabar por intervir. Isso é uma das coisas que dizemos neste livro. Trata-se da responsabilidade de proteger que actualmente só se aplica para casos de grandes massacres. Mas, se isto continua assim, o Conselho de Segurança da ONU vai ter de reconhecer que existe a necessidade e a responsabilidade de proteger os cidadãos de Estados que são incapazes de fornecer o mínimo, porque estão enfraquecidos, porque dependem da importação para sobreviver ou porque tem imigrações internas maciças. Estes Estados vão estar sem capacidade para enfrentar seja o que for.
Significa que vai haver uma grande clivagem entre o Norte e o Sul?
O entendimento entre o Norte e o Sul será cada vez mais difícil. E note-se que a tendência é para o agravamento dos regimes autoritários. Na Ásia, estes casos já são notórios e no Norte de África, também. Os regimes só mudam em função da alternativa que as pessoas têm para viver melhor.
E a Europa?
Partindo de um estudo e projecções de alterações climáticas graduais, é claro que os países do Norte da Europa irão aumentar o seu poder em relação aos países do Sul, que estarão mais debilitados. O equilíbrio de forças vai mudar.
As alterações climáticas tornaram-se uma prioridade dos líderes europeus. A União Europeia tem feito um bom trabalho de casa?
A Europa fez o que tinha a fazer e fê-lo inclusivamente bem na Cimeira de Copenhaga. O que se passa é que ninguém segue a Europa nesta questão. A União Europeia tem de ser mais pragmática, mais negociadora. Afirmar- -se como actor normativo não a levou a sítio nenhum. Pode ser que tenha de ser necessário reduzir um pouco as suas posições para poder convencer a China, a Índia e os EUA e chegar a acordos concretos. As políticas de mitigação e de adaptação às alterações climáticas são muito diferentes na Ásia e na Europa. Com a excepção do Japão e da Coreia do Sul, ninguém na Ásia fez ainda nada.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Papa tem obrigação moral de ser o primeiro a demitir-se"
"Papa tem obrigação moral de ser o primeiro a demitir-se"
por FRANCISCO MANGAS
Hoje
Críticos do Papa.
O polémico Bento XVI divide opiniões na Igreja. Há quem o ache excepcional, há quem lhe faça duras críticas. Mário Oliveira, padre sem paróquia, que dirige o jornal 'Fraternizar', é um deles. Diz que Ratzinger é o grande desastre da Igreja dos séc. XX e XXI e que ele devia assumir responsabilidade pelos casos de pedofilia
Como define o pontificado de Bento XVI?
Depois do Concílio do Vaticano II é o grande desastre. É uma espécie de Inverno na Igreja. Enquanto o Vaticano II tinha significado a Primavera na Igreja, com Bento XVI, que leva já cinco anos de pontificado, regressamos ao Inverno, sem termos chegado ao Verão.
Joseph Ratzinger teve grande intervenção no Vaticano II...
É verdade. Só que enquanto teólogo é uma personalidade, depois que aceitou vir para a Cúria Ro-mana, como cardeal, e ficou responsável à frente da Congregação para a Doutrina da Fé durante o pontificado de João Paulo II, ele mudou por completo.
Defende posições teológicas contra a sua própria teologia?
Até há autores que se dão ao trabalho de comparar o que ele diz com o que escreveu há 30, 40 anos. E metem-no a ridículo. Para mim é o grande desastre na Igreja no século XX e já no século XXI.
É a continuação de João Paulo II?
Para pior. João Paulo II tudo o que dizia e pregava, por todo o mundo - conteúdos doutrinais, morais, moralistas - era já fornecido por Ratzinger, o seu grande conselheiro. João Paulo II não sabia nada praticamente de teologia, era como um qualquer pároco de aldeia, nunca mais estudou desde que saiu do seminário. Mas, pelo menos, tinha uma coisa que este não tem: era bom actor. Colocou isso, de certo modo, ao serviço da Cúria Romana e a agressividade que sempre teve durante o pon- tificado - foi o que mais condenou a Teologia e os teólogos da libertação, já com Ratzinger na Congregação da Fé - não ganhou visibilidade graças aos seus gestos teatrais. Sobretudo nas suas deslocações.
Agora é mais visível?
Com Bento XVI tornou-se muito visível, ele não tem nenhum jeito para actor. É o antiactor, ainda é o intelectual gabinete.
É a segundo visita de um papa ao Porto. Significa isto uma banalização destes actos?
A visita ao Porto, pela segunda vez, percebe-se porque este ano de 2010, o bispo da Diocese, D. Manuel Clemente, deliberou ser o ano da missão. Estamos a ver aqui o trabalho da pressão da diocese para que ele venha a dar cobertura à missão 2010 em curso, dar um bocadinho de projecção, como que a apropriar-se dela ao nível da Igreja universal. Isto é tudo táctica e hábil da parte do poder eclesiástico. Porque a missão 2010 é um bluff, aquilo espremido não tem nada.
E a visita a Fátima?
É pior. Enquanto teólogo ele sabe, como todo os teólogos - e nós não encontramos nenhum teólogo convicto que defenda Fátima - que do ponto de vista da teologia é absolutamente impossível haver aparições. Do ponto de vista da fé cristã é impossível poder falar-se alguma vez de aparições. Impossível. E ele como teólogo sabe isso e apesar disso vai lá. Contra a sua própria teologia, vai como que canonizar, por um véu de canonicidade, de autenticidade, sobre uma mentira que são as aparições de 1917, com uma agravante que não havia nos anos anteriores.
Que agravante é essa?
Faz a visita num contexto absolutamente novo na instituição eclesiástica católica: estamos todos a assistir à denúncia de casos de pedofilia que envolvem crianças vítimas de clérigos. Neste contexto, a visita de Bento XVI a Fátima ainda é uma agravante, que o devia levar a ter um pouco de pudor. Porque as três crianças de Fátima, em 1917, foram vítimas - não em termos de pedofilia, de sexo - também do clero de Ourém que organizadamente inventou aquela historieta toda. E a encenou e a representou, servindo-se das três crianças. Desse universo de crianças, duas acabaram por morrer e a que sobreviveu foi sempre sequestrada até à morte.
A resposta da Igreja aos casos de pedofilia tem sido satisfatória?
A resposta tem sido desastrosa. Ultimamente parece que estão a querer melhorar um pouco, com esta deslocação do Papa a Malta: ele até fez por derramar umas lágrimas de crocodilo pa-ra a comunicação social... Tem sido desastrosa a maneira como ao nível hierárquico a Igreja tem conduzido este drama. Eu eu acho que ao nível desses casos deveríamos distinguir dois tipos de vítimas.
Dois tipos de vítimas?
Sim. As crianças, objectivamente. Mas o vitimador, o clérigo que faz as vítimas, por sua vez, é ele vítima: precisávamos de denunciar isso. O que está em jogo não é o caso do clérigo A , B, ou C, que fez isto, mas o porquê, por que é que determinados homens duma formação, que a sociedade supunha humanista, foram capazes de praticar actos hediondos. E a questão mais profunda, que não tem sido abordada, vai pôr em causa este modelo de igreja.
Precisa de uma reforma?
Precisa de uma alternativa radical. Os clérigos que fazem esses actos hediondos foram vítimas de actos hediondos, se calhar mais hediondos - não no nível do sexual - mas da formação mental de consciência. Foi a formação de 12 anos num seminário tridentino. Fechados, sem hipótese de liberdade, de criatividade de consciência crítica: são homens sem afectos.
Os padres pedófilos, como alguns defendem, deveriam ser excomungados?
Isso é horrível. Mas já não é tão horrível ser demitido das suas funções e não mais estar em condições de poder exercer sem antes, por ventura, darem provas de que se tinham reabilitado. Nesse caso, vou mais além: como foi a instituição que os formou - mal - e tomou conhecimento quando eles cometeram esses actos e escondeu-os para bem do nome da Igreja, e não fez nada: em última instância quem tem de se demitir é o Papa. Tem obrigação moral de ser o primeiro a dizer: "Eu demito-me, e agora sigam o meu exemplo." Enquanto o não fizer, não tem moral para demitir ninguém.
In DN
por FRANCISCO MANGAS
Hoje
Críticos do Papa.
O polémico Bento XVI divide opiniões na Igreja. Há quem o ache excepcional, há quem lhe faça duras críticas. Mário Oliveira, padre sem paróquia, que dirige o jornal 'Fraternizar', é um deles. Diz que Ratzinger é o grande desastre da Igreja dos séc. XX e XXI e que ele devia assumir responsabilidade pelos casos de pedofilia
Como define o pontificado de Bento XVI?
Depois do Concílio do Vaticano II é o grande desastre. É uma espécie de Inverno na Igreja. Enquanto o Vaticano II tinha significado a Primavera na Igreja, com Bento XVI, que leva já cinco anos de pontificado, regressamos ao Inverno, sem termos chegado ao Verão.
Joseph Ratzinger teve grande intervenção no Vaticano II...
É verdade. Só que enquanto teólogo é uma personalidade, depois que aceitou vir para a Cúria Ro-mana, como cardeal, e ficou responsável à frente da Congregação para a Doutrina da Fé durante o pontificado de João Paulo II, ele mudou por completo.
Defende posições teológicas contra a sua própria teologia?
Até há autores que se dão ao trabalho de comparar o que ele diz com o que escreveu há 30, 40 anos. E metem-no a ridículo. Para mim é o grande desastre na Igreja no século XX e já no século XXI.
É a continuação de João Paulo II?
Para pior. João Paulo II tudo o que dizia e pregava, por todo o mundo - conteúdos doutrinais, morais, moralistas - era já fornecido por Ratzinger, o seu grande conselheiro. João Paulo II não sabia nada praticamente de teologia, era como um qualquer pároco de aldeia, nunca mais estudou desde que saiu do seminário. Mas, pelo menos, tinha uma coisa que este não tem: era bom actor. Colocou isso, de certo modo, ao serviço da Cúria Romana e a agressividade que sempre teve durante o pon- tificado - foi o que mais condenou a Teologia e os teólogos da libertação, já com Ratzinger na Congregação da Fé - não ganhou visibilidade graças aos seus gestos teatrais. Sobretudo nas suas deslocações.
Agora é mais visível?
Com Bento XVI tornou-se muito visível, ele não tem nenhum jeito para actor. É o antiactor, ainda é o intelectual gabinete.
É a segundo visita de um papa ao Porto. Significa isto uma banalização destes actos?
A visita ao Porto, pela segunda vez, percebe-se porque este ano de 2010, o bispo da Diocese, D. Manuel Clemente, deliberou ser o ano da missão. Estamos a ver aqui o trabalho da pressão da diocese para que ele venha a dar cobertura à missão 2010 em curso, dar um bocadinho de projecção, como que a apropriar-se dela ao nível da Igreja universal. Isto é tudo táctica e hábil da parte do poder eclesiástico. Porque a missão 2010 é um bluff, aquilo espremido não tem nada.
E a visita a Fátima?
É pior. Enquanto teólogo ele sabe, como todo os teólogos - e nós não encontramos nenhum teólogo convicto que defenda Fátima - que do ponto de vista da teologia é absolutamente impossível haver aparições. Do ponto de vista da fé cristã é impossível poder falar-se alguma vez de aparições. Impossível. E ele como teólogo sabe isso e apesar disso vai lá. Contra a sua própria teologia, vai como que canonizar, por um véu de canonicidade, de autenticidade, sobre uma mentira que são as aparições de 1917, com uma agravante que não havia nos anos anteriores.
Que agravante é essa?
Faz a visita num contexto absolutamente novo na instituição eclesiástica católica: estamos todos a assistir à denúncia de casos de pedofilia que envolvem crianças vítimas de clérigos. Neste contexto, a visita de Bento XVI a Fátima ainda é uma agravante, que o devia levar a ter um pouco de pudor. Porque as três crianças de Fátima, em 1917, foram vítimas - não em termos de pedofilia, de sexo - também do clero de Ourém que organizadamente inventou aquela historieta toda. E a encenou e a representou, servindo-se das três crianças. Desse universo de crianças, duas acabaram por morrer e a que sobreviveu foi sempre sequestrada até à morte.
A resposta da Igreja aos casos de pedofilia tem sido satisfatória?
A resposta tem sido desastrosa. Ultimamente parece que estão a querer melhorar um pouco, com esta deslocação do Papa a Malta: ele até fez por derramar umas lágrimas de crocodilo pa-ra a comunicação social... Tem sido desastrosa a maneira como ao nível hierárquico a Igreja tem conduzido este drama. Eu eu acho que ao nível desses casos deveríamos distinguir dois tipos de vítimas.
Dois tipos de vítimas?
Sim. As crianças, objectivamente. Mas o vitimador, o clérigo que faz as vítimas, por sua vez, é ele vítima: precisávamos de denunciar isso. O que está em jogo não é o caso do clérigo A , B, ou C, que fez isto, mas o porquê, por que é que determinados homens duma formação, que a sociedade supunha humanista, foram capazes de praticar actos hediondos. E a questão mais profunda, que não tem sido abordada, vai pôr em causa este modelo de igreja.
Precisa de uma reforma?
Precisa de uma alternativa radical. Os clérigos que fazem esses actos hediondos foram vítimas de actos hediondos, se calhar mais hediondos - não no nível do sexual - mas da formação mental de consciência. Foi a formação de 12 anos num seminário tridentino. Fechados, sem hipótese de liberdade, de criatividade de consciência crítica: são homens sem afectos.
Os padres pedófilos, como alguns defendem, deveriam ser excomungados?
Isso é horrível. Mas já não é tão horrível ser demitido das suas funções e não mais estar em condições de poder exercer sem antes, por ventura, darem provas de que se tinham reabilitado. Nesse caso, vou mais além: como foi a instituição que os formou - mal - e tomou conhecimento quando eles cometeram esses actos e escondeu-os para bem do nome da Igreja, e não fez nada: em última instância quem tem de se demitir é o Papa. Tem obrigação moral de ser o primeiro a dizer: "Eu demito-me, e agora sigam o meu exemplo." Enquanto o não fizer, não tem moral para demitir ninguém.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Questão de Cahora Bassa foi resolvida a nosso contento"
"Questão de Cahora Bassa foi resolvida a nosso contento"
por JOÃO MARCELINO (DN) e PAULO BALDAIA (TSF)
Hoje
O Presidente moçambicano reconhece que, após 35 anos de independência, o principal desafio a vencer é a pobreza. Elogia as relações com Portugal e apela a maior envolvimento empresarial no seu país, onde, assegura, a democracia está consolidada
Está satisfeito com as relações económicas entre Portugal e Moçambique, ou esperava que os dois Governos e as duas comunidades empresariais tivessem feito melhor nestes 30 anos?
Estou satisfeito. Naturalmente, há espaço para se fazer mais, mas as relações, a nível político, diplomático e de cooperação, estão muito boas. Neste momento, temos entendimentos que vão elevar o nível de cooperação, para permitir que essas relações possam produzir os resultados que esperamos.
Mas ao nível económico - dir-me-á se estes números estão certos ou não - Portugal exporta um pouco mais de cem milhões de euros para Moçambique; Moçambique retribui com 50 milhões. O que pode fazer-se, na sua perspectiva, para equilibrar esta balança?
O que pode fazer-se é o que está a fazer-se agora mesmo: muitos investimentos portugueses em Moçambique, investimentos na área de infra-estruturas e na área produtiva. Isso vai permitir que possamos ter mais comércio e que possamos aumentar a capacidade produtiva do nosso país. Penso que estamos exactamente nesse caminho. Com Portugal, estamos a trabalhar na criação de infra-estruturas, na expansão de infra-estruturas e na área de investimento produtivo.
É verdade que o arrastar da solução para Cahora Bassa impediu que se dessem passos mais largos nessa cooperação? Se tivesse sido Cahora Bassa resolvida muito mais rapidamente, estaríamos hoje...
Com muitos "ses" é complicado. Não se faz história com "se". Prefiro acreditar que, a partir do momento em que resolvemos o problema de Cahora Bassa, podemos aproveitar esta ocasião para avançar.
Uma pergunta concreta, sem "ses", em relação à parte que o Governo português ainda tem em Cahora Bassa, cerca de 15%. Moçambique vai tomar essa fatia de Cahora Bassa? Preferia vê-la nas mãos de investidores portugueses? Nas mãos de investidores moçambicanos?
Temos um acordo para ficarmos com 7,5%, portanto, metade. A outra metade dependerá do Governo português. Naturalmente, depende de Portugal e nós, perante uma informação da parte portuguesa, vamos reagir positivamente. Porque queremos que haja alguma coisa, nesses 7,5%, que ajude a estimular o nosso relacionamento económico.
Está também a ser ouvido por empresários portugueses e a ser lido no DN por empresários portugueses. Em que áreas precisa Moçambique que Portugal invista?
Infra-estruturas é uma delas, mas também na agricultura, particularmente florestas. Nós temos a Portucel, que está interessada e está quase para começar um projecto lá, encorajamos para que haja mais investimentos dessa natureza e na área da agricultura em geral. Assim como no turismo, que é algo que vai fazer a diferença, na medida em que estimula a produção local e, ao mesmo tempo, permite que haja muitas divisas para o país.
Moçambique é um país particularmente interessante para um investidor estrangeiro, na medida em que o Governo concede isenção fiscal aos grandes projectos. Isso é para manter ou pretendem mudar alguma coisa no sentido de arrecadarem mais receitas?
Naturalmente, queremos aumentar as receitas. É preciso ter em conta que, quando negociamos os grandes projectos que estão agora a desenvolver-se em Moçambique, isto é, no início dos anos 1990, o que nos interessava era atrair, chamar uma atenção positiva para Moçambique. Isso foi realizado, hoje temos a Sasol… Mas não agimos da mesma maneira em relação aos novos grandes investimentos. Nestes queremos ter mais receitas.
Dos dois maiores países africanos que fizeram parte do mundo português, Angola, apesar da guerra, emergiu como uma potência regional; Moçambique, com menos recursos, ficou mais para trás. É só uma questão de recursos naturais ou há outras questões que explicam o actual estado de desenvolvimento da economia de Moçambique face a Angola? Faço essa comparação só para ser melhor compreendido em Portugal.
São situações diferentes. Angola está no Atlântico, Moçambique está no Índico. Angola tinha recursos que eram explorados já no período da guerra, o petróleo. São recursos que sabemos que dão muito em termos de retorno para as economias de um país. Moçambique não tinha, pelo menos a explorar, esse tipo de recursos. É por isso que Moçambique se virou mais para as áreas em que possa dar mais emprego: agricultura, turismo e outras, naturalmente sem deixar de procurar explorar, ou pelo menos procurar recursos que possam permitir criar uma mais-valia o mais rapidamente possível. Não temos petróleo ainda, esperemos que um dia chegue, mas temos gás. Temos carvão e temos muitos recursos que estão por explorar.
Como está o combate à pobreza em Moçambique 35 anos após a independência?
Ainda somos pobres. Esse é o nosso inimigo. Mas a estratégia que definimos, de transportar a capacidade de decisão nas questões económicas, sociais e políticas para os distritos, para o mundo rural, está a funcionar. Hoje em dia, as prioridades no distrito, numa sede distrital, num território relativamente grande, são decididas pelas pessoas que vivem nesse distrito. E isto faz com que possam participar mais na escolha dos meios que permitam acelerar o desenvolvimento no distrito. Por outro lado, sentimos que existe hoje maior participação em termos de investimento, há muitos investimentos estrangeiros que são importantes na procura de emprego. Temos de ter emprego para resolver o problema da pobreza, e hoje há mais investimento no país.
Ao dizer que Angola está no Atlântico e Moçambique no Índico, queria dizer que as relações comerciais e políticas são mais fáceis com a Índia?
Serão mais fáceis, neste caso, Angola-Portugal. Será mais fácil, é só descer. Se formos ver o mapa, é assim mesmo. Mas Moçambique está exposto a outra situação diferente. Nós estamos a meio caminho, praticamente, dos grandes mercados da América Latina e da Ásia. Mas só agora é que esta realidade está a despertar.
Está satisfeito com os portugueses que residem em Moçambique e com o trabalho que fazem?
Estou satisfeito.
Sente que a comunidade moçambicana que reside em Portugal está integrada? Quais são os principais problemas que se colocam nesse campo?
Penso que a comunidade moçambicana em Portugal sente-se bem. Os problemas que se colocam são apenas a nível dos vistos e das autorizações de residência. Temos de resolver esse problema em termos burocráticos para que os moçambicanos possam ter facilidade de estar cá.
A aproximação de Moçambique à Commonwealth, de que é membro, significa falta de confiança na CPLP?
Não. Significa que um país como Moçambique, que tem vários interesses, deve levar em conta todos os seus interesses e valorizá-los, não deve excluir. Não somos um país que anda à procura de inimigos, ou de fazer inimigos. Somos um país que procura fazer e desenvolver amizade com todos. Isto não quer dizer, obviamente, que porque estamos na Commonwealth já não queremos estar na CPLP. A história prova exactamente o contrário: que nós continuamos a desempenhar um papel importante na CPLP, como donos da CPLP, situação que partilhamos com os outros países, e nada nos afasta da CPLP.
Mas há muitas críticas à CPLP em todos os países - que é pouco operacional, pouco eficiente. É possível ultrapassar este défice?
Nós somos parte da CPLP - as críticas que se fazem nós fazemos a nós mesmos. Nós conhecemos as causas: é porque centramos muito a nossa relação no cultural, que é importante, e não estamos a dar a atenção suficiente na área económica. Pois bem, há um ou dois anos para cá sentimos que isso está a mudar. Por exemplo, quando falo das excelentes relações que existem com Portugal, os investimentos portugueses em Moçambique são enormes, os investimentos brasileiros em Moçambique são enormes, os investimentos angolanos em Moçambique estão enormes. Isto prova que a distância não impede que haja investimento económico.
In DN
por JOÃO MARCELINO (DN) e PAULO BALDAIA (TSF)
Hoje
O Presidente moçambicano reconhece que, após 35 anos de independência, o principal desafio a vencer é a pobreza. Elogia as relações com Portugal e apela a maior envolvimento empresarial no seu país, onde, assegura, a democracia está consolidada
Está satisfeito com as relações económicas entre Portugal e Moçambique, ou esperava que os dois Governos e as duas comunidades empresariais tivessem feito melhor nestes 30 anos?
Estou satisfeito. Naturalmente, há espaço para se fazer mais, mas as relações, a nível político, diplomático e de cooperação, estão muito boas. Neste momento, temos entendimentos que vão elevar o nível de cooperação, para permitir que essas relações possam produzir os resultados que esperamos.
Mas ao nível económico - dir-me-á se estes números estão certos ou não - Portugal exporta um pouco mais de cem milhões de euros para Moçambique; Moçambique retribui com 50 milhões. O que pode fazer-se, na sua perspectiva, para equilibrar esta balança?
O que pode fazer-se é o que está a fazer-se agora mesmo: muitos investimentos portugueses em Moçambique, investimentos na área de infra-estruturas e na área produtiva. Isso vai permitir que possamos ter mais comércio e que possamos aumentar a capacidade produtiva do nosso país. Penso que estamos exactamente nesse caminho. Com Portugal, estamos a trabalhar na criação de infra-estruturas, na expansão de infra-estruturas e na área de investimento produtivo.
É verdade que o arrastar da solução para Cahora Bassa impediu que se dessem passos mais largos nessa cooperação? Se tivesse sido Cahora Bassa resolvida muito mais rapidamente, estaríamos hoje...
Com muitos "ses" é complicado. Não se faz história com "se". Prefiro acreditar que, a partir do momento em que resolvemos o problema de Cahora Bassa, podemos aproveitar esta ocasião para avançar.
Uma pergunta concreta, sem "ses", em relação à parte que o Governo português ainda tem em Cahora Bassa, cerca de 15%. Moçambique vai tomar essa fatia de Cahora Bassa? Preferia vê-la nas mãos de investidores portugueses? Nas mãos de investidores moçambicanos?
Temos um acordo para ficarmos com 7,5%, portanto, metade. A outra metade dependerá do Governo português. Naturalmente, depende de Portugal e nós, perante uma informação da parte portuguesa, vamos reagir positivamente. Porque queremos que haja alguma coisa, nesses 7,5%, que ajude a estimular o nosso relacionamento económico.
Está também a ser ouvido por empresários portugueses e a ser lido no DN por empresários portugueses. Em que áreas precisa Moçambique que Portugal invista?
Infra-estruturas é uma delas, mas também na agricultura, particularmente florestas. Nós temos a Portucel, que está interessada e está quase para começar um projecto lá, encorajamos para que haja mais investimentos dessa natureza e na área da agricultura em geral. Assim como no turismo, que é algo que vai fazer a diferença, na medida em que estimula a produção local e, ao mesmo tempo, permite que haja muitas divisas para o país.
Moçambique é um país particularmente interessante para um investidor estrangeiro, na medida em que o Governo concede isenção fiscal aos grandes projectos. Isso é para manter ou pretendem mudar alguma coisa no sentido de arrecadarem mais receitas?
Naturalmente, queremos aumentar as receitas. É preciso ter em conta que, quando negociamos os grandes projectos que estão agora a desenvolver-se em Moçambique, isto é, no início dos anos 1990, o que nos interessava era atrair, chamar uma atenção positiva para Moçambique. Isso foi realizado, hoje temos a Sasol… Mas não agimos da mesma maneira em relação aos novos grandes investimentos. Nestes queremos ter mais receitas.
Dos dois maiores países africanos que fizeram parte do mundo português, Angola, apesar da guerra, emergiu como uma potência regional; Moçambique, com menos recursos, ficou mais para trás. É só uma questão de recursos naturais ou há outras questões que explicam o actual estado de desenvolvimento da economia de Moçambique face a Angola? Faço essa comparação só para ser melhor compreendido em Portugal.
São situações diferentes. Angola está no Atlântico, Moçambique está no Índico. Angola tinha recursos que eram explorados já no período da guerra, o petróleo. São recursos que sabemos que dão muito em termos de retorno para as economias de um país. Moçambique não tinha, pelo menos a explorar, esse tipo de recursos. É por isso que Moçambique se virou mais para as áreas em que possa dar mais emprego: agricultura, turismo e outras, naturalmente sem deixar de procurar explorar, ou pelo menos procurar recursos que possam permitir criar uma mais-valia o mais rapidamente possível. Não temos petróleo ainda, esperemos que um dia chegue, mas temos gás. Temos carvão e temos muitos recursos que estão por explorar.
Como está o combate à pobreza em Moçambique 35 anos após a independência?
Ainda somos pobres. Esse é o nosso inimigo. Mas a estratégia que definimos, de transportar a capacidade de decisão nas questões económicas, sociais e políticas para os distritos, para o mundo rural, está a funcionar. Hoje em dia, as prioridades no distrito, numa sede distrital, num território relativamente grande, são decididas pelas pessoas que vivem nesse distrito. E isto faz com que possam participar mais na escolha dos meios que permitam acelerar o desenvolvimento no distrito. Por outro lado, sentimos que existe hoje maior participação em termos de investimento, há muitos investimentos estrangeiros que são importantes na procura de emprego. Temos de ter emprego para resolver o problema da pobreza, e hoje há mais investimento no país.
Ao dizer que Angola está no Atlântico e Moçambique no Índico, queria dizer que as relações comerciais e políticas são mais fáceis com a Índia?
Serão mais fáceis, neste caso, Angola-Portugal. Será mais fácil, é só descer. Se formos ver o mapa, é assim mesmo. Mas Moçambique está exposto a outra situação diferente. Nós estamos a meio caminho, praticamente, dos grandes mercados da América Latina e da Ásia. Mas só agora é que esta realidade está a despertar.
Está satisfeito com os portugueses que residem em Moçambique e com o trabalho que fazem?
Estou satisfeito.
Sente que a comunidade moçambicana que reside em Portugal está integrada? Quais são os principais problemas que se colocam nesse campo?
Penso que a comunidade moçambicana em Portugal sente-se bem. Os problemas que se colocam são apenas a nível dos vistos e das autorizações de residência. Temos de resolver esse problema em termos burocráticos para que os moçambicanos possam ter facilidade de estar cá.
A aproximação de Moçambique à Commonwealth, de que é membro, significa falta de confiança na CPLP?
Não. Significa que um país como Moçambique, que tem vários interesses, deve levar em conta todos os seus interesses e valorizá-los, não deve excluir. Não somos um país que anda à procura de inimigos, ou de fazer inimigos. Somos um país que procura fazer e desenvolver amizade com todos. Isto não quer dizer, obviamente, que porque estamos na Commonwealth já não queremos estar na CPLP. A história prova exactamente o contrário: que nós continuamos a desempenhar um papel importante na CPLP, como donos da CPLP, situação que partilhamos com os outros países, e nada nos afasta da CPLP.
Mas há muitas críticas à CPLP em todos os países - que é pouco operacional, pouco eficiente. É possível ultrapassar este défice?
Nós somos parte da CPLP - as críticas que se fazem nós fazemos a nós mesmos. Nós conhecemos as causas: é porque centramos muito a nossa relação no cultural, que é importante, e não estamos a dar a atenção suficiente na área económica. Pois bem, há um ou dois anos para cá sentimos que isso está a mudar. Por exemplo, quando falo das excelentes relações que existem com Portugal, os investimentos portugueses em Moçambique são enormes, os investimentos brasileiros em Moçambique são enormes, os investimentos angolanos em Moçambique estão enormes. Isto prova que a distância não impede que haja investimento económico.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Re: Estamos a ouvi-lo(a)
"Invasão do Iraque fez crescer os que queriam combater a América"
por JOÃO CÉU E SILVA
Hoje
Repórter na guerra Sentia-se como Stallone em Brooklyn quando fazia 'jogging' em Bagdad, exercício que não lhe retirou o perfil de agente da CIA que diz ter. Ao DN, o jornalista do 'New York Times' explica o que está por trás das guerras que cobre há uma década
'Apocalypse Now', de Coppola, parece um filme infantil quando comparado com estas guerras no Afeganistão e no Iraque!
É uma guerra diferente porque ao pensar-se no Vietname as memórias são a selva, a música e as drogas - a morte também - enquanto no Afeganistão e no Iraque é o deserto sem cores. Diria antes que agora é mais um filme de terror.
Uma guerra muito mais dura?
Agora a guerra é mais eficiente e cirúrgica, o que é melhor a nível de baixas. Se compararmos há uma diferença entre os 5 mil americanos mortos agora e os 60 mil de então tal como os 100 mil civis em vez dos dois milhões de vietnamitas. Foi uma carnificina muito maior.
O soldado dos EUA é muito jovem. É-lhe fácil lutar nestes países?
É-lhe fácil puxar o gatilho e matar mas é difícil compreender porque está ali quando têm 19 anos, nascido numa cidade do interior dos EUA, não fala a língua nem entende a cultura de uma terra a milhares de quilómetros da sua.
Mas Bush explicou estas guerras!
Quando falamos com eles ouvem-se muitas justificações mas no Iraque, nos últimos anos, a única razão é: vamos estabilizar a situação para nos pormos a andar daqui para fora. É normal que pensem assim porque a maior parte nem sabe que a guerra no Afeganistão começou após o 11 Setembro.
Acredita que as tropas americanas conseguirão pacificar o Iraque?
É muito difícil fazer uma previsão. Estive lá em 2001, numa guerra diferente com os talibãs onde estava nas nossas mãos a decisão. Agora, não sei se voltaremos a dominar.
O modo como escreve a reportagem também mudou?
Os talibãs eram gente estranha e até parecia que andávamos num cenário do Velho Testamento; no século XIV ou até que estávamos a aterrar na Lua. Agora ainda é assim em muitos lugares mas há uma diferença no Governo, é mais sofisticado mesmo que ainda se viva como no século XIV. Não esqueço que em 1998 assisti a execuções e amputações públicas no estádio de Cabul, um tempo ainda mais estranho.
Há um olhar diferente na escrita?
Somos livres de escrever o que queremos mas agora é mais difícil correr o país, tal é o perigo fora de Cabul. Tento fazer as mesmas perguntas e responder do mesmo modo mas o noticiário não mudou tanto assim.
E o olhar do New York Times e dos EUA mudou?
Eu sou livre de escrever o que quero. O editor pergunta o que se está a passar e pede o relato da situação. A única obrigação é ser justo. É claro que o tempo político está diferente nos EUA, mas isso também acontece na própria Europa.
Mesmo com Obama a governar?
Obama decidiu claramente um caminho que quase duplicou os efectivos. Pôs o jogo todo sobre a mesa.
O que pode gerar uma guerra sem um fim à vista?
Esta guerra é como um grande avião que está há anos a voar na direcção errada. O que se espera é que se consiga achar o rumo certo.
O título do seu livro - Guerra Sem Fim - podia ser bom título de ficção se não fosse tão premonitório?
Não queria fazer uma análise da guerra no livro mas sim mostrar como é estar no terreno. E lá, parece que o fim não está à vista, mesmo que não seja o fim do mundo como acontecia em 2005/6 no Iraque.
Não quer fazer análise, mas é muito real quando descreve os B52.
É mais uma questão estética porque é uma imagem impressionante, quando se está no Afeganistão, o ver chegar esses bombardeiros que voaram seis mil milhas para deixarem cair bombas com 2 mil quilos. Isto num país que tem um céu tão azul que obriga a reter a imagem para sempre. É impossível não fazer alguma análise ao que se assiste.
O que existe ainda do velho Iraque?
A sociedade colapsou em 2003 e só nos últimos anos é que recuperou de um modo que até julgava impossível. É um lugar totalmente diferente, onde a violência tem diminuído, e com uma quantidade de refugiados que é trágica.
Os EUA conseguem entender o fenómeno destas guerras religiosas?
Não sei se a guerra no Afeganistão e no Iraque tem origens religiosas. Há esses aspectos na guerra civil mas não serão os dominantes.
Será o próximo estágio da guerra?
Para os jovens a preocupação é encontrar emprego ou ir à escola. Até podem ver os EUA como o invasor mas não o vêem como os cruzados de antigamente. Se falamos da Al-Qaeda, há que ver que são apenas uma pequena parte do problema.
Esperava que as tropas dos EUA falhassem a captura de Ben Laden?
Estive em Tora Bora mal acabou a batalha para o capturar e vi as caves e túneis onde ele se escondia... Nessa fase da guerra, os EUA estavam muito relutantes em pôr tropas no terreno e entregaram certas missões aos afegãos. E, eles não cumpriram porque achavam que deveria ser os EUA a fazer o trabalho. Um dos fantasmas que há que exorcizar após o 11 de Setembro é a relutância em pôr soldados no terreno.
Justifica-se que tenham morrido mais americanos nestas guerras do que no atentado das Torres Gémeas
A guerra do Iraque foi catastrófica para americanos e iraquianos e vai demorar anos para se reparar os efeitos. As guerras, dizem, são uma série de catástrofes que acabam numa vitória. Penso que aqui ninguém a pode reclamar com tanto sangue.
Alguma vez teve medo de morrer?
Quem faz este trabalho sabe que o medo é um amigo e uma protecção. Ouvimos uma voz vinda da mente a dizer "Baixa-te ou deita-te para o chão". Isso mantém-nos vivos. Quase fui morto várias vezes.
Ser correspondente hoje é muito diferente de quando Hemingway era?
Identifico-me mais com Ryszard Kapuscinski.
Usou a burka para se disfarçar?
Basta olhar para mim para ver que não engano ninguém, mas confesso que já o tentei em 2005, numa zona controlada pela Al-Qaeda. Senti-me um idiota completo porque fisicamente pareço mais um agente da CIA e com a burka assemelho-me a um agente de burka.
Sente-se muito a presença da CIA?
Eles estão lá. Recorri uma vez à CIA porque uma jornalista foi raptada mas de resto não dou por eles.
Esta guerra dá força ao terrorismo?
A do Iraque foi um íman para os terroristas e foram para lá vindos de todas as partes do mundo para lutar contra os americanos. Acreditavam que se os combatiam ali era como se estivessem em plena Nova Iorque a lutar. A invasão do Iraque fez crescer o número dos que queriam combater a América e em gente que não tinha esse sentimento antes.
In DN
por JOÃO CÉU E SILVA
Hoje
Repórter na guerra Sentia-se como Stallone em Brooklyn quando fazia 'jogging' em Bagdad, exercício que não lhe retirou o perfil de agente da CIA que diz ter. Ao DN, o jornalista do 'New York Times' explica o que está por trás das guerras que cobre há uma década
'Apocalypse Now', de Coppola, parece um filme infantil quando comparado com estas guerras no Afeganistão e no Iraque!
É uma guerra diferente porque ao pensar-se no Vietname as memórias são a selva, a música e as drogas - a morte também - enquanto no Afeganistão e no Iraque é o deserto sem cores. Diria antes que agora é mais um filme de terror.
Uma guerra muito mais dura?
Agora a guerra é mais eficiente e cirúrgica, o que é melhor a nível de baixas. Se compararmos há uma diferença entre os 5 mil americanos mortos agora e os 60 mil de então tal como os 100 mil civis em vez dos dois milhões de vietnamitas. Foi uma carnificina muito maior.
O soldado dos EUA é muito jovem. É-lhe fácil lutar nestes países?
É-lhe fácil puxar o gatilho e matar mas é difícil compreender porque está ali quando têm 19 anos, nascido numa cidade do interior dos EUA, não fala a língua nem entende a cultura de uma terra a milhares de quilómetros da sua.
Mas Bush explicou estas guerras!
Quando falamos com eles ouvem-se muitas justificações mas no Iraque, nos últimos anos, a única razão é: vamos estabilizar a situação para nos pormos a andar daqui para fora. É normal que pensem assim porque a maior parte nem sabe que a guerra no Afeganistão começou após o 11 Setembro.
Acredita que as tropas americanas conseguirão pacificar o Iraque?
É muito difícil fazer uma previsão. Estive lá em 2001, numa guerra diferente com os talibãs onde estava nas nossas mãos a decisão. Agora, não sei se voltaremos a dominar.
O modo como escreve a reportagem também mudou?
Os talibãs eram gente estranha e até parecia que andávamos num cenário do Velho Testamento; no século XIV ou até que estávamos a aterrar na Lua. Agora ainda é assim em muitos lugares mas há uma diferença no Governo, é mais sofisticado mesmo que ainda se viva como no século XIV. Não esqueço que em 1998 assisti a execuções e amputações públicas no estádio de Cabul, um tempo ainda mais estranho.
Há um olhar diferente na escrita?
Somos livres de escrever o que queremos mas agora é mais difícil correr o país, tal é o perigo fora de Cabul. Tento fazer as mesmas perguntas e responder do mesmo modo mas o noticiário não mudou tanto assim.
E o olhar do New York Times e dos EUA mudou?
Eu sou livre de escrever o que quero. O editor pergunta o que se está a passar e pede o relato da situação. A única obrigação é ser justo. É claro que o tempo político está diferente nos EUA, mas isso também acontece na própria Europa.
Mesmo com Obama a governar?
Obama decidiu claramente um caminho que quase duplicou os efectivos. Pôs o jogo todo sobre a mesa.
O que pode gerar uma guerra sem um fim à vista?
Esta guerra é como um grande avião que está há anos a voar na direcção errada. O que se espera é que se consiga achar o rumo certo.
O título do seu livro - Guerra Sem Fim - podia ser bom título de ficção se não fosse tão premonitório?
Não queria fazer uma análise da guerra no livro mas sim mostrar como é estar no terreno. E lá, parece que o fim não está à vista, mesmo que não seja o fim do mundo como acontecia em 2005/6 no Iraque.
Não quer fazer análise, mas é muito real quando descreve os B52.
É mais uma questão estética porque é uma imagem impressionante, quando se está no Afeganistão, o ver chegar esses bombardeiros que voaram seis mil milhas para deixarem cair bombas com 2 mil quilos. Isto num país que tem um céu tão azul que obriga a reter a imagem para sempre. É impossível não fazer alguma análise ao que se assiste.
O que existe ainda do velho Iraque?
A sociedade colapsou em 2003 e só nos últimos anos é que recuperou de um modo que até julgava impossível. É um lugar totalmente diferente, onde a violência tem diminuído, e com uma quantidade de refugiados que é trágica.
Os EUA conseguem entender o fenómeno destas guerras religiosas?
Não sei se a guerra no Afeganistão e no Iraque tem origens religiosas. Há esses aspectos na guerra civil mas não serão os dominantes.
Será o próximo estágio da guerra?
Para os jovens a preocupação é encontrar emprego ou ir à escola. Até podem ver os EUA como o invasor mas não o vêem como os cruzados de antigamente. Se falamos da Al-Qaeda, há que ver que são apenas uma pequena parte do problema.
Esperava que as tropas dos EUA falhassem a captura de Ben Laden?
Estive em Tora Bora mal acabou a batalha para o capturar e vi as caves e túneis onde ele se escondia... Nessa fase da guerra, os EUA estavam muito relutantes em pôr tropas no terreno e entregaram certas missões aos afegãos. E, eles não cumpriram porque achavam que deveria ser os EUA a fazer o trabalho. Um dos fantasmas que há que exorcizar após o 11 de Setembro é a relutância em pôr soldados no terreno.
Justifica-se que tenham morrido mais americanos nestas guerras do que no atentado das Torres Gémeas
A guerra do Iraque foi catastrófica para americanos e iraquianos e vai demorar anos para se reparar os efeitos. As guerras, dizem, são uma série de catástrofes que acabam numa vitória. Penso que aqui ninguém a pode reclamar com tanto sangue.
Alguma vez teve medo de morrer?
Quem faz este trabalho sabe que o medo é um amigo e uma protecção. Ouvimos uma voz vinda da mente a dizer "Baixa-te ou deita-te para o chão". Isso mantém-nos vivos. Quase fui morto várias vezes.
Ser correspondente hoje é muito diferente de quando Hemingway era?
Identifico-me mais com Ryszard Kapuscinski.
Usou a burka para se disfarçar?
Basta olhar para mim para ver que não engano ninguém, mas confesso que já o tentei em 2005, numa zona controlada pela Al-Qaeda. Senti-me um idiota completo porque fisicamente pareço mais um agente da CIA e com a burka assemelho-me a um agente de burka.
Sente-se muito a presença da CIA?
Eles estão lá. Recorri uma vez à CIA porque uma jornalista foi raptada mas de resto não dou por eles.
Esta guerra dá força ao terrorismo?
A do Iraque foi um íman para os terroristas e foram para lá vindos de todas as partes do mundo para lutar contra os americanos. Acreditavam que se os combatiam ali era como se estivessem em plena Nova Iorque a lutar. A invasão do Iraque fez crescer o número dos que queriam combater a América e em gente que não tinha esse sentimento antes.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Escritor Alexandre Parafita respondeu ao Transmontanos de Gema
«Deslumbrar crianças não é fácil»
Escritor Alexandre Parafita respondeu ao Transmontanos de Gema
Já foi jornalista, ainda é professor, mas é na literatura infantil que se tem notabilizado. O duriense Alexandre Parafita já publicou mais de uma vintena de livros. A maioria relata lendas transmontanas. Não admira.
O autor nasceu a ouvi-las da boca dos avós, que o impediam de ir para a mina na vinha, dizendo-lhe que viviam lá mouros. Mas se na escrita é transmontano quanto baste, no prato e na pinga, só o “essencial”. E escrever para crianças é fácil? Nada disso. Porquê? Porque “a criança não lê livros para fazer favores a ninguém”.
Semanário TRANSMONTANO (ST): A primeira pergunta é da praxe, considera-se um transmontano de gema?
Alexandre Parafita (AP): Sim, e reforçadamente, na medida em que sou duriense, sou do coração do Douro, do vinho do Porto, de Sabrosa e, portanto, tenho toda a minha família aqui radicada, em Trás-os-Montes, e, portanto, sinto-me perfeitamente identificado com as minhas raízes e presumo que essas características servem para me qualificar dessa forma.
ST: Estudou no Porto, passou também por Coimbra, quando estava fora como é que fazia para matar saudades de Trás-os-Montes?
AP: Sim é um desconforto imenso, ainda hoje e quando estudava, de facto quando estou fora de Trás-os-Montes só sossego quando regresso, porque as grandes cidades incomodam-me muito, o bulício, as pessoas não se conhecerem, não se cumprimentarem com à vontade. De facto, quando eu estudei, tinha mesmo de frequentar essas instituições de ensino, para poder fazer o percurso académico que escolhi, mas só sossegava quando chegava a Trás-os-Montes.
ST: Parte da sua obra são lendas transmontanas é de alguma forma um tributo à região?
AP: De certa forma é, no entanto, esta vontade que eu tenho de trabalhar com as lendas e de tudo o que tem a ver com o património imaterial tem muito a ver com a devoção que eu desde muito novo fui sentindo em relação à região. Eu, de facto, criei-me quase que diria num conto de fadas, porque fui deixado pelos meus pais entregue aos meus avós muito novo e, portanto, recebi as influências todas daquele nicho de cultura popular, de vivência tradicional, rural e isso marcou-me muito. Senti-me quase impelido naturalmente a enveredar por este caminho, portanto, as lendas, no fundo, é um pouco do corolário de todo o percurso que eu fiz desde a minha infância.
ST: Tem memória da primeira lenda que lhe foi contada, a primeira história, tem alguma na memória, que lhe tenha ficado gravada?
AP: Sim, tenho, de facto, embora nessa altura estava muito longe de imaginar que um dia as minhas inquietações académicas e profissionais iriam recair aí. Lembro-me, perfeitamente, de o meu avô, quando eu o acompanhava nas enxertias, numas vinhas que ele tinha nos subúrbios de Sabrosa, de ele não me deixar ir para junto de uma mina - claro que a preocupação dele era que eu me metesse para dentro da mina e ficasse nalgum açude por lá e ele depois não sabia onde é que eu estava - mas ele amedrontava-me a dizer que ali estavam os Mouros.
ST: Foi jornalista durante vários anos, também nesta profissão acha que deve haver algum bairrismo, já alguma vez o praticou?
AP: Sim, julgo que sim, embora as pessoas não devam estar obce-cadas pelos sentimentos bairristas, porque um jornalista tem de se convencer que tem de ser isento, e se ele é excessivamente bairrista, não é isento. Mas enquanto jornalista eu procurei sempre não me desvincular da realidade em que estava emergido e eu trabalhei essencialmente em Trás-os-Montes e procurava não me deixar dominar pelas preocupações e inquietações do meio, mas tenho que reconhecer que em muitas circunstancias o sentimento bairrista estava presente.
ST: Acha que os transmontanos ainda são olhados com algum desdém?
AP: Presumo que actualmente está-se a esvair muito esse estigma que recaía sobre os transmontanos, hoje, um transmontano é muito reconhecido, vejo que o presidente do PSD é vila-realense, conheci-o na infância dele, convivi, inclusivamente, com ele, vi-o nascer, vi-o crescer. Hoje é normal um transmontano ser professor catedrático, ser actor, ser músico. Antigamente, isso era mais difícil, não havia acessibilidade a determinados cargos, a determinados estatutos e, quando se olhava para um transmontano, estava-se sempre à espera de ver alguém diferente, com uma grande samarra, ou com um aspecto mais campestre, serrano, hoje em dia penso que não, eu pessoalmente não tenho razão de queixa e presumo que a circunstância de ser transmontano para mim é uma mais valia.
ST: Agora passando para outra área, para o prato, come pratos transmontanos?
AP: Também aí não sou muito bairrista. Os pratos transmontanos são pratos muito fortes, muito pesados e eu não gosto de refeições pesadas, mas provo sempre. Em Sabrosa, por exemplo, fazem-se enchidos espectaculares, e eu gosto de comer, mas como sempre pouco, o mínimo possível, porque a gente sabe que se come muito, depois, a saúde também acusa....
ST: Transmontano, mas pouco, no prato....
AP: Sim, no prato, sou o essencial e também na pinga, também gosto de beber vinho, sobretudo da minha região, do Douro. Bebo, naturalmente, com moderação.
ST: Já foi jornalista, já foi professor e porque é que decidiu ser escritor?
AP: Foi acontecendo aos bocadinhos, desde muito novo tive sempre o gosto pela escrita, já no ensino primário eu gostava muito de escrever, de fazer quadras, fazer rimas, portanto, brincar com as palavras e procurar tirar efeitos estéticos do uso das palavras já me vem desde a origem. A minha avó cantava muito, cantava lengalengas e eu fixava-as, tentava reproduzi-las, às vezes, procurava reproduzi-las, acrescentando sempre alguma coisa, portanto, eu era menino para aí com 8, 9 anos e, no fundo, já estava a fazer poesia. Depois, quando fiz o curso de professor de 1º ciclo de ensino básico, lidava muito com as crianças. No mês de estágio, lembro-me que eu escrevia contos infantis para as crianças, abdicava muitas vezes dos textos dos manuais e levava-lhes sempre, às segundas feiras, as minhas histórias e eles gostavam e fui percebendo que era capaz de ter jeito para escrever literatura infantil. Mais tarde, quando senti um vazio muito grande por não desempenhar a profissão de professor primário, que foi a profissão que os meus pais me deram, senti necessidade de comunicar com as crianças através dos livros, através da literatura infantil e foi aí que eu fui descobrindo que tinha uma linguagem acessível às crianças e que conseguia deslumbrar as crianças.
ST: Acha que é reconhecido por cá? Por Trás-os-Montes?
AP: Minimamente, também não sou muito exigente. Eu sei perfeitamente que no nosso meio, os nossos companheiros normalmente não são os nossos fãs, eu não cultivo muito popularidade, deixo correr, através do que vou escrevendo e vou vendo, mas tenho de reconhecer que é fora de portas que os meus livros mais são reconhecidos, repare, eu sou transmontano e a maior parte dos meus livros faz parte do Plano Nacional de Leitura, eu nem conheço as pessoas que escolheram os meus livros, que os seleccionaram, são pessoas de Lisboa, nunca os vi, nem sei quem são e não sei se aconteceria o mesmo se as pes-soas que escolhessem os livros fossem por exemplo do meu meio.
ST: Acha que a Literatura infantil ainda é considerada um género menor ou não?
AP: Actualmente não, noutros tempos era, era porque quando se escrevia para crianças - também se escrevia pouco para crianças - mas, quando se escrevia, não se pensava muito nas crianças tal qual elas são, não se pensava muito em deslumbrar as crianças. Muitas vezes, as pessoas escreviam para se libertarem a elas próprias, para reelaborarem as suas raízes, a sua infância e faziam-no de uma forma fácil e pensavam que, fazendo de uma forma fácil, servia para as crianças. Mas hoje não, hoje tem-se a noção que escrever para as crianças não é fácil, é subir para um patamar que não está ao alcance de todos, porque comunicar com a criança é fácil, mas deslumbrar a criança não é tão fácil assim. Se o autor não a deslumbrar, ela deixa-o pelo caminho, a criança não lê livros para fazer favores a ninguém, enquanto que um adulto lê um livro porque está na moda esse autor, porque a televisão fala muito nesse autor, a criança não vai por aí, uma criança lê se o texto a deslumbra e isso não está ao alcance de qualquer autor.
ST: Para rematar gostaríamos de ouvir da sua boca uma definição de transmontanos de gema.
AP: Um transmontano de gema, presumo que seja alguém que se sente deslumbrado com as suas raízes e que procura que as suas raízes sejam a catapulta para o seu crescimento, para a sua vida social e para ajudar também os seus parceiros, os seus conterrâneos a sentirem-se felizes. Um transmontano tem que se deslumbrar com as suas raízes, mas tem também que contagiar os outros transmontanos nesse deslumbramento.
Margarida Luzio, Semanário Transmontano, 2010-05-07
Escritor Alexandre Parafita respondeu ao Transmontanos de Gema
Já foi jornalista, ainda é professor, mas é na literatura infantil que se tem notabilizado. O duriense Alexandre Parafita já publicou mais de uma vintena de livros. A maioria relata lendas transmontanas. Não admira.
O autor nasceu a ouvi-las da boca dos avós, que o impediam de ir para a mina na vinha, dizendo-lhe que viviam lá mouros. Mas se na escrita é transmontano quanto baste, no prato e na pinga, só o “essencial”. E escrever para crianças é fácil? Nada disso. Porquê? Porque “a criança não lê livros para fazer favores a ninguém”.
Semanário TRANSMONTANO (ST): A primeira pergunta é da praxe, considera-se um transmontano de gema?
Alexandre Parafita (AP): Sim, e reforçadamente, na medida em que sou duriense, sou do coração do Douro, do vinho do Porto, de Sabrosa e, portanto, tenho toda a minha família aqui radicada, em Trás-os-Montes, e, portanto, sinto-me perfeitamente identificado com as minhas raízes e presumo que essas características servem para me qualificar dessa forma.
ST: Estudou no Porto, passou também por Coimbra, quando estava fora como é que fazia para matar saudades de Trás-os-Montes?
AP: Sim é um desconforto imenso, ainda hoje e quando estudava, de facto quando estou fora de Trás-os-Montes só sossego quando regresso, porque as grandes cidades incomodam-me muito, o bulício, as pessoas não se conhecerem, não se cumprimentarem com à vontade. De facto, quando eu estudei, tinha mesmo de frequentar essas instituições de ensino, para poder fazer o percurso académico que escolhi, mas só sossegava quando chegava a Trás-os-Montes.
ST: Parte da sua obra são lendas transmontanas é de alguma forma um tributo à região?
AP: De certa forma é, no entanto, esta vontade que eu tenho de trabalhar com as lendas e de tudo o que tem a ver com o património imaterial tem muito a ver com a devoção que eu desde muito novo fui sentindo em relação à região. Eu, de facto, criei-me quase que diria num conto de fadas, porque fui deixado pelos meus pais entregue aos meus avós muito novo e, portanto, recebi as influências todas daquele nicho de cultura popular, de vivência tradicional, rural e isso marcou-me muito. Senti-me quase impelido naturalmente a enveredar por este caminho, portanto, as lendas, no fundo, é um pouco do corolário de todo o percurso que eu fiz desde a minha infância.
ST: Tem memória da primeira lenda que lhe foi contada, a primeira história, tem alguma na memória, que lhe tenha ficado gravada?
AP: Sim, tenho, de facto, embora nessa altura estava muito longe de imaginar que um dia as minhas inquietações académicas e profissionais iriam recair aí. Lembro-me, perfeitamente, de o meu avô, quando eu o acompanhava nas enxertias, numas vinhas que ele tinha nos subúrbios de Sabrosa, de ele não me deixar ir para junto de uma mina - claro que a preocupação dele era que eu me metesse para dentro da mina e ficasse nalgum açude por lá e ele depois não sabia onde é que eu estava - mas ele amedrontava-me a dizer que ali estavam os Mouros.
ST: Foi jornalista durante vários anos, também nesta profissão acha que deve haver algum bairrismo, já alguma vez o praticou?
AP: Sim, julgo que sim, embora as pessoas não devam estar obce-cadas pelos sentimentos bairristas, porque um jornalista tem de se convencer que tem de ser isento, e se ele é excessivamente bairrista, não é isento. Mas enquanto jornalista eu procurei sempre não me desvincular da realidade em que estava emergido e eu trabalhei essencialmente em Trás-os-Montes e procurava não me deixar dominar pelas preocupações e inquietações do meio, mas tenho que reconhecer que em muitas circunstancias o sentimento bairrista estava presente.
ST: Acha que os transmontanos ainda são olhados com algum desdém?
AP: Presumo que actualmente está-se a esvair muito esse estigma que recaía sobre os transmontanos, hoje, um transmontano é muito reconhecido, vejo que o presidente do PSD é vila-realense, conheci-o na infância dele, convivi, inclusivamente, com ele, vi-o nascer, vi-o crescer. Hoje é normal um transmontano ser professor catedrático, ser actor, ser músico. Antigamente, isso era mais difícil, não havia acessibilidade a determinados cargos, a determinados estatutos e, quando se olhava para um transmontano, estava-se sempre à espera de ver alguém diferente, com uma grande samarra, ou com um aspecto mais campestre, serrano, hoje em dia penso que não, eu pessoalmente não tenho razão de queixa e presumo que a circunstância de ser transmontano para mim é uma mais valia.
ST: Agora passando para outra área, para o prato, come pratos transmontanos?
AP: Também aí não sou muito bairrista. Os pratos transmontanos são pratos muito fortes, muito pesados e eu não gosto de refeições pesadas, mas provo sempre. Em Sabrosa, por exemplo, fazem-se enchidos espectaculares, e eu gosto de comer, mas como sempre pouco, o mínimo possível, porque a gente sabe que se come muito, depois, a saúde também acusa....
ST: Transmontano, mas pouco, no prato....
AP: Sim, no prato, sou o essencial e também na pinga, também gosto de beber vinho, sobretudo da minha região, do Douro. Bebo, naturalmente, com moderação.
ST: Já foi jornalista, já foi professor e porque é que decidiu ser escritor?
AP: Foi acontecendo aos bocadinhos, desde muito novo tive sempre o gosto pela escrita, já no ensino primário eu gostava muito de escrever, de fazer quadras, fazer rimas, portanto, brincar com as palavras e procurar tirar efeitos estéticos do uso das palavras já me vem desde a origem. A minha avó cantava muito, cantava lengalengas e eu fixava-as, tentava reproduzi-las, às vezes, procurava reproduzi-las, acrescentando sempre alguma coisa, portanto, eu era menino para aí com 8, 9 anos e, no fundo, já estava a fazer poesia. Depois, quando fiz o curso de professor de 1º ciclo de ensino básico, lidava muito com as crianças. No mês de estágio, lembro-me que eu escrevia contos infantis para as crianças, abdicava muitas vezes dos textos dos manuais e levava-lhes sempre, às segundas feiras, as minhas histórias e eles gostavam e fui percebendo que era capaz de ter jeito para escrever literatura infantil. Mais tarde, quando senti um vazio muito grande por não desempenhar a profissão de professor primário, que foi a profissão que os meus pais me deram, senti necessidade de comunicar com as crianças através dos livros, através da literatura infantil e foi aí que eu fui descobrindo que tinha uma linguagem acessível às crianças e que conseguia deslumbrar as crianças.
ST: Acha que é reconhecido por cá? Por Trás-os-Montes?
AP: Minimamente, também não sou muito exigente. Eu sei perfeitamente que no nosso meio, os nossos companheiros normalmente não são os nossos fãs, eu não cultivo muito popularidade, deixo correr, através do que vou escrevendo e vou vendo, mas tenho de reconhecer que é fora de portas que os meus livros mais são reconhecidos, repare, eu sou transmontano e a maior parte dos meus livros faz parte do Plano Nacional de Leitura, eu nem conheço as pessoas que escolheram os meus livros, que os seleccionaram, são pessoas de Lisboa, nunca os vi, nem sei quem são e não sei se aconteceria o mesmo se as pes-soas que escolhessem os livros fossem por exemplo do meu meio.
ST: Acha que a Literatura infantil ainda é considerada um género menor ou não?
AP: Actualmente não, noutros tempos era, era porque quando se escrevia para crianças - também se escrevia pouco para crianças - mas, quando se escrevia, não se pensava muito nas crianças tal qual elas são, não se pensava muito em deslumbrar as crianças. Muitas vezes, as pessoas escreviam para se libertarem a elas próprias, para reelaborarem as suas raízes, a sua infância e faziam-no de uma forma fácil e pensavam que, fazendo de uma forma fácil, servia para as crianças. Mas hoje não, hoje tem-se a noção que escrever para as crianças não é fácil, é subir para um patamar que não está ao alcance de todos, porque comunicar com a criança é fácil, mas deslumbrar a criança não é tão fácil assim. Se o autor não a deslumbrar, ela deixa-o pelo caminho, a criança não lê livros para fazer favores a ninguém, enquanto que um adulto lê um livro porque está na moda esse autor, porque a televisão fala muito nesse autor, a criança não vai por aí, uma criança lê se o texto a deslumbra e isso não está ao alcance de qualquer autor.
ST: Para rematar gostaríamos de ouvir da sua boca uma definição de transmontanos de gema.
AP: Um transmontano de gema, presumo que seja alguém que se sente deslumbrado com as suas raízes e que procura que as suas raízes sejam a catapulta para o seu crescimento, para a sua vida social e para ajudar também os seus parceiros, os seus conterrâneos a sentirem-se felizes. Um transmontano tem que se deslumbrar com as suas raízes, mas tem também que contagiar os outros transmontanos nesse deslumbramento.
Margarida Luzio, Semanário Transmontano, 2010-05-07
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Em ano e meio de funções nunca falei a sós com o PM"
"Em ano e meio de funções nunca falei a sós com o PM"
por JOÃO MARCELINO (DN) e PAULO BALDAIA (TSF)
Hoje
Um ano e meio depois de tomar posse nas polémicas funções de secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, Mário Mendes garante que nunca foi pressionado pelo Governo. Prevê um aumento de perturbações sociais, na sequência da crise económica, mas garante que há planos de contingência a ser preparados pelas forças de segurança.
A criação do seu cargo, há cerca de ano e meio, levantou muita controvérsia por a lei o ter colocado na dependência directa do primeiro-ministro. Falou-se em governamentalização da segurança interna. Fala muito com José Sócrates?
Não. Mesmo muito pouco. Neste ano e meio de mandato que levo cumprido encontrámo-nos duas vezes em dois conselhos superiores de segurança interna e, fortuitamente, numa ou outra comemoração.
Em ano e meio, nunca falou com ele a sós?
Não. As competências de tutela do cargo foram delegadas no ministro da Administração Interna e, nessa medida, é com o ministro da Administração Interna que tenho de colocar as questões. Também não ocorreu nenhuma circunstância de tal gravidade que tivesse de colocar directamente ao primeiro-ministro.
Sentiu-se alguma vez condicionado pelo Governo nas suas decisões?
Nenhuma vez. Eu exerci funções de director da Polícia Judiciária, foi o primeiro cargo que exerci fora da magistratura, no tempo em que era primeiro-ministro o professor Cavaco Silva. E é uma coisa de que me recordo: nessa altura, enquanto director da Polícia Judiciária, nunca sofri qualquer espécie de pressão no sentido de conduzir as coisas desta ou daquela maneira.
Quais foram as maiores dificuldades que o seu cargo lhe colocou durante este ano e meio?
Fundamentalmente, foi a tentativa de mudar uma mentalidade que está instalada e que compartimenta muito a linha de actuação das diversas forças de segurança. Criar uma mentalidade de cooperação e coordenação não é fácil, é um trabalho que tem sido desenvolvido não só em termos daquela parte técnica que irá permitir a interoperabilidade dos diversos sistemas de operações mas na realidade do dia-a-dia, na cooperação que se estabelece no dia-a-dia.
Pela resistência das diversas forças de segurança a perderem o controlo sobre aquilo que consideravam serem os seus pelouros?
Nós temos um bocadinho essa ideia, dividimos muito o País em pequenos quintais. A mentalidade de minifúndio está bastante instalada neste país e é necessário que as pessoas, pelo menos quando entramos em campos da administração pública e da tutela do interesse público, potencializem ao máximo os recursos que estão disponíveis. E essa potencialização dos recursos passa pela instalação de uma mentalidade cooperante.
Ano e meio depois, pode dizer-se que os comandantes das diferentes forças aceitam melhor as ordens do juiz-conselheiro Mário Mendes?
Aceitam pelo menos as directrizes que vou estabelecendo, não propriamente ordens, porque legalmente não as posso dar. Mas aquilo que vai sendo estabelecido, falamos frequentemente a nível do Gabinete Coordenador de Segurança, estabelecemos exactamente estratégias comuns e as posições têm sido bem aceites.
Quando assumiu este cargo, defendeu uma tutela única para as polícias. Isso é um primeiro passo para uma polícia única em Portugal?
Não. É um passo importante exactamente naquilo que estou a dizer, na administração dos meios. Até perante a actual conjuntura económica e financeira, os recursos do Estado são escassos e têm de ser geridos de uma maneira tendente a optimizá-los. E essa optimização dos recursos passa, entre outras coisas, por haver uma gestão única dos meios.
Mas uma polícia única não?
Eu sou contra uma polícia única. Sou a favor daquilo que é considerado e que historicamente está consagrado no nosso país como um sistema dual, portanto, a existência de uma polícia civil e a existência de uma forma de segurança de natureza militarizada. Esta é uma construção típica dos países do Sul da Europa, um modelo muito francês adoptado também pelos espanhóis, pelos italianos e historicamente adoptado por nós. Quando falo em polícia única, estou a falar na questão de saber se faz ou não sentido a junção na mesma força e na mesma tutela da Polícia de Segurança Pública e da Polícia Judiciária. E esse cenário não o afasto, pelo seguinte: historicamente, a Polícia Judiciária nasce no pós-guerra, nos anos 50, como uma polícia directamente ligada ao Ministério Público. O Ministério Público tinha um braço armado, que era a Polícia Judiciária, os próprios magistrados do Ministério Público tinham poderes de Polícia Judiciária. Eu lembro-me: quando entrei para a magistratura do Ministério Público, em 1973, era o representante da Polícia Judiciária na comarca onde exercia funções. Simultaneamente, as chefias da Polícia Judiciária, a nível daquilo que hoje são os coordenadores, eram magistrados do Ministério Público. Os directores ou eram juízes ou eram magistrados do Ministério Público. Chegou a haver uma altura em que uma brigada investigava, o inspector-chefe da brigada acusava e chegava-se ao ponto de o director da polícia ter poderes de instrução criminal e decidir as medidas de coacção. Era tudo dentro da casa.
Mas hoje a magistratura e a polícia estão separadas.
Não há nada mais fora do Estado de direito, julgo eu, e das garantias dos cidadãos, do que isto. Hoje está separado!
Defende uma tutela única para as três polícias ou uma tutela única e duas polícias, uma militarizada e uma civil? Ou seja, PSP e PJ juntas?
Neste momento, a solução de uma tutela única ou mesmo a solução da existência de um cargo idêntico ao meu, mas com alguns poderes de tutela efectiva, que não tem, permitiria - e eu salientei isso no meu discurso de posse - preservar a história de cada uma das instituições e manter a tradição destes três corpos de polícia, não sendo necessária a junção de duas polícias numa só. Ao contrário do que algumas pessoas pensam, a preservação da situação actual é mais consentânea com uma tutela única ou com um cargo que exerça essa tutela de charneira do que um sistema igual àquele que temos hoje.
Há menos de dois meses, e a propósito da partilha de informação com os espanhóis sobre terrorismo e crime organizado, o director da Polícia Judiciária, Almeida Rodrigues, foi duro a desvalorizar a unidade de cooperação policial criada por si. Ou seja, até para saber quem leva a informação aos espanhóis há uma certa desconfiança ainda instalada. Há ainda um longo caminho a percorrer? Como é que interpreta esta atitude da Polícia Judiciária?
Eu suponho que poderá ter havido um equívoco da parte dele, essa é uma questão que está esclarecida. Esse grupo que sai do memorando de cooperação entre Portugal e Espanha não é de forma nenhuma um grupo institucionalizado. É um grupo com uma geometria variável que reunirá com os espanhóis com uma formação que será de elementos da polícia com competência para tratar das matérias que vão ser objecto de conversação com os espanhóis.
A Polícia Judiciária olhava para esta unidade como tendo acesso a informação, e o senhor juiz-conselheiro tendo acesso a informação que não poderia ter, portanto, não faria sentido existir esta unidade.
É todo um equívoco, nem sequer assisto às reuniões! Não assisto porque acho que não devo assistir, profissionais da polícia estão muito mais à vontade a falar entre si do que se estiver uma qualquer tutela, seja eu, seja outra qualquer. Normalmente, quando se passa às reuniões operativas ficam aqueles que têm de tratar dos assuntos. E se é um assunto que está na competência da Polícia Judiciária, pois irá um representante da PJ que o senhor director designará. Agora, se for uma situação que interesse a mais do que um órgão de polícia criminal, pois irão representantes desse órgão. Há aqui mais uma vez um equívoco em relação à matéria de cooperação: a matéria de cooperação, estabelecendo-se no campo da investigação, isto é, quando há um inquérito pendente em Portugal irmos falar deste inquérito com espanhóis, isto significa que terão de ir as pessoas que são competentes para tratar do nosso inquérito falar com as pessoas que são competentes para transmitir a informação que nós pretendemos. Isso é uma questão mais vasta que se coloca no campo, por exemplo, da prevenção. Se vamos falar com os espanhóis, voltando ao terrorismo, por exemplo, sobre os novos modus operandi da ETA, é uma realidade que interessa a todos.
Mudou alguma coisa na organização do nosso sistema de segurança interna desde que se confirmou a existência de operações da ETA em Portugal?
Há um reforço óbvio de atenção em relação a essa situação. Isso passa até exactamente por isto que está a acontecer, um diálogo quase permanente com os espanhóis.
O terrorismo é uma ameaça real para os portugueses?
É uma ameaça real para todo o mundo. Nós não estamos imunes a que ocorra aqui qualquer acto dessa natureza.
Que outros tipos de crime organizado o preocupam, para além do terrorismo?
Mantém-se muita preocupação relativamente ao tráfico de droga, continuamos a ter muita atenção aos movimentos de tráfico e à permanente alteração das rotas desse tráfico.
Passa muito por Portugal, a caminho da Europa?
Passa, direi que de uma forma suficientemente grave. Tanto em Portugal, como pela Espanha, pela Holanda. Passa de uma forma que eu considero que é suficientemente grave para exigir de nós uma atenção muito especial. Há um outro crime a que nós temos de estar muito atentos, que é a questão ligada à imigração ilegal e ao tráfico de pessoas. As rotas do tráfico de droga começaram com a entrada a fazer-se por Espanha, pela costa sul de Espanha, nos anos 70, 80. Com a intensificação do controlo por parte dos espanhóis, as rotas desviaram em parte para a costa portuguesa, o que está hoje a suceder em Espanha com alguns fenómenos.
Não só no Sul como no Norte, da Galiza para o Norte de Portugal.
Exacto. Mas aí não se põe tanto este problema que estou a colocar, porque é trânsito vindo do sul, que é o de tráfico de pessoas e de imigração ilegal. Temos de estar atentos, pode começar a ocorrer também em Portugal.
Há informação nesse sentido, de que as rotas de tráfico de pessoas se preparam para fazer um desvio para as nossas costas, que são mais vulneráveis?
Informação propriamente não há. Há análise e há esse cenário como um cenário possível.
No relatório de segurança interna de 2009 foi feita pela primeira vez uma referência aos chamados bairros de risco. Que prevenção é feita nesses bairros?
Em primeiro lugar, e antes de tudo, tem de haver uma prevenção de natureza social.
Tem de haver - e há?
Talvez não haja suficientemente. Há uma preocupação social, uma preocupação educacional, uma preocupação em cuidados de saúde. Há todo um conjunto de políticas públicas que têm necessariamente de estar sempre a montante da intervenção do sistema policial. O sistema policial não é solução para nada, é a última…
E, no país em que vive, teme que a necessidade de gastar menos dinheiro possa ser um handicap a essa prevenção de que fala?
Pode ser, eu reconheci-o no ano passado. Quando foi publicado o Relatório Anual de Segurança Interna relativo ao ano de 2008, em que houve aquela subida de criminalidade, muita gente falou de o ano de crise de 2009 poder vir a acentuar aquela tendência crescente. Eu aí entendi que não, porque, em primeiro lugar, não há uma relação directa entre situação económica e crime. Em segundo lugar, porque entendo que enquanto o Estado tiver capacidade para oferecer algumas medidas compensatórias a situação mantém-se mais calma. Agora, nós este ano estamos num ano difícil, toda a gente o reconhece e já nem sequer ninguém esconde, provavelmente há um conjunto de prestações sociais que vão sofrer cortes. Eu não direi que isto vá dar necessariamente um aumento de criminalidade, mas vai com certeza dar um aumento de alguma perturbação social.
E essa eventualidade está analisada? Há esquemas de segurança previstos para um eventual agravamento da tensão social no nosso país?
Estamos a trabalhar no sentido de estabelecer alguns planos de contingência para algumas situações que possam ocorrer.
Está a estudar o caso da Grécia? As perturbações sociais que lá estão a decorrer estão a ser estudadas pelo seu gabinete?
No meu gabinete não, mas neste momento há grupos de estudo que estão a analisar esse sistema e que nos estão a manter acompanhados sobre essa situação.
Já estão definidas ameaças emergentes para este ano? De que grupos é que é expectável uma maior radicalização? Fala-se já nos camionistas, porque já assistimos há uns anos a um problema de ordem pública por causa da intervenção dos camionistas. As polícias estão preparadas para enfrentar possíveis alterações de ordem pública como aquelas que já aconteceram?
Não vou referir particularmente nenhuma situação, mas é óbvio que nessa matéria de perturbação social há sempre grupos de risco: grupos de tutela de interesses profissionais que tomam atitudes mais radicais, grupos colocados em determinadas franjas ideológicas - caso dos radicais, libertários - e grupos sociais de risco. É a tal questão que me colocou, algumas pessoas que residem em bairros de risco e potencialmente constituem um risco de alguma perturbação social. Isso não é novo - o movimento dessas pessoas é permanentemente acompanhado, pelos sistemas de informações das polícias e pelas avaliações que são feitas pelos próprios serviços de informações de segurança.
O general Leonel de Carvalho, que pode ser considerado o seu antecessor no cargo, embora com competências diferentes, fez há pouco tempo críticas duras à nova Lei de Execução de Penas e afirmou que Portugal estava a tornar-se num paraíso para criminosos. Que comentário lhe merecem estas afirmações?
Não sei o que é que o senhor general emitiu, não tinha visto sequer. É uma novidade para mim essa informação.
Ele estava sobretudo a referir-se à possibilidade de um condenado poder usufruir de um regime aberto ao fim do cumprimento de um quarto da sua pena.
Sim, abstractamente pode. Mas eu não tenho uma visão tão crítica dessa nova Lei de Execução de Penas. É óbvio que isto dá alguns poderes que aparentemente podem ser excessivos à administração penitenciária. De qualquer modo, os actos da administração penitenciária estão sujeitos - a lei prevê-o - a uma tutela jurisdicional. Portanto, a administração penitenciária não pode decidir pelo seu livre arbítrio, tem um controlo judiciário. Mas caímos num erro muito grande quando relacionamos directamente a questão das penas e da administração penitenciária com situações de paraíso dos criminosos.
Acha portanto que em 2008 a entrada em vigor do Código do Processo Penal, que também libertou alguns presos preventivos, não teve nada a ver com a criminalidade que existia nessa altura?
Com certeza que teve alguma coisa a ver - agora, que não foi causa única também não foi. Mas é diferente, o sistema retributivo da pena e o sistema da pena em termos de prevenção criminal são aspectos completamente diferentes. Teremos de chegar à conclusão de que em países que têm sistemas extremamente radicais - como é o caso dos EUA: um homicida está no mínimo sujeito a uma pena de prisão perpétua, com facilidade entrará na parte da pena de morte nos Estados que ainda a mantêm - não haveria ou haveria poucos homicídios. Não é isso que está demonstrado. Essa segunda questão: é óbvio que acarretou a libertação quase ao mesmo tempo de grande número de pessoas que são potencialmente delinquentes. Eu não estabeleço uma relação absoluta de causa e efeito, mas que algum contributo deu, com certeza que sim.
Mas essa expressão, de eventual paraíso de criminosos, não compartilha essas preocupações?
Não. Acho que, apesar de tudo, nos mantemos como um país tranquilo, embora não possamos viver com esta ideia permanentemente.
In DN
por JOÃO MARCELINO (DN) e PAULO BALDAIA (TSF)
Hoje
Um ano e meio depois de tomar posse nas polémicas funções de secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, Mário Mendes garante que nunca foi pressionado pelo Governo. Prevê um aumento de perturbações sociais, na sequência da crise económica, mas garante que há planos de contingência a ser preparados pelas forças de segurança.
A criação do seu cargo, há cerca de ano e meio, levantou muita controvérsia por a lei o ter colocado na dependência directa do primeiro-ministro. Falou-se em governamentalização da segurança interna. Fala muito com José Sócrates?
Não. Mesmo muito pouco. Neste ano e meio de mandato que levo cumprido encontrámo-nos duas vezes em dois conselhos superiores de segurança interna e, fortuitamente, numa ou outra comemoração.
Em ano e meio, nunca falou com ele a sós?
Não. As competências de tutela do cargo foram delegadas no ministro da Administração Interna e, nessa medida, é com o ministro da Administração Interna que tenho de colocar as questões. Também não ocorreu nenhuma circunstância de tal gravidade que tivesse de colocar directamente ao primeiro-ministro.
Sentiu-se alguma vez condicionado pelo Governo nas suas decisões?
Nenhuma vez. Eu exerci funções de director da Polícia Judiciária, foi o primeiro cargo que exerci fora da magistratura, no tempo em que era primeiro-ministro o professor Cavaco Silva. E é uma coisa de que me recordo: nessa altura, enquanto director da Polícia Judiciária, nunca sofri qualquer espécie de pressão no sentido de conduzir as coisas desta ou daquela maneira.
Quais foram as maiores dificuldades que o seu cargo lhe colocou durante este ano e meio?
Fundamentalmente, foi a tentativa de mudar uma mentalidade que está instalada e que compartimenta muito a linha de actuação das diversas forças de segurança. Criar uma mentalidade de cooperação e coordenação não é fácil, é um trabalho que tem sido desenvolvido não só em termos daquela parte técnica que irá permitir a interoperabilidade dos diversos sistemas de operações mas na realidade do dia-a-dia, na cooperação que se estabelece no dia-a-dia.
Pela resistência das diversas forças de segurança a perderem o controlo sobre aquilo que consideravam serem os seus pelouros?
Nós temos um bocadinho essa ideia, dividimos muito o País em pequenos quintais. A mentalidade de minifúndio está bastante instalada neste país e é necessário que as pessoas, pelo menos quando entramos em campos da administração pública e da tutela do interesse público, potencializem ao máximo os recursos que estão disponíveis. E essa potencialização dos recursos passa pela instalação de uma mentalidade cooperante.
Ano e meio depois, pode dizer-se que os comandantes das diferentes forças aceitam melhor as ordens do juiz-conselheiro Mário Mendes?
Aceitam pelo menos as directrizes que vou estabelecendo, não propriamente ordens, porque legalmente não as posso dar. Mas aquilo que vai sendo estabelecido, falamos frequentemente a nível do Gabinete Coordenador de Segurança, estabelecemos exactamente estratégias comuns e as posições têm sido bem aceites.
Quando assumiu este cargo, defendeu uma tutela única para as polícias. Isso é um primeiro passo para uma polícia única em Portugal?
Não. É um passo importante exactamente naquilo que estou a dizer, na administração dos meios. Até perante a actual conjuntura económica e financeira, os recursos do Estado são escassos e têm de ser geridos de uma maneira tendente a optimizá-los. E essa optimização dos recursos passa, entre outras coisas, por haver uma gestão única dos meios.
Mas uma polícia única não?
Eu sou contra uma polícia única. Sou a favor daquilo que é considerado e que historicamente está consagrado no nosso país como um sistema dual, portanto, a existência de uma polícia civil e a existência de uma forma de segurança de natureza militarizada. Esta é uma construção típica dos países do Sul da Europa, um modelo muito francês adoptado também pelos espanhóis, pelos italianos e historicamente adoptado por nós. Quando falo em polícia única, estou a falar na questão de saber se faz ou não sentido a junção na mesma força e na mesma tutela da Polícia de Segurança Pública e da Polícia Judiciária. E esse cenário não o afasto, pelo seguinte: historicamente, a Polícia Judiciária nasce no pós-guerra, nos anos 50, como uma polícia directamente ligada ao Ministério Público. O Ministério Público tinha um braço armado, que era a Polícia Judiciária, os próprios magistrados do Ministério Público tinham poderes de Polícia Judiciária. Eu lembro-me: quando entrei para a magistratura do Ministério Público, em 1973, era o representante da Polícia Judiciária na comarca onde exercia funções. Simultaneamente, as chefias da Polícia Judiciária, a nível daquilo que hoje são os coordenadores, eram magistrados do Ministério Público. Os directores ou eram juízes ou eram magistrados do Ministério Público. Chegou a haver uma altura em que uma brigada investigava, o inspector-chefe da brigada acusava e chegava-se ao ponto de o director da polícia ter poderes de instrução criminal e decidir as medidas de coacção. Era tudo dentro da casa.
Mas hoje a magistratura e a polícia estão separadas.
Não há nada mais fora do Estado de direito, julgo eu, e das garantias dos cidadãos, do que isto. Hoje está separado!
Defende uma tutela única para as três polícias ou uma tutela única e duas polícias, uma militarizada e uma civil? Ou seja, PSP e PJ juntas?
Neste momento, a solução de uma tutela única ou mesmo a solução da existência de um cargo idêntico ao meu, mas com alguns poderes de tutela efectiva, que não tem, permitiria - e eu salientei isso no meu discurso de posse - preservar a história de cada uma das instituições e manter a tradição destes três corpos de polícia, não sendo necessária a junção de duas polícias numa só. Ao contrário do que algumas pessoas pensam, a preservação da situação actual é mais consentânea com uma tutela única ou com um cargo que exerça essa tutela de charneira do que um sistema igual àquele que temos hoje.
Há menos de dois meses, e a propósito da partilha de informação com os espanhóis sobre terrorismo e crime organizado, o director da Polícia Judiciária, Almeida Rodrigues, foi duro a desvalorizar a unidade de cooperação policial criada por si. Ou seja, até para saber quem leva a informação aos espanhóis há uma certa desconfiança ainda instalada. Há ainda um longo caminho a percorrer? Como é que interpreta esta atitude da Polícia Judiciária?
Eu suponho que poderá ter havido um equívoco da parte dele, essa é uma questão que está esclarecida. Esse grupo que sai do memorando de cooperação entre Portugal e Espanha não é de forma nenhuma um grupo institucionalizado. É um grupo com uma geometria variável que reunirá com os espanhóis com uma formação que será de elementos da polícia com competência para tratar das matérias que vão ser objecto de conversação com os espanhóis.
A Polícia Judiciária olhava para esta unidade como tendo acesso a informação, e o senhor juiz-conselheiro tendo acesso a informação que não poderia ter, portanto, não faria sentido existir esta unidade.
É todo um equívoco, nem sequer assisto às reuniões! Não assisto porque acho que não devo assistir, profissionais da polícia estão muito mais à vontade a falar entre si do que se estiver uma qualquer tutela, seja eu, seja outra qualquer. Normalmente, quando se passa às reuniões operativas ficam aqueles que têm de tratar dos assuntos. E se é um assunto que está na competência da Polícia Judiciária, pois irá um representante da PJ que o senhor director designará. Agora, se for uma situação que interesse a mais do que um órgão de polícia criminal, pois irão representantes desse órgão. Há aqui mais uma vez um equívoco em relação à matéria de cooperação: a matéria de cooperação, estabelecendo-se no campo da investigação, isto é, quando há um inquérito pendente em Portugal irmos falar deste inquérito com espanhóis, isto significa que terão de ir as pessoas que são competentes para tratar do nosso inquérito falar com as pessoas que são competentes para transmitir a informação que nós pretendemos. Isso é uma questão mais vasta que se coloca no campo, por exemplo, da prevenção. Se vamos falar com os espanhóis, voltando ao terrorismo, por exemplo, sobre os novos modus operandi da ETA, é uma realidade que interessa a todos.
Mudou alguma coisa na organização do nosso sistema de segurança interna desde que se confirmou a existência de operações da ETA em Portugal?
Há um reforço óbvio de atenção em relação a essa situação. Isso passa até exactamente por isto que está a acontecer, um diálogo quase permanente com os espanhóis.
O terrorismo é uma ameaça real para os portugueses?
É uma ameaça real para todo o mundo. Nós não estamos imunes a que ocorra aqui qualquer acto dessa natureza.
Que outros tipos de crime organizado o preocupam, para além do terrorismo?
Mantém-se muita preocupação relativamente ao tráfico de droga, continuamos a ter muita atenção aos movimentos de tráfico e à permanente alteração das rotas desse tráfico.
Passa muito por Portugal, a caminho da Europa?
Passa, direi que de uma forma suficientemente grave. Tanto em Portugal, como pela Espanha, pela Holanda. Passa de uma forma que eu considero que é suficientemente grave para exigir de nós uma atenção muito especial. Há um outro crime a que nós temos de estar muito atentos, que é a questão ligada à imigração ilegal e ao tráfico de pessoas. As rotas do tráfico de droga começaram com a entrada a fazer-se por Espanha, pela costa sul de Espanha, nos anos 70, 80. Com a intensificação do controlo por parte dos espanhóis, as rotas desviaram em parte para a costa portuguesa, o que está hoje a suceder em Espanha com alguns fenómenos.
Não só no Sul como no Norte, da Galiza para o Norte de Portugal.
Exacto. Mas aí não se põe tanto este problema que estou a colocar, porque é trânsito vindo do sul, que é o de tráfico de pessoas e de imigração ilegal. Temos de estar atentos, pode começar a ocorrer também em Portugal.
Há informação nesse sentido, de que as rotas de tráfico de pessoas se preparam para fazer um desvio para as nossas costas, que são mais vulneráveis?
Informação propriamente não há. Há análise e há esse cenário como um cenário possível.
No relatório de segurança interna de 2009 foi feita pela primeira vez uma referência aos chamados bairros de risco. Que prevenção é feita nesses bairros?
Em primeiro lugar, e antes de tudo, tem de haver uma prevenção de natureza social.
Tem de haver - e há?
Talvez não haja suficientemente. Há uma preocupação social, uma preocupação educacional, uma preocupação em cuidados de saúde. Há todo um conjunto de políticas públicas que têm necessariamente de estar sempre a montante da intervenção do sistema policial. O sistema policial não é solução para nada, é a última…
E, no país em que vive, teme que a necessidade de gastar menos dinheiro possa ser um handicap a essa prevenção de que fala?
Pode ser, eu reconheci-o no ano passado. Quando foi publicado o Relatório Anual de Segurança Interna relativo ao ano de 2008, em que houve aquela subida de criminalidade, muita gente falou de o ano de crise de 2009 poder vir a acentuar aquela tendência crescente. Eu aí entendi que não, porque, em primeiro lugar, não há uma relação directa entre situação económica e crime. Em segundo lugar, porque entendo que enquanto o Estado tiver capacidade para oferecer algumas medidas compensatórias a situação mantém-se mais calma. Agora, nós este ano estamos num ano difícil, toda a gente o reconhece e já nem sequer ninguém esconde, provavelmente há um conjunto de prestações sociais que vão sofrer cortes. Eu não direi que isto vá dar necessariamente um aumento de criminalidade, mas vai com certeza dar um aumento de alguma perturbação social.
E essa eventualidade está analisada? Há esquemas de segurança previstos para um eventual agravamento da tensão social no nosso país?
Estamos a trabalhar no sentido de estabelecer alguns planos de contingência para algumas situações que possam ocorrer.
Está a estudar o caso da Grécia? As perturbações sociais que lá estão a decorrer estão a ser estudadas pelo seu gabinete?
No meu gabinete não, mas neste momento há grupos de estudo que estão a analisar esse sistema e que nos estão a manter acompanhados sobre essa situação.
Já estão definidas ameaças emergentes para este ano? De que grupos é que é expectável uma maior radicalização? Fala-se já nos camionistas, porque já assistimos há uns anos a um problema de ordem pública por causa da intervenção dos camionistas. As polícias estão preparadas para enfrentar possíveis alterações de ordem pública como aquelas que já aconteceram?
Não vou referir particularmente nenhuma situação, mas é óbvio que nessa matéria de perturbação social há sempre grupos de risco: grupos de tutela de interesses profissionais que tomam atitudes mais radicais, grupos colocados em determinadas franjas ideológicas - caso dos radicais, libertários - e grupos sociais de risco. É a tal questão que me colocou, algumas pessoas que residem em bairros de risco e potencialmente constituem um risco de alguma perturbação social. Isso não é novo - o movimento dessas pessoas é permanentemente acompanhado, pelos sistemas de informações das polícias e pelas avaliações que são feitas pelos próprios serviços de informações de segurança.
O general Leonel de Carvalho, que pode ser considerado o seu antecessor no cargo, embora com competências diferentes, fez há pouco tempo críticas duras à nova Lei de Execução de Penas e afirmou que Portugal estava a tornar-se num paraíso para criminosos. Que comentário lhe merecem estas afirmações?
Não sei o que é que o senhor general emitiu, não tinha visto sequer. É uma novidade para mim essa informação.
Ele estava sobretudo a referir-se à possibilidade de um condenado poder usufruir de um regime aberto ao fim do cumprimento de um quarto da sua pena.
Sim, abstractamente pode. Mas eu não tenho uma visão tão crítica dessa nova Lei de Execução de Penas. É óbvio que isto dá alguns poderes que aparentemente podem ser excessivos à administração penitenciária. De qualquer modo, os actos da administração penitenciária estão sujeitos - a lei prevê-o - a uma tutela jurisdicional. Portanto, a administração penitenciária não pode decidir pelo seu livre arbítrio, tem um controlo judiciário. Mas caímos num erro muito grande quando relacionamos directamente a questão das penas e da administração penitenciária com situações de paraíso dos criminosos.
Acha portanto que em 2008 a entrada em vigor do Código do Processo Penal, que também libertou alguns presos preventivos, não teve nada a ver com a criminalidade que existia nessa altura?
Com certeza que teve alguma coisa a ver - agora, que não foi causa única também não foi. Mas é diferente, o sistema retributivo da pena e o sistema da pena em termos de prevenção criminal são aspectos completamente diferentes. Teremos de chegar à conclusão de que em países que têm sistemas extremamente radicais - como é o caso dos EUA: um homicida está no mínimo sujeito a uma pena de prisão perpétua, com facilidade entrará na parte da pena de morte nos Estados que ainda a mantêm - não haveria ou haveria poucos homicídios. Não é isso que está demonstrado. Essa segunda questão: é óbvio que acarretou a libertação quase ao mesmo tempo de grande número de pessoas que são potencialmente delinquentes. Eu não estabeleço uma relação absoluta de causa e efeito, mas que algum contributo deu, com certeza que sim.
Mas essa expressão, de eventual paraíso de criminosos, não compartilha essas preocupações?
Não. Acho que, apesar de tudo, nos mantemos como um país tranquilo, embora não possamos viver com esta ideia permanentemente.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
D. DUARTE DE BRAGANÇA - «Em muitos aspectos concordo com José Sócrates»
D. DUARTE DE BRAGANÇA - «Em muitos aspectos concordo com José Sócrates»
por João Céu e Silva, fotografia Orlando Almeida/GlobalImagens
24 horas após ter dado esta entrevista, Dom Duarte foi recebido como um rei em Figueira de Castelo Rodrigo num jantar medieval.
Não é a única região portuguesa que reclama a sua presença nas suas terras e garante que a única câmara do Bloco de Esquerda e muitas autarquias comunistas o solicitam. No dia em que comemora o seu 65.° aniversário, a cinco dias de celebrar sessenta anos do fim do banimento da família real do território nacional, por decreto de Salazar, e em ano de centenário da implantação da República, o herdeiro dos reis de Portugal comenta a situação do país, aponta soluções e assume que o regresso da Monarquia já foi uma ilusão maior do que se pensa.
A bandeira da Monarquia nunca esteve tão presente em Portugal como no ano em que se comemoram os cem anos do fim daquele regime. Reconhecido em 2005 pela República como o pretendente oficial a um hipotético trono português e legitimado como o sucessor de D. Manuel II, é na fundação com o nome do monarca que não deixou sucessor que Dom Duarte Pio de Bragança recebe a NS’. Não comenta a política oficial em questões específicas mas é sem pudor que dá soluções para a crise nacional, designadamente no que respeita aos intentos do primeiro-ministro nas grandes obras públicas.
Antes de dar início à conversa, Dom Duarte faz questão de anunciar que as instalações da fundação vão ser transferidas durante algum tempo para um edifício de má memória, o da PIDE em rua próxima, de modo a poder-se recuperar o actual prédio. Explica com gestos definidos como vai ser a obra, que até possibilita a comparação entre alguma degradação que se observa no salão de entrada com a actual impossibilidade de um regime político onde seja rei e o fulgor da sede remodelada, numa altura em que crê estar tudo em aberto para num futuro próximo os portugueses aceitarem o regresso de um sistema de governação onde a sua presença não seja proibida como agora é.
Preparado para evitar as rasteiras de uma entrevista, Sua Alteza – como alguém sugere ser uma das formas de se lhe dirigir – mostra a sua educação ao vir receber a equipa à sala de entrada da fundação e, enquanto não se inicia a entrevista, oferece chá, café ou um sumo. Devido à extensão da conversa, lamenta no final não se ter pensado em encomendar um almoço. No entretanto, beberica o único chá que aprecia, chá branco, enquanto explica o modo da sua preparação e como lhe chega vindo da distante China.
A primeira preocupação que quer fazer chegar aos portugueses é sobre o TGV, uma proposta para a qual aproveitará a entrevista. Quando chega a hora de se perguntar qual seria o seu melhor marquês de Pombal, se José Sócrates ou Passos Coelho, é cauteloso. O mesmo acontece em relação aos candidatos à Presidência da República. Prefere citar casos nas monarquias dos seus primos europeus e exponenciar o caso espanhol, país onde «os socialistas aceitaram muito bem ter um rei» e de outros «socialistas europeus que não põem em causa a chefia real do Estado».
É a entrevista com um pretendente que está como o príncipe Carlos de Inglaterra impossibilitado de exercer o poder, cada um pela sua razão, mas que foi baptizado, por procuração, pelo Papa Pio XII e teve como madrinha a rainha D. Amélia.
Acha que o seu filho, o infante Afonso, poderá vir a ser rei de Portugal?
O Afonso ou eu! Observem-se as transformações e as mudanças económicas que estão a acontecer na Europa e no mundo e entende-se que poderão levar a situações sociais de grande conflitualidade e de instabilidade interna que farão que o povo português queira pensar e discutir as instituições políticas que tem hoje. Nomeadamente, se é o melhor o tipo de chefia de Estado.
Pela Constituição seria impossível.
E se houvesse uma reforma constitucional que retirasse a cláusula do artigo 288.° [que especifica um Estado republicano] e permitisse a possibilidade de um referendo sobre um regime monárquico?
Crê, então, que a actual crise dá mais força à pretensão de ser rei de Portugal?
Naturalmente. Quando as pessoas recebem os seus 13.° e 14.° meses e as reformas está tudo bem e não sentem vontade em mudar qualquer coisa. No momento em que sentem que está tudo muito mal e que toda a perspectiva para o futuro pode estar a ser alterada, creio que será altura também para pensar se não há instituições políticas mais úteis do que as que temos hoje.
Não considera, portanto, que está na mesma situação que o príncipe Carlos de Inglaterra. Lá, Isabel II não abdica, aqui, existe a República que lhe impossibilita o poder?
O príncipe Carlos, tal como eu, tem dado opiniões sobre muitos assuntos sociais e de ambiente que lhe interessam. Trabalhou como mineiro, agricultor e noutras profissões e conhece profundamente a vida de Inglaterra. É um pouco mal visto pelo meio financeiro e, em geral, os conservadores não gostam dele mas a juventude e os trabalhistas sim. Se compararmos, claro que tem um impacte muito maior do que eu naquilo que diz e faz mas as participações que tenho tomado na vida política e as opiniões que dou respondem por mim. Dando-as como cidadão interessado pelo país mas, obviamente, se estivesse num cargo de chefia de Estado ou de rei não o faria. Agiria como outros monarcas europeus que não debatem problemas concretos mas ajudam e colaboram com os governos ao dar opiniões positivas sobre os assuntos de fundo.
Tal como as que tem dado sobre as energias renováveis?
Todo o problema do modelo de desenvolvimento do país, particularmente a preservação do ambiente e da paisagem, exige um consenso nacional.
Propõe um Instituto de Paisagem e Ordenamento?
Exactamente e já o comuniquei aos membros do governo que, em princípio, pareceram-me interessados na ideia. O que hoje se defende são pormenorezinhos como a colónia de ratos, de morcegos ou de lagartixas que deve ser preservada aqui ou ali mas não é essa a abordagem correcta ao problema do ambiente.
Noto afinidade entre algumas das suas bandeiras e as do primeiro-ministro. Existe?
É verdade que em muitos aspectos concordo com José Sócrates, no entanto acho que temos de encarar a questão da viabilidade económica das energias. Parece-me que as eólicas são demasiado caras e todos pagamos pelo seu consumo. Portugal poderia ter muito mais energia com custos muito baixos se não desperdiçasse uma imensa quantidade dela, bastava a renovação de equipamentos das barragens para podermos aumentar em vinte por cento a produção hidroeléctrica. Fica muito mais barato e não tem o impacte paisagístico e ecológico das novas barragens.
Posso depreender que se a Constituição mudasse e o permitisse ser rei, José Sócrates poderia ser o seu primeiro-ministro?
O primeiro-ministro seria sempre escolhido pelo parlamento, como acontece nas monarquias actuais. Curiosamente, há muitas repúblicas que até há pouco tempo foram ditaduras, algumas ainda o são, mas no mundo ocidental todas as monarquias são democráticas.
Mas o rei tem sempre uma opinião pessoal sobre o primeiro-ministro?
Uma opinião que em nenhum país influencia a sua escolha. Agora, na Bélgica, o governo caiu mais uma vez e é o rei que conduz as negociações com os partidos para o novo executivo. Há quem diga que na Bélgica o rei é o único belga…
Também em Portugal atravessamos um momento político complexo em que o governo sente falta de maioria absoluta. Pode existir outra forma de governação em Portugal?
Sou a favor das coligações porque quando um partido está sozinho não há tanto autocontrolo nas despesas e nas iniciativas. Quando discute com outro há sempre mais controlo.
Surpreendeu-o a juventude do novo secretário-geral do PSD num partido habituado a líderes históricos?
Por um lado, é saudável e bom para o país que haja renovação. Por outro, é importante saber aproveitar a experiência, o conhecimento e a prudência das pessoas que têm mais idade. A experiência política é valiosíssima mas vejo algum distanciamento em relação a essas pessoas. Não é o caso de Mário Soares mas é o do professor Adriano Moreira, cujos conselhos são sempre úteis e oportunos, e de outras personalidades históricas pouco ouvidas. Penso que devíamos ter um Senado, equivalente à Câmara dos Lordes inglesa, em que personalidades que tiveram cargos importantes e por outras razões expressam as suas opiniões.
Qual seria o melhor primeiro-ministro para a monarquia, Sócrates ou Passos Coelho?
Isso não posso comentar porque, efectivamente, teria de tomar uma posição sobre a governação.
Mesmo afirmando que as monarquias na Europa têm enriquecido a democracia?
Estive nos 60 anos do rei da Suécia e o primeiro-ministro, que na altura era socialista, disse uma coisa curiosíssima no discurso oficial: «Sempre fomos um partido republicano mas agora chegámos à conclusão de que o rei é o melhor defensor da nossa República.» O primeiro-ministro holandês disse a mesma coisa, os ingleses dizem-no também e, hoje em dia, o socialismo europeu começa a defender os reis como protectores dos seus valores republicanos. O que mostra que o preconceito antimonárquico que ainda se vive em Portugal em certos meios políticos é do século XIX, de uma época em que os reis talvez interferissem muito na vida política nacional.
Também foi este governo socialista que fez questão de o legitimar definitivamente como o herdeiro da Casa Real.
O que prova a inteligência política e o pragmatismo porque a posição de muitos dos responsáveis socialistas é: se o chefe da Casa Real puder ser útil ao país vamos aproveitá-lo. O que é hoje em dia ser republicano ou monárquico? Querer ter o chefe de Estado eleito pelo sufrágio universal ou pelo parlamento, é isso ser republicano? Se é assim, há efectivamente um conflito de opiniões, mas também há muita gente que acha que ser republicano é defender os valores da independência dos poderes, da democracia e da liberdade e isso não é incompatível com ter um rei. Por isso é que os socialistas espanhóis aceitaram muito bem ter um rei em Espanha e todos os outros socialistas europeus não põem em causa a chefia de Estado real.
Se Salazar o tivesse designado como sucessor como fez Franco com Juan Carlos?
Em Espanha houve um referendo antes de instaurarem a monarquia.
Teria sido uma solução para Salazar?
Se o governo de Salazar tivesse preparado a situação com um referendo e um regresso à democracia com o rei, provavelmente não teríamos tido o drama da descolonização, porque o Ultramar poderia ter caminhado para uma autonomia progressiva que o levaria a uma Commonwealth como a inglesa.
É a sua opinião sobre a descolonização?
Foi a minha opinião nessa época e continua a ser. O pior que podíamos ter feito aos nossos irmãos lusófonos foi esta descolonização. Não era possível fazer pior e a prova é que lançou os países, sobretudo Angola e Moçambique, em guerras civis intermináveis; lançou a Guiné numa situação de miséria extrema e os únicos que se saíram mais ou menos bem foram S. Tomé e Príncipe e Cabo Verde.
Acha que a descolonização poderia ter acontecido de outra forma após o 25 de Abril?
O 25 de Abril foi necessário após o falhanço do 5 de Outubro e da revolução militar de 1926. A I e a II República falharam e foi necessária uma terceira revolução militar. Só que como estava muito controlada pela União Soviética, esta quis rapidamente aproveitar a circunstância para entregar o poder aos movimentos políticos que lhe eram simpáticos. Que, viu-se, não foram aceites pelos povos e levaram a uma situação catastrófica.
Seria possível outra descolonização?
Sim, o general Spínola tinha proposto referendos e o Movimento das Forças Armadas prometeu uma transição democrática que levaria a referendos em Angola e Moçambique. Ou melhor ainda, a uma eleição para um parlamento nacional ou local que pudesse definir o futuro dos territórios. A entrega do poder aos movimentos guerrilheiros não podia ser pior.
Na altura apoiou o Movimento das Forças Armadas e a Junta de Salvação Nacional!
Apoiei o general Spínola, em quem tinha toda a confiança, e a Junta porque era constituída por gente de grande capacidade e calibre. Só que foram ultrapassados! Ainda estão por abrir os arquivos soviéticos da época e descobrir o que de facto aconteceu. Valia a pena ir a Moscovo aos arquivos do KGB, até porque uma parte dos arquivos da DGS [ex-PIDE] foram lá parar também.
Onde estará a sua ficha por causa de actividades «revolucionárias» em Angola?
Também lá a devo ter, exactamente.
Portanto, se Salazar o tivesse escolhido teria alterado o percurso histórico de Portugal?
Imediatamente e teria sido uma solução que evitaria todo este caos que sofremos em seguida.
Espanha fez o referendo. No actual Portugal, há quem o peça. Acha que a hora do referendo vai chegar?
Primeiro é preciso que se retire da Constituição o artigo 288.°, alínea B, que impõe como inalterável a forma republicana de governo e que os monárquicos propõem que seja substituído pela forma democrática de governo. Aliás, na última revisão constitucional, a maioria do parlamento quis aprovar essa medida mas não se chegou aos dois terços necessários.
Agora, o PSD tem Paulo Teixeira Pinto, um fervoroso monárquico, a redigir uma revisão da constituição. Abrir-se-á uma porta para o referendo?
Esse é um tema que devia interessar não só a monárquicos mas a todos os verdadeiramente democráticos. Quem é a favor da democracia não pode dizer que a capacidade de escolha do povo português tem de ser impedida pela Constituição. Além de que é um insulto aos países da União Europeia que têm reis e rainhas – como os suecos e holandeses – pois estamos a dizer que são povos atrasados porque têm um sistema de chefia de Estado inaceitável em Portugal.
Se o PSD for governo esse cenário poderá ser possível?
Se tiver o apoio de uma parte, pelo menos, do PS.
E poderá vir a acontecer?
Espero que sim e cada vez mais a nossa maturidade democrática avança nesse sentido.
Viveu toda a vida num regime republicano. Consegue vislumbrar um Portugal onde possa a existir a Monarquia?
Não vejo porque não. O problema é a maioria dos republicanos não terem argumentos mas preconceitos e é muito difícil discutir preconceitos. As pessoas dizem que não gostam da monarquia porque é um retrocesso ou um regime pouco democrático mas tais afirmações são erradas se fizermos uma análise política contemporânea. Até se compararmos o Portugal do século XIX com países da Europa vemos que éramos tão democráticos como a grande maioria deles, ao contrário de países menos democráticos do que nós e mais importantes, como o império alemão. Se actualmente as monarquias são mais avançadas do ponto de vista democrático e até económico, social e humano é devido à estabilidade que a Monarquia lhes proporcionou.
Espanta-o o hastear recente de bandeiras monárquicas em Lisboa?
Apenas mostra que há insatisfação em sectores da juventude. Nunca achei graves esses actos, até porque nunca houve falta de respeito para com a bandeira nacional actual nem uma bandeira republicana descida do seu mastro. Ou foi a da Câmara de Lisboa ou, no caso do Parque Eduardo VII, nem estava lá a bandeira. A que foi hasteada era uma bandeira nacional, a azul e branca como a de D. Afonso Henriques ou de D. João I, que merecem as mesmas honras e têm a mesma dignidade segundo a lei.
Viu as imagens da bandeira da monarquia no alto do Eduardo VII?
Sim, até fui lá ver.
Sentiu uma antevisão?
Esteticamente é lindíssima e não há dúvida de que os céus de Lisboa ficaram com uma imagem belíssima. Refira-se que a antiga comissão oficial nomeada para desenhar a nova bandeira da República propôs a azul e branca sem a coroa e com um conjunto de estrelas que representavam os territórios ultramarinos. Foi a comissão oficial! Esta bandeira foi imposta pela Carbonária, um movimento terrorista da época mas que conseguiu a revolta republicana. Para além do mais, tem um significado bastante perverso e perigoso, porque a Carbonária era a favor da federação ibérica e, de algum modo, o vermelho na nossa bandeira representa Espanha. Por isso é que o vermelho é maior que o verde [de Portugal] e não faz sentido dizer que era porque havia muito mais sangue do que esperança.
Porque é que afirmou que os manuais de História apelam ao fim da independência?
Os nossos manuais são, indirectamente, responsáveis por não glorificarem a História de Portugal. Acentuam aspectos negativos e diminuem a nossa auto-estima. Ao fazerem-no favorecem a rendição de Portugal aos interesses estrangeiros em vez de aproveitarmos a nossa história.
É mais um exemplo do falhanço da República?
É uma manifestação do falhanço do nosso regime actual.
Por isso é que no site da Casa Real se reproduz uma entrevista do historiador e «perigoso» bloquista Fernando Rosas em que diz que a República falhou?
Não concordo com a maior parte das posições do Bloco de Esquerda mas tenho no Bloco bons amigos e pessoas que admiro, tal como no Partido Comunista e em todos os sectores. Aliás, a câmara do Bloco de Esquerda [Salvaterra de Magos] e muitas câmaras comunistas convidam-me para visitas oficiais várias vezes, assim como câmaras CDS e PSD. Nos últimos anos devo ter visitado cerca de 150 municípios a convite dos seus presidentes.
O único comunista que não se dá bem consigo é José Saramago?
Não posso concordar com o que ele diz na maior parte dos livros, nem com o que afirma sobre Espanha – que é melhor sermos espanhóis. Com algumas excepções, não posso apontá-lo como um modelo da boa escrita portuguesa mas há uma coisa que admiro nele, a capacidade de promover a literatura portuguesa no mundo e a persistência e a continuidade com que defende as suas ideias, mesmo quando já estão manifestamente ultrapassadas.
Saramago diz que como não leu o Memorial do Convento não o poderia criticar.
Nós já fizemos as pazes e ficou muito satisfeito com a minha resposta simpática no Diário de Notícias.
Mas acha que o Memorial do Convento é, como disse, uma «grande merda»?
Não, o que eu verdadeiramente não gostei foi do que disse sobre a Virgem Maria. Quando diz que Cristo é um bastardo, enfim, cita aquela fábula antiga que ainda hoje é seguida por muita gente, a de que Cristo foi uma aventura da Virgem Maria. Não gostei, evidentemente, e no Memorial do Convento há umas fantasias políticas e históricas um bocado ofensivas.
Aquela caracterização um pouco violenta que lhe é atribuída foi uma resposta real?
Foi uma resposta espontânea quando um jornalista me apanhou à saída de um jantar… Mas a maior parte dos comunistas são patriotas e não é por acaso que Saramago está muito desiludido com Portugal.
Álvaro Cunhal também era patriota?
O Álvaro Cunhal era mais um internacionalista, que seguia o ideal marxista-leninista e o internacionalismo soviético. Se tivesse tomado o poder em Portugal teria sido um desastre.
Não haveria Monarquia, decerto?
Haveria fuzilamentos e perseguição política. Tem o mérito de ser um homem de ideais e de ter lutado mesmo que eu não concorde com eles. Julgo que a razão da adesão de uma grande parte do país, o Alentejo, aos ideais comunistas tem que ver com um facto muito interessante: até ao século XIX o Alentejo era governado pelos conventos e mosteiros, nos quais se vivia uma vida comunista. Com o liberalismo, as terras foram roubadas aos conventos e compradas por gente de Lisboa, que meteu lá capatazes que oprimiram e exploraram o povo alentejano. Muitos historiadores comunistas concordam comigo de que isto explica de facto a adesão do povo alentejano ao ideal comunista.
Vejo na sua reflexão uma análise marxista...
A análise marxista não está errada em todos os aspectos, a prática marxista é que tem sido sempre desastrosa porque baseia-se numa utopia que é incompatível com o comportamento humano. O regime comunista foi o maior desastre do século XX, junto ao regime nazista, só que este durou poucos anos e não teve ocasião de fazer tantos estragos como o comunista. O certo é que o idealismo dos comunistas pode ser posto ao serviço de boas causas, tal como a protecção do ambiente e a protecção dos valores locais.
Quando refere a utopia comunista não a compara à monárquica?
Não, porque vemos como funcionam bem onde existem. Utopias são regimes que funcionam mal quando estão no poder.
Foi por essa razão que Guerra Junqueiro, em 1911, disse que se se fizesse um plebiscito haveria menos republicanos que antes do 5 de Outubro?
Neste momento a maioria das pessoas não tem uma opinião fundamentada sobre esta alternativa porque não sabem quais são as diferenças e não observam o resto da Europa. Mas a quantidade de pessoas que concordam que um rei seria melhor que um presidente da República para Portugal é muito grande.
É por isso que defende que dos dez milhões gastos para fazer as comemorações do Centenário da República, um milhão deveria ser para a reposição histórica?
É preciso um debate e um estudo sérios sobre o que é que aconteceu na altura e o resto devia ser usado em homenagem aos idealismos do 5 de Outubro, porque os ideais dos revolucionários até eram muito bonitos. Pode-se fazer uma homenagem a essa gente utilizando a verba para fins úteis, concretos e importantes! Estou é preocupadíssimo com a falta de integração cultural e profissional dos filhos dos imigrantes, com o facto de termos regiões inteiras que estão marginalizadas do desenvolvimento humano e económico e com a falta de preservação da língua portuguesa na Guiné, em Moçambique e Timor. Acho que isso devia preocupar-nos bastante.
A questão da educação preocupa-o?
Preocupa-me muito e tenho aproveitado a experiência das escolas João de Deus para ir ver o trabalho que fazem nos bairros suburbanos de Lisboa. Desse modo, vejo a utopia que é o nosso sistema oficial de ensino, cheio de bons ideais mas muito desajustado das realidades que a nossa juventude necessita. Por isso é que temos os piores resultados escolares da Europa.
Acha que se devia avançar com medidas rápidas?
Sim. Primeiro, dar aos professores segurança e garantia para que o sistema escolar funcione e rever os programas que estão muito desajustados. Vejo essa situação porque todos os dias tento acompanhar os meus filhos nos estudos e fico revoltado com os programas, nomeadamente no Português e na Ciência. Quando falo com os professores do ensino público, concordam que estamos a criar uma geração de ignorantes com consequências gravíssimas para o futuro do país.
Considera que o país está mais preocupado com as causas fracturantes do que com a realidade?
Claro! Tornar obrigatório o ensino da educação sexual resume-se a dizer: forniquem à vontade, divirtam-se, façam o que quiserem mas com higiene. Praticamente é só isso, em vez de dar referências éticas e morais em relação ao desenvolvimento de uma sexualidade saudável. Ao mesmo tempo, desencorajam-se as aulas de educação moral e estamos a dizer que a moral não tem importância, que só a sexualidade livre é fundamental para a felicidade dos portugueses.
Há questões, como o divórcio, que na Monarquia seriam impossíveis!
Hoje em dia é mais fácil despedir a mulher ou o marido do que um funcionário de uma empresa. Ora, a estabilidade de um emprego não é mais importante do que a estabilidade da família.
A questão do aborto também?
A lei do aborto livre é para muitos uma lei que escraviza as mulheres porque hoje ela pode ser obrigada a abortar pelos patrões, amantes e pais. Esta é a situação de muitas mulheres, pois é raro que queiram abortar por vontade própria. Esta lei, que as escraviza, é ultraliberal e ultracapitalista e não percebo como é que a esquerda em Portugal apoia isto.
Uma esquerda que também apoia o casamento homossexual...
Esse é um problema mais complicado porque há uma confusão entre o direito a viver junto, a ter alguns benefícios fiscais, a ter certo reconhecimento legal para pessoas que querem partilhar a sua vida e que muitas vezes até podem ser duas velhas amigas, vizinhas ou irmãos. A legislação sobre o casamento tem basicamente o objectivo de proteger as crianças e creio que não se devia confundir o casamento como unidade que pode produzir uma futura geração, educá-la e ter responsabilidades nela, com as uniões de facto que podem ser aquelas que interessam aos homossexuais. Dizia alguém – a brincar claro – que hoje os padres e os homossexuais é que se querem casar, os outros preferem as uniões de facto porque dão-lhes menos responsabilidades.
A sua mulher, Isabel de Herédia, está um pouco desagradada pela religiosidade europeia. Diz que está adormecida e que as pessoas têm vergonha. Partilha dessa opinião?
Há muitos países europeus hoje onde se pode dizer que há mais muçulmanos praticantes do que cristãos. Felizmente não é o caso de Portugal, onde o cristianismo ainda é bastante praticado. Talvez a maioria dos portugueses o faça só um pouco formalmente mas ainda assim teremos uns vinte por cento de portugueses regulares na religião. No entanto, há países onde se leva mais a sério a religião enquanto em Portugal as pessoas substituíram a Igreja pelos hipermercados. Não é positivo, mesmo para quem não tenha fé.
A Senhora Dona Isabel também diz que se pode ser intelectual mas tem de se ser laico.
Existe essa mania da parte de muitos intelectuais mas o Papa tem escrito livros interessantíssimos sobre o conciliar da fé com a inteligência e a lógica. Tem tentado mostrar que a espiritualidade e a lógica convivem e diz que a Europa é o fruto do espírito lógico grego e da espiritualidade judaica. Somos filhos dessa realidade e se a recusarmos corremos o risco de ter uma Europa sem bases espirituais, podendo facilmente cair em extremismos.
O que sentiu ao acompanhar Bento XVI à Terra Santa?
Tive um privilégio que gosto muito de lembrar quando estou com os meus primos, chefes de casas reais e reis, para ser um pouco snob com eles. Um momento que nunca conseguiram ter, tal como um almoço com o Papa e meia dúzia de pessoas em Jerusalém, na residência do patriarca latino, onde o Papa fez o elogio de Nun’Álvares ao dizer que foi o santo que mais gostou de canonizar. Refira-se que hoje há muita gente, entre palestinos e israelitas, que acham que São Nuno podia ser um modelo para os palestinos porque lutou pela liberdade do seu povo.
Crê que o conflito israelo-árabe terá um fim?
É indispensável. Os israelitas vão ter de encontrar uma forma de viver pacificamente e colaborarem com os vizinhos árabes. Não é possível continuar com uma situação que põe em risco o próprio futuro do Estado de Israel e a paz de todo o Ocidente! Nós, ocidentais, sentimos uma afinidade com a emigração europeia que foi para ali – que são os israelitas hoje – e se estabeleceu na terra que era dos antepassados mas este não pode ser um motivo para haver um conflito.
A administração Obama poderá inverter essa situação?
Tem mostrado grande vontade de resolver o problema.
No entanto, mantém grandes efectivos militares no Afeganistão e no Iraque!
É uma questão de segurança regional. Só quando esses países tiverem condições de garantir a sua própria estabilidade e segurança é que se podem vir embora.
Foi uma invasão que gerou uma onda de terrorismo violentíssima.
Essa é uma situação muito perigosa porque, por exemplo, um palestino que tenha perdido tudo, que veja a sua terra, a quinta e a casa ocupada por outras pessoas, não tem mais nada a perder. Ainda por cima se lhe dizem que ao morrer pela liberdade da sua fé tem uma vantagem espiritual!
Preocupa-o o avanço do islão na Europa?
Que é deliberado, pois a política das famílias numerosas é uma tentativa de controlar a Europa do futuro. E, pelo caminho da demografia actual, vão consegui-lo porque nós matamos os nossos filhos aos milhares pelo aborto.
Em 2005 reclamava da falta de liberdade de imprensa em Portugal. Ainda a sente?
Para os jornais a liberdade é total mas há grandes sectores da população portuguesa sem acesso à informação. Pode-se dizer que boa parte dos portugueses não se sentem representados na informação que temos e acham-se marginalizados. É o que vemos nas campanhas políticas, quando há ideias muito interessantes em pequenos partidos que são abafadas.
Tal como as ideias do Partido Popular Monárquico?
Nos últimos anos, essas são bastante desastrosas e a principal campanha do PPM tem sido atacar-me! Acho que os movimentos e partidos ecologistas mereciam mais destaque porque estão empenhados num dos grandes problemas do nosso futuro. Acho que não se defendem no parlamento os pontos de vista católicos. Não vejo um deputado africano no parlamento, ou de origem cigana. A representação dos portugueses está muito desequilibrada.
Foi sensível às escutas de Belém no Verão passado. Ainda não tem problemas em falar ao telemóvel?
Não me importo que me escutem e acho que os políticos também não deviam importar-se. Há assuntos que têm de ser segredo de Estado, mas esses são poucos. Quanto às conversas particulares dos políticos, creio que não deviam ser consideradas impróprias de consumo do público.
É a favor da revelação destas escutas do caso Face Oculta?
Não sei se há segredos de Estado verdadeiramente importantes nessas escutas que não deviam ser divulgados. Segredos que ponham em causa a nossa defesa, a segurança e a economia. Se houver casos desses, aí sim.
E se não existirem?
Se não existirem não há motivo para não serem revelados.
Concorda com a destruição das escutas ao cidadão José Sócrates?
Realmente não sei o que é que lhes aconteceu mas tenho impressão de que há alguns jornais que as têm.
Deveriam ser tornadas públicas?
Há outro aspecto a considerar, o caso de expressões e frases que se dizem numa conversa particular e que não ficam bem expostas em público.
Mas sendo essas palavras menos próprias limadas, acha que os portugueses têm direito a saber?
Pelo menos as comissões parlamentares deviam porque o parlamento é o órgão que representa o país.
Considera que o papel da imprensa na revelação dos altos salários e bónus é importante?
Tem sido útil e muito bom porque se a imprensa não falasse de muitos desses aspectos o país nada saberia. E isso em democracia não pode acontecer.
Faz hoje 65 anos. Preocupa-o a idade?
Principalmente estou preocupado em conseguir manter o ritmo dos meus filhos. Não quero ser ultrapassado por eles nas provas físicas, nos passeios de bicicleta e noutras coisas. Claro que qualquer dia o vou ser, mas quanto mais tarde, melhor!
Redes sociais
«A internet provoca divórcios»
A Casa Real está muito moderna. Tem um bom site e até está no Facebook!
Essa do Facebook não é de minha iniciativa. Cria-se aí um tipo de intimidade e de relacionamento que não me parece muito normal.
Mas representa a voz da Casa Real?
Sim e encontram-se lá as minhas declarações e posições. O problema é que há pessoas que ficam verdadeiramente maníacas desses meios que viciam – designadamente os adolescentes – e até provocam divórcios.
Usa telemóvel?
Com moderação.
E envia SMS?
Sim, uso as mensagens porque é prático, tal como troco correio electrónico com muita gente porque é mais confiável que o correio de países como Timor ou de África, onde há pessoas com quem preciso de falar.
Se calhar ainda o veremos no Facebook mais activo?
Não, eu acho que os correios electrónicos normais são perfeitamente suficientes, não faz falta esse tipo de comunicação.
União Ibérica
«É um pouco estúpido querer aquilo de que tantos espanhóis estão a tentar libertar-se.»
A questão da União Ibérica tem estado em foco e 42 por cento dos portugueses mostraram-se disponíveis. Qual é a sua opinião?
Essa resposta de algumas pessoas tem que ver com a revolta contra a situação em que vivemos e é uma forma de protesto violento por causa dos seus problemas. Não acredito que seja mesmo a opinião das pessoas! A resposta que daria é: oiçam os catalães, os bascos e os galegos, que explicarão o agradável que é ser dominado pelos castelhanos. Eu sou grande admirador do espírito castelhano mas quando se põem a mandar nos outros povos, o resultado é desastroso. Aliás, o grande triunfo da monarquia em Espanha foi exactamente as autonomias que permitiram às regiões espanholas não serem, de algum modo, dominadas por Castela. É um pouco estúpido da parte de certos portugueses quererem aquilo de que tantos espanhóis estão a tentar libertar-se.
Se a Monarquia voltasse, seria intolerante numa integração ibérica?
A Bélgica, o Luxemburgo e a Holanda vivem num sistema muito integrado há muito tempo, o Benelux, e anterior à União Europeia. Só que como são três monarquias, nenhum desses povos sente que está a perder independência ou identidade porque tem o seu próprio rei. No nosso caso, uma república fraca ou instável juntar-se a uma monarquia forte seria efectivamente a perda de soberania e um caminho perigosíssimo para os interesses dos portugueses. Duas monarquias podem-se juntar e colaborarem muito bem mas uma monarquia e uma república é a história do pote de barro e do de ferro que estão na mesma carroça. Se achamos que precisamos de estrangeiros para nos ajudarem a sair da situação em que estamos, não me incomodava que o ministro das Finanças fosse um alemão e o da Tecnologia um japonês… Isto é uma caricatura, mas haver técnicos alemães ou japoneses a aconselharem a nossa administração já vejo bem.
Obras públicas
«TGV sim mas sem a terceira travessia do Tejo»
É a favor do TGV?
Sim e acho indispensável termos uma ligação ferroviária em bitola europeia com a Espanha e o resto da Europa. No entanto, penso que poderíamos economizar mais de metade dos custos de ligação com Espanha – mais de dois mil milhões de euros – se não fizéssemos a nova ponte e utilizássemos antes uma das estações da Fertagus na margem sul para efectuar a ligação das redes ferroviárias do Algarve e dos comboios que andam à volta de Lisboa. Pouparíamos mais de metade dos custos e evitaríamos um enorme atentado paisagístico em Lisboa que esta ponte irá provocar. Outro aspecto gravíssimo é o de a ponte impedir a navegação dos navios grandes para o mar da Palha e desactivar todo o enorme potencial do porto de Lisboa. Acho que há todas as vantagens em evitar esta nova ponte e seria uma maneira de o governo e a oposição chegarem a um acordo: manter-se o compromisso de fazer a linha de alta velocidade e diminuir o investimento necessário.
As obras públicas que o governo pretende e que a oposição critica são uma solução para a crise económica?
Há imensas pequenas empresas em Portugal que poderiam ser encorajadas a aumentar e substituir as importações, que é o que precisamos para poder diminuir a dívida externa. Por outro lado, se as empresas de construção civil trabalhassem no restauro das áreas degradadas das cidades dariam mais emprego e seria um investimento que ficaria em Portugal em vez de em parte ir para o estrangeiro, como acontecerá com as grandes obras.
Como é o caso do novo aeroporto?
Se me provarem que o novo aeroporto é indispensável, tenho de o aceitar. Neste momento creio que não é, nomeadamente aproveitando a área da base militar do Figo Maduro, que pode ir para Beja, e com o desvio para o Porto de parte dos voos intercontinentais para as Américas. Até se beneficiaria do mercado da Galiza! Todos os estudos feitos por quem percebe de aviação dizem que não há razão, hoje em dia, para fazer um novo aeroporto.
Eleições presidenciais
«Tenho estima pelos três candidatos»
Vai votar nas eleições para a Presidência da República?
Não voto por uma questão de princípio porque acho que o sistema republicano de chefia de Estado não é o melhor. Por outro lado, também é por uma questão de não tomar partido. Ainda por cima, neste momento é uma situação delicada porque os três candidatos são pessoas por quem tenho muita admiração e estima.
Ronald Reagan sugeriu que se deveria candidatar a presidente. Admite-o?
Disse isso num jantar que tivemos na Casa Branca: «Eu sei que o senhor pode ganhar.» Na altura achei a ideia muito interessante e quando cheguei a Portugal reuni o meu conselho privado para lhes perguntar a opinião, mas quase todos foram contra. No entanto, ainda hoje há no conselho privado uma pequena minoria de pessoas que considera que seria uma boa alternativa.
Se concorresse, qual seria o candidato que seria mais difícil de derrotar?
Se concorresse, a minha posição tinha de ser de simpatia pelos outros candidatos e, principalmente, explicar as vantagens da chefia de Estado real. Como isto não está em questão, não vale a pena falarmos do assunto.
Qual será o desfecho deste confronto eleitoral?
As pessoas deveriam ter vários motivos para escolher um presidente: os seus ideais; a capacidade de ver o Portugal do futuro; o pragmatismo; ponderar quem é que pode ser mais eficiente para colaborar com os governos e ajudá-los a governarem bem e a controlá-los. Não deveria ser a simpatia pessoal... E, depois, há uma maioria que não vota, como se tem visto pelo abstencionismo, porque acha que não é importante: nas europeias sessenta por cento não votou e nas últimas legislativas houve quarenta por cento de não-votantes. Provavelmente por não se sentirem representados pelos partidos em jogo ou porque não acreditam de todo na democracia actual da República.
Futebol
«Desagrada-me o desporto como circo»
Qual é o seu clube?
Em criança gostava muito do Benfica, porque era o clube que tinha só jogadores portugueses. Mais tarde interessei-me pela Académica porque era mais amador e estava a viver perto de Coimbra. Hoje em dia acho que os grandes clubes deviam dedicar-se mais ao desporto, serem grandes mobilizadores da prática desportiva no país e menos do espectáculo. Desagrada-me o desporto só como circo, embora tenha o seu papel social.
Acompanhou a luta entre o Benfica e o Braga?
Lembro-me de que, em novo, os jogos que mais gostei de ver foram entre o Porto e o Braga e entre o Guimarães e o Porto. Acabavam sempre em grandes cenas de pancadaria, era animadíssimo e eu adorava aquilo. Tal como me lembro daquelas touradas em que o touro saltava para a área do público e corria atrás de toda a gente. Infelizmente, hoje em dia está tudo excessivamente regulado. Mas o que mais me irrita é a corrupção e as negociatas do futebol, um pouco como a mentalidade actual de que tudo se compra e tudo se vende.
Não revelou o seu clube de futebol.
Não tenho.
Mas vibra com algum?
Quando Portugal joga com o estrangeiro fico muito entusiasmado e espero que na África do Sul possa acontecer algo bom.
AUTO-RETRATO DE DOM DUARTE
«Tenho uma certa tendência para acreditar nas pessoas e por vezes engano-me. Tenho tendência, talvez um pouco utópica, de crer que os meus ideais podem ser realizados e, por isso, trabalho por eles. Descuido um pouco de mais a minha vida económica pessoal e, agora com os filhos, sinto mais obrigação em me preocupar com esse aspecto. Tenho talvez o defeito de dizer as minhas opiniões, mesmo que não seja o momento mais oportuno. Gosto de ouvir as opiniões dos outros, que me digam o que pensam de bem e de mal de mim. Certa sinceridade deixa muita gente aborrecida e, nesse aspecto, identifico-me com os transmontanos porque são os que cultivam esse espírito de franqueza. Não é por me chamar Bragança, mas gostava de viver em Trás-os-Montes, ou nas ilhas por causa do meu espírito insular. Irrito-me por vezes e há pessoas que se podem queixar porque terei sido menos simpático em certas alturas.»
Isabel de Herédia
«Acho que é perfeita do ponto de vista do relacionamento com as outras pessoas, consegue manter sempre a calma e um grande espírito de empatia. Admiro muito a sua inteligência e a maneira como vê. As mulheres têm uma vantagem em relação aos homens do ponto de vista da inteligência porque são mais intuitivas, como bem explica o professor Damásio no seu livro. A inteligência intuitiva acaba por ser mais global e, a longo prazo, mais eficiente do que a inteligência lógica. Gosto muito de ouvir as suas opiniões, mesmo que não concorde com elas às vezes. Como teve uma vida profissional muito activa, mais do que a minha, viveu certas realidades no Brasil e em Portugal que eu não vivi. Ajuda-me muito nesse aspecto.»
Infante Afonso
«Acho que tem um grande sentido de responsabilidade em relação à sua posição na família e sempre o assumiu desde criança em relação aos irmãos, aos pais e ao país em que vive. É um rapaz alegre, bem-disposto, divertido e com as suas irreverências próprias. É um apaixonado por biologia marítima e tudo o que tenha que ver com o mar, desde a pesca até ao estudo e acabando na culinária.»
Infanta Maria Francisca
«Admiro muito o seu espírito desportivo e a capacidade de comunicação. Tem muito talento para a poesia e o teatro. Possui um espírito muito desenvolvido do ponto de vista da inteligência social e é uma boa desportista, talvez a melhor na família. Tem dito que gostaria de ser médica no futuro, mas passou por várias fases sobre aquilo que gostaria de ser.»
Infante Dinis
«É, talvez, o que tem um espírito mais combativo: gosta de râguebi, de judo e já tirou um curso de futebol. Mas é no râguebi agora, no Belenenses, que tem mais interesse. E como tem muito orgulho de ter sido filiado no Futebol Clube do Porto quando tinha três meses, por iniciativa de Pinto da Costa, faz sempre questão perante os irmãos de mostrar que é o único verdadeiramente filiado no clube."
In DN
por João Céu e Silva, fotografia Orlando Almeida/GlobalImagens
24 horas após ter dado esta entrevista, Dom Duarte foi recebido como um rei em Figueira de Castelo Rodrigo num jantar medieval.
Não é a única região portuguesa que reclama a sua presença nas suas terras e garante que a única câmara do Bloco de Esquerda e muitas autarquias comunistas o solicitam. No dia em que comemora o seu 65.° aniversário, a cinco dias de celebrar sessenta anos do fim do banimento da família real do território nacional, por decreto de Salazar, e em ano de centenário da implantação da República, o herdeiro dos reis de Portugal comenta a situação do país, aponta soluções e assume que o regresso da Monarquia já foi uma ilusão maior do que se pensa.
A bandeira da Monarquia nunca esteve tão presente em Portugal como no ano em que se comemoram os cem anos do fim daquele regime. Reconhecido em 2005 pela República como o pretendente oficial a um hipotético trono português e legitimado como o sucessor de D. Manuel II, é na fundação com o nome do monarca que não deixou sucessor que Dom Duarte Pio de Bragança recebe a NS’. Não comenta a política oficial em questões específicas mas é sem pudor que dá soluções para a crise nacional, designadamente no que respeita aos intentos do primeiro-ministro nas grandes obras públicas.
Antes de dar início à conversa, Dom Duarte faz questão de anunciar que as instalações da fundação vão ser transferidas durante algum tempo para um edifício de má memória, o da PIDE em rua próxima, de modo a poder-se recuperar o actual prédio. Explica com gestos definidos como vai ser a obra, que até possibilita a comparação entre alguma degradação que se observa no salão de entrada com a actual impossibilidade de um regime político onde seja rei e o fulgor da sede remodelada, numa altura em que crê estar tudo em aberto para num futuro próximo os portugueses aceitarem o regresso de um sistema de governação onde a sua presença não seja proibida como agora é.
Preparado para evitar as rasteiras de uma entrevista, Sua Alteza – como alguém sugere ser uma das formas de se lhe dirigir – mostra a sua educação ao vir receber a equipa à sala de entrada da fundação e, enquanto não se inicia a entrevista, oferece chá, café ou um sumo. Devido à extensão da conversa, lamenta no final não se ter pensado em encomendar um almoço. No entretanto, beberica o único chá que aprecia, chá branco, enquanto explica o modo da sua preparação e como lhe chega vindo da distante China.
A primeira preocupação que quer fazer chegar aos portugueses é sobre o TGV, uma proposta para a qual aproveitará a entrevista. Quando chega a hora de se perguntar qual seria o seu melhor marquês de Pombal, se José Sócrates ou Passos Coelho, é cauteloso. O mesmo acontece em relação aos candidatos à Presidência da República. Prefere citar casos nas monarquias dos seus primos europeus e exponenciar o caso espanhol, país onde «os socialistas aceitaram muito bem ter um rei» e de outros «socialistas europeus que não põem em causa a chefia real do Estado».
É a entrevista com um pretendente que está como o príncipe Carlos de Inglaterra impossibilitado de exercer o poder, cada um pela sua razão, mas que foi baptizado, por procuração, pelo Papa Pio XII e teve como madrinha a rainha D. Amélia.
Acha que o seu filho, o infante Afonso, poderá vir a ser rei de Portugal?
O Afonso ou eu! Observem-se as transformações e as mudanças económicas que estão a acontecer na Europa e no mundo e entende-se que poderão levar a situações sociais de grande conflitualidade e de instabilidade interna que farão que o povo português queira pensar e discutir as instituições políticas que tem hoje. Nomeadamente, se é o melhor o tipo de chefia de Estado.
Pela Constituição seria impossível.
E se houvesse uma reforma constitucional que retirasse a cláusula do artigo 288.° [que especifica um Estado republicano] e permitisse a possibilidade de um referendo sobre um regime monárquico?
Crê, então, que a actual crise dá mais força à pretensão de ser rei de Portugal?
Naturalmente. Quando as pessoas recebem os seus 13.° e 14.° meses e as reformas está tudo bem e não sentem vontade em mudar qualquer coisa. No momento em que sentem que está tudo muito mal e que toda a perspectiva para o futuro pode estar a ser alterada, creio que será altura também para pensar se não há instituições políticas mais úteis do que as que temos hoje.
Não considera, portanto, que está na mesma situação que o príncipe Carlos de Inglaterra. Lá, Isabel II não abdica, aqui, existe a República que lhe impossibilita o poder?
O príncipe Carlos, tal como eu, tem dado opiniões sobre muitos assuntos sociais e de ambiente que lhe interessam. Trabalhou como mineiro, agricultor e noutras profissões e conhece profundamente a vida de Inglaterra. É um pouco mal visto pelo meio financeiro e, em geral, os conservadores não gostam dele mas a juventude e os trabalhistas sim. Se compararmos, claro que tem um impacte muito maior do que eu naquilo que diz e faz mas as participações que tenho tomado na vida política e as opiniões que dou respondem por mim. Dando-as como cidadão interessado pelo país mas, obviamente, se estivesse num cargo de chefia de Estado ou de rei não o faria. Agiria como outros monarcas europeus que não debatem problemas concretos mas ajudam e colaboram com os governos ao dar opiniões positivas sobre os assuntos de fundo.
Tal como as que tem dado sobre as energias renováveis?
Todo o problema do modelo de desenvolvimento do país, particularmente a preservação do ambiente e da paisagem, exige um consenso nacional.
Propõe um Instituto de Paisagem e Ordenamento?
Exactamente e já o comuniquei aos membros do governo que, em princípio, pareceram-me interessados na ideia. O que hoje se defende são pormenorezinhos como a colónia de ratos, de morcegos ou de lagartixas que deve ser preservada aqui ou ali mas não é essa a abordagem correcta ao problema do ambiente.
Noto afinidade entre algumas das suas bandeiras e as do primeiro-ministro. Existe?
É verdade que em muitos aspectos concordo com José Sócrates, no entanto acho que temos de encarar a questão da viabilidade económica das energias. Parece-me que as eólicas são demasiado caras e todos pagamos pelo seu consumo. Portugal poderia ter muito mais energia com custos muito baixos se não desperdiçasse uma imensa quantidade dela, bastava a renovação de equipamentos das barragens para podermos aumentar em vinte por cento a produção hidroeléctrica. Fica muito mais barato e não tem o impacte paisagístico e ecológico das novas barragens.
Posso depreender que se a Constituição mudasse e o permitisse ser rei, José Sócrates poderia ser o seu primeiro-ministro?
O primeiro-ministro seria sempre escolhido pelo parlamento, como acontece nas monarquias actuais. Curiosamente, há muitas repúblicas que até há pouco tempo foram ditaduras, algumas ainda o são, mas no mundo ocidental todas as monarquias são democráticas.
Mas o rei tem sempre uma opinião pessoal sobre o primeiro-ministro?
Uma opinião que em nenhum país influencia a sua escolha. Agora, na Bélgica, o governo caiu mais uma vez e é o rei que conduz as negociações com os partidos para o novo executivo. Há quem diga que na Bélgica o rei é o único belga…
Também em Portugal atravessamos um momento político complexo em que o governo sente falta de maioria absoluta. Pode existir outra forma de governação em Portugal?
Sou a favor das coligações porque quando um partido está sozinho não há tanto autocontrolo nas despesas e nas iniciativas. Quando discute com outro há sempre mais controlo.
Surpreendeu-o a juventude do novo secretário-geral do PSD num partido habituado a líderes históricos?
Por um lado, é saudável e bom para o país que haja renovação. Por outro, é importante saber aproveitar a experiência, o conhecimento e a prudência das pessoas que têm mais idade. A experiência política é valiosíssima mas vejo algum distanciamento em relação a essas pessoas. Não é o caso de Mário Soares mas é o do professor Adriano Moreira, cujos conselhos são sempre úteis e oportunos, e de outras personalidades históricas pouco ouvidas. Penso que devíamos ter um Senado, equivalente à Câmara dos Lordes inglesa, em que personalidades que tiveram cargos importantes e por outras razões expressam as suas opiniões.
Qual seria o melhor primeiro-ministro para a monarquia, Sócrates ou Passos Coelho?
Isso não posso comentar porque, efectivamente, teria de tomar uma posição sobre a governação.
Mesmo afirmando que as monarquias na Europa têm enriquecido a democracia?
Estive nos 60 anos do rei da Suécia e o primeiro-ministro, que na altura era socialista, disse uma coisa curiosíssima no discurso oficial: «Sempre fomos um partido republicano mas agora chegámos à conclusão de que o rei é o melhor defensor da nossa República.» O primeiro-ministro holandês disse a mesma coisa, os ingleses dizem-no também e, hoje em dia, o socialismo europeu começa a defender os reis como protectores dos seus valores republicanos. O que mostra que o preconceito antimonárquico que ainda se vive em Portugal em certos meios políticos é do século XIX, de uma época em que os reis talvez interferissem muito na vida política nacional.
Também foi este governo socialista que fez questão de o legitimar definitivamente como o herdeiro da Casa Real.
O que prova a inteligência política e o pragmatismo porque a posição de muitos dos responsáveis socialistas é: se o chefe da Casa Real puder ser útil ao país vamos aproveitá-lo. O que é hoje em dia ser republicano ou monárquico? Querer ter o chefe de Estado eleito pelo sufrágio universal ou pelo parlamento, é isso ser republicano? Se é assim, há efectivamente um conflito de opiniões, mas também há muita gente que acha que ser republicano é defender os valores da independência dos poderes, da democracia e da liberdade e isso não é incompatível com ter um rei. Por isso é que os socialistas espanhóis aceitaram muito bem ter um rei em Espanha e todos os outros socialistas europeus não põem em causa a chefia de Estado real.
Se Salazar o tivesse designado como sucessor como fez Franco com Juan Carlos?
Em Espanha houve um referendo antes de instaurarem a monarquia.
Teria sido uma solução para Salazar?
Se o governo de Salazar tivesse preparado a situação com um referendo e um regresso à democracia com o rei, provavelmente não teríamos tido o drama da descolonização, porque o Ultramar poderia ter caminhado para uma autonomia progressiva que o levaria a uma Commonwealth como a inglesa.
É a sua opinião sobre a descolonização?
Foi a minha opinião nessa época e continua a ser. O pior que podíamos ter feito aos nossos irmãos lusófonos foi esta descolonização. Não era possível fazer pior e a prova é que lançou os países, sobretudo Angola e Moçambique, em guerras civis intermináveis; lançou a Guiné numa situação de miséria extrema e os únicos que se saíram mais ou menos bem foram S. Tomé e Príncipe e Cabo Verde.
Acha que a descolonização poderia ter acontecido de outra forma após o 25 de Abril?
O 25 de Abril foi necessário após o falhanço do 5 de Outubro e da revolução militar de 1926. A I e a II República falharam e foi necessária uma terceira revolução militar. Só que como estava muito controlada pela União Soviética, esta quis rapidamente aproveitar a circunstância para entregar o poder aos movimentos políticos que lhe eram simpáticos. Que, viu-se, não foram aceites pelos povos e levaram a uma situação catastrófica.
Seria possível outra descolonização?
Sim, o general Spínola tinha proposto referendos e o Movimento das Forças Armadas prometeu uma transição democrática que levaria a referendos em Angola e Moçambique. Ou melhor ainda, a uma eleição para um parlamento nacional ou local que pudesse definir o futuro dos territórios. A entrega do poder aos movimentos guerrilheiros não podia ser pior.
Na altura apoiou o Movimento das Forças Armadas e a Junta de Salvação Nacional!
Apoiei o general Spínola, em quem tinha toda a confiança, e a Junta porque era constituída por gente de grande capacidade e calibre. Só que foram ultrapassados! Ainda estão por abrir os arquivos soviéticos da época e descobrir o que de facto aconteceu. Valia a pena ir a Moscovo aos arquivos do KGB, até porque uma parte dos arquivos da DGS [ex-PIDE] foram lá parar também.
Onde estará a sua ficha por causa de actividades «revolucionárias» em Angola?
Também lá a devo ter, exactamente.
Portanto, se Salazar o tivesse escolhido teria alterado o percurso histórico de Portugal?
Imediatamente e teria sido uma solução que evitaria todo este caos que sofremos em seguida.
Espanha fez o referendo. No actual Portugal, há quem o peça. Acha que a hora do referendo vai chegar?
Primeiro é preciso que se retire da Constituição o artigo 288.°, alínea B, que impõe como inalterável a forma republicana de governo e que os monárquicos propõem que seja substituído pela forma democrática de governo. Aliás, na última revisão constitucional, a maioria do parlamento quis aprovar essa medida mas não se chegou aos dois terços necessários.
Agora, o PSD tem Paulo Teixeira Pinto, um fervoroso monárquico, a redigir uma revisão da constituição. Abrir-se-á uma porta para o referendo?
Esse é um tema que devia interessar não só a monárquicos mas a todos os verdadeiramente democráticos. Quem é a favor da democracia não pode dizer que a capacidade de escolha do povo português tem de ser impedida pela Constituição. Além de que é um insulto aos países da União Europeia que têm reis e rainhas – como os suecos e holandeses – pois estamos a dizer que são povos atrasados porque têm um sistema de chefia de Estado inaceitável em Portugal.
Se o PSD for governo esse cenário poderá ser possível?
Se tiver o apoio de uma parte, pelo menos, do PS.
E poderá vir a acontecer?
Espero que sim e cada vez mais a nossa maturidade democrática avança nesse sentido.
Viveu toda a vida num regime republicano. Consegue vislumbrar um Portugal onde possa a existir a Monarquia?
Não vejo porque não. O problema é a maioria dos republicanos não terem argumentos mas preconceitos e é muito difícil discutir preconceitos. As pessoas dizem que não gostam da monarquia porque é um retrocesso ou um regime pouco democrático mas tais afirmações são erradas se fizermos uma análise política contemporânea. Até se compararmos o Portugal do século XIX com países da Europa vemos que éramos tão democráticos como a grande maioria deles, ao contrário de países menos democráticos do que nós e mais importantes, como o império alemão. Se actualmente as monarquias são mais avançadas do ponto de vista democrático e até económico, social e humano é devido à estabilidade que a Monarquia lhes proporcionou.
Espanta-o o hastear recente de bandeiras monárquicas em Lisboa?
Apenas mostra que há insatisfação em sectores da juventude. Nunca achei graves esses actos, até porque nunca houve falta de respeito para com a bandeira nacional actual nem uma bandeira republicana descida do seu mastro. Ou foi a da Câmara de Lisboa ou, no caso do Parque Eduardo VII, nem estava lá a bandeira. A que foi hasteada era uma bandeira nacional, a azul e branca como a de D. Afonso Henriques ou de D. João I, que merecem as mesmas honras e têm a mesma dignidade segundo a lei.
Viu as imagens da bandeira da monarquia no alto do Eduardo VII?
Sim, até fui lá ver.
Sentiu uma antevisão?
Esteticamente é lindíssima e não há dúvida de que os céus de Lisboa ficaram com uma imagem belíssima. Refira-se que a antiga comissão oficial nomeada para desenhar a nova bandeira da República propôs a azul e branca sem a coroa e com um conjunto de estrelas que representavam os territórios ultramarinos. Foi a comissão oficial! Esta bandeira foi imposta pela Carbonária, um movimento terrorista da época mas que conseguiu a revolta republicana. Para além do mais, tem um significado bastante perverso e perigoso, porque a Carbonária era a favor da federação ibérica e, de algum modo, o vermelho na nossa bandeira representa Espanha. Por isso é que o vermelho é maior que o verde [de Portugal] e não faz sentido dizer que era porque havia muito mais sangue do que esperança.
Porque é que afirmou que os manuais de História apelam ao fim da independência?
Os nossos manuais são, indirectamente, responsáveis por não glorificarem a História de Portugal. Acentuam aspectos negativos e diminuem a nossa auto-estima. Ao fazerem-no favorecem a rendição de Portugal aos interesses estrangeiros em vez de aproveitarmos a nossa história.
É mais um exemplo do falhanço da República?
É uma manifestação do falhanço do nosso regime actual.
Por isso é que no site da Casa Real se reproduz uma entrevista do historiador e «perigoso» bloquista Fernando Rosas em que diz que a República falhou?
Não concordo com a maior parte das posições do Bloco de Esquerda mas tenho no Bloco bons amigos e pessoas que admiro, tal como no Partido Comunista e em todos os sectores. Aliás, a câmara do Bloco de Esquerda [Salvaterra de Magos] e muitas câmaras comunistas convidam-me para visitas oficiais várias vezes, assim como câmaras CDS e PSD. Nos últimos anos devo ter visitado cerca de 150 municípios a convite dos seus presidentes.
O único comunista que não se dá bem consigo é José Saramago?
Não posso concordar com o que ele diz na maior parte dos livros, nem com o que afirma sobre Espanha – que é melhor sermos espanhóis. Com algumas excepções, não posso apontá-lo como um modelo da boa escrita portuguesa mas há uma coisa que admiro nele, a capacidade de promover a literatura portuguesa no mundo e a persistência e a continuidade com que defende as suas ideias, mesmo quando já estão manifestamente ultrapassadas.
Saramago diz que como não leu o Memorial do Convento não o poderia criticar.
Nós já fizemos as pazes e ficou muito satisfeito com a minha resposta simpática no Diário de Notícias.
Mas acha que o Memorial do Convento é, como disse, uma «grande merda»?
Não, o que eu verdadeiramente não gostei foi do que disse sobre a Virgem Maria. Quando diz que Cristo é um bastardo, enfim, cita aquela fábula antiga que ainda hoje é seguida por muita gente, a de que Cristo foi uma aventura da Virgem Maria. Não gostei, evidentemente, e no Memorial do Convento há umas fantasias políticas e históricas um bocado ofensivas.
Aquela caracterização um pouco violenta que lhe é atribuída foi uma resposta real?
Foi uma resposta espontânea quando um jornalista me apanhou à saída de um jantar… Mas a maior parte dos comunistas são patriotas e não é por acaso que Saramago está muito desiludido com Portugal.
Álvaro Cunhal também era patriota?
O Álvaro Cunhal era mais um internacionalista, que seguia o ideal marxista-leninista e o internacionalismo soviético. Se tivesse tomado o poder em Portugal teria sido um desastre.
Não haveria Monarquia, decerto?
Haveria fuzilamentos e perseguição política. Tem o mérito de ser um homem de ideais e de ter lutado mesmo que eu não concorde com eles. Julgo que a razão da adesão de uma grande parte do país, o Alentejo, aos ideais comunistas tem que ver com um facto muito interessante: até ao século XIX o Alentejo era governado pelos conventos e mosteiros, nos quais se vivia uma vida comunista. Com o liberalismo, as terras foram roubadas aos conventos e compradas por gente de Lisboa, que meteu lá capatazes que oprimiram e exploraram o povo alentejano. Muitos historiadores comunistas concordam comigo de que isto explica de facto a adesão do povo alentejano ao ideal comunista.
Vejo na sua reflexão uma análise marxista...
A análise marxista não está errada em todos os aspectos, a prática marxista é que tem sido sempre desastrosa porque baseia-se numa utopia que é incompatível com o comportamento humano. O regime comunista foi o maior desastre do século XX, junto ao regime nazista, só que este durou poucos anos e não teve ocasião de fazer tantos estragos como o comunista. O certo é que o idealismo dos comunistas pode ser posto ao serviço de boas causas, tal como a protecção do ambiente e a protecção dos valores locais.
Quando refere a utopia comunista não a compara à monárquica?
Não, porque vemos como funcionam bem onde existem. Utopias são regimes que funcionam mal quando estão no poder.
Foi por essa razão que Guerra Junqueiro, em 1911, disse que se se fizesse um plebiscito haveria menos republicanos que antes do 5 de Outubro?
Neste momento a maioria das pessoas não tem uma opinião fundamentada sobre esta alternativa porque não sabem quais são as diferenças e não observam o resto da Europa. Mas a quantidade de pessoas que concordam que um rei seria melhor que um presidente da República para Portugal é muito grande.
É por isso que defende que dos dez milhões gastos para fazer as comemorações do Centenário da República, um milhão deveria ser para a reposição histórica?
É preciso um debate e um estudo sérios sobre o que é que aconteceu na altura e o resto devia ser usado em homenagem aos idealismos do 5 de Outubro, porque os ideais dos revolucionários até eram muito bonitos. Pode-se fazer uma homenagem a essa gente utilizando a verba para fins úteis, concretos e importantes! Estou é preocupadíssimo com a falta de integração cultural e profissional dos filhos dos imigrantes, com o facto de termos regiões inteiras que estão marginalizadas do desenvolvimento humano e económico e com a falta de preservação da língua portuguesa na Guiné, em Moçambique e Timor. Acho que isso devia preocupar-nos bastante.
A questão da educação preocupa-o?
Preocupa-me muito e tenho aproveitado a experiência das escolas João de Deus para ir ver o trabalho que fazem nos bairros suburbanos de Lisboa. Desse modo, vejo a utopia que é o nosso sistema oficial de ensino, cheio de bons ideais mas muito desajustado das realidades que a nossa juventude necessita. Por isso é que temos os piores resultados escolares da Europa.
Acha que se devia avançar com medidas rápidas?
Sim. Primeiro, dar aos professores segurança e garantia para que o sistema escolar funcione e rever os programas que estão muito desajustados. Vejo essa situação porque todos os dias tento acompanhar os meus filhos nos estudos e fico revoltado com os programas, nomeadamente no Português e na Ciência. Quando falo com os professores do ensino público, concordam que estamos a criar uma geração de ignorantes com consequências gravíssimas para o futuro do país.
Considera que o país está mais preocupado com as causas fracturantes do que com a realidade?
Claro! Tornar obrigatório o ensino da educação sexual resume-se a dizer: forniquem à vontade, divirtam-se, façam o que quiserem mas com higiene. Praticamente é só isso, em vez de dar referências éticas e morais em relação ao desenvolvimento de uma sexualidade saudável. Ao mesmo tempo, desencorajam-se as aulas de educação moral e estamos a dizer que a moral não tem importância, que só a sexualidade livre é fundamental para a felicidade dos portugueses.
Há questões, como o divórcio, que na Monarquia seriam impossíveis!
Hoje em dia é mais fácil despedir a mulher ou o marido do que um funcionário de uma empresa. Ora, a estabilidade de um emprego não é mais importante do que a estabilidade da família.
A questão do aborto também?
A lei do aborto livre é para muitos uma lei que escraviza as mulheres porque hoje ela pode ser obrigada a abortar pelos patrões, amantes e pais. Esta é a situação de muitas mulheres, pois é raro que queiram abortar por vontade própria. Esta lei, que as escraviza, é ultraliberal e ultracapitalista e não percebo como é que a esquerda em Portugal apoia isto.
Uma esquerda que também apoia o casamento homossexual...
Esse é um problema mais complicado porque há uma confusão entre o direito a viver junto, a ter alguns benefícios fiscais, a ter certo reconhecimento legal para pessoas que querem partilhar a sua vida e que muitas vezes até podem ser duas velhas amigas, vizinhas ou irmãos. A legislação sobre o casamento tem basicamente o objectivo de proteger as crianças e creio que não se devia confundir o casamento como unidade que pode produzir uma futura geração, educá-la e ter responsabilidades nela, com as uniões de facto que podem ser aquelas que interessam aos homossexuais. Dizia alguém – a brincar claro – que hoje os padres e os homossexuais é que se querem casar, os outros preferem as uniões de facto porque dão-lhes menos responsabilidades.
A sua mulher, Isabel de Herédia, está um pouco desagradada pela religiosidade europeia. Diz que está adormecida e que as pessoas têm vergonha. Partilha dessa opinião?
Há muitos países europeus hoje onde se pode dizer que há mais muçulmanos praticantes do que cristãos. Felizmente não é o caso de Portugal, onde o cristianismo ainda é bastante praticado. Talvez a maioria dos portugueses o faça só um pouco formalmente mas ainda assim teremos uns vinte por cento de portugueses regulares na religião. No entanto, há países onde se leva mais a sério a religião enquanto em Portugal as pessoas substituíram a Igreja pelos hipermercados. Não é positivo, mesmo para quem não tenha fé.
A Senhora Dona Isabel também diz que se pode ser intelectual mas tem de se ser laico.
Existe essa mania da parte de muitos intelectuais mas o Papa tem escrito livros interessantíssimos sobre o conciliar da fé com a inteligência e a lógica. Tem tentado mostrar que a espiritualidade e a lógica convivem e diz que a Europa é o fruto do espírito lógico grego e da espiritualidade judaica. Somos filhos dessa realidade e se a recusarmos corremos o risco de ter uma Europa sem bases espirituais, podendo facilmente cair em extremismos.
O que sentiu ao acompanhar Bento XVI à Terra Santa?
Tive um privilégio que gosto muito de lembrar quando estou com os meus primos, chefes de casas reais e reis, para ser um pouco snob com eles. Um momento que nunca conseguiram ter, tal como um almoço com o Papa e meia dúzia de pessoas em Jerusalém, na residência do patriarca latino, onde o Papa fez o elogio de Nun’Álvares ao dizer que foi o santo que mais gostou de canonizar. Refira-se que hoje há muita gente, entre palestinos e israelitas, que acham que São Nuno podia ser um modelo para os palestinos porque lutou pela liberdade do seu povo.
Crê que o conflito israelo-árabe terá um fim?
É indispensável. Os israelitas vão ter de encontrar uma forma de viver pacificamente e colaborarem com os vizinhos árabes. Não é possível continuar com uma situação que põe em risco o próprio futuro do Estado de Israel e a paz de todo o Ocidente! Nós, ocidentais, sentimos uma afinidade com a emigração europeia que foi para ali – que são os israelitas hoje – e se estabeleceu na terra que era dos antepassados mas este não pode ser um motivo para haver um conflito.
A administração Obama poderá inverter essa situação?
Tem mostrado grande vontade de resolver o problema.
No entanto, mantém grandes efectivos militares no Afeganistão e no Iraque!
É uma questão de segurança regional. Só quando esses países tiverem condições de garantir a sua própria estabilidade e segurança é que se podem vir embora.
Foi uma invasão que gerou uma onda de terrorismo violentíssima.
Essa é uma situação muito perigosa porque, por exemplo, um palestino que tenha perdido tudo, que veja a sua terra, a quinta e a casa ocupada por outras pessoas, não tem mais nada a perder. Ainda por cima se lhe dizem que ao morrer pela liberdade da sua fé tem uma vantagem espiritual!
Preocupa-o o avanço do islão na Europa?
Que é deliberado, pois a política das famílias numerosas é uma tentativa de controlar a Europa do futuro. E, pelo caminho da demografia actual, vão consegui-lo porque nós matamos os nossos filhos aos milhares pelo aborto.
Em 2005 reclamava da falta de liberdade de imprensa em Portugal. Ainda a sente?
Para os jornais a liberdade é total mas há grandes sectores da população portuguesa sem acesso à informação. Pode-se dizer que boa parte dos portugueses não se sentem representados na informação que temos e acham-se marginalizados. É o que vemos nas campanhas políticas, quando há ideias muito interessantes em pequenos partidos que são abafadas.
Tal como as ideias do Partido Popular Monárquico?
Nos últimos anos, essas são bastante desastrosas e a principal campanha do PPM tem sido atacar-me! Acho que os movimentos e partidos ecologistas mereciam mais destaque porque estão empenhados num dos grandes problemas do nosso futuro. Acho que não se defendem no parlamento os pontos de vista católicos. Não vejo um deputado africano no parlamento, ou de origem cigana. A representação dos portugueses está muito desequilibrada.
Foi sensível às escutas de Belém no Verão passado. Ainda não tem problemas em falar ao telemóvel?
Não me importo que me escutem e acho que os políticos também não deviam importar-se. Há assuntos que têm de ser segredo de Estado, mas esses são poucos. Quanto às conversas particulares dos políticos, creio que não deviam ser consideradas impróprias de consumo do público.
É a favor da revelação destas escutas do caso Face Oculta?
Não sei se há segredos de Estado verdadeiramente importantes nessas escutas que não deviam ser divulgados. Segredos que ponham em causa a nossa defesa, a segurança e a economia. Se houver casos desses, aí sim.
E se não existirem?
Se não existirem não há motivo para não serem revelados.
Concorda com a destruição das escutas ao cidadão José Sócrates?
Realmente não sei o que é que lhes aconteceu mas tenho impressão de que há alguns jornais que as têm.
Deveriam ser tornadas públicas?
Há outro aspecto a considerar, o caso de expressões e frases que se dizem numa conversa particular e que não ficam bem expostas em público.
Mas sendo essas palavras menos próprias limadas, acha que os portugueses têm direito a saber?
Pelo menos as comissões parlamentares deviam porque o parlamento é o órgão que representa o país.
Considera que o papel da imprensa na revelação dos altos salários e bónus é importante?
Tem sido útil e muito bom porque se a imprensa não falasse de muitos desses aspectos o país nada saberia. E isso em democracia não pode acontecer.
Faz hoje 65 anos. Preocupa-o a idade?
Principalmente estou preocupado em conseguir manter o ritmo dos meus filhos. Não quero ser ultrapassado por eles nas provas físicas, nos passeios de bicicleta e noutras coisas. Claro que qualquer dia o vou ser, mas quanto mais tarde, melhor!
Redes sociais
«A internet provoca divórcios»
A Casa Real está muito moderna. Tem um bom site e até está no Facebook!
Essa do Facebook não é de minha iniciativa. Cria-se aí um tipo de intimidade e de relacionamento que não me parece muito normal.
Mas representa a voz da Casa Real?
Sim e encontram-se lá as minhas declarações e posições. O problema é que há pessoas que ficam verdadeiramente maníacas desses meios que viciam – designadamente os adolescentes – e até provocam divórcios.
Usa telemóvel?
Com moderação.
E envia SMS?
Sim, uso as mensagens porque é prático, tal como troco correio electrónico com muita gente porque é mais confiável que o correio de países como Timor ou de África, onde há pessoas com quem preciso de falar.
Se calhar ainda o veremos no Facebook mais activo?
Não, eu acho que os correios electrónicos normais são perfeitamente suficientes, não faz falta esse tipo de comunicação.
União Ibérica
«É um pouco estúpido querer aquilo de que tantos espanhóis estão a tentar libertar-se.»
A questão da União Ibérica tem estado em foco e 42 por cento dos portugueses mostraram-se disponíveis. Qual é a sua opinião?
Essa resposta de algumas pessoas tem que ver com a revolta contra a situação em que vivemos e é uma forma de protesto violento por causa dos seus problemas. Não acredito que seja mesmo a opinião das pessoas! A resposta que daria é: oiçam os catalães, os bascos e os galegos, que explicarão o agradável que é ser dominado pelos castelhanos. Eu sou grande admirador do espírito castelhano mas quando se põem a mandar nos outros povos, o resultado é desastroso. Aliás, o grande triunfo da monarquia em Espanha foi exactamente as autonomias que permitiram às regiões espanholas não serem, de algum modo, dominadas por Castela. É um pouco estúpido da parte de certos portugueses quererem aquilo de que tantos espanhóis estão a tentar libertar-se.
Se a Monarquia voltasse, seria intolerante numa integração ibérica?
A Bélgica, o Luxemburgo e a Holanda vivem num sistema muito integrado há muito tempo, o Benelux, e anterior à União Europeia. Só que como são três monarquias, nenhum desses povos sente que está a perder independência ou identidade porque tem o seu próprio rei. No nosso caso, uma república fraca ou instável juntar-se a uma monarquia forte seria efectivamente a perda de soberania e um caminho perigosíssimo para os interesses dos portugueses. Duas monarquias podem-se juntar e colaborarem muito bem mas uma monarquia e uma república é a história do pote de barro e do de ferro que estão na mesma carroça. Se achamos que precisamos de estrangeiros para nos ajudarem a sair da situação em que estamos, não me incomodava que o ministro das Finanças fosse um alemão e o da Tecnologia um japonês… Isto é uma caricatura, mas haver técnicos alemães ou japoneses a aconselharem a nossa administração já vejo bem.
Obras públicas
«TGV sim mas sem a terceira travessia do Tejo»
É a favor do TGV?
Sim e acho indispensável termos uma ligação ferroviária em bitola europeia com a Espanha e o resto da Europa. No entanto, penso que poderíamos economizar mais de metade dos custos de ligação com Espanha – mais de dois mil milhões de euros – se não fizéssemos a nova ponte e utilizássemos antes uma das estações da Fertagus na margem sul para efectuar a ligação das redes ferroviárias do Algarve e dos comboios que andam à volta de Lisboa. Pouparíamos mais de metade dos custos e evitaríamos um enorme atentado paisagístico em Lisboa que esta ponte irá provocar. Outro aspecto gravíssimo é o de a ponte impedir a navegação dos navios grandes para o mar da Palha e desactivar todo o enorme potencial do porto de Lisboa. Acho que há todas as vantagens em evitar esta nova ponte e seria uma maneira de o governo e a oposição chegarem a um acordo: manter-se o compromisso de fazer a linha de alta velocidade e diminuir o investimento necessário.
As obras públicas que o governo pretende e que a oposição critica são uma solução para a crise económica?
Há imensas pequenas empresas em Portugal que poderiam ser encorajadas a aumentar e substituir as importações, que é o que precisamos para poder diminuir a dívida externa. Por outro lado, se as empresas de construção civil trabalhassem no restauro das áreas degradadas das cidades dariam mais emprego e seria um investimento que ficaria em Portugal em vez de em parte ir para o estrangeiro, como acontecerá com as grandes obras.
Como é o caso do novo aeroporto?
Se me provarem que o novo aeroporto é indispensável, tenho de o aceitar. Neste momento creio que não é, nomeadamente aproveitando a área da base militar do Figo Maduro, que pode ir para Beja, e com o desvio para o Porto de parte dos voos intercontinentais para as Américas. Até se beneficiaria do mercado da Galiza! Todos os estudos feitos por quem percebe de aviação dizem que não há razão, hoje em dia, para fazer um novo aeroporto.
Eleições presidenciais
«Tenho estima pelos três candidatos»
Vai votar nas eleições para a Presidência da República?
Não voto por uma questão de princípio porque acho que o sistema republicano de chefia de Estado não é o melhor. Por outro lado, também é por uma questão de não tomar partido. Ainda por cima, neste momento é uma situação delicada porque os três candidatos são pessoas por quem tenho muita admiração e estima.
Ronald Reagan sugeriu que se deveria candidatar a presidente. Admite-o?
Disse isso num jantar que tivemos na Casa Branca: «Eu sei que o senhor pode ganhar.» Na altura achei a ideia muito interessante e quando cheguei a Portugal reuni o meu conselho privado para lhes perguntar a opinião, mas quase todos foram contra. No entanto, ainda hoje há no conselho privado uma pequena minoria de pessoas que considera que seria uma boa alternativa.
Se concorresse, qual seria o candidato que seria mais difícil de derrotar?
Se concorresse, a minha posição tinha de ser de simpatia pelos outros candidatos e, principalmente, explicar as vantagens da chefia de Estado real. Como isto não está em questão, não vale a pena falarmos do assunto.
Qual será o desfecho deste confronto eleitoral?
As pessoas deveriam ter vários motivos para escolher um presidente: os seus ideais; a capacidade de ver o Portugal do futuro; o pragmatismo; ponderar quem é que pode ser mais eficiente para colaborar com os governos e ajudá-los a governarem bem e a controlá-los. Não deveria ser a simpatia pessoal... E, depois, há uma maioria que não vota, como se tem visto pelo abstencionismo, porque acha que não é importante: nas europeias sessenta por cento não votou e nas últimas legislativas houve quarenta por cento de não-votantes. Provavelmente por não se sentirem representados pelos partidos em jogo ou porque não acreditam de todo na democracia actual da República.
Futebol
«Desagrada-me o desporto como circo»
Qual é o seu clube?
Em criança gostava muito do Benfica, porque era o clube que tinha só jogadores portugueses. Mais tarde interessei-me pela Académica porque era mais amador e estava a viver perto de Coimbra. Hoje em dia acho que os grandes clubes deviam dedicar-se mais ao desporto, serem grandes mobilizadores da prática desportiva no país e menos do espectáculo. Desagrada-me o desporto só como circo, embora tenha o seu papel social.
Acompanhou a luta entre o Benfica e o Braga?
Lembro-me de que, em novo, os jogos que mais gostei de ver foram entre o Porto e o Braga e entre o Guimarães e o Porto. Acabavam sempre em grandes cenas de pancadaria, era animadíssimo e eu adorava aquilo. Tal como me lembro daquelas touradas em que o touro saltava para a área do público e corria atrás de toda a gente. Infelizmente, hoje em dia está tudo excessivamente regulado. Mas o que mais me irrita é a corrupção e as negociatas do futebol, um pouco como a mentalidade actual de que tudo se compra e tudo se vende.
Não revelou o seu clube de futebol.
Não tenho.
Mas vibra com algum?
Quando Portugal joga com o estrangeiro fico muito entusiasmado e espero que na África do Sul possa acontecer algo bom.
AUTO-RETRATO DE DOM DUARTE
«Tenho uma certa tendência para acreditar nas pessoas e por vezes engano-me. Tenho tendência, talvez um pouco utópica, de crer que os meus ideais podem ser realizados e, por isso, trabalho por eles. Descuido um pouco de mais a minha vida económica pessoal e, agora com os filhos, sinto mais obrigação em me preocupar com esse aspecto. Tenho talvez o defeito de dizer as minhas opiniões, mesmo que não seja o momento mais oportuno. Gosto de ouvir as opiniões dos outros, que me digam o que pensam de bem e de mal de mim. Certa sinceridade deixa muita gente aborrecida e, nesse aspecto, identifico-me com os transmontanos porque são os que cultivam esse espírito de franqueza. Não é por me chamar Bragança, mas gostava de viver em Trás-os-Montes, ou nas ilhas por causa do meu espírito insular. Irrito-me por vezes e há pessoas que se podem queixar porque terei sido menos simpático em certas alturas.»
Isabel de Herédia
«Acho que é perfeita do ponto de vista do relacionamento com as outras pessoas, consegue manter sempre a calma e um grande espírito de empatia. Admiro muito a sua inteligência e a maneira como vê. As mulheres têm uma vantagem em relação aos homens do ponto de vista da inteligência porque são mais intuitivas, como bem explica o professor Damásio no seu livro. A inteligência intuitiva acaba por ser mais global e, a longo prazo, mais eficiente do que a inteligência lógica. Gosto muito de ouvir as suas opiniões, mesmo que não concorde com elas às vezes. Como teve uma vida profissional muito activa, mais do que a minha, viveu certas realidades no Brasil e em Portugal que eu não vivi. Ajuda-me muito nesse aspecto.»
Infante Afonso
«Acho que tem um grande sentido de responsabilidade em relação à sua posição na família e sempre o assumiu desde criança em relação aos irmãos, aos pais e ao país em que vive. É um rapaz alegre, bem-disposto, divertido e com as suas irreverências próprias. É um apaixonado por biologia marítima e tudo o que tenha que ver com o mar, desde a pesca até ao estudo e acabando na culinária.»
Infanta Maria Francisca
«Admiro muito o seu espírito desportivo e a capacidade de comunicação. Tem muito talento para a poesia e o teatro. Possui um espírito muito desenvolvido do ponto de vista da inteligência social e é uma boa desportista, talvez a melhor na família. Tem dito que gostaria de ser médica no futuro, mas passou por várias fases sobre aquilo que gostaria de ser.»
Infante Dinis
«É, talvez, o que tem um espírito mais combativo: gosta de râguebi, de judo e já tirou um curso de futebol. Mas é no râguebi agora, no Belenenses, que tem mais interesse. E como tem muito orgulho de ter sido filiado no Futebol Clube do Porto quando tinha três meses, por iniciativa de Pinto da Costa, faz sempre questão perante os irmãos de mostrar que é o único verdadeiramente filiado no clube."
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"PSD está a agir de forma tacticista com o PS"
"PSD está a agir de forma tacticista com o PS"
por JOÃO MARCELINO (DN) e PAULO BALDAIA (TSF)
Hoje
O secretário-geral do PCP não se arrepende de ter apresentado uma moção de censura ao Governo, apesar do chumbo. Para Jerónimo, a iniciativa serviu também para mostrar a associação do PSD às medidas do plano de austeridade e do PEC. Sobre as presidenciais, diz que o candidato próprio poderá ser apresentado durante a Festa do 'Avante!'.
O PCP apresentou na sexta-feira uma moção de censura ao Governo, que não passou na Assembleia da República, e censurava também o PSD. O texto não criou espaço para que o PSD pudesse juntar-se à moção. Não teria feito sentido o PCP negociar um texto que potenciasse, de alguma forma, que a moção de censura passasse na Assembleia?
Isso implicaria que abdicássemos daquela que tem sido a nossa afirmação e a nossa orientação nestes últimos anos, em que para o Partido Comu-nista Português a questão central e de fundo tem que ver com a política que este ou outros governos realizam ou realizaram. Nesse sentido, porque consideramos que bem podemos derrubar governos ou substituir governos se a política se mantiver, creio que o povo português não consegue…
Mas em que é que uma moção de censura pode ajudar a mudar políticas num governo? Se não o fizer cair, obviamente.
Uma moção de censura, em primeiro lugar, comporta do nosso ponto de vista - e esta comportou - uma dimensão política de responsabilização da situação, na medida em que sistematicamente, durante muitos anos, a culpa tende a morrer solteira. PS e PSD, com ou sem a ajuda do CDS, substituem os líderes, criticam o Governo quando estão na oposição, mas simultaneamente fazem depois na prática a mesma política. Vão rodando, tem havido uma alternância e não uma alternativa em termos de política. Nesse sentido, a nossa moção tinha esta dimensão política, procurando a co-responsabilização, tendo em conta a associação que o PSD fez designadamente a estas medidas contidas no PEC e as suplementares apresentadas mais recentemente. Por outro lado, também procurando que a Assembleia da República fosse um espaço que permitisse a expressão da censura, a expressão do descontentamento, da indignação que hoje perpassa por muitos portugueses.
Ao apresentar uma moção de censura que sabe que não vai ser aprovada porque censura também o PSD, não está o PCP a admitir que ter lá este Governo de José Sócrates ou não ter é igual?
Para nós, a questão de fundo continua a ser aquela, sublinho e insisto nesta ideia: a nossa crítica a José Sócrates não é por razões de feitio ou de carácter; é fundamentalmente porque dá rosto, é o rosto principal de uma política que tem conduzido o País para uma situação que consideramos dramática, de desastre nacional. Tal como, aliás, fez Barroso quando se foi embora, como fez Santana quando foi demitido, como fez Guterres quando se foi embora. A questão de fundo continua a ser esta.
Mas para marcar essa oposição e essa diferença não precisava de uma moção de censura. Bastariam as declarações que tem feito e como tem comentado as medidas tomadas pelo Governo. Há quem diga que isto foi apenas um marcar de terreno em relação ao Bloco de Esquerda e que o que o PCP tentou fazer foi conquistar espaço político à esquerda.
Nunca pensámos no Bloco quando tomámos a iniciativa, foi uma decisão do Comité Central. A questão de fundo foi: após a aprovação do PEC, num quadro em que surgiram novas medidas, uma nova ofensiva - aquilo que consideramos uma violenta ofensiva contra os salários, contra as reformas, contra a justiça fiscal, contra a justiça social - foi o elemento novo que não se compadecia com uma simples interpelação ao Governo ou era resolúvel num debate quinzenal com o primeiro-ministro.
Então foi uma atitude quixotesca? Ficou tudo na mesma?
Não ficou, não.
O que mudou?
Em primeiro lugar, há a clarificação de cada força política em relação a esta situação que vivemos. Em segundo lugar, demos voz a essa indignação e a esse protesto. Pode dizer que é pouco, mas…
Foram acusados pelo primeiro-ministro de estar apenas a lançar politicamente uma iniciativa da CGTP, que tem uma grande manifestação marcada para Lisboa.
Porque obviamente o senhor primeiro-ministro não se conforma, não concebe nem admite que, quando as pessoas sentirem estas medidas violentas - e sentem-nas, na sua vida, no seu orçamento familiar, no seu emprego, no seu trabalho, no seu salário -, reajam, indignem-se e lutem contra este estado de coisas. Ou seja, um pouco o regresso daquela ideia "vocês levam pancada, comem e calam". O que consideramos é que também isto, alguém afirmava um dia, o próprio direito à indignação…
Foi Mário Soares, a propósito do bloqueio da ponte.
Foi o direito à indignação e o direito de os trabalhadores, o nosso povo, manifestarem também ali naquela tribuna da Assembleia da República aquilo que hoje perpassa pela sociedade portuguesa. Nesse sentido, consideramos que aquilo que vai ser determinante neste quadro tão difícil será, mais uma vez, a luta dos trabalhadores, das populações.
Há sete meses realizaram-se umas eleições. Nessa altura, estava consciente de que o País se encontrava num caminho que obrigaria a tomar estas medidas, ou também foi surpreendido por esta conjuntura, como o Governo e o primeiro-ministro dizem que foram?
Chamo a vossa atenção para, em sede de debates quinzenais, nas discussões do Orçamento do Estado, nas discussões do próprio programa do Governo, mais do que ninguém o PCP alertou para o caminho a que esta política estava a conduzir o País. Acusavam-nos de estar a ver fantasmas, de ter o discurso da chapa três, que estávamos a exagerar, que o PCP era prisioneiro de razões ideológicas e não via que o mercado livre tinha o direito livre de funcionar - estou a citar Sócrates em relação a respostas às nossas inquietações, à nossa previsão e, infelizmente, em relação à própria realidade. Nós avisámos, nós alertámos, mas éramos sempre entendidos como alguém que está a ver fantasmas, porque o que o Governo dizia na altura era "não, Portugal está no bom caminho, Portugal do oásis, o amanhã que vem e vai ser melhor", eram sempre estes argumentos! Foi o PCP que, de facto, numa previsão e numa antevisão, foi capaz de ver para onde é que conduziria esta situação. E não é por sermos mais inteligentes do que qualquer outro partido, mas fazemos uma análise objectiva.
Objectiva dos números do défice e do endividamento externo?
E particularmente um elemento fundamental: a dívida externa, tanto pública como privada, resultante da destruição do nosso aparelho produtivo, da nossa produção nacional. Estamos a falar da indústria, estamos a falar da agricultura, estamos a falar das pescas e estamos a falar, consequentemente, do emprego e do desemprego. Numa análise objectiva ao desenvolvimento e à evolução da situação em que, todos sabemos, um país solidifica as suas contas, os seus défices, através do aumento da riqueza, através do aumento da receita. E aquilo que víamos era um Portugal cada vez mais dilapidado do seu aparelho produtivo, da sua produção nacional, víamos cada vez mais o Governo abandonar o mercado interno, onde, como é sabido, residem centenas de milhares de empresas que empregam mais de 80% dos trabalhadores portugueses. Quando vemos, por exemplo, em relação às negociações da OMC, o sector têxtil e dos lanifícios não ser protegido nessas negociações, quando vemos o encerramento das Sorefames, das siderurgias, das Quimigais, quando vemos aquilo que poderia ser o factor e o instrumento de criação de riqueza, foram abatidos. E isso não foi substituído pelos fundos comunitários que tão malbaratados foram.
Esta moção de censura não passou. Acredita que esta legislatura chegará até ao fim?
Não sou capaz de ser profeta a esse nível, mas o que é que temos neste momento? Temos um Governo de minoria, que não foi capaz de aprender a lição com os resultados das eleições legislativas, em que perdeu a maioria absoluta.
É de minoria, mas tem conseguido apoios para viabilizar o Orçamento, viabilizar o PEC e ver uma moção de censura do PCP não ser aprovada.
Sim, porque à direita, e particularmente ao PSD, coloca-se uma questão central, que é de uma importância de carácter estratégico de salvar a política de direita, de manter o rumo e as opções políticas e económicas que tanto o PSD como o PS no Governo têm vindo a realizar. E, olhando até para a reacção dos grupos económicos que apontaram o caminho, olhando até para as posições do Presidente da República com a chamada concertação estratégica, o PSD foi, eu não diria obrigado porque acho que foi de livre vontade, dar aquilo que anteontem foi dito, uma mão ao Governo. Mas não foi a mão ao Governo do PS, foi a mão a essa política que persiste ao fim de décadas.
Uma orientação estratégica do PSD à espera de que, eleitoralmente, possa valer mais? Se daqui a um ano o PSD apresentar uma moção de censura, porque as sondagens mostram o PSD como um partido eventualmente vencedor, o PCP estará disponível para apoiar uma moção de censura do PSD?
Nessa perspectiva de antevisão, obviamente o conteúdo dessa moção de censura determinará a nossa posição de voto. Porque há uma censura como a que fizemos na sexta-feira, por boas razões. Por exemplo, este recente anúncio de Passos Coelho, de que, caso se confirme que o primeiro-ministro faltou à verdade no processo TVI, não teria condições para continuar, avançando com a ideia da moção de censura. Vamos lá também ser realistas, se de cada vez que Sócrates tivesse faltado à verdade ao povo português sofresse uma moção de censura, já tinham existido cinco ou seis, tendo em conta que Sócrates tem faltado sistematicamente aos compromissos, diz hoje uma coisa, daqui a dez dias diz outra. Admito que o PSD, dando a mão para salvar esta política de direita, simultaneamente e com um grande tacticismo eleitoral, queira que o Partido Socialista se vá cozendo em banho-maria, se vá desgastando, para se colocar como alternância.
Mas a pergunta objectiva é esta: o PCP, se a justificação for boa, admite um dia poder votar uma moção de censura ao lado dos partidos a que chama de direita, ao lado do PSD e do CDS? Ou isso é de todo impossível?
Uma moção que, obviamente, teria de fazer aqui - e não acredito nisso - uma autocrítica, quase uma catarse em relação às suas responsabilidades comuns.
Mas é impossível ver o PCP a votar ao lado do PSD e do CDS uma moção de censura ao Governo?
O PSD vai ter de explicar, não me cabe a mim a explicação.
Mas teoricamente é possível?
Academicamente é tudo admissível, e constitucionalmente, regimentalmente.
Voltará a ser o texto como foi desta vez para o PSD, o que o PCP apresentou?
Uma moção de censura tem de ser fundamentada nalguma coisa. E, obviamente, o PSD não contará connosco, não contará com o PCP, com a sua absolvição nas suas graves responsabilidades que levaram o País à situação em que se encontra.
Estava à espera que o Bloco de Esquerda corroborasse os argumentos do Partido Comunista?
Não fizemos nenhuma consulta prévia ao Bloco de Esquerda, nem tínhamos o direito de o fazer.
Mas estava à espera de levar o Bloco de Esquerda a reboque desta sua moção de censura ao Governo?
Nem sim, nem não, não sabia. O Bloco de Esquerda em muitas matérias tem tido uma identificação de posições com o Partido Comunista Português, particularmente na crítica social, na crítica económica. Mas não foi nem factor impeditivo nem factor de apressar qualquer posição que o Bloco pudesse tomar.
O PCP defende que a correcção do défice deve ser feita de uma forma mais faseada, mas são os países fortes do Eurogrupo que impõem a Portugal, à Espanha, à Grécia, uma travagem busca. A solução é sair do Euro?
Repare, os países mais fortes é que estão a exigir isto a Portugal. Porque é que não o fizeram em relação a economias mais fortes? Por exemplo, a Inglaterra tem um défice maior que nós. Alguma vez ouviu esta pressão?...
Não tem a desconfiança das empresas de rating. Não está no Eurogrupo e tem uma capacidade de riqueza…
Sim, mas quem são as empresas de rating? As empresas no fundo, do nosso ponto de vista, são um instrumento dos chamados mercados do capital financeiro, dos grandes bancos, que um pouco com base…
Os grandes bancos que emprestam dinheiro a quem vive acima das suas possibilidades.
Sim, mas repare: fomos envolvidos numa teia tendo em conta uma política de cedências, de abdicação da nossa soberania, tendo em conta erros que se cometeram com estes governos sucessivos. Mas a questão de fundo é que essas empresas e esse capital agem como um predador. Às vezes vemos aqueles filmes da lei da selva, em que os predadores atacam geralmente as presas mais vulneráveis…
Se estivéssemos fora do Euro estaríamos mais vulneráveis.
Chamei a atenção para um facto: em 90, o Partido Comunista Português realizou uma conferência económica em que também, com uma capacidade de previsão e de análise, o meu camarada Álvaro Cunhal fez uma intervenção de fundo nessa matéria, vale a pena reler! Porque, a estes anos de distância, demonstrou-se que uma entrada precipitada na União Económica e Monetária, na Moeda Única, levaria inevitavelmente não ao reforço da nossa economia mas sim ao estrangulamento e à submissão dos interesses dos poderosos. Era a panela de ferro contra a panela de barro.
É de admitir uma saída de países como Portugal do Euro, para voltarem a ter soberania monetária?
Esta União Económica e Monetária serve para quê? Podemos dizer, está inscrito no Tratado de Lisboa que funcionará o princípio da coesão económica e social. Grande declaração, um princípio saudável! A verdade é que nós verificámos com esta crise, cada um tratou por si - os mais fortes procuraram no essencial entalar os mais fracos.
Não está a responder-nos. Ficamos no Euro ou devemos ponderar sair do Euro?
Agora não procurem criar uma situação ainda mais dramática com uma decisão súbita em relação a essa medida. O que pensamos é que esta União Económica e Monetária e o sentido que se dá à Moeda Única são inaceitáveis para o futuro de Portugal. Não exijam que digamos "mata e morre!", não é isso. Agora, confirmam-se todas as preocupações, e este sistema é profundamente injusto porque está ao serviço dos grandes, dos poderosos, do directório das potências, e não ao serviço desse princípio tão sacralizado da coesão económica e social.
In DN
por JOÃO MARCELINO (DN) e PAULO BALDAIA (TSF)
Hoje
O secretário-geral do PCP não se arrepende de ter apresentado uma moção de censura ao Governo, apesar do chumbo. Para Jerónimo, a iniciativa serviu também para mostrar a associação do PSD às medidas do plano de austeridade e do PEC. Sobre as presidenciais, diz que o candidato próprio poderá ser apresentado durante a Festa do 'Avante!'.
O PCP apresentou na sexta-feira uma moção de censura ao Governo, que não passou na Assembleia da República, e censurava também o PSD. O texto não criou espaço para que o PSD pudesse juntar-se à moção. Não teria feito sentido o PCP negociar um texto que potenciasse, de alguma forma, que a moção de censura passasse na Assembleia?
Isso implicaria que abdicássemos daquela que tem sido a nossa afirmação e a nossa orientação nestes últimos anos, em que para o Partido Comu-nista Português a questão central e de fundo tem que ver com a política que este ou outros governos realizam ou realizaram. Nesse sentido, porque consideramos que bem podemos derrubar governos ou substituir governos se a política se mantiver, creio que o povo português não consegue…
Mas em que é que uma moção de censura pode ajudar a mudar políticas num governo? Se não o fizer cair, obviamente.
Uma moção de censura, em primeiro lugar, comporta do nosso ponto de vista - e esta comportou - uma dimensão política de responsabilização da situação, na medida em que sistematicamente, durante muitos anos, a culpa tende a morrer solteira. PS e PSD, com ou sem a ajuda do CDS, substituem os líderes, criticam o Governo quando estão na oposição, mas simultaneamente fazem depois na prática a mesma política. Vão rodando, tem havido uma alternância e não uma alternativa em termos de política. Nesse sentido, a nossa moção tinha esta dimensão política, procurando a co-responsabilização, tendo em conta a associação que o PSD fez designadamente a estas medidas contidas no PEC e as suplementares apresentadas mais recentemente. Por outro lado, também procurando que a Assembleia da República fosse um espaço que permitisse a expressão da censura, a expressão do descontentamento, da indignação que hoje perpassa por muitos portugueses.
Ao apresentar uma moção de censura que sabe que não vai ser aprovada porque censura também o PSD, não está o PCP a admitir que ter lá este Governo de José Sócrates ou não ter é igual?
Para nós, a questão de fundo continua a ser aquela, sublinho e insisto nesta ideia: a nossa crítica a José Sócrates não é por razões de feitio ou de carácter; é fundamentalmente porque dá rosto, é o rosto principal de uma política que tem conduzido o País para uma situação que consideramos dramática, de desastre nacional. Tal como, aliás, fez Barroso quando se foi embora, como fez Santana quando foi demitido, como fez Guterres quando se foi embora. A questão de fundo continua a ser esta.
Mas para marcar essa oposição e essa diferença não precisava de uma moção de censura. Bastariam as declarações que tem feito e como tem comentado as medidas tomadas pelo Governo. Há quem diga que isto foi apenas um marcar de terreno em relação ao Bloco de Esquerda e que o que o PCP tentou fazer foi conquistar espaço político à esquerda.
Nunca pensámos no Bloco quando tomámos a iniciativa, foi uma decisão do Comité Central. A questão de fundo foi: após a aprovação do PEC, num quadro em que surgiram novas medidas, uma nova ofensiva - aquilo que consideramos uma violenta ofensiva contra os salários, contra as reformas, contra a justiça fiscal, contra a justiça social - foi o elemento novo que não se compadecia com uma simples interpelação ao Governo ou era resolúvel num debate quinzenal com o primeiro-ministro.
Então foi uma atitude quixotesca? Ficou tudo na mesma?
Não ficou, não.
O que mudou?
Em primeiro lugar, há a clarificação de cada força política em relação a esta situação que vivemos. Em segundo lugar, demos voz a essa indignação e a esse protesto. Pode dizer que é pouco, mas…
Foram acusados pelo primeiro-ministro de estar apenas a lançar politicamente uma iniciativa da CGTP, que tem uma grande manifestação marcada para Lisboa.
Porque obviamente o senhor primeiro-ministro não se conforma, não concebe nem admite que, quando as pessoas sentirem estas medidas violentas - e sentem-nas, na sua vida, no seu orçamento familiar, no seu emprego, no seu trabalho, no seu salário -, reajam, indignem-se e lutem contra este estado de coisas. Ou seja, um pouco o regresso daquela ideia "vocês levam pancada, comem e calam". O que consideramos é que também isto, alguém afirmava um dia, o próprio direito à indignação…
Foi Mário Soares, a propósito do bloqueio da ponte.
Foi o direito à indignação e o direito de os trabalhadores, o nosso povo, manifestarem também ali naquela tribuna da Assembleia da República aquilo que hoje perpassa pela sociedade portuguesa. Nesse sentido, consideramos que aquilo que vai ser determinante neste quadro tão difícil será, mais uma vez, a luta dos trabalhadores, das populações.
Há sete meses realizaram-se umas eleições. Nessa altura, estava consciente de que o País se encontrava num caminho que obrigaria a tomar estas medidas, ou também foi surpreendido por esta conjuntura, como o Governo e o primeiro-ministro dizem que foram?
Chamo a vossa atenção para, em sede de debates quinzenais, nas discussões do Orçamento do Estado, nas discussões do próprio programa do Governo, mais do que ninguém o PCP alertou para o caminho a que esta política estava a conduzir o País. Acusavam-nos de estar a ver fantasmas, de ter o discurso da chapa três, que estávamos a exagerar, que o PCP era prisioneiro de razões ideológicas e não via que o mercado livre tinha o direito livre de funcionar - estou a citar Sócrates em relação a respostas às nossas inquietações, à nossa previsão e, infelizmente, em relação à própria realidade. Nós avisámos, nós alertámos, mas éramos sempre entendidos como alguém que está a ver fantasmas, porque o que o Governo dizia na altura era "não, Portugal está no bom caminho, Portugal do oásis, o amanhã que vem e vai ser melhor", eram sempre estes argumentos! Foi o PCP que, de facto, numa previsão e numa antevisão, foi capaz de ver para onde é que conduziria esta situação. E não é por sermos mais inteligentes do que qualquer outro partido, mas fazemos uma análise objectiva.
Objectiva dos números do défice e do endividamento externo?
E particularmente um elemento fundamental: a dívida externa, tanto pública como privada, resultante da destruição do nosso aparelho produtivo, da nossa produção nacional. Estamos a falar da indústria, estamos a falar da agricultura, estamos a falar das pescas e estamos a falar, consequentemente, do emprego e do desemprego. Numa análise objectiva ao desenvolvimento e à evolução da situação em que, todos sabemos, um país solidifica as suas contas, os seus défices, através do aumento da riqueza, através do aumento da receita. E aquilo que víamos era um Portugal cada vez mais dilapidado do seu aparelho produtivo, da sua produção nacional, víamos cada vez mais o Governo abandonar o mercado interno, onde, como é sabido, residem centenas de milhares de empresas que empregam mais de 80% dos trabalhadores portugueses. Quando vemos, por exemplo, em relação às negociações da OMC, o sector têxtil e dos lanifícios não ser protegido nessas negociações, quando vemos o encerramento das Sorefames, das siderurgias, das Quimigais, quando vemos aquilo que poderia ser o factor e o instrumento de criação de riqueza, foram abatidos. E isso não foi substituído pelos fundos comunitários que tão malbaratados foram.
Esta moção de censura não passou. Acredita que esta legislatura chegará até ao fim?
Não sou capaz de ser profeta a esse nível, mas o que é que temos neste momento? Temos um Governo de minoria, que não foi capaz de aprender a lição com os resultados das eleições legislativas, em que perdeu a maioria absoluta.
É de minoria, mas tem conseguido apoios para viabilizar o Orçamento, viabilizar o PEC e ver uma moção de censura do PCP não ser aprovada.
Sim, porque à direita, e particularmente ao PSD, coloca-se uma questão central, que é de uma importância de carácter estratégico de salvar a política de direita, de manter o rumo e as opções políticas e económicas que tanto o PSD como o PS no Governo têm vindo a realizar. E, olhando até para a reacção dos grupos económicos que apontaram o caminho, olhando até para as posições do Presidente da República com a chamada concertação estratégica, o PSD foi, eu não diria obrigado porque acho que foi de livre vontade, dar aquilo que anteontem foi dito, uma mão ao Governo. Mas não foi a mão ao Governo do PS, foi a mão a essa política que persiste ao fim de décadas.
Uma orientação estratégica do PSD à espera de que, eleitoralmente, possa valer mais? Se daqui a um ano o PSD apresentar uma moção de censura, porque as sondagens mostram o PSD como um partido eventualmente vencedor, o PCP estará disponível para apoiar uma moção de censura do PSD?
Nessa perspectiva de antevisão, obviamente o conteúdo dessa moção de censura determinará a nossa posição de voto. Porque há uma censura como a que fizemos na sexta-feira, por boas razões. Por exemplo, este recente anúncio de Passos Coelho, de que, caso se confirme que o primeiro-ministro faltou à verdade no processo TVI, não teria condições para continuar, avançando com a ideia da moção de censura. Vamos lá também ser realistas, se de cada vez que Sócrates tivesse faltado à verdade ao povo português sofresse uma moção de censura, já tinham existido cinco ou seis, tendo em conta que Sócrates tem faltado sistematicamente aos compromissos, diz hoje uma coisa, daqui a dez dias diz outra. Admito que o PSD, dando a mão para salvar esta política de direita, simultaneamente e com um grande tacticismo eleitoral, queira que o Partido Socialista se vá cozendo em banho-maria, se vá desgastando, para se colocar como alternância.
Mas a pergunta objectiva é esta: o PCP, se a justificação for boa, admite um dia poder votar uma moção de censura ao lado dos partidos a que chama de direita, ao lado do PSD e do CDS? Ou isso é de todo impossível?
Uma moção que, obviamente, teria de fazer aqui - e não acredito nisso - uma autocrítica, quase uma catarse em relação às suas responsabilidades comuns.
Mas é impossível ver o PCP a votar ao lado do PSD e do CDS uma moção de censura ao Governo?
O PSD vai ter de explicar, não me cabe a mim a explicação.
Mas teoricamente é possível?
Academicamente é tudo admissível, e constitucionalmente, regimentalmente.
Voltará a ser o texto como foi desta vez para o PSD, o que o PCP apresentou?
Uma moção de censura tem de ser fundamentada nalguma coisa. E, obviamente, o PSD não contará connosco, não contará com o PCP, com a sua absolvição nas suas graves responsabilidades que levaram o País à situação em que se encontra.
Estava à espera que o Bloco de Esquerda corroborasse os argumentos do Partido Comunista?
Não fizemos nenhuma consulta prévia ao Bloco de Esquerda, nem tínhamos o direito de o fazer.
Mas estava à espera de levar o Bloco de Esquerda a reboque desta sua moção de censura ao Governo?
Nem sim, nem não, não sabia. O Bloco de Esquerda em muitas matérias tem tido uma identificação de posições com o Partido Comunista Português, particularmente na crítica social, na crítica económica. Mas não foi nem factor impeditivo nem factor de apressar qualquer posição que o Bloco pudesse tomar.
O PCP defende que a correcção do défice deve ser feita de uma forma mais faseada, mas são os países fortes do Eurogrupo que impõem a Portugal, à Espanha, à Grécia, uma travagem busca. A solução é sair do Euro?
Repare, os países mais fortes é que estão a exigir isto a Portugal. Porque é que não o fizeram em relação a economias mais fortes? Por exemplo, a Inglaterra tem um défice maior que nós. Alguma vez ouviu esta pressão?...
Não tem a desconfiança das empresas de rating. Não está no Eurogrupo e tem uma capacidade de riqueza…
Sim, mas quem são as empresas de rating? As empresas no fundo, do nosso ponto de vista, são um instrumento dos chamados mercados do capital financeiro, dos grandes bancos, que um pouco com base…
Os grandes bancos que emprestam dinheiro a quem vive acima das suas possibilidades.
Sim, mas repare: fomos envolvidos numa teia tendo em conta uma política de cedências, de abdicação da nossa soberania, tendo em conta erros que se cometeram com estes governos sucessivos. Mas a questão de fundo é que essas empresas e esse capital agem como um predador. Às vezes vemos aqueles filmes da lei da selva, em que os predadores atacam geralmente as presas mais vulneráveis…
Se estivéssemos fora do Euro estaríamos mais vulneráveis.
Chamei a atenção para um facto: em 90, o Partido Comunista Português realizou uma conferência económica em que também, com uma capacidade de previsão e de análise, o meu camarada Álvaro Cunhal fez uma intervenção de fundo nessa matéria, vale a pena reler! Porque, a estes anos de distância, demonstrou-se que uma entrada precipitada na União Económica e Monetária, na Moeda Única, levaria inevitavelmente não ao reforço da nossa economia mas sim ao estrangulamento e à submissão dos interesses dos poderosos. Era a panela de ferro contra a panela de barro.
É de admitir uma saída de países como Portugal do Euro, para voltarem a ter soberania monetária?
Esta União Económica e Monetária serve para quê? Podemos dizer, está inscrito no Tratado de Lisboa que funcionará o princípio da coesão económica e social. Grande declaração, um princípio saudável! A verdade é que nós verificámos com esta crise, cada um tratou por si - os mais fortes procuraram no essencial entalar os mais fracos.
Não está a responder-nos. Ficamos no Euro ou devemos ponderar sair do Euro?
Agora não procurem criar uma situação ainda mais dramática com uma decisão súbita em relação a essa medida. O que pensamos é que esta União Económica e Monetária e o sentido que se dá à Moeda Única são inaceitáveis para o futuro de Portugal. Não exijam que digamos "mata e morre!", não é isso. Agora, confirmam-se todas as preocupações, e este sistema é profundamente injusto porque está ao serviço dos grandes, dos poderosos, do directório das potências, e não ao serviço desse princípio tão sacralizado da coesão económica e social.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Spínola foi completamente derrotado na Guiné"
"Spínola foi completamente derrotado na Guiné"
por ABEL COELHO DE MORAIS e LEONÍDIO PAULO FERREIRA
Hoje
Combateu na Guiné pelo PAIGC de Amílcar Cabral. Foi primeiro-ministro e agora é Presidente desse Cabo Verde que merece elogios pelo seu apego à democracia. Hoje, Pedro Pires é feito doutor 'honoris causa' pela Universidade Técnica de Lisboa. Aos 74 anos, este homem exemplar fala do seu país, da ligação a Portugal, da lusofonia e até de futebol .
Enquanto combatente da luta anticolonialista e governante que balanço faz deste meio século de independências na África?
Creio que não se deve generalizar porque são realidades culturais e étnicas diferentes, são experiências históricas diferentes. É nessa base que a experiência africana dos Estados independentes deve ser vista, na sua complexidade, na sua dificuldade e também naquilo que podemos dizer ser uma falta de tradição de exercício do poder soberano. Podemos analisar o papel dos partidos que dirigiram os países ou participaram nas lutas de libertação, dos seus líderes e do contexto internacional, não só do contexto africano mas também do mundial.
Mas há casos evidentes de sucesso e casos evidentes de fracasso...
Podemos analisar os sucessos, podemos ver as rupturas, as mudanças de liderança, forçadas ou normais, durante o caminho, e a partir daí ver as diferenças. Entendo que os países que poderão ter maior sucesso, isso depende da cultura e da tradição: se durante a colonização tiveram a possibilidade de adquirir os conhecimentos e instrumentos indispensáveis para a gestão do país; se puderam exercer de alguma forma a gestão do país. Caso não tenha sido assim, é todo um caminho por descobrir. E às vezes as próprias lideranças desconhecem o seu país. Pela sua cultura, pelos locais onde adquiriram o saber, o conhecimento, este nem sempre traduz o conhecimento da própria realidade. Daí que o caminho dos países soberanos africanos tenha sido condicionado por isso. Será que as instituições estatais reflectem a realidade do próprio país ou será uma colagem? Penso que é aqui que estará a grande fraqueza.
O que leva alguém a pensar este é o momento da ruptura, de lutar por uma pátria independente?
Qualquer um está influenciado pela sua vivência, pelo seu país, por aquilo que nota nele, pelo que aí encontra de injustiça, pelo que encontra de bloqueio e nas soluções que se lhe oferecem. É preciso romper o bloqueio da discriminação.
Recorda-se do momento em que tomou essa decisão?
Não... A minha visão é a de que as pessoas crescem, vão tomando consciência da sua realidade, vão tomando consciência de si próprias, e a partir daí chega o momento de decidir. Eu, quando decidi integrar o Movimento de Libertação de Cabo Verde, estava aqui em Lisboa. Nesse momento tinha muitos amigos, pessoas com quem trocava impressões. Portanto, cresci politicamente aqui e foi aqui que tomei a decisão.
Como é que um jovem de Cabo Verde está a estudar em Portugal e, de repente, é guerrilheiro nas matas da Guiné? Nunca tinha estado na Guiné antes?
É verdade, nunca tinha estado. Mas outras pessoas com as quais eu me identificava tinham feito essa opção. E eu faço a mesma no quadro de uma luta comum, no quadro de uma nova visão para África, para o mundo, no quadro da ruptura com o colonialismo. No caso concreto, com o colonialismo português.
Diz-se que a guerra na Guiné foi diferente, que era a única ex-colónia portuguesa em que a guerrilha podia impor a independência. Sentia a vitória próxima?
Não, não tinha ideia de que estava próxima. Tinha ideia de que era possível, mas a ideia da iminência eu pessoalmente não tinha. E estou convencido de que os outros também não tinham. Mas, no momento em que houve aquilo que podemos considerar a ruptura do equilíbrio de forças a favor da guerrilha, sabia que estaria próximo. O que foi a ruptura do equilíbrio de forças? É quando o PAIGC consegue ter mísseis antiaéreos que neutralizaram a força aérea portuguesa. A partir daí reduziu-se a mobilidade das forças portuguesas. Estas, sobretudo as forças especiais, utilizavam como cobertura o avião e o helicóptero na deslocação. A partir do momento em que perdem a mobilidade fixam- -se e, claro, eram obrigados a abandonar grandes espaços. Depois do 16 de Março, nas Caldas da Rainha, creio que a partir daí estava evidente que sim, que o fim estava próximo. A data certa, jamais.
A guerra na Guiné é associada ao general Spínola. Ele era um militar temido pelo PAIGC?
Tenho dúvidas quanto a isso.
Mas era um nome importante na Guiné?
Claro que sim. Spínola construiu e trabalhou a sua imagem de grande militar. Mas, e este é um ponto de vista pessoal, Spínola foi completamente derrotado na Guiné. É desta forma que ele sai da Guiné, é desta forma que alguns dos seus colaboradores próximos também saem da Guiné. Eles foram militarmente derrotados. Se nós tínhamos respeito por ele? Claro, tem-se respeito por qualquer chefe militar, sobretudo aquele que temos à nossa frente.
Era inevitável a ruptura entre Cabo Verde e a Guiné?
Não sei. As coisas evoluem: ou vão para a convergência ou vão para a separação. Entendo que, se assim foi, é porque as coisas estavam a ir para a separação. Do nosso lado, porquê a ruptura? Entendemos que os golpes de Estado devem ser sempre evitados: quem dá o primeiro golpe de Estado justifica o segundo, e assim sucessivamente. E nós dissemos: nessa direcção não vamos.
Esse golpe em 1980 foi o prenúncio do destino trágico de Nino Vieira? Pode ser visto como o início do ciclo de golpes, contragolpes e assassínios na Guiné?
Podia não ser. É complicado...
Que memória tem de Nino?
É complicado estar a tirar esse tipo de conclusões, porque procuro ser seguro naquilo que digo, procuro compreender as razões, não tiro conclusões fáceis sobre esta ou aquela pessoa. Se se quiser, que se faça uma investigação sobre a personalidade da pessoa para chegar a uma conclusão. Agora que o golpe de Estado abre o caminho à violência é evidente. E o mal da Guiné foi o seguinte: não se soube gerir a transição de um movimento de libertação para partido político e também não se conseguiu gerir convenientemente a transformação de um movimento de libertação, de uma guerrilha, num exército regular. Até hoje, a Guiné sofre disso. Para resumir, diria que na Guiné o erro está em que não souberam civilizar o regime. Civilizar entre aspas.
Não existe o receio, atendendo à profunda crise na Guiné-Bissau, de que o problema do narcotráfico possa estender-se na região e afectar a estabilidade de Cabo Verde?
Ninguém está seguro se os seus vizinhos não estiverem seguros, a nossa segurança depende em parte da segurança da nossa região. Daí que haja necessidade de, de um lado, combater o narcotráfico no nosso país, de outro lado, combater o narcotráfico no plano regional. Mas o narcotráfico não é um fenómeno africano nem regional, é mundial. O narcotráfico põe em causa as instituições do Estado de direito e é um poder subterrâneo que quer impor as suas regras. Cabo Verde coopera com vários países e várias instituições, e colocou essa questão da segurança regional e do combate ao narcotráfico em debate. O combate ao narcotráfico tem de ser coordenado e há que ir nessa direcção.
Um elogio que se faz a Cabo Verde é a alternância democrática que conseguiu. O Presidente é disso exemplo. Como é estar no poder como primeiro-ministro, passar pela oposição e voltar a ganhar umas eleições e ser presidente?
É o combate por um sentido de vida. No seguinte sentido: lutei com sinceridade, com lealdade e com empenho para que o meu país fosse independente, trabalhei da mesma forma para que ele avançasse e se construísse o Estado soberano, para se lançarem as bases do desenvolvimento do país. Chegámos depois à conclusão de que era necessário liberalizar a economia e também politicamente o país. E assim foi.
Falou na liberalização económica e política. Pode afirmar que a democracia está estabelecida e enraizada em Cabo Verde?
Penso, pela prova que temos, que é o dia-a-dia dos cabo-verdianos. Isso já não se discute: é cultura, é o hábito. Não vejo a possibilidade de qualquer mudança ou regressão nessa questão, porque é natural.
Aí nada vai mudar?
Nada. Devemos é ter a preocupação da consolidação e aperfeiçoamento das instituições do Estado democrático. Deve haver um esforço no sentido de as tornar mais sólidas e eficientes para que sirvam o melhor possível à sociedade.
Há pouco tempo, o ex-presidente Mário Soares afirmou que talvez a independência de Cabo Verde em 1975 não devesse ter sido feita. Que comentário faz?
Acho que é a forma de o dr. Mário Soares ver as coisas. É uma opinião pessoal e talvez até seja um gesto de amizade e de valorização. Amizade e valorização de Cabo Verde e dos cabo-verdianos.
In DN
por ABEL COELHO DE MORAIS e LEONÍDIO PAULO FERREIRA
Hoje
Combateu na Guiné pelo PAIGC de Amílcar Cabral. Foi primeiro-ministro e agora é Presidente desse Cabo Verde que merece elogios pelo seu apego à democracia. Hoje, Pedro Pires é feito doutor 'honoris causa' pela Universidade Técnica de Lisboa. Aos 74 anos, este homem exemplar fala do seu país, da ligação a Portugal, da lusofonia e até de futebol .
Enquanto combatente da luta anticolonialista e governante que balanço faz deste meio século de independências na África?
Creio que não se deve generalizar porque são realidades culturais e étnicas diferentes, são experiências históricas diferentes. É nessa base que a experiência africana dos Estados independentes deve ser vista, na sua complexidade, na sua dificuldade e também naquilo que podemos dizer ser uma falta de tradição de exercício do poder soberano. Podemos analisar o papel dos partidos que dirigiram os países ou participaram nas lutas de libertação, dos seus líderes e do contexto internacional, não só do contexto africano mas também do mundial.
Mas há casos evidentes de sucesso e casos evidentes de fracasso...
Podemos analisar os sucessos, podemos ver as rupturas, as mudanças de liderança, forçadas ou normais, durante o caminho, e a partir daí ver as diferenças. Entendo que os países que poderão ter maior sucesso, isso depende da cultura e da tradição: se durante a colonização tiveram a possibilidade de adquirir os conhecimentos e instrumentos indispensáveis para a gestão do país; se puderam exercer de alguma forma a gestão do país. Caso não tenha sido assim, é todo um caminho por descobrir. E às vezes as próprias lideranças desconhecem o seu país. Pela sua cultura, pelos locais onde adquiriram o saber, o conhecimento, este nem sempre traduz o conhecimento da própria realidade. Daí que o caminho dos países soberanos africanos tenha sido condicionado por isso. Será que as instituições estatais reflectem a realidade do próprio país ou será uma colagem? Penso que é aqui que estará a grande fraqueza.
O que leva alguém a pensar este é o momento da ruptura, de lutar por uma pátria independente?
Qualquer um está influenciado pela sua vivência, pelo seu país, por aquilo que nota nele, pelo que aí encontra de injustiça, pelo que encontra de bloqueio e nas soluções que se lhe oferecem. É preciso romper o bloqueio da discriminação.
Recorda-se do momento em que tomou essa decisão?
Não... A minha visão é a de que as pessoas crescem, vão tomando consciência da sua realidade, vão tomando consciência de si próprias, e a partir daí chega o momento de decidir. Eu, quando decidi integrar o Movimento de Libertação de Cabo Verde, estava aqui em Lisboa. Nesse momento tinha muitos amigos, pessoas com quem trocava impressões. Portanto, cresci politicamente aqui e foi aqui que tomei a decisão.
Como é que um jovem de Cabo Verde está a estudar em Portugal e, de repente, é guerrilheiro nas matas da Guiné? Nunca tinha estado na Guiné antes?
É verdade, nunca tinha estado. Mas outras pessoas com as quais eu me identificava tinham feito essa opção. E eu faço a mesma no quadro de uma luta comum, no quadro de uma nova visão para África, para o mundo, no quadro da ruptura com o colonialismo. No caso concreto, com o colonialismo português.
Diz-se que a guerra na Guiné foi diferente, que era a única ex-colónia portuguesa em que a guerrilha podia impor a independência. Sentia a vitória próxima?
Não, não tinha ideia de que estava próxima. Tinha ideia de que era possível, mas a ideia da iminência eu pessoalmente não tinha. E estou convencido de que os outros também não tinham. Mas, no momento em que houve aquilo que podemos considerar a ruptura do equilíbrio de forças a favor da guerrilha, sabia que estaria próximo. O que foi a ruptura do equilíbrio de forças? É quando o PAIGC consegue ter mísseis antiaéreos que neutralizaram a força aérea portuguesa. A partir daí reduziu-se a mobilidade das forças portuguesas. Estas, sobretudo as forças especiais, utilizavam como cobertura o avião e o helicóptero na deslocação. A partir do momento em que perdem a mobilidade fixam- -se e, claro, eram obrigados a abandonar grandes espaços. Depois do 16 de Março, nas Caldas da Rainha, creio que a partir daí estava evidente que sim, que o fim estava próximo. A data certa, jamais.
A guerra na Guiné é associada ao general Spínola. Ele era um militar temido pelo PAIGC?
Tenho dúvidas quanto a isso.
Mas era um nome importante na Guiné?
Claro que sim. Spínola construiu e trabalhou a sua imagem de grande militar. Mas, e este é um ponto de vista pessoal, Spínola foi completamente derrotado na Guiné. É desta forma que ele sai da Guiné, é desta forma que alguns dos seus colaboradores próximos também saem da Guiné. Eles foram militarmente derrotados. Se nós tínhamos respeito por ele? Claro, tem-se respeito por qualquer chefe militar, sobretudo aquele que temos à nossa frente.
Era inevitável a ruptura entre Cabo Verde e a Guiné?
Não sei. As coisas evoluem: ou vão para a convergência ou vão para a separação. Entendo que, se assim foi, é porque as coisas estavam a ir para a separação. Do nosso lado, porquê a ruptura? Entendemos que os golpes de Estado devem ser sempre evitados: quem dá o primeiro golpe de Estado justifica o segundo, e assim sucessivamente. E nós dissemos: nessa direcção não vamos.
Esse golpe em 1980 foi o prenúncio do destino trágico de Nino Vieira? Pode ser visto como o início do ciclo de golpes, contragolpes e assassínios na Guiné?
Podia não ser. É complicado...
Que memória tem de Nino?
É complicado estar a tirar esse tipo de conclusões, porque procuro ser seguro naquilo que digo, procuro compreender as razões, não tiro conclusões fáceis sobre esta ou aquela pessoa. Se se quiser, que se faça uma investigação sobre a personalidade da pessoa para chegar a uma conclusão. Agora que o golpe de Estado abre o caminho à violência é evidente. E o mal da Guiné foi o seguinte: não se soube gerir a transição de um movimento de libertação para partido político e também não se conseguiu gerir convenientemente a transformação de um movimento de libertação, de uma guerrilha, num exército regular. Até hoje, a Guiné sofre disso. Para resumir, diria que na Guiné o erro está em que não souberam civilizar o regime. Civilizar entre aspas.
Não existe o receio, atendendo à profunda crise na Guiné-Bissau, de que o problema do narcotráfico possa estender-se na região e afectar a estabilidade de Cabo Verde?
Ninguém está seguro se os seus vizinhos não estiverem seguros, a nossa segurança depende em parte da segurança da nossa região. Daí que haja necessidade de, de um lado, combater o narcotráfico no nosso país, de outro lado, combater o narcotráfico no plano regional. Mas o narcotráfico não é um fenómeno africano nem regional, é mundial. O narcotráfico põe em causa as instituições do Estado de direito e é um poder subterrâneo que quer impor as suas regras. Cabo Verde coopera com vários países e várias instituições, e colocou essa questão da segurança regional e do combate ao narcotráfico em debate. O combate ao narcotráfico tem de ser coordenado e há que ir nessa direcção.
Um elogio que se faz a Cabo Verde é a alternância democrática que conseguiu. O Presidente é disso exemplo. Como é estar no poder como primeiro-ministro, passar pela oposição e voltar a ganhar umas eleições e ser presidente?
É o combate por um sentido de vida. No seguinte sentido: lutei com sinceridade, com lealdade e com empenho para que o meu país fosse independente, trabalhei da mesma forma para que ele avançasse e se construísse o Estado soberano, para se lançarem as bases do desenvolvimento do país. Chegámos depois à conclusão de que era necessário liberalizar a economia e também politicamente o país. E assim foi.
Falou na liberalização económica e política. Pode afirmar que a democracia está estabelecida e enraizada em Cabo Verde?
Penso, pela prova que temos, que é o dia-a-dia dos cabo-verdianos. Isso já não se discute: é cultura, é o hábito. Não vejo a possibilidade de qualquer mudança ou regressão nessa questão, porque é natural.
Aí nada vai mudar?
Nada. Devemos é ter a preocupação da consolidação e aperfeiçoamento das instituições do Estado democrático. Deve haver um esforço no sentido de as tornar mais sólidas e eficientes para que sirvam o melhor possível à sociedade.
Há pouco tempo, o ex-presidente Mário Soares afirmou que talvez a independência de Cabo Verde em 1975 não devesse ter sido feita. Que comentário faz?
Acho que é a forma de o dr. Mário Soares ver as coisas. É uma opinião pessoal e talvez até seja um gesto de amizade e de valorização. Amizade e valorização de Cabo Verde e dos cabo-verdianos.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Candidatura ao Mundial 2018 não terá investimento"
"Candidatura ao Mundial 2018 não terá investimento"
por JOÃO MARCELINO (DN) e PAULO BALDAIA (TSF)
Hoje
Minhoto, de 56 anos, nascido em Fafe, Laurentino Dias formou-se em Direito em Coimbra e tornou-se militante do PS em 1985. Deputado em várias legislaturas, foi reconduzido como secretário de Estado da Juventude e do Desporto. Uma área que também domina a actualidade.
Que sentido faz, no auge desta crise económica, que passa também pelo Sul da Europa, pela Península Ibérica, Portugal e Espanha apresentar uma candidatura conjunta ao Mundial de 2018 como se nada se passasse, como se os primeiros-ministros Zapatero e Sócrates não estivessem a "castigar" as pessoas?
Faz o sentido de uma candidatura dessa natureza obrigar a uma avaliação objectiva. E a avaliação objectiva da presença de Portugal nessa candidatura só pode ser resumida em duas palavras, e eu digo-lhe qual é a minha convicção: tenho pena que não seja hoje esse Mundial em Portugal. Porquê? Porque vai a esse Mundial sem gastar um tostão…
Hoje, iria.
… em investimento público para a realização desse Mundial. Nós vamos a esse Campeonato do Mundo com 13 estádios que já estão construídos. São estádios novos, estarão em condições em 2018.
Terão de ser reformados.
Apenas numa pintura, se quiser, aqui ou ali.
A pintura vai ser bastante cara, gastará alguns milhões.
Garanto-lhe que não!
Vai haver evolução nas transmissões…
Garanto-lhe que não! A razão que transmitimos à Federação Portuguesa de Futebol quando nos contactou para saber se o Estado estava disponível para apoiar essa candidatura foi justamente essa.
E o que significa o apoio do Estado, então?
Sim, estamos disponíveis para apoiar essa candidatura se não significar nenhum investimento, nenhuma nova construção. Porque havia mais cidades candidatas a participar nessa candidatura: do Algarve; Braga… Do Algarve chegámos a receber uma proposta no sentido de requalificar o estádio para que tivesse lotação mínima para o Mundial, que é de 44 mil lugares, e dissemos rigorosamente: "Não, não fazemos nem apoiamos nenhum investimento em obra nova. Portanto, sem investir em obra nova, ter aqui - tal como está na proposta de candidatura - praticamente 20 jogos de um Campeonato do Mundo significa que só em receitas directas de organização que tem de se sediar em Portugal, dos media que vêm para Portugal, das pessoas que vêm assistir aos jogos, dos milhares de pessoas que acompanham as selecções que vêm cá jogar, e em 20 jogos serão 30 ou 40, algumas serão repetidas, só nesse resultado directo estão…
Sabe muito melhor do que eu que em 2018, obviamente, se Portugal e a Espanha viessem a ganhar essa candidatura, teriam de gastar dinheiro a reformular os estádios. E, portanto, há sempre investimento, mesmo que não seja significativo.
Meus caros, continuo convencido de que, estando nós em 2010, tendo 13 estádios que estão novos e que são novos, em 2018 não vão ter de ter nenhuma reformulação. E assim sendo, não havendo investimento directo em novas obras para esse Mundial, creio que é uma candidatura de que só retiramos benefício.
Há um valor com que o Estado se compromete junto da Federação para esta candidatura?
Dissemos à Federação - e a Federação é parte da fundação Portugal/Espanha que tem sede em Madrid, que é a responsável por todo o trabalho de promoção e de apresentação da candidatura - que estaríamos disponíveis para a apoiar em cerca de um milhão, milhão e meio de euros, que é a participação de Portugal nos custos de toda esta candidatura até ao final. Custos que podem ser eventualmente diminuídos havendo algumas receitas, como é previsível que venha a acontecer.
Há mais razões pelas quais não percebo esta candidatura. Vamos à segunda, que tem que ver com o diferendo que existe há uns meses entre o Governo e a Federação Portuguesa de Futebol no que concerne à adaptação dos estatutos da Federação. Como pode o Estado estar numa parceria com uma Federação que se recusa a cumprir a lei?
Pode, porque sabemos separar as águas e perceber, primeiro…
Mas é preciso ser muito magnânimo.
Não, é preciso ter a consciência de que uma coisa é olharmos para os interesses do País numa candidatura como a do Mundial. Outra é olhar para a relação do Estado com essa Federação no que toca ao cumprimento da lei, na adequação dos estatutos da Federação Portuguesa de Futebol àquilo que está previsto na lei. O processo dos estatutos é um processo longo, que deixámos que fosse longo porque percebemos à partida que, vivendo as federações desportivas todas - que são 62 -, e também o futebol, longos anos de um historial amarrado a um estatuto e a um modelo de funcionamento que julgamos que não é o melhor para o desenvolvimento desportivo, mas a que essas federações e os respectivos organismos internos, associações e outros, se habituaram, iria ser difícil para muitas delas perceber uma nova realidade. E qual é a nova realidade que, por via de lei, desejamos que esteja consagrada nos estatutos? Não é a modificação das percentagens internas de cada um dos organismos, não é isso, é um modelo diferente.
Já vamos ao modelo. O que pergunto é se este não é o momento para o Governo fazer sentir à Federação que se está a esgotar o tempo e que faz todo o sentido que se adaptem à lei?
A decisão de apoiar esta candidatura já tem um bom conjunto de meses. Nestes meses, a Federação tem feito inúmeras diligências, ainda recentemente uma assembleia geral, para discussão e aprovação dos novos estatutos. Ainda não o conseguiu fazer. Nós separamos essas duas questões. A Federação Portuguesa de Futebol, a sua Direcção, tem mantido connosco uma relação de trabalho francamente leal, cooperante. E nós temos percebido que da parte da Direcção da Federação…
Portanto, a resistência vem das associações?
Como sabe! O senhor sabe, eu sei, todos sabemos, porque é público, que são as associações distritais que têm resistido à modernização dos estatutos. E têm resistido, a meu ver, erradamente. Por uma razão muito simples: as associações continuam a pensar que a nova lei diz que deixam de ter 55% de presença na Assembleia Geral, ou seja, de mandar por si na Assembleia Geral, para passarem a ter 35%. Não é verdade. Não há alteração de percentagens. Há alteração de modelo.
Já terá tempo para explicar essa parte. Gostava de continuar na candidatura portuguesa ao Campeonato do Mundo de 2018 ou de 2022, para lhe perguntar o seguinte: não acha que não faz sentido esta parceria desequilibrada entre Portugal e Espanha?
Em que é que a parceria é desequilibrada?
É desequilibrada no sentido em que os parceiros não entram, como é costume nestas organizações, com 50% dos estádios, das cidades.
Na Península Ibérica, nós somos 50%? Somos dez milhões, os espanhóis são quantos? 40?
Esses dados conhecem-se. Noutros campeonatos que foram organizados em conjunto são sempre em parceria de 50/50.
E quais são os países dos outros campeonatos, podem lembrar-se? É a Suíça e a Áustria, a Holanda e a Bélgica, países muito próximos e relativamente muito iguais.
Mas não acha que quem não tem dinheiro não deve ter vícios? Se não temos escala para estar em pé de igualdade com outro país… isso não tem uma dimensão política?
Não temos escala para estar em pé de igualdade com a Espanha, 50/50. Vamos estar na razão de um terço.
Do ponto de vista económico e social, sabemos isso. Do ponto de vista político, não induz a um reconhecimento perigoso?
Do ponto de vista político, o pior que nos podia acontecer era ter a veleidade de, nesta matéria como noutras, querermos dizer que somos iguais à Espanha. Isso é que era uma perspectiva profundamente errada. Olhamos para a Espanha e sabemos qual é a diferença entre a Espanha e Portugal. Sabemos que Portugal tem dez milhões de pessoas e a Espanha 40 milhões; sabemos que o mundo do futebol em Espanha tem uma realidade - é o primeiro país europeu em matéria de futebol, a melhor liga europeia, tem o Real Madrid, o Barcelona…
Portugal já organizou um Campeonato da Europa sozinho. Não fazia sentido concentrar esforços numa organização?...
Portugal organizou o Campeonato da Europa sozinho da mesma forma que nunca poderá organizar um Campeonato do Mundo sozinho. Portanto, ou os portugueses se associam com o seu vizinho espanhol…
A 50% não seria o ideal?
… para realizar aqui um Campeonato do Mundo, ou não há nunca um Campeonato do Mundo de futebol em Portugal. E acho que é útil para todos nós - não apenas para os que gostam de futebol, mas para o País - que Portugal seja parte da organização do Campeonato do Mundo. Se fôssemos reclamar, imagine que íamos reclamar e dizer: "Nós só participamos no Campeonato do Mundo se for a 50% com a Espanha." Sabe qual era o resultado?
Quem não tem dinheiro, não tem vícios.
Não havia!
Conhece com certeza a história do presidente da Federação Inglesa. Lorde Triesman demitiu-se depois de um jornal inglês ter revelado uma conversa privada em que ele acusava a Espanha de tentar comprar árbitros para o Mundial de África do Sul.
É absolutamente lamentável.
Os russos estariam encarregados de travar as conversações e pagamentos com os árbitros para beneficiarem os espanhóis. Em troca, Espanha desistia da candidatura conjunta com Portugal.
Isso não tem nenhum comentário, é qualquer coisa de lamentável.
E lamentável a conversa dele?
É lamentável a conversa dele!
Está absolutamente crente de que esta história não tem o mínimo de fundamento?
Absolutamente, é uma história absolutamente incrível! Estou convicto, e desejo sinceramente que a FIFA, que deu conta pública de que abriu um inquérito ou uma averiguação a esse tipo de declaração, o faça de forma rápida. Antes mesmo do Mundial, era bom que isso acontecesse, a averiguação da razão desse tipo de declarações. E que faça o esclarecimento e puna, se puder - penso que pode -, o ex-presidente da Federação Inglesa de Futebol por declarações que não fazem nenhum sentido.
Não poderá ser prejudicial a Portugal, no âmbito das suas ambições na organização da Ryder Cup [golfe], estar também na corrida ao Campeonato do Mundo de futebol?
Creio que não.
Manuel Pinho, ex-ministro da Economia, acha que sim.
Foi dito que era incompatível no mesmo ano essas duas organizações. Não li nada onde isso se diga. O que haverá, naturalmente, quer da parte da FIFA quer da parte da entidade do golfe, é a consideração de que são os dois de uma enorme grandeza em termos mediáticos, e não seria razoável que coincidissem num mesmo tempo e no mesmo país. Ora, eles não são sequer no mesmo tempo, medeiam uns meses entre o Campeonato do Mundo de futebol - se ele for em 2018 - e a Ryder Cup, a que também nos candidatámos. Portanto, não creio que à partida haja alguma incompatibilidade. Será viável organizar os dois em Portugal. Aguardemos por Dezembro, para ver a decisão do Mundial, que é a primeira. No ano que vem é que será a decisão da Ryder Cup. Além do mais, creio que a não incompatibilidade desses dois eventos tem sobretudo que ver com o facto de terem públicos-alvo completamente diferentes. O que avulta muito neste tipo de eventos é a imagem de um país e a transposição para o mundo inteiro daquilo que os meios de informação, sobretudo os televisivos, transmitem do próprio país onde se organiza. Mas o público--alvo do golfe é completamente diferente do do futebol; assim creio que por aí não virão incompatibilidades. Esperemos por Dezembro para saber se a questão se coloca, mas creio que não.
E ao nível dos esforços diplomáticos que se fazem, num campo e noutro?
Não são coincidentes. A decisão do Mundial de futebol cabe ao Comité Executivo da FIFA, que são pouco mais de 20 pessoas, representantes ou presidentes de diversas federações desportivas de futebol do mundo. A Ryder Cup tem um contexto diferente em termos de decisão.
E há dinheiro para fazer tudo o que pretende fazer?
Todo o nosso orçamento são - eu há dias disse até a brincar, mas a brincar se dizem coisas sérias -... o nosso orçamento todo do desporto para Portugal, para cada ano, para 2010, é inferior em dez milhões de euros àquilo que o Real Madrid pagou pelo Ronaldo.
Noventa milhões de euros?
O nosso é de 80, para o desporto todo. O que quer dizer que, apesar de ser uma verba pequena, sem essa verba não há desporto em Portugal
Mas vai manter-se a verba, ou pode descer?
As nossas disponibilidades orçamentais já desceram. Logo no princípio do ano com cativações, e desceram agora mais 20%...
O PEC (Plano de Estabilidade e Crescimento) não vai ao desporto?
Vai, vai. Já foi! Agora, quer no desporto quer na juventude, outra área da minha tutela, temos um princípio que transmiti ao Instituto do Desporto e ao Instituto da Juventude, que é o seguinte: nós sabemos que temos um papel fundamental no apoio - falamos do desporto - às federações desportivas e às modalidades desportivas. Desde o princípio do nosso mandato que fizemos um esforço enorme para mudar a lei de apoio e financiamento que vem dos jogos sociais, passámos a ter apoio e financiamento mais forte dos jogos sociais, incluídos nos 80 milhões que acabei de dizer, que antes não tínhamos. Passámos a conceder às federações desportivas, todos os meses e sem falta, as verbas que são contratadas. Já não ouvem há muito tempo nos jornais ou nas televisões a choradeira habitual dos atletas e das federações: "O Instituto do Desporto está atrasado, o nosso subsídio não aparece, o nosso contrato não aparece."
Mas com os 20% que estão cativados…
Já são menos. Temos consciência de que sem o apoio do Estado não há desporto em Portugal - não há modalidades desportivas, federações a funcionar. A redução orçamental, temos de a dissolver em despesas que deixamos de ter, e não em cortes no apoio às federações desportivas.
Um dos problemas do futebol, que é a modalidade que atrai mais multidões, são os salários em atraso. O que pode o Governo fazer para que os clubes passem a cumprir os seus compromissos com os seus trabalhadores?
Os clubes não caem fora daquilo que são as obrigações devidas em qualquer outra entidade. Portanto, o Estado não pode fazer com os clubes ou sociedades anónimas desportivas mais do que faz com qualquer outra entidade: havendo salários em atraso, despedimentos, desemprego, conferir aquilo que o nosso Estado social permite em matéria de subsídio de desemprego e de apoio. Não pode ir mais longe. É claro que, sendo o desporto profissional, das competições profissionais, representativo também do País, faz sentido que tenhamos uma intervenção próxima da Liga profissional, dos clubes profissionais, no sentido de os instar a criar condições para que, por força de regulamentos internos, os clubes e sociedades anónimas desportivas não caiam em situações de incumprimento. Não podemos fazer mais do que isso.
Mas não se registam avanços...
O futebol europeu passa todo por problemas deste tipo. Há alguns países europeus onde as federações fazem um controlo mais apertado do que a Federação Portuguesa de Futebol ou do que a Liga Portuguesa de Futebol Profissional. Fizemos, aliás, um desafio, aqui há cerca de ano e meio, dois, no sentido de ser criada em Portugal - uma chamada clearing house - uma estrutura que fizesse de plataforma por onde passassem as transacções dos jogadores, de forma a que o futebol saísse credibilizado. E isso pudesse ajudar os clubes a ter alguma contenção nos contratos que fazem, nos contratos que promovem com os jogadores. Essa contenção, quando chega à hora das contratações, quase no defeso, é tantas vezes esquecida.
In DN
por JOÃO MARCELINO (DN) e PAULO BALDAIA (TSF)
Hoje
Minhoto, de 56 anos, nascido em Fafe, Laurentino Dias formou-se em Direito em Coimbra e tornou-se militante do PS em 1985. Deputado em várias legislaturas, foi reconduzido como secretário de Estado da Juventude e do Desporto. Uma área que também domina a actualidade.
Que sentido faz, no auge desta crise económica, que passa também pelo Sul da Europa, pela Península Ibérica, Portugal e Espanha apresentar uma candidatura conjunta ao Mundial de 2018 como se nada se passasse, como se os primeiros-ministros Zapatero e Sócrates não estivessem a "castigar" as pessoas?
Faz o sentido de uma candidatura dessa natureza obrigar a uma avaliação objectiva. E a avaliação objectiva da presença de Portugal nessa candidatura só pode ser resumida em duas palavras, e eu digo-lhe qual é a minha convicção: tenho pena que não seja hoje esse Mundial em Portugal. Porquê? Porque vai a esse Mundial sem gastar um tostão…
Hoje, iria.
… em investimento público para a realização desse Mundial. Nós vamos a esse Campeonato do Mundo com 13 estádios que já estão construídos. São estádios novos, estarão em condições em 2018.
Terão de ser reformados.
Apenas numa pintura, se quiser, aqui ou ali.
A pintura vai ser bastante cara, gastará alguns milhões.
Garanto-lhe que não!
Vai haver evolução nas transmissões…
Garanto-lhe que não! A razão que transmitimos à Federação Portuguesa de Futebol quando nos contactou para saber se o Estado estava disponível para apoiar essa candidatura foi justamente essa.
E o que significa o apoio do Estado, então?
Sim, estamos disponíveis para apoiar essa candidatura se não significar nenhum investimento, nenhuma nova construção. Porque havia mais cidades candidatas a participar nessa candidatura: do Algarve; Braga… Do Algarve chegámos a receber uma proposta no sentido de requalificar o estádio para que tivesse lotação mínima para o Mundial, que é de 44 mil lugares, e dissemos rigorosamente: "Não, não fazemos nem apoiamos nenhum investimento em obra nova. Portanto, sem investir em obra nova, ter aqui - tal como está na proposta de candidatura - praticamente 20 jogos de um Campeonato do Mundo significa que só em receitas directas de organização que tem de se sediar em Portugal, dos media que vêm para Portugal, das pessoas que vêm assistir aos jogos, dos milhares de pessoas que acompanham as selecções que vêm cá jogar, e em 20 jogos serão 30 ou 40, algumas serão repetidas, só nesse resultado directo estão…
Sabe muito melhor do que eu que em 2018, obviamente, se Portugal e a Espanha viessem a ganhar essa candidatura, teriam de gastar dinheiro a reformular os estádios. E, portanto, há sempre investimento, mesmo que não seja significativo.
Meus caros, continuo convencido de que, estando nós em 2010, tendo 13 estádios que estão novos e que são novos, em 2018 não vão ter de ter nenhuma reformulação. E assim sendo, não havendo investimento directo em novas obras para esse Mundial, creio que é uma candidatura de que só retiramos benefício.
Há um valor com que o Estado se compromete junto da Federação para esta candidatura?
Dissemos à Federação - e a Federação é parte da fundação Portugal/Espanha que tem sede em Madrid, que é a responsável por todo o trabalho de promoção e de apresentação da candidatura - que estaríamos disponíveis para a apoiar em cerca de um milhão, milhão e meio de euros, que é a participação de Portugal nos custos de toda esta candidatura até ao final. Custos que podem ser eventualmente diminuídos havendo algumas receitas, como é previsível que venha a acontecer.
Há mais razões pelas quais não percebo esta candidatura. Vamos à segunda, que tem que ver com o diferendo que existe há uns meses entre o Governo e a Federação Portuguesa de Futebol no que concerne à adaptação dos estatutos da Federação. Como pode o Estado estar numa parceria com uma Federação que se recusa a cumprir a lei?
Pode, porque sabemos separar as águas e perceber, primeiro…
Mas é preciso ser muito magnânimo.
Não, é preciso ter a consciência de que uma coisa é olharmos para os interesses do País numa candidatura como a do Mundial. Outra é olhar para a relação do Estado com essa Federação no que toca ao cumprimento da lei, na adequação dos estatutos da Federação Portuguesa de Futebol àquilo que está previsto na lei. O processo dos estatutos é um processo longo, que deixámos que fosse longo porque percebemos à partida que, vivendo as federações desportivas todas - que são 62 -, e também o futebol, longos anos de um historial amarrado a um estatuto e a um modelo de funcionamento que julgamos que não é o melhor para o desenvolvimento desportivo, mas a que essas federações e os respectivos organismos internos, associações e outros, se habituaram, iria ser difícil para muitas delas perceber uma nova realidade. E qual é a nova realidade que, por via de lei, desejamos que esteja consagrada nos estatutos? Não é a modificação das percentagens internas de cada um dos organismos, não é isso, é um modelo diferente.
Já vamos ao modelo. O que pergunto é se este não é o momento para o Governo fazer sentir à Federação que se está a esgotar o tempo e que faz todo o sentido que se adaptem à lei?
A decisão de apoiar esta candidatura já tem um bom conjunto de meses. Nestes meses, a Federação tem feito inúmeras diligências, ainda recentemente uma assembleia geral, para discussão e aprovação dos novos estatutos. Ainda não o conseguiu fazer. Nós separamos essas duas questões. A Federação Portuguesa de Futebol, a sua Direcção, tem mantido connosco uma relação de trabalho francamente leal, cooperante. E nós temos percebido que da parte da Direcção da Federação…
Portanto, a resistência vem das associações?
Como sabe! O senhor sabe, eu sei, todos sabemos, porque é público, que são as associações distritais que têm resistido à modernização dos estatutos. E têm resistido, a meu ver, erradamente. Por uma razão muito simples: as associações continuam a pensar que a nova lei diz que deixam de ter 55% de presença na Assembleia Geral, ou seja, de mandar por si na Assembleia Geral, para passarem a ter 35%. Não é verdade. Não há alteração de percentagens. Há alteração de modelo.
Já terá tempo para explicar essa parte. Gostava de continuar na candidatura portuguesa ao Campeonato do Mundo de 2018 ou de 2022, para lhe perguntar o seguinte: não acha que não faz sentido esta parceria desequilibrada entre Portugal e Espanha?
Em que é que a parceria é desequilibrada?
É desequilibrada no sentido em que os parceiros não entram, como é costume nestas organizações, com 50% dos estádios, das cidades.
Na Península Ibérica, nós somos 50%? Somos dez milhões, os espanhóis são quantos? 40?
Esses dados conhecem-se. Noutros campeonatos que foram organizados em conjunto são sempre em parceria de 50/50.
E quais são os países dos outros campeonatos, podem lembrar-se? É a Suíça e a Áustria, a Holanda e a Bélgica, países muito próximos e relativamente muito iguais.
Mas não acha que quem não tem dinheiro não deve ter vícios? Se não temos escala para estar em pé de igualdade com outro país… isso não tem uma dimensão política?
Não temos escala para estar em pé de igualdade com a Espanha, 50/50. Vamos estar na razão de um terço.
Do ponto de vista económico e social, sabemos isso. Do ponto de vista político, não induz a um reconhecimento perigoso?
Do ponto de vista político, o pior que nos podia acontecer era ter a veleidade de, nesta matéria como noutras, querermos dizer que somos iguais à Espanha. Isso é que era uma perspectiva profundamente errada. Olhamos para a Espanha e sabemos qual é a diferença entre a Espanha e Portugal. Sabemos que Portugal tem dez milhões de pessoas e a Espanha 40 milhões; sabemos que o mundo do futebol em Espanha tem uma realidade - é o primeiro país europeu em matéria de futebol, a melhor liga europeia, tem o Real Madrid, o Barcelona…
Portugal já organizou um Campeonato da Europa sozinho. Não fazia sentido concentrar esforços numa organização?...
Portugal organizou o Campeonato da Europa sozinho da mesma forma que nunca poderá organizar um Campeonato do Mundo sozinho. Portanto, ou os portugueses se associam com o seu vizinho espanhol…
A 50% não seria o ideal?
… para realizar aqui um Campeonato do Mundo, ou não há nunca um Campeonato do Mundo de futebol em Portugal. E acho que é útil para todos nós - não apenas para os que gostam de futebol, mas para o País - que Portugal seja parte da organização do Campeonato do Mundo. Se fôssemos reclamar, imagine que íamos reclamar e dizer: "Nós só participamos no Campeonato do Mundo se for a 50% com a Espanha." Sabe qual era o resultado?
Quem não tem dinheiro, não tem vícios.
Não havia!
Conhece com certeza a história do presidente da Federação Inglesa. Lorde Triesman demitiu-se depois de um jornal inglês ter revelado uma conversa privada em que ele acusava a Espanha de tentar comprar árbitros para o Mundial de África do Sul.
É absolutamente lamentável.
Os russos estariam encarregados de travar as conversações e pagamentos com os árbitros para beneficiarem os espanhóis. Em troca, Espanha desistia da candidatura conjunta com Portugal.
Isso não tem nenhum comentário, é qualquer coisa de lamentável.
E lamentável a conversa dele?
É lamentável a conversa dele!
Está absolutamente crente de que esta história não tem o mínimo de fundamento?
Absolutamente, é uma história absolutamente incrível! Estou convicto, e desejo sinceramente que a FIFA, que deu conta pública de que abriu um inquérito ou uma averiguação a esse tipo de declaração, o faça de forma rápida. Antes mesmo do Mundial, era bom que isso acontecesse, a averiguação da razão desse tipo de declarações. E que faça o esclarecimento e puna, se puder - penso que pode -, o ex-presidente da Federação Inglesa de Futebol por declarações que não fazem nenhum sentido.
Não poderá ser prejudicial a Portugal, no âmbito das suas ambições na organização da Ryder Cup [golfe], estar também na corrida ao Campeonato do Mundo de futebol?
Creio que não.
Manuel Pinho, ex-ministro da Economia, acha que sim.
Foi dito que era incompatível no mesmo ano essas duas organizações. Não li nada onde isso se diga. O que haverá, naturalmente, quer da parte da FIFA quer da parte da entidade do golfe, é a consideração de que são os dois de uma enorme grandeza em termos mediáticos, e não seria razoável que coincidissem num mesmo tempo e no mesmo país. Ora, eles não são sequer no mesmo tempo, medeiam uns meses entre o Campeonato do Mundo de futebol - se ele for em 2018 - e a Ryder Cup, a que também nos candidatámos. Portanto, não creio que à partida haja alguma incompatibilidade. Será viável organizar os dois em Portugal. Aguardemos por Dezembro, para ver a decisão do Mundial, que é a primeira. No ano que vem é que será a decisão da Ryder Cup. Além do mais, creio que a não incompatibilidade desses dois eventos tem sobretudo que ver com o facto de terem públicos-alvo completamente diferentes. O que avulta muito neste tipo de eventos é a imagem de um país e a transposição para o mundo inteiro daquilo que os meios de informação, sobretudo os televisivos, transmitem do próprio país onde se organiza. Mas o público--alvo do golfe é completamente diferente do do futebol; assim creio que por aí não virão incompatibilidades. Esperemos por Dezembro para saber se a questão se coloca, mas creio que não.
E ao nível dos esforços diplomáticos que se fazem, num campo e noutro?
Não são coincidentes. A decisão do Mundial de futebol cabe ao Comité Executivo da FIFA, que são pouco mais de 20 pessoas, representantes ou presidentes de diversas federações desportivas de futebol do mundo. A Ryder Cup tem um contexto diferente em termos de decisão.
E há dinheiro para fazer tudo o que pretende fazer?
Todo o nosso orçamento são - eu há dias disse até a brincar, mas a brincar se dizem coisas sérias -... o nosso orçamento todo do desporto para Portugal, para cada ano, para 2010, é inferior em dez milhões de euros àquilo que o Real Madrid pagou pelo Ronaldo.
Noventa milhões de euros?
O nosso é de 80, para o desporto todo. O que quer dizer que, apesar de ser uma verba pequena, sem essa verba não há desporto em Portugal
Mas vai manter-se a verba, ou pode descer?
As nossas disponibilidades orçamentais já desceram. Logo no princípio do ano com cativações, e desceram agora mais 20%...
O PEC (Plano de Estabilidade e Crescimento) não vai ao desporto?
Vai, vai. Já foi! Agora, quer no desporto quer na juventude, outra área da minha tutela, temos um princípio que transmiti ao Instituto do Desporto e ao Instituto da Juventude, que é o seguinte: nós sabemos que temos um papel fundamental no apoio - falamos do desporto - às federações desportivas e às modalidades desportivas. Desde o princípio do nosso mandato que fizemos um esforço enorme para mudar a lei de apoio e financiamento que vem dos jogos sociais, passámos a ter apoio e financiamento mais forte dos jogos sociais, incluídos nos 80 milhões que acabei de dizer, que antes não tínhamos. Passámos a conceder às federações desportivas, todos os meses e sem falta, as verbas que são contratadas. Já não ouvem há muito tempo nos jornais ou nas televisões a choradeira habitual dos atletas e das federações: "O Instituto do Desporto está atrasado, o nosso subsídio não aparece, o nosso contrato não aparece."
Mas com os 20% que estão cativados…
Já são menos. Temos consciência de que sem o apoio do Estado não há desporto em Portugal - não há modalidades desportivas, federações a funcionar. A redução orçamental, temos de a dissolver em despesas que deixamos de ter, e não em cortes no apoio às federações desportivas.
Um dos problemas do futebol, que é a modalidade que atrai mais multidões, são os salários em atraso. O que pode o Governo fazer para que os clubes passem a cumprir os seus compromissos com os seus trabalhadores?
Os clubes não caem fora daquilo que são as obrigações devidas em qualquer outra entidade. Portanto, o Estado não pode fazer com os clubes ou sociedades anónimas desportivas mais do que faz com qualquer outra entidade: havendo salários em atraso, despedimentos, desemprego, conferir aquilo que o nosso Estado social permite em matéria de subsídio de desemprego e de apoio. Não pode ir mais longe. É claro que, sendo o desporto profissional, das competições profissionais, representativo também do País, faz sentido que tenhamos uma intervenção próxima da Liga profissional, dos clubes profissionais, no sentido de os instar a criar condições para que, por força de regulamentos internos, os clubes e sociedades anónimas desportivas não caiam em situações de incumprimento. Não podemos fazer mais do que isso.
Mas não se registam avanços...
O futebol europeu passa todo por problemas deste tipo. Há alguns países europeus onde as federações fazem um controlo mais apertado do que a Federação Portuguesa de Futebol ou do que a Liga Portuguesa de Futebol Profissional. Fizemos, aliás, um desafio, aqui há cerca de ano e meio, dois, no sentido de ser criada em Portugal - uma chamada clearing house - uma estrutura que fizesse de plataforma por onde passassem as transacções dos jogadores, de forma a que o futebol saísse credibilizado. E isso pudesse ajudar os clubes a ter alguma contenção nos contratos que fazem, nos contratos que promovem com os jogadores. Essa contenção, quando chega à hora das contratações, quase no defeso, é tantas vezes esquecida.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Terei orgulho se Mário Soares decidir apoiar-me"
"Terei orgulho se Mário Soares decidir apoiar-me"
por JOÃO MARCELINO (DN) e PAULO BALDAIA (TSF)
Hoje
O homem que fundou a Assistência Médica Internacional avança sem pudores para a Presidência da República. Diz-se um candidato independente, mas gostava de contar com o apoio de Mário Soares. E diz que não conhece Manuel Alegre.
Como, quando e com quem é que decidiu: "Vou ser candidato a presidente da República"?
Com a minha mulher, embora ela estivesse completamente contra. Falei com imensas personalidades após ter decidido e a todas fiz uma única pergunta, tanto ao general Ramalho Eanes, como a Mário Soares, ao D. Duarte, Adriano Moreira, Miguel Portas, Henrique Granadeiro, Carvalho da Silva, a todos fiz a mesma pergunta: acha que é estapafúrdio um homem como eu, com o meu percurso de vida, ser candidato à Presidência da República? Porque era a única pergunta que me importava, se alguém achava que era completamente anómalo, que não tinha cabimento. E lembro-me sobretudo da grande conversa que tive com o general Ramalho Eanes, uma hora e meia, em que ele me disse: "Bem pelo contrário, o meu amigo tem todo o perfil que se enquadra na Constituição e na definição de um candidato à Presidência da República." Mas a decisão foi solitária, como não podia deixar de ser. Mas, afirmo desde já aqui, enfim, só agora é que a minha mulher está a adaptar-se à situação. Ela, como os meus filhos mais velhos, os meus irmãos, foram frontalmente contra porque disseram - e talvez até tivessem razão - que de um momento para o outro eu iria passar de bestial a vespa. Mas eu entendi, enquanto cidadão português que sempre fui e sou, que neste momento da nossa crise nacional eu tinha deveres para com Portugal. E por isso decidi fazê-lo.
Sabe com certeza que, independentemente da resposta que deu, muitas pessoas - e isso já foi escrito - tendem a ver a sua candidatura como uma emanação da vontade do dr. Mário Soares nas divergências políticas que mantém com Manuel Alegre. Como vê essas referências?
Vejo isso como um insulto pessoal, porque quem me conhece sabe qual é o meu carácter. Eu sempre fiz tudo porque decidi fazê-lo, não é por acaso que nos meus livros digo sempre que sou a cabeça do rato e não o rabo do elefante, é um provérbio africano. Espanta-me que as pessoas não se interroguem no sentido inverso, porque, repare, o dr. João Soares e o dr. Alfredo Barroso estão com Manuel Alegre e são elementos da família Soares também, que eu saiba. Então porque me acusam de ter o apoio? E se vier a ter apoio, devo já dizê-lo aqui frontalmente, só ficarei honrado.
E está a contar ter esse apoio?
Não sei, isso ele decidirá em consciência, no momento que decidir. E para quem conhece o dr. Mário Soares, entenderá que ele decidirá solitariamente e só o dirá quando entender. Mas, devo dizê--lo, terei até orgulho se ele decidir apoiar-me. Que eu saiba, o dr. Mário Soares não é portador da peste negra e de certeza no nosso país deve haver poucos portugueses, no decurso dos 36 anos da democracia, que nunca votaram nele nem que fosse uma única vez. Por isso não sei qual é o anátema que hoje…
Quando perguntou a todas as personalidades que referiu no início desta entrevista se achavam estapafúrdia a sua candidatura, não se lembrou de lhes perguntar: "Se fosse candidato, votavam em mim?" Não o perguntou a nenhum deles?
Não. Posso dizer: o general Ramalho Eanes disse-me que nas anteriores eleições apoiou o professor Cavaco Silva e, por coerência, voltaria a apoiá-lo se ele se recandidatasse. Lembro-me de que lhe disse: "Senhor general, não venho cá pedir o seu voto, venho ouvir um ex-presidente da República, venho perguntar só se entende que um cidadão como eu não deveria candidatar-se." E falei desde então com os três ex-presidentes da República. Mário Soares disse-me muito claramente isto: "Se houver um candidato do Partido Socialista que não o Manuel Alegre, eu votarei no candidato do Partido Socialista. Se o candidato do PS for Manuel Alegre, nessa altura reservo-me a possibilidade de votar ou não, mas essa vai ser a minha decisão pessoal. Mas se tiver um outro candidato oficial do partido, eu, como fundador do partido, apoiarei o candidato do partido". Foi isso que ele me disse.
É monárquico ou republicano?
Não sou monárquico, sou republicano. É uma inverdade, acho isso espantoso. Pelo que me foi dito, ainda na última entrevista, o dr. Manuel Alegre salientou que até tinha apoios de monárquicos. Ninguém se lembra de perguntar ao dr. Manuel Alegre se ele é monárquico ou republicano. Eu sou português, sou respeitador de nove séculos, quase, da História de Portugal. Estou nesta candidatura para unir todos os portugueses, o que passa por unir os republicanos, os monárquicos, os imigrantes naturalizados, todos. Porque acredito que na fase em que o nosso país está não é o momento de ostracizar seja quem for. Nós precisamos de nos unir. Eu estou aqui enquanto candidato à chefia da Nação portuguesa. Posso dizer que não sou monárquico mas que respeito integralmente nove séculos da História de Portugal e que sou amigo do senhor D. Duarte, como sou amigo do Adriano Moreira, como sou amigo…
Foi mandatário de Mário Soares, foi também mandatário do Bloco de Esquerda nas últimas europeias, também esteve com António Capucho. Como se define ideologicamente? É um homem de esquerda, de direita?
Eu não fui mandatário do Dr. Mário Soares, fui membro da Comissão de Honra, da Comissão Política nas últimas eleições dele. Agora, fui, sim, mandatário do Bloco de Esquerda ao Parlamento Europeu porque entendi responder positivamente a um convite que o Miguel Portas me fez. E fiz parte da Comissão de Honra de António Capucho, em Cascais, no concelho onde moro.
De esquerda ou de direita?
Toda a minha vida fala por mim. Sou um médico e sempre que tive de actuar enquanto médico perante um doente, aqui ou em qualquer parte do mundo, nunca lhe perguntei se ele era de esquerda ou de direita. Toda a minha vida fala por mim, porque acho que, mais do que as palavras, são as acções. Eu levo mais do que três décadas de intervenção humanitária e social no terreno, estive sempre, mas sempre, ao lado dos excluídos, dos esquecidos, dos sem-voz…
Os portugueses sabem isso e respeitam. O que gostaríamos era de tentar perceber se, politicamente, se considera um homem de esquerda ou de direita.
Mais do que palavras - acho que as palavras estão gastas e esgotadas - são as acções. De palavreado é muito fácil dar-se um carimbo de esquerda ou de direita. Eu demonstrei na prática o que sou, e não foi em seis meses ou num ano - levo 31 anos de intervenção social.
Mas ao nível económico é um liberal, é um defensor do Estado social europeu?
Sou um defensor do Estado social europeu, sou um homem que defende a regulação do sistema financeiro, e isto está patente nos seis livros que escrevi até hoje, sou um homem que exige maior fiscalização de certas operações financeiras, que exige regulação do mercado financeiro, que diz que, se isso não se fizer, a crise financeira de 2008 vai repetir-se e será muito pior. Sou um homem que diz que o mundo da finança e do mercado tem de pautar-se por regras éticas e de cidadania, e isso está escrito.
E como é que tem votado? Nas presidenciais votou sempre à esquerda?
Nas últimas eleições, como se recordará, só pude votar numa pessoa.
Foi apoiante de Mário Soares... Presume-se que votou nele.
Se eu lhe disser que estou casado há mais de 20 anos com a mesma pessoa e que não sei em quem é que ela vota, porque o voto é secreto?...
Continua secreto o seu, excepto aquele que tornou público, obviamente.
Sim, assumi. Como nas últimas autárquicas. É evidente que é público o meu voto.
Acabou de dizer que, no domínio económico, é um homem do centro-esquerda. E no domínio dos costumes? Como é que vê as causas fracturantes que têm dividido ultimamente a sociedade portuguesa?
Para mim não são causas fracturantes - disse-o publicamente. Acho normal que se tenha publicado a lei do casamento dos homossexuais.
Chamando-lhe mesmo casamento?
Ia acrescentar isso... Acho que se podia ter encontrado uma outra terminologia, porque casal, casamento… Mas isso são detalhes, quanto a mim. O que importava é que não houvesse a discriminação negativa que havia, que as pessoas todas, e mais uma vez apelo à unidade da nossa Nação, não fossem discriminadas negativamente. Agora, se me pergunta se teria preferido outra palavra à palavra casamento... Sim, teria optado por outra palavra, se tal fosse possível. Mas não vejo isso como problema nenhum, antes pelo contrário. Acho que é uma solução que leva ao apaziguamento na sociedade portuguesa, que acaba com uma discriminação negativa para uma população já significativa.
E também diz o mesmo para o aborto, para o divórcio?
O aborto é muito simples. Disse-o porque até tenho na minha Comissão de Honra o professor Gentil Martins, um feroz antiaborto. Disse só isto e repito: não quero mais que no meu país haja bebés atirados para as fragas e para as sanitas de certos cafés esconsos. Se o nosso país tiver condições sociais e sanitárias, tal como uma Dinamarca, uma Noruega, uma Finlândia, para criarmos um sistema de suporte social e sanitário para todos, muito bem. Se é para continuarmos a assistir, como assistíamos, a bebés encontrados nas fragas, então que se restaurasse o sistema da roda, talvez fosse até mais justo para as crianças abandonadas. Enquanto o sistema social e médico do nosso país não criar as condições perfeitas para que o aborto possa ser dispensado, prefiro que as mulheres possam abortar em situação segura. Enquanto médico, tive de tratar algumas pessoas que abortaram clandestinamente, por dilatações de paus, com infecções, septicemias e hemorragias terríveis. Acho que isso é que é imoral, não é saudável. Porque depois assistimos também a uma profunda hipocrisia de certas pessoas. Frontalmente, é assim que eu sou. Muitas pessoas que até dizem que são contra o aborto, de classes abastadas, nunca se coibiram de ir abortar a Londres, por exemplo, ou a Espanha. Vamos ser sinceros: eu gostaria que isso não fosse necessário. Mas então criemos as condições para que tal não seja necessário.
Tanto no que diz respeito à economia, como no que diz respeito a estas causas ditas fracturantes, arriscaria dizer que o senhor é um homem do centro-esquerda.
Possivelmente, sim. É nessa área que eu talvez me situasse, mas com um sentido patriótico intenso. Vivi 20 anos em Bruxelas, a minha primeira mulher é belga, os meus filhos mais velhos nasceram em Bruxelas. O meu sogro era o sétimo médico de pai para filho na Bélgica e queria que eu continuasse, dos seis filhos que teve nenhum foi médico, tinha um genro, que era eu, que era médico. Eu nunca quis naturalizar-me belga. Não obstante, todos os colegas portugueses que lá chegaram depois de mim estão lá hoje como belgas, com dupla cidadania. Eu nunca me naturalizei belga porque entendia que seria talvez uma afronta à portugalidade que o meu pai representava, por isso sou um patriota. Sabe o que me custa actualmente? É sentir como se as pessoas aceitassem que há uma espécie de fatalismo lusitano, uma inevitabilidade de estarmos sempre a ser citados, quase sempre pelas piores razões. E isso custa-me, eu sou um verdadeiro patriota. E sabem porquê? Porque, ao longo das minhas múltiplas viagens pelo mundo - eu já estive em mais de 160 países -, tenho contactado com inúmeras provas que demonstram que o nosso povo, o povo português, é ímpar desde que devidamente dirigido por lideranças que dão exemplo de esforço, que tenha desígnios, estratégias. E esse povo é ímpar, é dos 12 a 14 povos que marcaram indelevelmente a história da humanidade. E por isso, sim, devo ser alguém de centro- -esquerda... Se quiserem pôr-me um carimbo, podem pôr-me esse, mas com um patriotismo muito pronunciado.
Isso quer dizer que acha que, normalmente, a esquerda não é associada ao patriotismo?
Não, acho é que, infelizmente, o nosso país, à mercê talvez de uma apropriação durante décadas da palavra Pátria, por um sistema ditatorial que tivemos, muita gente ainda tem vergonha de se assumir como patriota. Não tenho vergonha nenhuma, tenho muito orgulho em dizer que sou patriota.
Um patriota que é de centro- -esquerda disputa os votos a Manuel Alegre ou a Cavaco Silva?
Não disputo os votos nem a um nem a outro.
Quem é o seu principal adversário nas presidenciais?
O principal adversário é a situação do País. Tudo me distingue do Manuel Alegre e do Cavaco Silva - não faço parte do sistema, nunca vivi do sistema e tenho tantas culpas na situação do País como os meus caros amigos. Acho que eles têm muito mais do que eu - não faço parte do sistema. Fui um homem que, mais do que palavreado sobre questões sociais e humanísticas, actuei. Em 14 anos no País, para aqueles que dizem que não conheço nada do que se passa no País porque andei sempre lá fora, abri 14 centros sociais, de Lousada até às ilhas. Percorro todos os anos mais de 50 mil quilómetros pelo País, conheço o meu país. O meu adversário real... E é por isso que me ergui, porque entendi que nenhum dos candidatos que se perfilavam já, quanto a mim, reuniam as condições necessárias para combater hoje a desesperança que está instalada entre nós e sobretudo entre a juventude. Eu não me ergui contra A, B, C ou D, ergui-me enquanto cidadão português que, à mercê de uma trajectória de vida, dos 27 aos 58 anos, entendeu ter acumulado uma experiência de vida e uma visão do mundo, uma mundividência da lusofonia, da lusitanidade, e um conhecimento real do País que poucos talvez terão. Entendi que talvez fosse a pessoa adequada para levar à motivação, à mobilização, ao acreditar. E porque, penso, ainda tenho as forças anímicas em mim, hoje, para poder mobilizar um povo que está numa descrença total, que já não acredita, que está de novo a emigrar. Porque os números do nosso desemprego são os números oficiais... Se não estivéssemos numa onda emigratória, sobretudo de jovens, entre quem o desemprego já ronda os 25% até aos 25 anos, possivelmente o número do nosso desemprego seria muito maior do que é hoje em dia. Por isso, não me ergui contra A, B, C ou D. Ergui-me como cidadão português que sou, porque entendo que posso dar um contributo positivo pelo pilar da cidadania, que foi sempre o meu, como cidadão apartidário, sempre fui, com uma visão suprapartidária da função do Presidente da República.
E não o tem tido?
A meu ver, não. Porque é difícil alguém que tenha feito parte de um clube durante décadas ser isento. Temos assistido a alguns fenómenos no nosso país, e só falarei de um que foi a questão das escutas do Verão passado, que sinceramente não abonou em favor do regular funcionamento das instituições do nosso país. Isso é o mínimo que podemos dizer. Por outro lado, acredito que o actual Presidente da República... E não está aqui nenhum ataque ad hominem, à pessoa, estou a falar da função, no problema financeiro e económico que temos atravessado e ainda o último ataque à posição da PT na Vivo, no Brasil. Não tenho ouvido o senhor Presidente da República como teria gostado de o ouvir, porque estão em causa pilares essenciais do Estado.
Acha que a economia portuguesa, por exemplo, nesse caso que referiu, pode e deve ser proteccionista?
À semelhança do que faz a Alemanha, Itália, Espanha, Bélgica, não vejo porque é que o nosso Estado, em certos pilares da Nação (energia, água, portos, aeroportos), não tem uma participação económica muito mais forte do que tem, permitindo que essas empresas vitais para a nossa soberania também possam ser alvo de ataques como aquele que a PT agora está a ter…
É uma empresa cotada em bolsa, portanto, tem accionistas.
Sim, está bem. Mas talvez a golden share que o Estado tem não sei se vai ser suficiente para proteger esse pilar, essa maior empresa do País.
O Estado devia ter garantido participação maior de referência na PT?
A meu ver, sim.
Que relações tem com Manuel Alegre e Cavaco Silva?
Nunca falei com Manuel Alegre até hoje na minha vida, nunca me encontrei com ele. Não tenho relação nenhuma, nunca tive. Com Cavaco Silva encontrei-me algumas vezes enquanto primeiro-ministro - era e sou muito amigo do Fernando Nogueira, por isso encontrei-me algumas vezes em S. Bento com ele. Inclusive após a primeira guerra no Iraque, quando houve os reféns portugueses, eu fui lá para tentar tirar os portugueses e trazê-los e na altura, quando regressei, fui recebido pelo então senhor primeiro-ministro. O dr. António Martins da Cruz sabe perfeitamente o que é que eu fui fazer em abono dos portugueses, que estavam a ser retidos pelo Saddam Hussein como escudos humanos. Desde então, enquanto Presidente da República, estive uma vez com ele num roteiro para a inclusão no Norte, que ele fez e acabou na Porta Amiga da minha instituição no Porto. E eu disse lá, e reafirmei-o sempre, nesse discurso também o disse, que a nossa pobreza era a nossa grande vergonha colectiva. Acho que, sinceramente, também é minha, enquanto português. Por isso, com o professor Cavaco Silva foram relações episódicas, nunca tive convite pessoal nenhum. Com Manuel Alegre, nunca falei com ele.
Interessa-lhe o nome que o PCP acabará por fazer concorrer a estas presidenciais ou é irrelevante para si?
Não, acho que o PCP tem todo o direito, e fá-lo-á certamente, de propor um candidato. Isso é um assunto que cabe exclusivamente ao Partido Comunista decidir, não tenho que opinar sobre isso.
E vê espaço para um candidato à direita de Cavaco Silva?
Mais uma vez, nesse espaço ideológico eles vão ter de decidir se se justifica ou não ter um candidato. Não é o meu espaço ideológico e não me vou imiscuir.
Acha que tem possibilidades de ganhar as presidenciais?
Acho, sim, senhor, que tenho. Acho que muitos dos descrentes, dos desmotivados, dos esquecidos do sistema, possivelmente são maioritários no nosso país…
São esses que não votam.
Pois, mas acho que vão votar. Vão pelo menos ter a possibilidade de escolha. O meu discurso vai ser muito frontal: se quiserem continuar com o sistema tal qual vigorou até hoje, vão ter candidatos do sistema, votem neles. Agora que esses candidatos não venham também dizer que são suprapartidários e pela cidadania, porque então estamos aqui numa mistura e numa tal confusão de conceitos que já deixo de entender seja o que for. Eles vão ter os candidatos do sistema, que levaram o nosso país à situação em que está, e têm responsabilidades acrescidas em relação a mim. Se querem por uma vez ter a possibilidade de uma mudança radical...
In DN
por JOÃO MARCELINO (DN) e PAULO BALDAIA (TSF)
Hoje
O homem que fundou a Assistência Médica Internacional avança sem pudores para a Presidência da República. Diz-se um candidato independente, mas gostava de contar com o apoio de Mário Soares. E diz que não conhece Manuel Alegre.
Como, quando e com quem é que decidiu: "Vou ser candidato a presidente da República"?
Com a minha mulher, embora ela estivesse completamente contra. Falei com imensas personalidades após ter decidido e a todas fiz uma única pergunta, tanto ao general Ramalho Eanes, como a Mário Soares, ao D. Duarte, Adriano Moreira, Miguel Portas, Henrique Granadeiro, Carvalho da Silva, a todos fiz a mesma pergunta: acha que é estapafúrdio um homem como eu, com o meu percurso de vida, ser candidato à Presidência da República? Porque era a única pergunta que me importava, se alguém achava que era completamente anómalo, que não tinha cabimento. E lembro-me sobretudo da grande conversa que tive com o general Ramalho Eanes, uma hora e meia, em que ele me disse: "Bem pelo contrário, o meu amigo tem todo o perfil que se enquadra na Constituição e na definição de um candidato à Presidência da República." Mas a decisão foi solitária, como não podia deixar de ser. Mas, afirmo desde já aqui, enfim, só agora é que a minha mulher está a adaptar-se à situação. Ela, como os meus filhos mais velhos, os meus irmãos, foram frontalmente contra porque disseram - e talvez até tivessem razão - que de um momento para o outro eu iria passar de bestial a vespa. Mas eu entendi, enquanto cidadão português que sempre fui e sou, que neste momento da nossa crise nacional eu tinha deveres para com Portugal. E por isso decidi fazê-lo.
Sabe com certeza que, independentemente da resposta que deu, muitas pessoas - e isso já foi escrito - tendem a ver a sua candidatura como uma emanação da vontade do dr. Mário Soares nas divergências políticas que mantém com Manuel Alegre. Como vê essas referências?
Vejo isso como um insulto pessoal, porque quem me conhece sabe qual é o meu carácter. Eu sempre fiz tudo porque decidi fazê-lo, não é por acaso que nos meus livros digo sempre que sou a cabeça do rato e não o rabo do elefante, é um provérbio africano. Espanta-me que as pessoas não se interroguem no sentido inverso, porque, repare, o dr. João Soares e o dr. Alfredo Barroso estão com Manuel Alegre e são elementos da família Soares também, que eu saiba. Então porque me acusam de ter o apoio? E se vier a ter apoio, devo já dizê-lo aqui frontalmente, só ficarei honrado.
E está a contar ter esse apoio?
Não sei, isso ele decidirá em consciência, no momento que decidir. E para quem conhece o dr. Mário Soares, entenderá que ele decidirá solitariamente e só o dirá quando entender. Mas, devo dizê--lo, terei até orgulho se ele decidir apoiar-me. Que eu saiba, o dr. Mário Soares não é portador da peste negra e de certeza no nosso país deve haver poucos portugueses, no decurso dos 36 anos da democracia, que nunca votaram nele nem que fosse uma única vez. Por isso não sei qual é o anátema que hoje…
Quando perguntou a todas as personalidades que referiu no início desta entrevista se achavam estapafúrdia a sua candidatura, não se lembrou de lhes perguntar: "Se fosse candidato, votavam em mim?" Não o perguntou a nenhum deles?
Não. Posso dizer: o general Ramalho Eanes disse-me que nas anteriores eleições apoiou o professor Cavaco Silva e, por coerência, voltaria a apoiá-lo se ele se recandidatasse. Lembro-me de que lhe disse: "Senhor general, não venho cá pedir o seu voto, venho ouvir um ex-presidente da República, venho perguntar só se entende que um cidadão como eu não deveria candidatar-se." E falei desde então com os três ex-presidentes da República. Mário Soares disse-me muito claramente isto: "Se houver um candidato do Partido Socialista que não o Manuel Alegre, eu votarei no candidato do Partido Socialista. Se o candidato do PS for Manuel Alegre, nessa altura reservo-me a possibilidade de votar ou não, mas essa vai ser a minha decisão pessoal. Mas se tiver um outro candidato oficial do partido, eu, como fundador do partido, apoiarei o candidato do partido". Foi isso que ele me disse.
É monárquico ou republicano?
Não sou monárquico, sou republicano. É uma inverdade, acho isso espantoso. Pelo que me foi dito, ainda na última entrevista, o dr. Manuel Alegre salientou que até tinha apoios de monárquicos. Ninguém se lembra de perguntar ao dr. Manuel Alegre se ele é monárquico ou republicano. Eu sou português, sou respeitador de nove séculos, quase, da História de Portugal. Estou nesta candidatura para unir todos os portugueses, o que passa por unir os republicanos, os monárquicos, os imigrantes naturalizados, todos. Porque acredito que na fase em que o nosso país está não é o momento de ostracizar seja quem for. Nós precisamos de nos unir. Eu estou aqui enquanto candidato à chefia da Nação portuguesa. Posso dizer que não sou monárquico mas que respeito integralmente nove séculos da História de Portugal e que sou amigo do senhor D. Duarte, como sou amigo do Adriano Moreira, como sou amigo…
Foi mandatário de Mário Soares, foi também mandatário do Bloco de Esquerda nas últimas europeias, também esteve com António Capucho. Como se define ideologicamente? É um homem de esquerda, de direita?
Eu não fui mandatário do Dr. Mário Soares, fui membro da Comissão de Honra, da Comissão Política nas últimas eleições dele. Agora, fui, sim, mandatário do Bloco de Esquerda ao Parlamento Europeu porque entendi responder positivamente a um convite que o Miguel Portas me fez. E fiz parte da Comissão de Honra de António Capucho, em Cascais, no concelho onde moro.
De esquerda ou de direita?
Toda a minha vida fala por mim. Sou um médico e sempre que tive de actuar enquanto médico perante um doente, aqui ou em qualquer parte do mundo, nunca lhe perguntei se ele era de esquerda ou de direita. Toda a minha vida fala por mim, porque acho que, mais do que as palavras, são as acções. Eu levo mais do que três décadas de intervenção humanitária e social no terreno, estive sempre, mas sempre, ao lado dos excluídos, dos esquecidos, dos sem-voz…
Os portugueses sabem isso e respeitam. O que gostaríamos era de tentar perceber se, politicamente, se considera um homem de esquerda ou de direita.
Mais do que palavras - acho que as palavras estão gastas e esgotadas - são as acções. De palavreado é muito fácil dar-se um carimbo de esquerda ou de direita. Eu demonstrei na prática o que sou, e não foi em seis meses ou num ano - levo 31 anos de intervenção social.
Mas ao nível económico é um liberal, é um defensor do Estado social europeu?
Sou um defensor do Estado social europeu, sou um homem que defende a regulação do sistema financeiro, e isto está patente nos seis livros que escrevi até hoje, sou um homem que exige maior fiscalização de certas operações financeiras, que exige regulação do mercado financeiro, que diz que, se isso não se fizer, a crise financeira de 2008 vai repetir-se e será muito pior. Sou um homem que diz que o mundo da finança e do mercado tem de pautar-se por regras éticas e de cidadania, e isso está escrito.
E como é que tem votado? Nas presidenciais votou sempre à esquerda?
Nas últimas eleições, como se recordará, só pude votar numa pessoa.
Foi apoiante de Mário Soares... Presume-se que votou nele.
Se eu lhe disser que estou casado há mais de 20 anos com a mesma pessoa e que não sei em quem é que ela vota, porque o voto é secreto?...
Continua secreto o seu, excepto aquele que tornou público, obviamente.
Sim, assumi. Como nas últimas autárquicas. É evidente que é público o meu voto.
Acabou de dizer que, no domínio económico, é um homem do centro-esquerda. E no domínio dos costumes? Como é que vê as causas fracturantes que têm dividido ultimamente a sociedade portuguesa?
Para mim não são causas fracturantes - disse-o publicamente. Acho normal que se tenha publicado a lei do casamento dos homossexuais.
Chamando-lhe mesmo casamento?
Ia acrescentar isso... Acho que se podia ter encontrado uma outra terminologia, porque casal, casamento… Mas isso são detalhes, quanto a mim. O que importava é que não houvesse a discriminação negativa que havia, que as pessoas todas, e mais uma vez apelo à unidade da nossa Nação, não fossem discriminadas negativamente. Agora, se me pergunta se teria preferido outra palavra à palavra casamento... Sim, teria optado por outra palavra, se tal fosse possível. Mas não vejo isso como problema nenhum, antes pelo contrário. Acho que é uma solução que leva ao apaziguamento na sociedade portuguesa, que acaba com uma discriminação negativa para uma população já significativa.
E também diz o mesmo para o aborto, para o divórcio?
O aborto é muito simples. Disse-o porque até tenho na minha Comissão de Honra o professor Gentil Martins, um feroz antiaborto. Disse só isto e repito: não quero mais que no meu país haja bebés atirados para as fragas e para as sanitas de certos cafés esconsos. Se o nosso país tiver condições sociais e sanitárias, tal como uma Dinamarca, uma Noruega, uma Finlândia, para criarmos um sistema de suporte social e sanitário para todos, muito bem. Se é para continuarmos a assistir, como assistíamos, a bebés encontrados nas fragas, então que se restaurasse o sistema da roda, talvez fosse até mais justo para as crianças abandonadas. Enquanto o sistema social e médico do nosso país não criar as condições perfeitas para que o aborto possa ser dispensado, prefiro que as mulheres possam abortar em situação segura. Enquanto médico, tive de tratar algumas pessoas que abortaram clandestinamente, por dilatações de paus, com infecções, septicemias e hemorragias terríveis. Acho que isso é que é imoral, não é saudável. Porque depois assistimos também a uma profunda hipocrisia de certas pessoas. Frontalmente, é assim que eu sou. Muitas pessoas que até dizem que são contra o aborto, de classes abastadas, nunca se coibiram de ir abortar a Londres, por exemplo, ou a Espanha. Vamos ser sinceros: eu gostaria que isso não fosse necessário. Mas então criemos as condições para que tal não seja necessário.
Tanto no que diz respeito à economia, como no que diz respeito a estas causas ditas fracturantes, arriscaria dizer que o senhor é um homem do centro-esquerda.
Possivelmente, sim. É nessa área que eu talvez me situasse, mas com um sentido patriótico intenso. Vivi 20 anos em Bruxelas, a minha primeira mulher é belga, os meus filhos mais velhos nasceram em Bruxelas. O meu sogro era o sétimo médico de pai para filho na Bélgica e queria que eu continuasse, dos seis filhos que teve nenhum foi médico, tinha um genro, que era eu, que era médico. Eu nunca quis naturalizar-me belga. Não obstante, todos os colegas portugueses que lá chegaram depois de mim estão lá hoje como belgas, com dupla cidadania. Eu nunca me naturalizei belga porque entendia que seria talvez uma afronta à portugalidade que o meu pai representava, por isso sou um patriota. Sabe o que me custa actualmente? É sentir como se as pessoas aceitassem que há uma espécie de fatalismo lusitano, uma inevitabilidade de estarmos sempre a ser citados, quase sempre pelas piores razões. E isso custa-me, eu sou um verdadeiro patriota. E sabem porquê? Porque, ao longo das minhas múltiplas viagens pelo mundo - eu já estive em mais de 160 países -, tenho contactado com inúmeras provas que demonstram que o nosso povo, o povo português, é ímpar desde que devidamente dirigido por lideranças que dão exemplo de esforço, que tenha desígnios, estratégias. E esse povo é ímpar, é dos 12 a 14 povos que marcaram indelevelmente a história da humanidade. E por isso, sim, devo ser alguém de centro- -esquerda... Se quiserem pôr-me um carimbo, podem pôr-me esse, mas com um patriotismo muito pronunciado.
Isso quer dizer que acha que, normalmente, a esquerda não é associada ao patriotismo?
Não, acho é que, infelizmente, o nosso país, à mercê talvez de uma apropriação durante décadas da palavra Pátria, por um sistema ditatorial que tivemos, muita gente ainda tem vergonha de se assumir como patriota. Não tenho vergonha nenhuma, tenho muito orgulho em dizer que sou patriota.
Um patriota que é de centro- -esquerda disputa os votos a Manuel Alegre ou a Cavaco Silva?
Não disputo os votos nem a um nem a outro.
Quem é o seu principal adversário nas presidenciais?
O principal adversário é a situação do País. Tudo me distingue do Manuel Alegre e do Cavaco Silva - não faço parte do sistema, nunca vivi do sistema e tenho tantas culpas na situação do País como os meus caros amigos. Acho que eles têm muito mais do que eu - não faço parte do sistema. Fui um homem que, mais do que palavreado sobre questões sociais e humanísticas, actuei. Em 14 anos no País, para aqueles que dizem que não conheço nada do que se passa no País porque andei sempre lá fora, abri 14 centros sociais, de Lousada até às ilhas. Percorro todos os anos mais de 50 mil quilómetros pelo País, conheço o meu país. O meu adversário real... E é por isso que me ergui, porque entendi que nenhum dos candidatos que se perfilavam já, quanto a mim, reuniam as condições necessárias para combater hoje a desesperança que está instalada entre nós e sobretudo entre a juventude. Eu não me ergui contra A, B, C ou D, ergui-me enquanto cidadão português que, à mercê de uma trajectória de vida, dos 27 aos 58 anos, entendeu ter acumulado uma experiência de vida e uma visão do mundo, uma mundividência da lusofonia, da lusitanidade, e um conhecimento real do País que poucos talvez terão. Entendi que talvez fosse a pessoa adequada para levar à motivação, à mobilização, ao acreditar. E porque, penso, ainda tenho as forças anímicas em mim, hoje, para poder mobilizar um povo que está numa descrença total, que já não acredita, que está de novo a emigrar. Porque os números do nosso desemprego são os números oficiais... Se não estivéssemos numa onda emigratória, sobretudo de jovens, entre quem o desemprego já ronda os 25% até aos 25 anos, possivelmente o número do nosso desemprego seria muito maior do que é hoje em dia. Por isso, não me ergui contra A, B, C ou D. Ergui-me como cidadão português que sou, porque entendo que posso dar um contributo positivo pelo pilar da cidadania, que foi sempre o meu, como cidadão apartidário, sempre fui, com uma visão suprapartidária da função do Presidente da República.
E não o tem tido?
A meu ver, não. Porque é difícil alguém que tenha feito parte de um clube durante décadas ser isento. Temos assistido a alguns fenómenos no nosso país, e só falarei de um que foi a questão das escutas do Verão passado, que sinceramente não abonou em favor do regular funcionamento das instituições do nosso país. Isso é o mínimo que podemos dizer. Por outro lado, acredito que o actual Presidente da República... E não está aqui nenhum ataque ad hominem, à pessoa, estou a falar da função, no problema financeiro e económico que temos atravessado e ainda o último ataque à posição da PT na Vivo, no Brasil. Não tenho ouvido o senhor Presidente da República como teria gostado de o ouvir, porque estão em causa pilares essenciais do Estado.
Acha que a economia portuguesa, por exemplo, nesse caso que referiu, pode e deve ser proteccionista?
À semelhança do que faz a Alemanha, Itália, Espanha, Bélgica, não vejo porque é que o nosso Estado, em certos pilares da Nação (energia, água, portos, aeroportos), não tem uma participação económica muito mais forte do que tem, permitindo que essas empresas vitais para a nossa soberania também possam ser alvo de ataques como aquele que a PT agora está a ter…
É uma empresa cotada em bolsa, portanto, tem accionistas.
Sim, está bem. Mas talvez a golden share que o Estado tem não sei se vai ser suficiente para proteger esse pilar, essa maior empresa do País.
O Estado devia ter garantido participação maior de referência na PT?
A meu ver, sim.
Que relações tem com Manuel Alegre e Cavaco Silva?
Nunca falei com Manuel Alegre até hoje na minha vida, nunca me encontrei com ele. Não tenho relação nenhuma, nunca tive. Com Cavaco Silva encontrei-me algumas vezes enquanto primeiro-ministro - era e sou muito amigo do Fernando Nogueira, por isso encontrei-me algumas vezes em S. Bento com ele. Inclusive após a primeira guerra no Iraque, quando houve os reféns portugueses, eu fui lá para tentar tirar os portugueses e trazê-los e na altura, quando regressei, fui recebido pelo então senhor primeiro-ministro. O dr. António Martins da Cruz sabe perfeitamente o que é que eu fui fazer em abono dos portugueses, que estavam a ser retidos pelo Saddam Hussein como escudos humanos. Desde então, enquanto Presidente da República, estive uma vez com ele num roteiro para a inclusão no Norte, que ele fez e acabou na Porta Amiga da minha instituição no Porto. E eu disse lá, e reafirmei-o sempre, nesse discurso também o disse, que a nossa pobreza era a nossa grande vergonha colectiva. Acho que, sinceramente, também é minha, enquanto português. Por isso, com o professor Cavaco Silva foram relações episódicas, nunca tive convite pessoal nenhum. Com Manuel Alegre, nunca falei com ele.
Interessa-lhe o nome que o PCP acabará por fazer concorrer a estas presidenciais ou é irrelevante para si?
Não, acho que o PCP tem todo o direito, e fá-lo-á certamente, de propor um candidato. Isso é um assunto que cabe exclusivamente ao Partido Comunista decidir, não tenho que opinar sobre isso.
E vê espaço para um candidato à direita de Cavaco Silva?
Mais uma vez, nesse espaço ideológico eles vão ter de decidir se se justifica ou não ter um candidato. Não é o meu espaço ideológico e não me vou imiscuir.
Acha que tem possibilidades de ganhar as presidenciais?
Acho, sim, senhor, que tenho. Acho que muitos dos descrentes, dos desmotivados, dos esquecidos do sistema, possivelmente são maioritários no nosso país…
São esses que não votam.
Pois, mas acho que vão votar. Vão pelo menos ter a possibilidade de escolha. O meu discurso vai ser muito frontal: se quiserem continuar com o sistema tal qual vigorou até hoje, vão ter candidatos do sistema, votem neles. Agora que esses candidatos não venham também dizer que são suprapartidários e pela cidadania, porque então estamos aqui numa mistura e numa tal confusão de conceitos que já deixo de entender seja o que for. Eles vão ter os candidatos do sistema, que levaram o nosso país à situação em que está, e têm responsabilidades acrescidas em relação a mim. Se querem por uma vez ter a possibilidade de uma mudança radical...
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Inocêncio Pereira quebra o silêncio
Inocêncio Pereira quebra o silêncio
«Deixei 500 mil euros no Mensageiro»
30 de Dezembro de 2003, Inocêncio Pereira deixa o cargo de administrador e director-adjunto do Mensageiro de Bragança, após 28 anos ao serviço do semanário diocesano.
A direcção de Calado Rodrigues toma posse em Janeiro de 2004 e percebe-se a intenção de romper com o passado no mais curto espaço de tempo.
Na altura, Inocêncio Pereira não se pronuncia, mas a
recente demissão de Calado Rodrigues levaram-no a quebrar um silêncio de 7 anos.
Nesta entrevista ao Jornal Nordeste, o ex-director adjunto do Mensageiro explica porque falhou o projecto anunciado em Janeiro de 2008 para
expandir o semanário diocesano para o distrito de Vila Real.
Jornal Nordeste (JN) – Qual era a situação financeira do Mensageiro quando cessou funções no cargo de administrador?
Inocêncio Pereira (IP) – O jornal ficou numa óptima situação, quer financeira, quer de equipamentos. Em 1996 tínhamos adquirido instalações para o jornal e, em 2003, recuperámos as antigas instalações para fixar o arquivo. Ao todo gastámos 250 mil euros, mas para gastarmos isso tínhamos que ter muito mais, até porque não fomos buscar um tostão à banca.
JN – A transição para a nova direcção de Calado Rodrigues foi pacífica?
IP – Quando foi para Roma estudar Comunicação Social, o padre Calado já foi ao serviço do Mensageiro. Pouco antes dele regressar, eu tinha tudo preparado com o senhor bispo para entregar o inventário e as contas, mas não pensava que no próprio dia da minha festa de despedida a nova direcção mudasse as fechaduras do jornal. Quando cheguei lá, na 2ª feira de manhã, não consegui entrar, mas não foi isso que nos impediu de entregar a contas em dia e com transparência ao senhor bispo.
JN – Fala-se que o Mensageiro tinha alguns milhares de contos em depósitos bancários. Confirma?
IP – Nas contas que entreguei ao senhor bispo o Mensageiro tinha muito próximo dos 500 mil euros, em depósitos à ordem e a prazo, e quase 100 mil euros em carteira de assinantes e anunciantes, que permitiam ao jornal viver desafogadamente.
JN – Era uma situação bem diferente daquela que encontrou quando entrou para o jornal, em 1976...
IP – Completamente! Quando pegámos no jornal estivemos 4 anos sem vencimento para poder levantar o título, que não tinha instalações, não tinha equipamento, não tinha dinheiro e ainda devia 150 contos à banca. Mesmo o padre Sobrinho Alves, que dirigiu o jornal de 1980 a 1984, nunca ganhou um tostão! Depois, quando a situação melhorou, todos os que lá trabalharam tiveram o vencimento possível.
JN – Mas é sabido que o senhor conseguiu transformar o jornal numa publicação rentável. Acha que a direcção de Calado Rodrigues deu seguimento ao seu trabalho?
IP – Eu ia para o terreno! A primeira coisa que fiz quando assumi o cargo de administrador, em 1979, foi reunir com todos os presidentes de Câmara, com os responsáveis de instituições públicas e com agências de publicidade, mesmo em Lisboa.
Dessas viagens resultava sempre algo de positivo, mesmo nos corredores do poder, porque sempre tive a porta aberta em alguns gabinetes, nomeadamente o do então ministro Marques Mendes.
Também apostávamos muito em cadernos e suplementos dos municípios e tudo isso era para investir na modernização no jornal. Eu entendi que como administrador e como jornalista tinha que ir para o terreno e não é à toa que muitas pessoas ainda me ligam ao jornal.
Parece-me que a direcção do padre Calado deu-se pouco a conhecer. Disse ao senhor bispo que me disponibilizava para apresentar a nova equipa directiva às entidades de todo o distrito, para os ajudar nos primeiros 6 meses, mas ele não me respondeu. Disse o mesmo ao padre Calado, mas ele respondeu-me que não precisava porque conhecia muito bem o distrito.
João Campos, Jornal Nordeste, 2010-06-23
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"Sempre me perguntei: porquê eu? Talvez porque tive coragem nos momentos difíceis"
"Sempre me perguntei: porquê eu? Talvez porque tive coragem nos momentos difíceis"
por HUGO FILIPE COELHO
Hoje
A política de hoje ficou de fora. Em dia de homenagem, impunha-se falar do seu percurso de vida. Mário Soares, que levou Portugal para a CEE, conta que o feito de que mais se orgulha é ter sido um "persistente lutador contra a ditadura". Jura que nunca se desiludiu com os portugueses. E perdoa-lhes o seu maior defeito: "o complexo de dizerem mal de si próprios"
Aqueles que decidiram homenageá-lo julgam-no o maior político português vivo. Concorda?
Nunca participei nessas competições. Fui um estudante medíocre, apesar de nunca ter perdido anos. Salvo por estar preso, às ordens da PIDE. Nunca tive esse complexo de ser o primeiro ou o maior. Considero-me um cidadão comum. Como político, visto que me assumo como tal, não obstante ter exercido várias profissões, quando tive cargos de grande responsabilidade, sempre me perguntei: porquê eu? Talvez porque não hesitei e tive coragem nos momentos difíceis.
Na sua opinião, quem foi então o maior estadista português?
É difícil de responder. Na I República, ocorrem-me, naturalmente: Afonso Costa, António José de Almeida, Álvaro de Castro… Durante os 48 anos da ditadura, não puderam manifestar-se grandes estadistas. Pergunta, certamente, se Salazar não foi um estadista? Respondo-lhe resolutamente: foi um ditador que destruiu as elites culturais, científicas e artísticas portuguesas e perseguiu todos aqueles que discordaram dele. Deixou-nos 13 anos de guerras coloniais e um país orgulhosamente só. Assim, todos os que podiam ter sido estadistas foram ceifados pela ditadura, que os condenou ao ostracismo e ao silêncio. Cito os exemplos de Jaime Cortesão, Bento Caraça, Mário de Azevedo Gomes, Abel Salazar, António Sérgio, entre outros, que tinham esse perfil… Quanto à nossa II República, apesar de ter chegado a maturidade, com 36 anos feitos, estamos muito próximos para poder ter uma imagem objectiva: Sá Carneiro, Salgado Zenha, Álvaro Cunhal, Mota Pinto foram, seguramente, políticos de grande estatura. Mas não tiveram tempo de ser estadistas...
Olhando para trás, qual o feito de que mais se orgulha? Por que decisão que tomou gostaria de ficar na história?
O que mais me orgulha é ter sido um persistente lutador contra a ditadura. Sofri por isso. Depois do 25 de Abril, a cujos capitães de Abril devemos a liberdade, dei alguns contributos em matéria de descolonização; para a normalização de uma democracia pluralista e ocidental; para a consolidação de uma República civilista e defensora dos direitos do homem; para a resolução das crises, financeiras e económicas, de 1976-78 e de 1983-85; para a integração de Portugal na CEE, hoje, União Europeia; para uma certa concepção da chefia do Estado, civilista e republicana. Não o digo com orgulho. Antes, com um certo sentido da relatividade das coisas e do dever cumprido. Quanto à história, por dever de ofício, sei quanto é mutável a avaliação que faz das políticas e dos políticos…
Qual o maior erro que cometeu na sua carreira política?
Seguramente, cometi muitos erros. Mas a análise deles não me compete a mim fazê-la. Pergunte aos historiadores e comentadores políticos… Interessam-me o presente e o futuro, enquanto por cá estiver. Quanto à História, sem ilusões, deixo-a aos historiadores. Não gosto de fazer análises retrospectivas dos meus comportamentos políticos. Assumo o que fiz, por inteiro, no melhor e no pior. E estou, e sempre estive, voltado para o futuro.
Alguma vez se sentiu desiludido com os portugueses?
Nunca. Se não confiasse no génio do povo português e não sentisse - aí sim - um grande orgulho de ser português, como poderia ter aguentado trinta e dois anos da minha vida consciente resistindo a prisões, discriminações, deportação e exílio? O povo português, no seu conjunto, é extraordinário, de sensatez, de argúcia e na sua própria coesão. Só tem, quanto a mim, um defeito maior: o complexo de dizer mal de si próprio e de julgar que pertence a um país periférico, pequeno e sem influência. Não é verdade! A nossa História, antiga e recente, comprova-o. Temos de sacudir esse complexo snob do "vencidos da vida", que vem desde o século XIX…
É longa a lista de pessoas que se cruzaram consigo e vão discursar hoje no Congresso de Arcos de Valdevez. Pedia-lhe que relatasse um episódio passado com um deles, que o tenha marcado.
Não é o momento. Não sou o responsável pela iniciativa de Arcos de Valdevez. Mas acolhi-a com muito gosto. Estou grato aos organizadores, ao Município de Arcos de Valdevez - e ao seu ilustre presidente, aos que lá trabalharam e aos amigos que nela quiseram participar e que tanto me honram.
In DN
por HUGO FILIPE COELHO
Hoje
A política de hoje ficou de fora. Em dia de homenagem, impunha-se falar do seu percurso de vida. Mário Soares, que levou Portugal para a CEE, conta que o feito de que mais se orgulha é ter sido um "persistente lutador contra a ditadura". Jura que nunca se desiludiu com os portugueses. E perdoa-lhes o seu maior defeito: "o complexo de dizerem mal de si próprios"
Aqueles que decidiram homenageá-lo julgam-no o maior político português vivo. Concorda?
Nunca participei nessas competições. Fui um estudante medíocre, apesar de nunca ter perdido anos. Salvo por estar preso, às ordens da PIDE. Nunca tive esse complexo de ser o primeiro ou o maior. Considero-me um cidadão comum. Como político, visto que me assumo como tal, não obstante ter exercido várias profissões, quando tive cargos de grande responsabilidade, sempre me perguntei: porquê eu? Talvez porque não hesitei e tive coragem nos momentos difíceis.
Na sua opinião, quem foi então o maior estadista português?
É difícil de responder. Na I República, ocorrem-me, naturalmente: Afonso Costa, António José de Almeida, Álvaro de Castro… Durante os 48 anos da ditadura, não puderam manifestar-se grandes estadistas. Pergunta, certamente, se Salazar não foi um estadista? Respondo-lhe resolutamente: foi um ditador que destruiu as elites culturais, científicas e artísticas portuguesas e perseguiu todos aqueles que discordaram dele. Deixou-nos 13 anos de guerras coloniais e um país orgulhosamente só. Assim, todos os que podiam ter sido estadistas foram ceifados pela ditadura, que os condenou ao ostracismo e ao silêncio. Cito os exemplos de Jaime Cortesão, Bento Caraça, Mário de Azevedo Gomes, Abel Salazar, António Sérgio, entre outros, que tinham esse perfil… Quanto à nossa II República, apesar de ter chegado a maturidade, com 36 anos feitos, estamos muito próximos para poder ter uma imagem objectiva: Sá Carneiro, Salgado Zenha, Álvaro Cunhal, Mota Pinto foram, seguramente, políticos de grande estatura. Mas não tiveram tempo de ser estadistas...
Olhando para trás, qual o feito de que mais se orgulha? Por que decisão que tomou gostaria de ficar na história?
O que mais me orgulha é ter sido um persistente lutador contra a ditadura. Sofri por isso. Depois do 25 de Abril, a cujos capitães de Abril devemos a liberdade, dei alguns contributos em matéria de descolonização; para a normalização de uma democracia pluralista e ocidental; para a consolidação de uma República civilista e defensora dos direitos do homem; para a resolução das crises, financeiras e económicas, de 1976-78 e de 1983-85; para a integração de Portugal na CEE, hoje, União Europeia; para uma certa concepção da chefia do Estado, civilista e republicana. Não o digo com orgulho. Antes, com um certo sentido da relatividade das coisas e do dever cumprido. Quanto à história, por dever de ofício, sei quanto é mutável a avaliação que faz das políticas e dos políticos…
Qual o maior erro que cometeu na sua carreira política?
Seguramente, cometi muitos erros. Mas a análise deles não me compete a mim fazê-la. Pergunte aos historiadores e comentadores políticos… Interessam-me o presente e o futuro, enquanto por cá estiver. Quanto à História, sem ilusões, deixo-a aos historiadores. Não gosto de fazer análises retrospectivas dos meus comportamentos políticos. Assumo o que fiz, por inteiro, no melhor e no pior. E estou, e sempre estive, voltado para o futuro.
Alguma vez se sentiu desiludido com os portugueses?
Nunca. Se não confiasse no génio do povo português e não sentisse - aí sim - um grande orgulho de ser português, como poderia ter aguentado trinta e dois anos da minha vida consciente resistindo a prisões, discriminações, deportação e exílio? O povo português, no seu conjunto, é extraordinário, de sensatez, de argúcia e na sua própria coesão. Só tem, quanto a mim, um defeito maior: o complexo de dizer mal de si próprio e de julgar que pertence a um país periférico, pequeno e sem influência. Não é verdade! A nossa História, antiga e recente, comprova-o. Temos de sacudir esse complexo snob do "vencidos da vida", que vem desde o século XIX…
É longa a lista de pessoas que se cruzaram consigo e vão discursar hoje no Congresso de Arcos de Valdevez. Pedia-lhe que relatasse um episódio passado com um deles, que o tenha marcado.
Não é o momento. Não sou o responsável pela iniciativa de Arcos de Valdevez. Mas acolhi-a com muito gosto. Estou grato aos organizadores, ao Município de Arcos de Valdevez - e ao seu ilustre presidente, aos que lá trabalharam e aos amigos que nela quiseram participar e que tanto me honram.
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Não é negativo que se leve a política para dentro da Aliança das Civilizações
"Não é negativo que se leve a política para dentro da Aliança das Civilizações"
por JOÃO CÉU E SILVA
Hoje
Após o ter tentado em Portugal, o ex-presidente da República corre o mundo atrás do consenso entre civilizações bastante diferentes. As questões religiosas são algumas entre as muitas que dividem o planeta e que todos os anos são debatidas no fórum promovido pelas Nações Unidas, por inspiração da Espanha e da Turquia. A última reunião aconteceu no Rio de Janeiro, e Jorge Sampaio faz o balanço deste III Fórum para o DN.
Ao III Fórum da Aliança das Civi-lizações, viu-se envolvido na sua politização. Isso preocupa-o?
Creio que foi positivo. Nunca pretendi que a Aliança ficasse acantonada no colóquio estritamente cultural, porque é uma iniciativa política, numa área que se dirige à grande questão do nosso tempo: a diversidade cultural. Evidentemen-te, com o seu alargamento à participação de mais países a cada fórum, cada um vê a Aliança à sua maneira e adapta a política externa com a interna, o que faz os debates alargarem-se e fazerem vir ao de cima algumas confrontações.
Mas a politização trouxe benefícios?
Permitiu a expressão de desacordos porque, ao crescer o número de países participantes, aumentou o número das diversidades. Vão crescer os blocos, situação típica de uma sociedade internacional, mas, se nos mantivermos nas quatro áreas da Aliança - educação, migrações, juventude e media - e com uma actividade proactiva e mobilizadora, conseguiremos ser uma plataforma onde a sociedade civil desempenhará um papel e teremos capacidade para aguentar as divergências que se viram no Brasil.
Bastou o discurso do Presidente Lula para se ver que o tom mudara ao terceiro encontro da Aliança?
Era o tempo imediato pós-visita ao Irão, e tanto Lula como o primeiro--ministro da Turquia estavam presentes. Era natural que falassem do tema no contexto da Aliança, embora fossem discursos mais politizados. Como sou um político, não achei negativo que se trouxesse a política para dentro da Aliança, mesmo que mais vasta do que a diversidade cultural é. Tal como achei interessante a participação dos EUA e a forte presença de países da Amé-rica Latina, porque se alargou a perspectiva mais global.
Que balanço faz deste Fórum da Aliança no Rio de Janeiro?
É muito positivo, pois as metas que se estabeleceram - em termos de participação, afirmação de apoio político e resultados - foram plenamente alcançadas. A imagem da Aliança como um fórum mundial de diálogo inclusivo sobre questões relacionadas com a diversidade cultural saiu claramente reforçada.
A localização geográfica beneficiou?
Foi uma estreia na medida em que se tratou do primeiro organizado fora da área euro-mediterrânica. Foi, por isso, um bom teste ao esco-po global da Aliança e ultrapassado com sucesso, pois, por um lado, o anúncio da sua realização no Brasil levou a que a esmagadora maioria dos países daquele continente se filiasse, e, por outro lado, o facto de ter este país como anfitrião gerou também um movimento de solidariedade sul-sul, tendo vários países africanos aderido também à Aliança nos últimos meses.
Houve mais repercussão da América Latina, mas menos da Europa?
Os países desta área geográfica estão já a planear o início dos trabalhos relativos à elaboração de uma estratégia regional para a América Latina e muito empenhados em aplicar localmente alguns dos projectos apresentados no Rio. O fórum contou com forte participação dos membros dos quatro cantos do mundo ao mais alto nível - com excepção, porventura, da Europa, cuja presença não foi tão forte quanto se poderia esperar -, bem como com uma activa participação da sociedade civil, especialmente de jovens.
Quais foram os resultados práticos?
Foi anunciado um conjunto de iniciativas, assim como tiveram lugar debates muito concorridos relacionados com temas da actualidade no domínio dos media, das migrações, do papel das cidades, da educação para a diversidade cultural e dos jovens. Tudo isto a somar a uma reunião ministerial que demorou seis horas, encontros com os pontos focais da Aliança em torno das estratégias regionais e os seus planos de acção, etc., e as mais diversas sessões organizadas pelos parceiros da Aliança no âmbito de um Pré-Fórum que teve lugar a 27 de Maio e em que os jovens organizaram também o seu próprio programa de trabalho.
Mudará algo com a hipotética eleição de Mariano Rajoy em Espanha?
Caso tal aconteça, a definição das prioridades de política externa de Espanha poderá porventura ser ajustada, pois é sabido que, pelo menos no passado, a alternância do PP e do PSOE revelou existirem entre ambos algumas dissonâncias em matéria de actuação externa, bem como no ângulo de abordagem das principais questões internacionais.
Mesmo com a nova realidade?
É verdade que a situação internacional também se alterou e amenizou dilemas passados. A mudança da Administração americana e o seu regresso ao multilateralismo tornam menos perceptíveis ou relevantes algumas linhas de clivagem anteriores, e, por isso, imagino que o PP de Rajoy seja diferente do PP de Aznar nessa matéria. Acresce que me parece que a Aliança já atingiu um grau de maturidade e desenvolvimento que não só ilustra por si só a bondade e méritos intrínsecos desta iniciativa, como a está dotando de uma capacidade desejável de autonomia e de "encaixe" a choques… Pela minha parte, nunca ignorei que a Aliança das Civilizações, por ser um instrumento flexível de soft power das Nações Unidas, não está imune nem aos interesses particulares de cada um dos seus membros nem às flutuações - internas e externas - a que estes interesses estão sujeitos. Por isso, entendo que esta é uma variável a que é necessário estar atento, mantendo sempre a autonomia, coerência e capacidade de independência da Aliança como um todo.
Qual o seu papel nesta situação?
Revejo-me no assegurar deste jogo de equilíbrios, e aí inscrevo o papel do alto-representante. Neste contexto, quero mesmo referir que tenho mantido contactos com M. Rajoy, por forma a que esteja ao corrente da evolução dos trabalhos da Aliança. Em suma, acredito que alterações políticas que a democracia torna possíveis não trarão consigo cenários de ruptura para a Aliança.
O papel internacional da Turquia está a politizar a Aliança.
Esta afirmação repousa numa série de mal-entendidos. Primeiro, qualquer Governo tem - desejavelmente - um papel internacional. Por isso, a Turquia não é excepção. Em segundo lugar, a Aliança já é à partida uma iniciativa política, caso contrário não teria razão de ser no seio das Nações Unidas. Em terceiro lugar, o expectável papel dos co--patrocinadores, como, aliás, o de qualquer outros dos seus Estados membros, é precisamente o "nacionalizar" a Aliança em termos de política interna e externa. Digamos que a Aliança corresponde à tentativa de estabelecer no plano mundial uma agenda para a diversidade cultural vista simultaneamente como o 4.º pilar do desenvolvimento sustentável, a par da dimensão ambiental, económica e social, e como uma questão de diplomacia preventiva enquanto factor de segurança e paz no seio e entre as sociedades.
O próximo fórum é no Qatar. Vai destacar o choque religioso?
Não há relação de causalidade entre a localização geográfica de um fó-rum e a sua agenda. A escolha das prioridades para o IV Fórum resultarão do II Plano de Implementa- ção da Aliança que ainda cobre 2011 e das iniciativas anunciadas no III Fórum e das sugestões que o país anfitrião possa fazer, aliadas a outras ideias que os restantes membros e parceiros da Aliança possam adiantar e que sejam consideradas relevantes.
África continua a estar com menos presença neste fórum. Até quando?
Já foi um progresso que todos os países da CPLP se tornassem membros da Aliança, mas também hou-ve mais alguns países africanos, designadamente o Magrebe inteiro e África do Sul.
A Aliança quer "construir pontes". Com mais países será mais fácil?
É sempre mais complexo porque a diversidade é maior, mas essa é uma das razões de ser da Aliança. Preencher espaços vazios, construir parcerias, aproximar as pessoas e descer às comunidades locais. Temos como objectivo dirigirmo-nos a todos os países da Organização das Nações Unidas e às várias organizações internacionais e com a nossa actividade produzir resultados.
E os resultados estão a acontecer?
É um trabalho para décadas, mas há uma coisa de que me orgulho, o ter colocado de uma forma frontal e incontornável na agenda o de-senvolvimento sustentável. Não é a economia só; não é o social só e não é o ambiente só - é também a diversidade cultural. Esse tema deu um salto muito qualitativo na agenda porque, como se vê bem, a crise não é só económica e financeira, há também as grandes novas questões que as migrações vão trazer.
Que vai exigir trabalho de maior proximidade?
Sim, vai ser necessário ir até aos locais territorialmente mais pequenos, as nossas freguesias, para chegar à esfera nacional. Também teremos, à escala da União Europeia e à escala mais geral, de nos dirigir àquilo que po-de ser agravado pelas percepções erróneas que se tem devido à instrumentalização de certa comunicação social por partidos que fazem das fobias um elemento aglutinador de algumas minorias esquecidas daquilo que é verdadeiramente uma democracia.
Quando refere partidos com fobias, também nota isso em Portugal?
Não, sinceramente. Quando estou fora de Portugal - e tenho sido um verdadeiro globetrotter -, vejo, quando regresso, que estamos a discutir A e B com toda a legitimidade mas que ainda se respira uma importantíssima paz. Porque um dos grandes desafios do nosso tempo é a enorme importância que tem a convivência de várias religiões, de várias etnias e o facto de termos absorvido a imigração e da forma como o fizemos. Claro que há bairros problemáticos, mas esse é um incentivo para avançar.
É nesse âmbito que a Aliança criou, a nível global, a experiência do Dialogue Café?
É uma rede que começou com Portugal e o Brasil, mas que vai ser mundial, porque pretende aproximar toda a gente. Contamos muito com as universidades e as escolas, mas, quando tivermos uma rede maior, cada um escolhe com quem é que quer falar. Pode ser com alguém de Telavive, de Nova Iorque, de uma cidade africana, etc. Essa foi uma extraordinária cooperação da Aliança com a Cisco e a Gulbenkian, que dará a conhecer pessoas de todo o mundo umas às outras.
Que balanço faz do Plano Nacional?
Considero muito positivo o esforço feito, mas não me cabe fazer juízos de valor sobre o nosso Plano Nacional. Não obstante, o esforço tem de ser prosseguido e ganharia com uma participação acrescida da sociedade civil, das universidades, dos media. Como em todas as sociedades, também a portuguesa sofreu uma evolução muito considerável na última década em termos da acrescida exposição à diversidade. Importa tornar esta situação numa oportunidade de criação de riqueza e de mais-valias para a cultura portuguesa que, por matriz própria, já tem uma dimensão universalista e cosmopolita de que poderíamos tirar mais partido.
Como vê os recentes conflitos entre Israel e a frota marítima que ia para Gaza. Vai atropelar mais um futuro entendimento?
Não facilita. Continuo a achar que só resta uma solução, a de dois Estados que vivam lado a lado e com a questão da Palestina resolvida. Mas o tempo vai passado e a correr contra isto, razão pela qual me bato à procura de maneiras de dizer que não compete à Aliança tratar dos assuntos que o Quarteto, o Conse-lho de Segurança e a Assembleia Geral da ONU têm de tratar a nível estritamente político.
Mas a Aliança pode ter um papel?
Pode dar uma ajuda, preventiva ou de outro tipo, tal como criar caminhos para a paz. Não me esqueço de que uma vez em Ramallah alguém me pedia: "Eu só quero um campo de futebol para pôr esta gente toda a jogar, que é maneira de os ter aqui." E obviamente que - visitei Gaza e Israel em 2008 - se percebe que o bloqueio está a contribuir para o reforço de radicais em vez de servir qualquer outra a perspectiva. O campo da paz em Israel tem diminuído, mas a verdade é que temos de assegurar a segurança de Israel e ao mesmo tempo assegurar que é viável um Estado palestiniano ao lado. Ninguém negará que isto é complexo e difícil e que os passos que foram dados não estão a ser um contributo nessa direcção. Permito--me dizer que o discurso de Obama, no Cairo, criou uma expectativa brutal que necessita de concretizações.
Estamos perante uma crise económica e financeira generalizada. A Aliança será prejudicada por isso?
É certo que a economia passou a ser financeira - o que é já de si algo que não está profundamente correcto -, e a predominância da crise económica e financeira, do desemprego e da desigualdade causa extremos desafios à Europa e à capacidade de reavivar as questões centrais do seu desenvolvimento. Por isso, vão estar sobre a mesa todas as questões a que a Aliança se dedica ,e, portanto, os governos terão alguma responsabilidade em assegurar que a actividade da Aliança se faz no sentido das tomadas de posição em termos de agenda política que os governos devem tomar.
Pela sua experiência, esta crise do sistema económico capitalista terá solução?
As crises tiveram sempre solução, e há quem diga - o professor Stiglitz - que as temos sempre a cada dez anos, mas nunca aprendemos com a anterior. A grande dificuldades está, no caso europeu, num conjunto de desafios centrais que têm que ver com lideranças, combate à introversão das soluções e à dificuldade em assumir a multilateralidade e a necessidade delas.
Tem muito que ver com a economia?
Há algo de profundo no sistema financeiro e há necessidade de se fazer a sua regulação, porque não podemos fazer mais do mesmo, está esgotado. Não é possível ter uma total discrepância entre a economia real e a economia financeira que já provou ser dramática. Esta questão, que agora se debate na agenda do G20 e se vai debater nas divergências entre os EUA e a Europa, já é patente quanto à necessidade de uma certa regulação. As divergências que houve e está a haver no eixo franco-alemão suscitam junto da Comissão a necessidade de acelerar os projectos relativamente à própria regulação. Eu acho que há não só que voltar aos valores funcionais do que foi afinal de contas a União Europeia, sem embargo da imensa diferença que hoje tem, porque o alargamento foi um preço essencial para a paz. Vivemos na ânsia da paz, o alargamento é consequência disso.
Que medidas devem ser impostas?
Temos de ter uma política energética que não se dirija só às novas fontes de energia, mas que assegure à Europa fontes diversificadas e não totalmente dependentes de energia. Também uma política activa sobre as alterações climáticas que mantenham o balanço que tínhamos levado até Copenhaga. No fundo, são verdadeiras exigências que estão à nossa frente, mas precisamos para isso de saber derrotar o que são os terríveis paradoxos do nosso tempo. Os conservadores servem o mercado - eu não sou antimercado -, mas o mercado deu--nos graves lições porque não soube tratar o interesse colectivo. Se o mercado não traz justiça, nós - incluo--me na vertente progressista e não esqueço todos os dias as minhas energias de filiação - queremos que os mercados sirvam as pessoas. É curioso que os fautores da crise e os seus representantes políticos tenham sido nas mais recentes eleições reconfirmados.
Não estranha que a Comissão Europeia, nomeadamente o presidente Durão Barroso, não exiba uma outra atitude perante a crise?
O presidente Durão Barroso e a sua Comissão têm de responder rapidamente à carta que receberam da chanceler Merkel e do Presidente Sarkozy para apressar a regulação europeia, nomeadamente em relação ao mercado financeiro. Gos-taria muito de ver uma Comissão mais propositiva e mais arriscada, porque ela nasceu da necessidade de representar todos os países, e não podemos - nós, portugueses - assistir de braços cruzados à consagração de directórios.
O que pode Portugal fazer?
Temos de romper necessariamente com este círculo vicioso, através de muito trabalho, na forma como se organizam as políticas públicas; tornarmo-nos mais eficazes em termos de administração pública; dispensar o desperdício e olharmos para o que devem ser os trabalhos essenciais para uma repartição que seja mobilizadora. E aqui digo alguma coisa sobre Portugal, independentemente dos discursos recentes e da importância das afirmações do Presidente da República. É positivo que haja entendimentos, e eu já os advogo há mais de um ano. Até dei uma entrevista em que o título foi um pouco mais além do que eu tinha dito - falava de "bloco central" -, mas nessa altura senti como crucial a necessidade de se fazerem compromissos.
Entre os partidos?
Não só entre partidos. Precisamos de ter muito maior concertação e que ela se verifique todos os dias a sério. E precisamos também de ter uma plataforma social transversal que mobilize actores diversos - partidos, agentes sociais e empresariais - para medidas determinadas. Se não o fizermos, qualquer medida que se tome é sempre confrontada com o silêncio. Podemos escolher dez exemplos de reformas estruturais cruciais que precisam de ter uma frente ampla de sustentação que não seja só partidária! Essa frente ampla implica uma laboriosa e participativa discussão com os actores sociais que, não sendo assim, se lhes vão opor, esquecendo que a situação do País é efectivamente muito grave.
Mas como se consegue essa concertação?
Com uma enorme paciência, explicação e publicidade em relação àquilo que se está a fazer e se pretende. Devo dizer que em Portugal é muito difícil, porque temos amanhãs que cantam mas que não são alternativas exequíveis num momento de grande preocupação sobre a sustentação do nosso país em termos económicos e financeiros.
Refere-se às medidas, por exemplo, propostas pelo PSD?
Acho que não podemos estar sempre a pensar qual é a percentagem que temos amanhã, mas sim que hoje há algo de muito mais importante: a sustentabilidade do nosso país na economia e nas finanças. Entrámos para o quadro do euro, todos se sentiram à vontade, desde os cidadãos ao crédito bancário, e agora, ao contrário, temos de fortalecer os bancos com poupança e ver como é possível dar apoio às empresas que estão disponíveis para crescer e investir nas que estão em dificuldade.
Como é que se sabe o que fazer?
É preciso que a clareza do diagnóstico não se confunda com uma luta partidária às terças e quintas e que a assunção colectiva das medidas de emergência necessárias sejam a de qualquer um que estivesse no poder. Se o diagnóstico foi tardio ou não, isso é para uma próxima campanha eleitoral, porque agora temos de ter a noção de que tudo quanto dissermos é observado à lupa. É preciso reforçar a visão multilateral europeia de soluções globais e que a agenda portuguesa seja absolutamente clara quanto às forças mobilizáveis. E há-as muito! Estou sempre convencido de que os portugueses, com boas explicações, fazem um consenso mais alargado, até porque os amanhãs que cantam não têm saída imediata. Nem sei se terão.
Não é a visão do PSD, que começa a pensar que a qualquer momento…
Eu tenho confiança que os responsáveis pelo PSD, não apenas o seu líder, mas o seu núcleo de consultores económicos, tenha suficiente influência. O mesmo se aplica ao PS, que é o meu partido, para a necessidade de ter um trabalho constante. Nesta altura, as pessoas não se podem encontrar mês a mês, como acontece na Concertação Social. Eu teria a Concertação Social todos os dias aberta e reuniões diárias entre o PS e o PSD e outros partidos que se quisessem juntar, sectorialmente ou não. É perfeitamente possível encontrar plataformas de composição diversa em relação a sectores essenciais; precisamos de respeitar mais as leis do trabalho e dar guarida àqueles que precisam de capital de risco para lançar iniciativas de progresso.
Foi presidente da UCCLA (união das capitais de língua portuguesa). Acha que a difusão da língua portuguesa merecia mais apoio?
Não tenho dúvidas! Aliás, confesso que fiquei feliz por ver que, numa entrevista recente à actual responsável do Instituto Camões, se defendia não só o apoio ao português como língua estrangeira, mas também o desenvolvimento dos Institutos Camões, como centros de rua, porta aberta para o público, ideia que sempre defendi. Aliás, em 2004, aquando da minha visita de Estado a França, apoiei o lançamento de uma campanha inovadora - jeparleportugais.com - que visava precisamente promover o português como língua estrangeira em que valia a pena apostar. Na altura desenvolveu-se um site, prepararam-se brochuras, outdoors…
A comemoração do Centenário da República desperta-lhe atenção?
Sim, não só porque o programa me parece rico e variado, mas também porque sem memória histórica é difícil conceber um futuro sustentável para um povo.
In DN
por JOÃO CÉU E SILVA
Hoje
Após o ter tentado em Portugal, o ex-presidente da República corre o mundo atrás do consenso entre civilizações bastante diferentes. As questões religiosas são algumas entre as muitas que dividem o planeta e que todos os anos são debatidas no fórum promovido pelas Nações Unidas, por inspiração da Espanha e da Turquia. A última reunião aconteceu no Rio de Janeiro, e Jorge Sampaio faz o balanço deste III Fórum para o DN.
Ao III Fórum da Aliança das Civi-lizações, viu-se envolvido na sua politização. Isso preocupa-o?
Creio que foi positivo. Nunca pretendi que a Aliança ficasse acantonada no colóquio estritamente cultural, porque é uma iniciativa política, numa área que se dirige à grande questão do nosso tempo: a diversidade cultural. Evidentemen-te, com o seu alargamento à participação de mais países a cada fórum, cada um vê a Aliança à sua maneira e adapta a política externa com a interna, o que faz os debates alargarem-se e fazerem vir ao de cima algumas confrontações.
Mas a politização trouxe benefícios?
Permitiu a expressão de desacordos porque, ao crescer o número de países participantes, aumentou o número das diversidades. Vão crescer os blocos, situação típica de uma sociedade internacional, mas, se nos mantivermos nas quatro áreas da Aliança - educação, migrações, juventude e media - e com uma actividade proactiva e mobilizadora, conseguiremos ser uma plataforma onde a sociedade civil desempenhará um papel e teremos capacidade para aguentar as divergências que se viram no Brasil.
Bastou o discurso do Presidente Lula para se ver que o tom mudara ao terceiro encontro da Aliança?
Era o tempo imediato pós-visita ao Irão, e tanto Lula como o primeiro--ministro da Turquia estavam presentes. Era natural que falassem do tema no contexto da Aliança, embora fossem discursos mais politizados. Como sou um político, não achei negativo que se trouxesse a política para dentro da Aliança, mesmo que mais vasta do que a diversidade cultural é. Tal como achei interessante a participação dos EUA e a forte presença de países da Amé-rica Latina, porque se alargou a perspectiva mais global.
Que balanço faz deste Fórum da Aliança no Rio de Janeiro?
É muito positivo, pois as metas que se estabeleceram - em termos de participação, afirmação de apoio político e resultados - foram plenamente alcançadas. A imagem da Aliança como um fórum mundial de diálogo inclusivo sobre questões relacionadas com a diversidade cultural saiu claramente reforçada.
A localização geográfica beneficiou?
Foi uma estreia na medida em que se tratou do primeiro organizado fora da área euro-mediterrânica. Foi, por isso, um bom teste ao esco-po global da Aliança e ultrapassado com sucesso, pois, por um lado, o anúncio da sua realização no Brasil levou a que a esmagadora maioria dos países daquele continente se filiasse, e, por outro lado, o facto de ter este país como anfitrião gerou também um movimento de solidariedade sul-sul, tendo vários países africanos aderido também à Aliança nos últimos meses.
Houve mais repercussão da América Latina, mas menos da Europa?
Os países desta área geográfica estão já a planear o início dos trabalhos relativos à elaboração de uma estratégia regional para a América Latina e muito empenhados em aplicar localmente alguns dos projectos apresentados no Rio. O fórum contou com forte participação dos membros dos quatro cantos do mundo ao mais alto nível - com excepção, porventura, da Europa, cuja presença não foi tão forte quanto se poderia esperar -, bem como com uma activa participação da sociedade civil, especialmente de jovens.
Quais foram os resultados práticos?
Foi anunciado um conjunto de iniciativas, assim como tiveram lugar debates muito concorridos relacionados com temas da actualidade no domínio dos media, das migrações, do papel das cidades, da educação para a diversidade cultural e dos jovens. Tudo isto a somar a uma reunião ministerial que demorou seis horas, encontros com os pontos focais da Aliança em torno das estratégias regionais e os seus planos de acção, etc., e as mais diversas sessões organizadas pelos parceiros da Aliança no âmbito de um Pré-Fórum que teve lugar a 27 de Maio e em que os jovens organizaram também o seu próprio programa de trabalho.
Mudará algo com a hipotética eleição de Mariano Rajoy em Espanha?
Caso tal aconteça, a definição das prioridades de política externa de Espanha poderá porventura ser ajustada, pois é sabido que, pelo menos no passado, a alternância do PP e do PSOE revelou existirem entre ambos algumas dissonâncias em matéria de actuação externa, bem como no ângulo de abordagem das principais questões internacionais.
Mesmo com a nova realidade?
É verdade que a situação internacional também se alterou e amenizou dilemas passados. A mudança da Administração americana e o seu regresso ao multilateralismo tornam menos perceptíveis ou relevantes algumas linhas de clivagem anteriores, e, por isso, imagino que o PP de Rajoy seja diferente do PP de Aznar nessa matéria. Acresce que me parece que a Aliança já atingiu um grau de maturidade e desenvolvimento que não só ilustra por si só a bondade e méritos intrínsecos desta iniciativa, como a está dotando de uma capacidade desejável de autonomia e de "encaixe" a choques… Pela minha parte, nunca ignorei que a Aliança das Civilizações, por ser um instrumento flexível de soft power das Nações Unidas, não está imune nem aos interesses particulares de cada um dos seus membros nem às flutuações - internas e externas - a que estes interesses estão sujeitos. Por isso, entendo que esta é uma variável a que é necessário estar atento, mantendo sempre a autonomia, coerência e capacidade de independência da Aliança como um todo.
Qual o seu papel nesta situação?
Revejo-me no assegurar deste jogo de equilíbrios, e aí inscrevo o papel do alto-representante. Neste contexto, quero mesmo referir que tenho mantido contactos com M. Rajoy, por forma a que esteja ao corrente da evolução dos trabalhos da Aliança. Em suma, acredito que alterações políticas que a democracia torna possíveis não trarão consigo cenários de ruptura para a Aliança.
O papel internacional da Turquia está a politizar a Aliança.
Esta afirmação repousa numa série de mal-entendidos. Primeiro, qualquer Governo tem - desejavelmente - um papel internacional. Por isso, a Turquia não é excepção. Em segundo lugar, a Aliança já é à partida uma iniciativa política, caso contrário não teria razão de ser no seio das Nações Unidas. Em terceiro lugar, o expectável papel dos co--patrocinadores, como, aliás, o de qualquer outros dos seus Estados membros, é precisamente o "nacionalizar" a Aliança em termos de política interna e externa. Digamos que a Aliança corresponde à tentativa de estabelecer no plano mundial uma agenda para a diversidade cultural vista simultaneamente como o 4.º pilar do desenvolvimento sustentável, a par da dimensão ambiental, económica e social, e como uma questão de diplomacia preventiva enquanto factor de segurança e paz no seio e entre as sociedades.
O próximo fórum é no Qatar. Vai destacar o choque religioso?
Não há relação de causalidade entre a localização geográfica de um fó-rum e a sua agenda. A escolha das prioridades para o IV Fórum resultarão do II Plano de Implementa- ção da Aliança que ainda cobre 2011 e das iniciativas anunciadas no III Fórum e das sugestões que o país anfitrião possa fazer, aliadas a outras ideias que os restantes membros e parceiros da Aliança possam adiantar e que sejam consideradas relevantes.
África continua a estar com menos presença neste fórum. Até quando?
Já foi um progresso que todos os países da CPLP se tornassem membros da Aliança, mas também hou-ve mais alguns países africanos, designadamente o Magrebe inteiro e África do Sul.
A Aliança quer "construir pontes". Com mais países será mais fácil?
É sempre mais complexo porque a diversidade é maior, mas essa é uma das razões de ser da Aliança. Preencher espaços vazios, construir parcerias, aproximar as pessoas e descer às comunidades locais. Temos como objectivo dirigirmo-nos a todos os países da Organização das Nações Unidas e às várias organizações internacionais e com a nossa actividade produzir resultados.
E os resultados estão a acontecer?
É um trabalho para décadas, mas há uma coisa de que me orgulho, o ter colocado de uma forma frontal e incontornável na agenda o de-senvolvimento sustentável. Não é a economia só; não é o social só e não é o ambiente só - é também a diversidade cultural. Esse tema deu um salto muito qualitativo na agenda porque, como se vê bem, a crise não é só económica e financeira, há também as grandes novas questões que as migrações vão trazer.
Que vai exigir trabalho de maior proximidade?
Sim, vai ser necessário ir até aos locais territorialmente mais pequenos, as nossas freguesias, para chegar à esfera nacional. Também teremos, à escala da União Europeia e à escala mais geral, de nos dirigir àquilo que po-de ser agravado pelas percepções erróneas que se tem devido à instrumentalização de certa comunicação social por partidos que fazem das fobias um elemento aglutinador de algumas minorias esquecidas daquilo que é verdadeiramente uma democracia.
Quando refere partidos com fobias, também nota isso em Portugal?
Não, sinceramente. Quando estou fora de Portugal - e tenho sido um verdadeiro globetrotter -, vejo, quando regresso, que estamos a discutir A e B com toda a legitimidade mas que ainda se respira uma importantíssima paz. Porque um dos grandes desafios do nosso tempo é a enorme importância que tem a convivência de várias religiões, de várias etnias e o facto de termos absorvido a imigração e da forma como o fizemos. Claro que há bairros problemáticos, mas esse é um incentivo para avançar.
É nesse âmbito que a Aliança criou, a nível global, a experiência do Dialogue Café?
É uma rede que começou com Portugal e o Brasil, mas que vai ser mundial, porque pretende aproximar toda a gente. Contamos muito com as universidades e as escolas, mas, quando tivermos uma rede maior, cada um escolhe com quem é que quer falar. Pode ser com alguém de Telavive, de Nova Iorque, de uma cidade africana, etc. Essa foi uma extraordinária cooperação da Aliança com a Cisco e a Gulbenkian, que dará a conhecer pessoas de todo o mundo umas às outras.
Que balanço faz do Plano Nacional?
Considero muito positivo o esforço feito, mas não me cabe fazer juízos de valor sobre o nosso Plano Nacional. Não obstante, o esforço tem de ser prosseguido e ganharia com uma participação acrescida da sociedade civil, das universidades, dos media. Como em todas as sociedades, também a portuguesa sofreu uma evolução muito considerável na última década em termos da acrescida exposição à diversidade. Importa tornar esta situação numa oportunidade de criação de riqueza e de mais-valias para a cultura portuguesa que, por matriz própria, já tem uma dimensão universalista e cosmopolita de que poderíamos tirar mais partido.
Como vê os recentes conflitos entre Israel e a frota marítima que ia para Gaza. Vai atropelar mais um futuro entendimento?
Não facilita. Continuo a achar que só resta uma solução, a de dois Estados que vivam lado a lado e com a questão da Palestina resolvida. Mas o tempo vai passado e a correr contra isto, razão pela qual me bato à procura de maneiras de dizer que não compete à Aliança tratar dos assuntos que o Quarteto, o Conse-lho de Segurança e a Assembleia Geral da ONU têm de tratar a nível estritamente político.
Mas a Aliança pode ter um papel?
Pode dar uma ajuda, preventiva ou de outro tipo, tal como criar caminhos para a paz. Não me esqueço de que uma vez em Ramallah alguém me pedia: "Eu só quero um campo de futebol para pôr esta gente toda a jogar, que é maneira de os ter aqui." E obviamente que - visitei Gaza e Israel em 2008 - se percebe que o bloqueio está a contribuir para o reforço de radicais em vez de servir qualquer outra a perspectiva. O campo da paz em Israel tem diminuído, mas a verdade é que temos de assegurar a segurança de Israel e ao mesmo tempo assegurar que é viável um Estado palestiniano ao lado. Ninguém negará que isto é complexo e difícil e que os passos que foram dados não estão a ser um contributo nessa direcção. Permito--me dizer que o discurso de Obama, no Cairo, criou uma expectativa brutal que necessita de concretizações.
Estamos perante uma crise económica e financeira generalizada. A Aliança será prejudicada por isso?
É certo que a economia passou a ser financeira - o que é já de si algo que não está profundamente correcto -, e a predominância da crise económica e financeira, do desemprego e da desigualdade causa extremos desafios à Europa e à capacidade de reavivar as questões centrais do seu desenvolvimento. Por isso, vão estar sobre a mesa todas as questões a que a Aliança se dedica ,e, portanto, os governos terão alguma responsabilidade em assegurar que a actividade da Aliança se faz no sentido das tomadas de posição em termos de agenda política que os governos devem tomar.
Pela sua experiência, esta crise do sistema económico capitalista terá solução?
As crises tiveram sempre solução, e há quem diga - o professor Stiglitz - que as temos sempre a cada dez anos, mas nunca aprendemos com a anterior. A grande dificuldades está, no caso europeu, num conjunto de desafios centrais que têm que ver com lideranças, combate à introversão das soluções e à dificuldade em assumir a multilateralidade e a necessidade delas.
Tem muito que ver com a economia?
Há algo de profundo no sistema financeiro e há necessidade de se fazer a sua regulação, porque não podemos fazer mais do mesmo, está esgotado. Não é possível ter uma total discrepância entre a economia real e a economia financeira que já provou ser dramática. Esta questão, que agora se debate na agenda do G20 e se vai debater nas divergências entre os EUA e a Europa, já é patente quanto à necessidade de uma certa regulação. As divergências que houve e está a haver no eixo franco-alemão suscitam junto da Comissão a necessidade de acelerar os projectos relativamente à própria regulação. Eu acho que há não só que voltar aos valores funcionais do que foi afinal de contas a União Europeia, sem embargo da imensa diferença que hoje tem, porque o alargamento foi um preço essencial para a paz. Vivemos na ânsia da paz, o alargamento é consequência disso.
Que medidas devem ser impostas?
Temos de ter uma política energética que não se dirija só às novas fontes de energia, mas que assegure à Europa fontes diversificadas e não totalmente dependentes de energia. Também uma política activa sobre as alterações climáticas que mantenham o balanço que tínhamos levado até Copenhaga. No fundo, são verdadeiras exigências que estão à nossa frente, mas precisamos para isso de saber derrotar o que são os terríveis paradoxos do nosso tempo. Os conservadores servem o mercado - eu não sou antimercado -, mas o mercado deu--nos graves lições porque não soube tratar o interesse colectivo. Se o mercado não traz justiça, nós - incluo--me na vertente progressista e não esqueço todos os dias as minhas energias de filiação - queremos que os mercados sirvam as pessoas. É curioso que os fautores da crise e os seus representantes políticos tenham sido nas mais recentes eleições reconfirmados.
Não estranha que a Comissão Europeia, nomeadamente o presidente Durão Barroso, não exiba uma outra atitude perante a crise?
O presidente Durão Barroso e a sua Comissão têm de responder rapidamente à carta que receberam da chanceler Merkel e do Presidente Sarkozy para apressar a regulação europeia, nomeadamente em relação ao mercado financeiro. Gos-taria muito de ver uma Comissão mais propositiva e mais arriscada, porque ela nasceu da necessidade de representar todos os países, e não podemos - nós, portugueses - assistir de braços cruzados à consagração de directórios.
O que pode Portugal fazer?
Temos de romper necessariamente com este círculo vicioso, através de muito trabalho, na forma como se organizam as políticas públicas; tornarmo-nos mais eficazes em termos de administração pública; dispensar o desperdício e olharmos para o que devem ser os trabalhos essenciais para uma repartição que seja mobilizadora. E aqui digo alguma coisa sobre Portugal, independentemente dos discursos recentes e da importância das afirmações do Presidente da República. É positivo que haja entendimentos, e eu já os advogo há mais de um ano. Até dei uma entrevista em que o título foi um pouco mais além do que eu tinha dito - falava de "bloco central" -, mas nessa altura senti como crucial a necessidade de se fazerem compromissos.
Entre os partidos?
Não só entre partidos. Precisamos de ter muito maior concertação e que ela se verifique todos os dias a sério. E precisamos também de ter uma plataforma social transversal que mobilize actores diversos - partidos, agentes sociais e empresariais - para medidas determinadas. Se não o fizermos, qualquer medida que se tome é sempre confrontada com o silêncio. Podemos escolher dez exemplos de reformas estruturais cruciais que precisam de ter uma frente ampla de sustentação que não seja só partidária! Essa frente ampla implica uma laboriosa e participativa discussão com os actores sociais que, não sendo assim, se lhes vão opor, esquecendo que a situação do País é efectivamente muito grave.
Mas como se consegue essa concertação?
Com uma enorme paciência, explicação e publicidade em relação àquilo que se está a fazer e se pretende. Devo dizer que em Portugal é muito difícil, porque temos amanhãs que cantam mas que não são alternativas exequíveis num momento de grande preocupação sobre a sustentação do nosso país em termos económicos e financeiros.
Refere-se às medidas, por exemplo, propostas pelo PSD?
Acho que não podemos estar sempre a pensar qual é a percentagem que temos amanhã, mas sim que hoje há algo de muito mais importante: a sustentabilidade do nosso país na economia e nas finanças. Entrámos para o quadro do euro, todos se sentiram à vontade, desde os cidadãos ao crédito bancário, e agora, ao contrário, temos de fortalecer os bancos com poupança e ver como é possível dar apoio às empresas que estão disponíveis para crescer e investir nas que estão em dificuldade.
Como é que se sabe o que fazer?
É preciso que a clareza do diagnóstico não se confunda com uma luta partidária às terças e quintas e que a assunção colectiva das medidas de emergência necessárias sejam a de qualquer um que estivesse no poder. Se o diagnóstico foi tardio ou não, isso é para uma próxima campanha eleitoral, porque agora temos de ter a noção de que tudo quanto dissermos é observado à lupa. É preciso reforçar a visão multilateral europeia de soluções globais e que a agenda portuguesa seja absolutamente clara quanto às forças mobilizáveis. E há-as muito! Estou sempre convencido de que os portugueses, com boas explicações, fazem um consenso mais alargado, até porque os amanhãs que cantam não têm saída imediata. Nem sei se terão.
Não é a visão do PSD, que começa a pensar que a qualquer momento…
Eu tenho confiança que os responsáveis pelo PSD, não apenas o seu líder, mas o seu núcleo de consultores económicos, tenha suficiente influência. O mesmo se aplica ao PS, que é o meu partido, para a necessidade de ter um trabalho constante. Nesta altura, as pessoas não se podem encontrar mês a mês, como acontece na Concertação Social. Eu teria a Concertação Social todos os dias aberta e reuniões diárias entre o PS e o PSD e outros partidos que se quisessem juntar, sectorialmente ou não. É perfeitamente possível encontrar plataformas de composição diversa em relação a sectores essenciais; precisamos de respeitar mais as leis do trabalho e dar guarida àqueles que precisam de capital de risco para lançar iniciativas de progresso.
Foi presidente da UCCLA (união das capitais de língua portuguesa). Acha que a difusão da língua portuguesa merecia mais apoio?
Não tenho dúvidas! Aliás, confesso que fiquei feliz por ver que, numa entrevista recente à actual responsável do Instituto Camões, se defendia não só o apoio ao português como língua estrangeira, mas também o desenvolvimento dos Institutos Camões, como centros de rua, porta aberta para o público, ideia que sempre defendi. Aliás, em 2004, aquando da minha visita de Estado a França, apoiei o lançamento de uma campanha inovadora - jeparleportugais.com - que visava precisamente promover o português como língua estrangeira em que valia a pena apostar. Na altura desenvolveu-se um site, prepararam-se brochuras, outdoors…
A comemoração do Centenário da República desperta-lhe atenção?
Sim, não só porque o programa me parece rico e variado, mas também porque sem memória histórica é difícil conceber um futuro sustentável para um povo.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Re: Estamos a ouvi-lo(a)
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Ministra: função pública terá aumento igual ao da inflação
por JOÃO CÉU E SILVA
Hoje
Ministra Helena André tem uma máxima: "Mais concertação e menos contestação." Considera que "há sempre solução para tudo" e elogia o "animal feroz" como um primeiro-ministro determinado e profundo conhecedor das matérias de todos os ministérios.
Do alto do seu gabinete, a 50 metros de altitude, vê Lisboa inteira e até o Terreiro do Paço, onde o ministro Teixeira dos Santos regula o fluxo financeiro que a crise permite aumentar ou diminuir na gestão do País. Evita intrometer-se nas matérias de outros ministérios, mas não se proíbe de criticar o atraso dos sindicatos, a falta de formação de muitos empresários e o desconhecimento do Código do Trabalho por quem o devia saber.
Até 2013, tem de cortar 1% do PIB na despesa social. Como vai conseguir fazer isso?
O nosso objectivo é conseguirmos chegar a 2013 com os níveis de despesa social que tínhamos, ainda um pouco superiores, antes da crise. Portanto, não estamos a fazer nada que seja profundamente revolucionário, mas sim a tentar procurar - e espero que essa seja a realidade, independentemente das perspectivas - ler alguns sinais de recuperação económica para podermos voltar ao regime antes da crise.
Mas 1% do PIB é quase inalcançável!
É uma questão de utilizarmos melhor os recursos que temos à dis-posição. Estamos neste momento a equacionar a forma de pôr tudo isso no terreno, mesmo tendo a noção que algumas das políticas terão alguns efeitos nessa matéria.
Há alguma cartola onde se consiga fazer esse passe de mágica?...
Com uma melhor gestão dos recursos disponíveis! Através de algum emagrecimento de despesas de administração em certos sectores onde será possível fazer economias.
Tal como os anunciados cortes nos salários da função pública?
O que acontece é o congelamento dos salários da função pública. Sobre isso também é importante termos a noção de que, ao contrário do que se passou na maior parte dos países da União Europeia - onde houve efectivamente cortes, e nalguns foram muito rigorosos não só nos salários da função pública como nas pensões -, Portugal optou por uma via em que há um congelamento de salários e não cortes. Não façamos futurologia, neste momento o que há é um congelamento dos salários.
Um congelamento que, com a inflação prevista de 1,4%, com aumento zero, será um corte salarial?
Não, porque há o ajustamento à inflação.
Portanto, vai haver no mínimo 1,4% de aumento?
O ajustamento é esse.
Esse não será o ponto de partida para as negociações. Será o final?
Esta foi a decisão do Governo em relação à política salarial para 2011. Depois, logo veremos.
Essa é uma nova realidade?
Não, é a medida que está! A medida no PEC é em relação a 2011.
Que significa que vai haver um aumento de 1,4...
O congelamento salarial é isso que implica. Não há aumentos salariais de x por cento, mas há tudo o que tem que ver com o ajustamento normal dos salários.
E esse valor já é conhecido?
Não. Aquilo que há neste momento é o congelamento dos salários.
Acha que vai conseguir negociar com os sindicatos da função pública?
Eu não negoceio com os sindicatos da função pública, é o secretário de Estado da Administração Pública que o faz. Eu não intervenho em rigorosamente nada nessa matéria, que é gerida pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública.
Prevê-se que a bolsa de mobilidade da função pública vai crescer?
Eu não tenho que ver com tudo o que seja administração pública, é melhor cortar tudo o que tem que ver com isso.
Passemos à questão do emprego. Que medidas novas existem para combater o desemprego?
Estão em curso discussões sobre o Pacto para o Emprego, que é fundamental.
O que está exactamente em curso?
Nós iniciámos as discussões na Concertação Social sobre essa matéria no final de Maio, e neste momento estamos a definir aquilo que vai ser a agenda do Pacto para o Emprego. Procuramos sair daquilo que seria tradicionalmente um Pacto para o Emprego que se preocupa exclusivamente com questões relacionadas com o mercado de trabalho.
Designadamente?
O que temos sobre a mesa - e que temos vindo a discutir com os parceiros aos níveis da concertação social e bilateral - é a necessidade de alargarmos esta agenda da discussão do Pacto para o Emprego. O que o Governo propôs aos parceiros, com base em discussões que foram feitas com contribuições dos parceiros, foi que este pacto tivesse três capítulos. O primeiro tem que ver com inovação e competitividade, que tem que ver com o modelo do desenvolvimento económico, os constrangimentos da economia e os instrumentos. O segundo tem que ver com o emprego e as qualificações, como podemos melhorar o nível de qualificações e obter vantagens competitivas. E o terceiro tem que ver com a discussão sobre os nossos sistemas remuneração social e salarial.
Serão as três grandes linhas de retoma?
São os grandes temas que vão estar sobre a mesa e para os quais o Governo pretende ter conclusões e acções pragmáticas e objectivas. Se possível, até calendarizadas no tempo, com um compromisso entre o Governo e os parceiros para levar a cabo um determinado número de acções que possam ser constantemente avaliadas não em termos de timing e do seu impacto.
Serão essas as novas medidas?
Penso que são muito importantes, mas o Governo tem algumas propostas nessa matéria que agora não posso revelar, porque fizeram parte das discussões com os parceiros sociais. Sobretudo temos uma grande preocupação em ter um pacto que seja a resposta às necessidades da economia, das pessoas e do País. Estou a falar também das necessidades das empresas e dos trabalhadores.
É um pacto para breve?
Do meu ponto de vista, tem de ser rápido em termos de negociação e de implementação no terreno. Não serve de muito prolongar as discussões.
É para estar cá fora já em Outubro?
Gostaria imenso que sim, e vamos trabalhar nesse sentido. Temos de ter a noção de que não é um pacto para trazer ao de cima as divergências, mas que construa uma agenda positiva onde todos os parceiros estejam envolvidos em termos de execução das medidas e dos esforços precisos para que essas medidas se tornem uma realidade.
Quase parece um pacto de sobrevivência do Governo?
Não sei porque é que diz isso.
O grande problema do Governo é o desemprego e conseguir a retoma.
Esse não é um problema de um governo, é um problema do País.
E do mundo... Mas se o Governo conseguir que esse pacto canalize todas as forças sociais, poderá ter outro tipo de atitude?
Eu não espero outra atitude pela parte das forças económicas e sociais do nosso país, pois estamos num momento de encruzilhada em relação àquilo que vai ser o nosso futuro colectivo. Temos a noção de que se há coisa que a crise mostrou, é que vamos todos ter de mudar o nosso modelo de desenvolvimento económico e social do País e do mundo! E nós não podemos ficar imunes a esse grande desafio. Dou só um exemplo mínimo, que é irrelevante até, que é o da consciência que existe sobre a necessidade de proteger e preservar o ambiente. Se os parceiros económicos e sociais não tiverem essa consciência e não forem capazes de apoiar os governos na definição de novos rumos e caminhos, teremos pouco futuro enquanto sociedades!
O Pacto para o Emprego não irá basear-se na questão das energias renováveis ou ambientais?...
O Pacto para o Emprego terá de ter em consideração as energias renováveis e a protecção do ambiente obviamente. Essa é uma área de futuro e faz parte dos constrangimentos ou as possibilidades de os países terem ou não possibilidades de maior ou menor crescimento económico. Isso tem de passar forçosamente pelas nossas discussões.
Mas terá outras áreas?...
Obviamente que sim. Mas como é que discutimos uma economia mais sustentável e mais sustentada? Estas questões têm implicação na produção, no trabalho e em tudo o que é a nossa vida diária.
Não estou a entender... O Pacto para o Emprego vai em muito fixar-se na sustentabilidade ambiental?
Não, mas vai ser uma questão que tem de estar sobre a mesa. Ao falar disso, estamos a falar da economia, do social e da protecção do ambiente. Essas matérias não podem estar fora das discussões.
Junto de que parceiros sociais é que esse pacto vai ter mais fricção?
Espero que seja uma discussão tranquila dos parceiros sociais. Nas reuniões bilaterais que já tive com os parceiros - onde não esteve só o Ministério do Trabalho, porque é uma questão transversal ao Governo -, fiquei muito encorajada pela percepção clara da parte deles de que o País precisa deste tipo de entendimento. Espero uma discussão dura, mas, ao mesmo tempo, mobilizadora, porque precisamos de mobilizar a confiança de todos os agentes nas capacidades do nosso país.
E a reacção a nível partidário?
Eu penso que o Partido Socialista terá de apoiar o que for o resultado de um entendimento entre o Governo e os parceiros sociais.
E os outros partidos - PSD, CDS, Bloco, PC - entrarão nesse pacto?
Esses partidos, que também defendem muito o papel da Concertação Social - pelo menos nas discussões que tenho no Parlamento com eles -, não poderão estar contra um acordo do Governo com os parceiros sociais, antes pelo contrário.
Acredita que os sindicatos se adaptarão às novas realidades?
Se não se adaptarem, deixarão de ter muito peso nas definições das estratégias dos países. Isto não é um problema de Portugal, basta olharmos para o decréscimo de membros nas organizações sindicais, fruto de uma iniciativa neoliberal muito forte que tem sido a de enfraquecer as organizações sindicais e também fruto de uma incapacidade de resposta rápida dos sindicatos - sobretudo alguma incapacidade em antever os problemas. Os sindicatos estão à espera que as coisas aconteçam para se posicionarem, em vez de serem mais interventivos.
A CGTP tem avisado?
O que temos das organizações sindicais, principalmente da CGTP, é uma defesa intransigente dos direitos adquiridos. Aliás, uma das grandes questões que temos com a CGTP tem que ver com a revisão do Código do Trabalho e a caducidade das convenções colectivas. A CGTP está contra porque receia não ter capacidade para renegociar alguns aspectos das convenções colectivas. Esquece--se que não podemos ter em 2010 as que tínhamos nos anos 70 ou 80, tem que haver progressão e capacidade de negociar novos direitos. Mais direitos à formação, aos trabalhadores poderem conciliar a vida profissional e privada, à capacidade de se adaptarem ao local de trabalho com outras regalias. Os direitos salariais continuam a ser importantes num país com salários baixos mas não podem ser a única variante de ajustamento do mercado de trabalho.
Já se tornou famosa a sua frase: "Mais concertação e menos contestação."
Repete-a tanto, porquê?
Se calhar, ad nauseam...
Quem é que não está a participar na concertação a 100%?
Todos estão...
Quem é que está a falhar?
Temos esse grande teste sobre a mesa - o Pacto para o Emprego - que era uma proposta do Programa do Governo PS. Após este teste ter sucesso ou falhar é que direi qual é a minha avaliação sobre quem faltou à chamada na mesa das negociações. O que o Governo pretende é uma identificação de problemas comuns e que se consiga ir para além da identificação. Somos bons a identificar, mas temos dificuldade em encontrar respostas para os problemas e, principalmente, a comprometermo-nos a pôr em prática as soluções para os problemas.
Quem falha mais nesse desafio?
Em termos de concertação social, temos tido algum sucesso relativamente aos acordos tripartidos. Só que, ao analisá-los, o peso da responsabilidade do Governo na implementação é muito superior à parte dos parceiros.
São as associações empresariais que estão a aproveitar-se da crise?
Isso é o normal em todas as partes do mundo, Portugal não é diferente do que se observa na Europa.
Mas pode dizer-se que os empresários se aproveitam da crise?
Todos se aproveitam da crise naquilo que são as possibilidades de se aproveitarem, mas dizer que estão a aproveitar-se da crise é demasiado forte. No entanto, é preocupante quando ouço alguns empresários dizerem "precisamos de mais flexibilidade para organizar o trabalho", em vez de utilizarem todas as possibilidades que lhe são dadas no Código do Trabalho.
Porque é que são incapazes de utilizar as oportunidades do Código?
É melhor perguntar às associações empresariais. Vejo que há falta de informação e que não têm conhecimento de todas as possibilidades em termos de organização do trabalho e de acesso a acções de formação, até deles, pois há muitos a precisar de formação.
O Código do Trabalho não precisa de mudança?
O Código do Trabalho não deve ser mudado. Teve uma alteração profunda e consenso maioritário dos parceiros. Não podemos dar-nos ao luxo de saltar de reforma em reforma sem primeiro avaliar quais são os resultados da anterior.
Não se deve responder à crise com alterações ao Código do Tra-balho?
Não sei em que é que alterar o Código do Trabalho daria uma situação diferente da que temos. Está por provar, onde quer que seja no mundo, que a redução dos direitos dos trabalhadores com contratos sem termo é em si mesma geradora de mais postos de trabalho face aos que têm contratos a termo. Não está provado que haja relação directa entre a protecção das pessoas que estão no mercado de trabalho e a criação de emprego. Portanto, não é por aí que temos de ir, mas pela capacidade de melhorar recursos humanos e gestão empresarial e, em conjunto, ultrapassar os constrangimentos que temos.
Estamos perante um aumento do desemprego...
... Não é bem verdade.
Desceu 1,8% desde Abril, mas em relação ao período homólogo aumentou 14,6. A tendência é crescer?
Temos que ver como é que a economia se vai comportar. Como aspecto extremamente positivo, vemos que, de forma sustentada, o número de pessoas que entra no desemprego tem vindo a reduzir nos últimos meses. Isso é importante e pode ser um sinal de que há alguma retoma económica.
Mesmo a prever-se a estagnação?
Devemos tratar estes números com muito cuidado. Se olharmos para as previsões económicas de todos os institutos nacionais e estrangeiros em relação ao comportamento da economia, vemos que são muitas vezes revistas. Em alta ou em baixa, neste momento não é isso que está em causa.
No nosso caso, foi revista em baixa.
A fiabilidade dessas previsões tem de ser sempre tomada com uma grande precaução, porque o comportamento do emprego está relacionado com o da economia e a capacidade de criar postos de trabalho. O Governo não cria postos de trabalho por decreto, é a economia.
Os sindicatos da função pública consideram que negociar com este Governo não é uma coisa fácil!
Terá de perguntar ao meu colega Teixeira dos Santos, porque é ele quem faz a negociação da administração pública.
Como é a sua relação com o primeiro-ministro. Há uma conversa frequente?
Obviamente que sim, todas as questões são discutidas ao nível do Conselho de Ministros. A ideia de que cada ministro faz o que quer...
Tendo-se Sócrates autodefinido como "animal feroz", consegue expor-lhe o que pensa?
Penso que o primeiro-ministro é uma pessoa muito determinada, e é fundamental termos um primeiro-ministro com essa capacidade. É também extremamente informado e conhece profundamente o que se passa em todas as áreas de governação. Portanto, as matérias são discutidas com o primeiro-ministro naturalmente.
A dois ou em Conselho de Ministros?
A dois quando é necessário, em Conselho quando é necessário
In DN
Ministra: função pública terá aumento igual ao da inflação
por JOÃO CÉU E SILVA
Hoje
Ministra Helena André tem uma máxima: "Mais concertação e menos contestação." Considera que "há sempre solução para tudo" e elogia o "animal feroz" como um primeiro-ministro determinado e profundo conhecedor das matérias de todos os ministérios.
Do alto do seu gabinete, a 50 metros de altitude, vê Lisboa inteira e até o Terreiro do Paço, onde o ministro Teixeira dos Santos regula o fluxo financeiro que a crise permite aumentar ou diminuir na gestão do País. Evita intrometer-se nas matérias de outros ministérios, mas não se proíbe de criticar o atraso dos sindicatos, a falta de formação de muitos empresários e o desconhecimento do Código do Trabalho por quem o devia saber.
Até 2013, tem de cortar 1% do PIB na despesa social. Como vai conseguir fazer isso?
O nosso objectivo é conseguirmos chegar a 2013 com os níveis de despesa social que tínhamos, ainda um pouco superiores, antes da crise. Portanto, não estamos a fazer nada que seja profundamente revolucionário, mas sim a tentar procurar - e espero que essa seja a realidade, independentemente das perspectivas - ler alguns sinais de recuperação económica para podermos voltar ao regime antes da crise.
Mas 1% do PIB é quase inalcançável!
É uma questão de utilizarmos melhor os recursos que temos à dis-posição. Estamos neste momento a equacionar a forma de pôr tudo isso no terreno, mesmo tendo a noção que algumas das políticas terão alguns efeitos nessa matéria.
Há alguma cartola onde se consiga fazer esse passe de mágica?...
Com uma melhor gestão dos recursos disponíveis! Através de algum emagrecimento de despesas de administração em certos sectores onde será possível fazer economias.
Tal como os anunciados cortes nos salários da função pública?
O que acontece é o congelamento dos salários da função pública. Sobre isso também é importante termos a noção de que, ao contrário do que se passou na maior parte dos países da União Europeia - onde houve efectivamente cortes, e nalguns foram muito rigorosos não só nos salários da função pública como nas pensões -, Portugal optou por uma via em que há um congelamento de salários e não cortes. Não façamos futurologia, neste momento o que há é um congelamento dos salários.
Um congelamento que, com a inflação prevista de 1,4%, com aumento zero, será um corte salarial?
Não, porque há o ajustamento à inflação.
Portanto, vai haver no mínimo 1,4% de aumento?
O ajustamento é esse.
Esse não será o ponto de partida para as negociações. Será o final?
Esta foi a decisão do Governo em relação à política salarial para 2011. Depois, logo veremos.
Essa é uma nova realidade?
Não, é a medida que está! A medida no PEC é em relação a 2011.
Que significa que vai haver um aumento de 1,4...
O congelamento salarial é isso que implica. Não há aumentos salariais de x por cento, mas há tudo o que tem que ver com o ajustamento normal dos salários.
E esse valor já é conhecido?
Não. Aquilo que há neste momento é o congelamento dos salários.
Acha que vai conseguir negociar com os sindicatos da função pública?
Eu não negoceio com os sindicatos da função pública, é o secretário de Estado da Administração Pública que o faz. Eu não intervenho em rigorosamente nada nessa matéria, que é gerida pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública.
Prevê-se que a bolsa de mobilidade da função pública vai crescer?
Eu não tenho que ver com tudo o que seja administração pública, é melhor cortar tudo o que tem que ver com isso.
Passemos à questão do emprego. Que medidas novas existem para combater o desemprego?
Estão em curso discussões sobre o Pacto para o Emprego, que é fundamental.
O que está exactamente em curso?
Nós iniciámos as discussões na Concertação Social sobre essa matéria no final de Maio, e neste momento estamos a definir aquilo que vai ser a agenda do Pacto para o Emprego. Procuramos sair daquilo que seria tradicionalmente um Pacto para o Emprego que se preocupa exclusivamente com questões relacionadas com o mercado de trabalho.
Designadamente?
O que temos sobre a mesa - e que temos vindo a discutir com os parceiros aos níveis da concertação social e bilateral - é a necessidade de alargarmos esta agenda da discussão do Pacto para o Emprego. O que o Governo propôs aos parceiros, com base em discussões que foram feitas com contribuições dos parceiros, foi que este pacto tivesse três capítulos. O primeiro tem que ver com inovação e competitividade, que tem que ver com o modelo do desenvolvimento económico, os constrangimentos da economia e os instrumentos. O segundo tem que ver com o emprego e as qualificações, como podemos melhorar o nível de qualificações e obter vantagens competitivas. E o terceiro tem que ver com a discussão sobre os nossos sistemas remuneração social e salarial.
Serão as três grandes linhas de retoma?
São os grandes temas que vão estar sobre a mesa e para os quais o Governo pretende ter conclusões e acções pragmáticas e objectivas. Se possível, até calendarizadas no tempo, com um compromisso entre o Governo e os parceiros para levar a cabo um determinado número de acções que possam ser constantemente avaliadas não em termos de timing e do seu impacto.
Serão essas as novas medidas?
Penso que são muito importantes, mas o Governo tem algumas propostas nessa matéria que agora não posso revelar, porque fizeram parte das discussões com os parceiros sociais. Sobretudo temos uma grande preocupação em ter um pacto que seja a resposta às necessidades da economia, das pessoas e do País. Estou a falar também das necessidades das empresas e dos trabalhadores.
É um pacto para breve?
Do meu ponto de vista, tem de ser rápido em termos de negociação e de implementação no terreno. Não serve de muito prolongar as discussões.
É para estar cá fora já em Outubro?
Gostaria imenso que sim, e vamos trabalhar nesse sentido. Temos de ter a noção de que não é um pacto para trazer ao de cima as divergências, mas que construa uma agenda positiva onde todos os parceiros estejam envolvidos em termos de execução das medidas e dos esforços precisos para que essas medidas se tornem uma realidade.
Quase parece um pacto de sobrevivência do Governo?
Não sei porque é que diz isso.
O grande problema do Governo é o desemprego e conseguir a retoma.
Esse não é um problema de um governo, é um problema do País.
E do mundo... Mas se o Governo conseguir que esse pacto canalize todas as forças sociais, poderá ter outro tipo de atitude?
Eu não espero outra atitude pela parte das forças económicas e sociais do nosso país, pois estamos num momento de encruzilhada em relação àquilo que vai ser o nosso futuro colectivo. Temos a noção de que se há coisa que a crise mostrou, é que vamos todos ter de mudar o nosso modelo de desenvolvimento económico e social do País e do mundo! E nós não podemos ficar imunes a esse grande desafio. Dou só um exemplo mínimo, que é irrelevante até, que é o da consciência que existe sobre a necessidade de proteger e preservar o ambiente. Se os parceiros económicos e sociais não tiverem essa consciência e não forem capazes de apoiar os governos na definição de novos rumos e caminhos, teremos pouco futuro enquanto sociedades!
O Pacto para o Emprego não irá basear-se na questão das energias renováveis ou ambientais?...
O Pacto para o Emprego terá de ter em consideração as energias renováveis e a protecção do ambiente obviamente. Essa é uma área de futuro e faz parte dos constrangimentos ou as possibilidades de os países terem ou não possibilidades de maior ou menor crescimento económico. Isso tem de passar forçosamente pelas nossas discussões.
Mas terá outras áreas?...
Obviamente que sim. Mas como é que discutimos uma economia mais sustentável e mais sustentada? Estas questões têm implicação na produção, no trabalho e em tudo o que é a nossa vida diária.
Não estou a entender... O Pacto para o Emprego vai em muito fixar-se na sustentabilidade ambiental?
Não, mas vai ser uma questão que tem de estar sobre a mesa. Ao falar disso, estamos a falar da economia, do social e da protecção do ambiente. Essas matérias não podem estar fora das discussões.
Junto de que parceiros sociais é que esse pacto vai ter mais fricção?
Espero que seja uma discussão tranquila dos parceiros sociais. Nas reuniões bilaterais que já tive com os parceiros - onde não esteve só o Ministério do Trabalho, porque é uma questão transversal ao Governo -, fiquei muito encorajada pela percepção clara da parte deles de que o País precisa deste tipo de entendimento. Espero uma discussão dura, mas, ao mesmo tempo, mobilizadora, porque precisamos de mobilizar a confiança de todos os agentes nas capacidades do nosso país.
E a reacção a nível partidário?
Eu penso que o Partido Socialista terá de apoiar o que for o resultado de um entendimento entre o Governo e os parceiros sociais.
E os outros partidos - PSD, CDS, Bloco, PC - entrarão nesse pacto?
Esses partidos, que também defendem muito o papel da Concertação Social - pelo menos nas discussões que tenho no Parlamento com eles -, não poderão estar contra um acordo do Governo com os parceiros sociais, antes pelo contrário.
Acredita que os sindicatos se adaptarão às novas realidades?
Se não se adaptarem, deixarão de ter muito peso nas definições das estratégias dos países. Isto não é um problema de Portugal, basta olharmos para o decréscimo de membros nas organizações sindicais, fruto de uma iniciativa neoliberal muito forte que tem sido a de enfraquecer as organizações sindicais e também fruto de uma incapacidade de resposta rápida dos sindicatos - sobretudo alguma incapacidade em antever os problemas. Os sindicatos estão à espera que as coisas aconteçam para se posicionarem, em vez de serem mais interventivos.
A CGTP tem avisado?
O que temos das organizações sindicais, principalmente da CGTP, é uma defesa intransigente dos direitos adquiridos. Aliás, uma das grandes questões que temos com a CGTP tem que ver com a revisão do Código do Trabalho e a caducidade das convenções colectivas. A CGTP está contra porque receia não ter capacidade para renegociar alguns aspectos das convenções colectivas. Esquece--se que não podemos ter em 2010 as que tínhamos nos anos 70 ou 80, tem que haver progressão e capacidade de negociar novos direitos. Mais direitos à formação, aos trabalhadores poderem conciliar a vida profissional e privada, à capacidade de se adaptarem ao local de trabalho com outras regalias. Os direitos salariais continuam a ser importantes num país com salários baixos mas não podem ser a única variante de ajustamento do mercado de trabalho.
Já se tornou famosa a sua frase: "Mais concertação e menos contestação."
Repete-a tanto, porquê?
Se calhar, ad nauseam...
Quem é que não está a participar na concertação a 100%?
Todos estão...
Quem é que está a falhar?
Temos esse grande teste sobre a mesa - o Pacto para o Emprego - que era uma proposta do Programa do Governo PS. Após este teste ter sucesso ou falhar é que direi qual é a minha avaliação sobre quem faltou à chamada na mesa das negociações. O que o Governo pretende é uma identificação de problemas comuns e que se consiga ir para além da identificação. Somos bons a identificar, mas temos dificuldade em encontrar respostas para os problemas e, principalmente, a comprometermo-nos a pôr em prática as soluções para os problemas.
Quem falha mais nesse desafio?
Em termos de concertação social, temos tido algum sucesso relativamente aos acordos tripartidos. Só que, ao analisá-los, o peso da responsabilidade do Governo na implementação é muito superior à parte dos parceiros.
São as associações empresariais que estão a aproveitar-se da crise?
Isso é o normal em todas as partes do mundo, Portugal não é diferente do que se observa na Europa.
Mas pode dizer-se que os empresários se aproveitam da crise?
Todos se aproveitam da crise naquilo que são as possibilidades de se aproveitarem, mas dizer que estão a aproveitar-se da crise é demasiado forte. No entanto, é preocupante quando ouço alguns empresários dizerem "precisamos de mais flexibilidade para organizar o trabalho", em vez de utilizarem todas as possibilidades que lhe são dadas no Código do Trabalho.
Porque é que são incapazes de utilizar as oportunidades do Código?
É melhor perguntar às associações empresariais. Vejo que há falta de informação e que não têm conhecimento de todas as possibilidades em termos de organização do trabalho e de acesso a acções de formação, até deles, pois há muitos a precisar de formação.
O Código do Trabalho não precisa de mudança?
O Código do Trabalho não deve ser mudado. Teve uma alteração profunda e consenso maioritário dos parceiros. Não podemos dar-nos ao luxo de saltar de reforma em reforma sem primeiro avaliar quais são os resultados da anterior.
Não se deve responder à crise com alterações ao Código do Tra-balho?
Não sei em que é que alterar o Código do Trabalho daria uma situação diferente da que temos. Está por provar, onde quer que seja no mundo, que a redução dos direitos dos trabalhadores com contratos sem termo é em si mesma geradora de mais postos de trabalho face aos que têm contratos a termo. Não está provado que haja relação directa entre a protecção das pessoas que estão no mercado de trabalho e a criação de emprego. Portanto, não é por aí que temos de ir, mas pela capacidade de melhorar recursos humanos e gestão empresarial e, em conjunto, ultrapassar os constrangimentos que temos.
Estamos perante um aumento do desemprego...
... Não é bem verdade.
Desceu 1,8% desde Abril, mas em relação ao período homólogo aumentou 14,6. A tendência é crescer?
Temos que ver como é que a economia se vai comportar. Como aspecto extremamente positivo, vemos que, de forma sustentada, o número de pessoas que entra no desemprego tem vindo a reduzir nos últimos meses. Isso é importante e pode ser um sinal de que há alguma retoma económica.
Mesmo a prever-se a estagnação?
Devemos tratar estes números com muito cuidado. Se olharmos para as previsões económicas de todos os institutos nacionais e estrangeiros em relação ao comportamento da economia, vemos que são muitas vezes revistas. Em alta ou em baixa, neste momento não é isso que está em causa.
No nosso caso, foi revista em baixa.
A fiabilidade dessas previsões tem de ser sempre tomada com uma grande precaução, porque o comportamento do emprego está relacionado com o da economia e a capacidade de criar postos de trabalho. O Governo não cria postos de trabalho por decreto, é a economia.
Os sindicatos da função pública consideram que negociar com este Governo não é uma coisa fácil!
Terá de perguntar ao meu colega Teixeira dos Santos, porque é ele quem faz a negociação da administração pública.
Como é a sua relação com o primeiro-ministro. Há uma conversa frequente?
Obviamente que sim, todas as questões são discutidas ao nível do Conselho de Ministros. A ideia de que cada ministro faz o que quer...
Tendo-se Sócrates autodefinido como "animal feroz", consegue expor-lhe o que pensa?
Penso que o primeiro-ministro é uma pessoa muito determinada, e é fundamental termos um primeiro-ministro com essa capacidade. É também extremamente informado e conhece profundamente o que se passa em todas as áreas de governação. Portanto, as matérias são discutidas com o primeiro-ministro naturalmente.
A dois ou em Conselho de Ministros?
A dois quando é necessário, em Conselho quando é necessário
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Políticas de natureza económica têm de ser escrutinadas"
"Políticas de natureza económica têm de ser escrutinadas"
por ISADORA ATAÍDE
Hoje
Um ano depois das eleições europeias, o DN apresenta durante cinco semanas a análise por eurodeputados de cada força política. Hoje, o deputado do CDS Diogo Feio explica as linhas-mestras do relatório sobre governação económica que vai ser apreciado pelo Parlamento Europeu.
Quais as linhas-mestras do relatório sobre governação económica que está a redigir no Parlamento Europeu (PE)?
O relatório tem linhas muito claras, a primeira é a necessidade da Europa a 27 ter um sistema de vigilância económica. A dívida pública é uma grande preocupação e há a possibilidade de termos um procedimento próprio para o tema. Depois, a necessidade de uma maior transparência, as políticas de natureza económica têm de ser escrutinadas pelos parlamentos nacionais e pelo PE. O governo económico é um conceito que se deve aplicar aos 27 estados e não apenas à Zona Euro. O relatório respeita a estabilidade, mas aposta no crescimento da economia através da flexibilidade do mercado, de modo a gerar competitividade e criando instrumentos comunitários.
A União Europeia deve taxar a banca, como anunciou que fará a Alemanha?
Essa é uma opção dos Estados. Só poderia ser adoptada pela UE se fosse uma opção global, caso contrário é um erro, porque o dinheiro deslocar-se-á para zonas onde não há tributação. Acho que é necessário regular os mercados, os impostos não servem para arrumar nem para sancionar.
A entrada da Estónia na Zona Euro em 2011 é positiva para a UE?
É um sinal de confiança no euro. A Estónia tem de aproveitar a entrada na Zona Euro e fazer o contrário do que se fez em Portugal, onde se passou a gastar mais e pior. É preciso atenção, porque quando um estado adere à moeda única perde o controlo sobre a sua política monetária.
Croácia e Macedónia são candidatas à UE, outros países dos Balcãs são reconhecidos como potenciais candidatos. Qual será o impacto dos futuros alargamentos?
Os alargamentos devem ser pensados em acordo com os critérios já estabelecidos. Porém, está na altura de se fazer uma reflexão séria sobre a capacidade de intervenção da UE com mais estados. Uma Europa o mais integrada possível é desejada, mas também mais ágil. Se a agilidade não aparecer, teremos efeitos negativos.
Em 2009 as eleições para o PE registaram mais de 60% de abstenção em Portugal. Trata-se de défice democrático?
A abstenção é um fenómeno que existe em todas as democracias e eleições, devemos preocupar-nos em torná-la o mais baixa possível. Em Portugal, as questões europeias vão sendo esquecidas, mas elas são de uma relevância enorme, temos de deixar de ver Bruxelas como um sítio longínquo, as decisões tomadas em nível europeu impactam o dia-a-dia de todos os países.
Cresce o poder do PE nas decisões comunitárias, o que interfere na acção dos parlamentos nacionais. Está a ser promovido o diálogo entre as instituições?
É natural que muitos temas discutidos no PE tenham reflexo nos parlamentos nacionais, assim como as decisões. Com mais competências está criada a situação para aproximar os parlamentos nacionais do europeu. Pode haver uma acção pedagógica em relação à relevância de poderes que o PE passou a ter com o Tratado de Lisboa.
Quais as propostas do seu grupo político, o Partido Popular Europeu, para o orçamento comunitário, a ser discutido no PE?
Há dois desafios pela frente: o tamanho do orçamento e as formas de financiamento. É evidente que mais competências e maior actuação política também exigem um maior orçamento.
A intervenção do PPE é no sentido de se atingir um equilíbrio entre o que é o orçamento comunitário e aquilo que são os orçamentos nacionais, tendo atenção que o actual orçamento é insuficiente para as actuais necessidades.
In DN
por ISADORA ATAÍDE
Hoje
Um ano depois das eleições europeias, o DN apresenta durante cinco semanas a análise por eurodeputados de cada força política. Hoje, o deputado do CDS Diogo Feio explica as linhas-mestras do relatório sobre governação económica que vai ser apreciado pelo Parlamento Europeu.
Quais as linhas-mestras do relatório sobre governação económica que está a redigir no Parlamento Europeu (PE)?
O relatório tem linhas muito claras, a primeira é a necessidade da Europa a 27 ter um sistema de vigilância económica. A dívida pública é uma grande preocupação e há a possibilidade de termos um procedimento próprio para o tema. Depois, a necessidade de uma maior transparência, as políticas de natureza económica têm de ser escrutinadas pelos parlamentos nacionais e pelo PE. O governo económico é um conceito que se deve aplicar aos 27 estados e não apenas à Zona Euro. O relatório respeita a estabilidade, mas aposta no crescimento da economia através da flexibilidade do mercado, de modo a gerar competitividade e criando instrumentos comunitários.
A União Europeia deve taxar a banca, como anunciou que fará a Alemanha?
Essa é uma opção dos Estados. Só poderia ser adoptada pela UE se fosse uma opção global, caso contrário é um erro, porque o dinheiro deslocar-se-á para zonas onde não há tributação. Acho que é necessário regular os mercados, os impostos não servem para arrumar nem para sancionar.
A entrada da Estónia na Zona Euro em 2011 é positiva para a UE?
É um sinal de confiança no euro. A Estónia tem de aproveitar a entrada na Zona Euro e fazer o contrário do que se fez em Portugal, onde se passou a gastar mais e pior. É preciso atenção, porque quando um estado adere à moeda única perde o controlo sobre a sua política monetária.
Croácia e Macedónia são candidatas à UE, outros países dos Balcãs são reconhecidos como potenciais candidatos. Qual será o impacto dos futuros alargamentos?
Os alargamentos devem ser pensados em acordo com os critérios já estabelecidos. Porém, está na altura de se fazer uma reflexão séria sobre a capacidade de intervenção da UE com mais estados. Uma Europa o mais integrada possível é desejada, mas também mais ágil. Se a agilidade não aparecer, teremos efeitos negativos.
Em 2009 as eleições para o PE registaram mais de 60% de abstenção em Portugal. Trata-se de défice democrático?
A abstenção é um fenómeno que existe em todas as democracias e eleições, devemos preocupar-nos em torná-la o mais baixa possível. Em Portugal, as questões europeias vão sendo esquecidas, mas elas são de uma relevância enorme, temos de deixar de ver Bruxelas como um sítio longínquo, as decisões tomadas em nível europeu impactam o dia-a-dia de todos os países.
Cresce o poder do PE nas decisões comunitárias, o que interfere na acção dos parlamentos nacionais. Está a ser promovido o diálogo entre as instituições?
É natural que muitos temas discutidos no PE tenham reflexo nos parlamentos nacionais, assim como as decisões. Com mais competências está criada a situação para aproximar os parlamentos nacionais do europeu. Pode haver uma acção pedagógica em relação à relevância de poderes que o PE passou a ter com o Tratado de Lisboa.
Quais as propostas do seu grupo político, o Partido Popular Europeu, para o orçamento comunitário, a ser discutido no PE?
Há dois desafios pela frente: o tamanho do orçamento e as formas de financiamento. É evidente que mais competências e maior actuação política também exigem um maior orçamento.
A intervenção do PPE é no sentido de se atingir um equilíbrio entre o que é o orçamento comunitário e aquilo que são os orçamentos nacionais, tendo atenção que o actual orçamento é insuficiente para as actuais necessidades.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
«A localização do centro escolar de Santa Maria é absurda»
Entrevista a Paulo Xavier
«A localização do centro escolar de Santa Maria é absurda»
No rescaldo das eleições para a Comissão Concelhia de Bragança do PSD e num momento tenso em termos de reorganização da Rede Escolar, o presidente da Junta de Freguesia da Sé, Paulo Xavier, comenta as opções da Câmara Municipal de Bragança.
Numa entrevista recheada de recados, o autarca revela que nunca sentiu abertura da parte de Jorge Nunes para dialogar acerca da política local.
Jornal Nordeste (JN): O que pensa da reorganização que está a ser levada a cabo na Rede Escolar do concelho de Bragança?
Paulo Xavier (PX): Creio que este é mais um dos casos em que tive oportunidade de ter razão antes de tempo. Enquanto presidente da Junta de Freguesia da Sé expressei, na Assembleia Municipal de Bragança, durante o debate de aprovação da Carta Educativa, as minhas reservas acerca das opções preconizadas pela Câmara e pelo Conselho Municipal de Educação em torno da localização e dimensão dos novos centros escolares. Acredito hoje, como acreditava na altura, que esta opção de construir estas infra-estruturas não vem responder às necessidades das nossas comunidades educativas. A localização do centro escolar de Santa Maria é absurda e este equipamento encontra-se sobredimensionado, não servindo nem as famílias nem os alunos. No que se refere ao centro escolar da Sé, é exíguo para as necessidades da minha freguesia, que contínua a ter jardins de infância e escolas do 1º ciclo instalados em contentores, que, ao que parece, vão sobreviver a mais esta reforma da rede escolar! É inacreditável que uma “ecocidade” tenha crianças acomodadas nestas condições em pleno no Século XXI.
JN: Então não admite que estas crianças venham a ser encaminhadas para o Centro Escolar de Santa Maria?
PX: Não gostaria que tal acontecesse, mas creio que a decisão deve ser dos pais. A Câmara deve proporcionar às famílias respostas educativas próximas da respectiva área de residência. As crianças não podem ser responsabilizadas e pagar os erros e opções políticas de outros. Os alunos não podem servir para justificar absurdos e corrigir erros. Esta freguesia sempre se oporá à política de “encher” equipamentos mal pensados!
JN: A Associação de Pais do Agrupamento Augusto Moreno promoveu um abaixo-assinado, contestando o possível encerramento da Escola do Toural. Apoiou esta iniciativa?
PX: Creio que esta iniciativa, que desde o seu início teve o apoio e solidariedade da Junta de Freguesia da Sé, revela o estado de amadurecimento e consciência cívica que se desenvolveram em Bragança, nos últimos anos, e serve de exemplo para outras matérias. Aliás, penso que a causa da Associação de Pais tem mérito e devia ser acolhida, pela Câmara Municipal e pela Equipa de Apoio às Escolas, que deveriam abraçar uma estratégia de diálogo e concertação de posições, em defesa dos interesses das crianças e suas famílias. Não consigo compreender como puderam os responsáveis locais perder tanto tempo em troca de acusações públicas, alijando responsabilidades, em vez de coordenarem esforços na defesa dos interesses do concelho, que, em ambos os casos, estão muito acima dos interesses partidários e vaidades pessoais.
JN: Acredita que a escola do Toural vai encerrar?
PX: Acredito que prevalecerá o bom-senso. Não faz sentido que se encerre uma escola, recentemente requalificada e com boas condições, e se mantenham abertas as escolas com salas em contentores. Aliás, a senhora ministra da Educação afirmou que só encerrarão as escolas que mereçam a concordância das Câmaras Municipais. Assim, não creio que a Câmara de Bragança, tendo gasto muitos milhares de euros na escola do Toural, dê luz verde e concorde com o encerramento deste equipamento.
“Não faz sentido que se encerre uma escola [do Toural],
recentemente requalificada
e com boas condições, e se mantenham abertas as escolas com salas em contentores”
JN: Concorda com os critérios que são usados para encerrar escolas no concelho, nomeadamente o número de alunos?
PX: Acredito que todas as reformas e mudanças tendem a ser polémicas e a gerar resistências. Entendo, porém, que sempre que as mudanças ajudem ao desenvolvimento e prosperidade das comunidades locais devem ser debatidas e explicadas para que se gerem os maiores consensos possíveis. No caso vertente, nem o Estado nem as autarquias municipais têm procurado explicar às pessoas o sentido das reformas, apresentando a questão do encerramento confrontada com a mera questão do não encerramento. Nesta matéria devemos ser mais exigentes e nesse sentido devemos procurar compreender o que melhor pode servir os interesses das crianças e das suas famílias, designadamente na dinâmica do processo de ensino/aprendizagem. Esse deve ser o nosso critério de prioridade.
JN: Mas compreende a posição da Câmara Municipal de Bragança neste processo?
PX: Com toda a honestidade, eu ainda não percebi, sequer, se a CMB tem uma posição. Repare, a Câmara no âmbito da sua intervenção na Associação de Municípios da Terra Fria e da Comunidade Intermunicipal de Trás-os-Montes concorda com o encerramento de escolas com menos de vinte alunos. Mas, à comunicação social, em Bragança, protesta contra o encerramento de algumas escolas que têm menos de vinte alunos. Não faz sentido! A CMB deve ter uma posição séria e rigorosa nesta matéria, procurando concertar soluções entre os estabelecimentos de ensino, as famílias e a Administração Central. Até ao momento ainda não o fez, até porque a premissa inicial para que isso possa acontecer passa pela clarificação da posição municipal, que pelas razões que referi é pouco mais do que errática e incoerente.
JN: Revê-se nas posições assumidas pelos seus colegas presidentes de Junta?
PX: Compreendo as posições dos meus colegas como sendo corajosas e consentâneas com a vontade maioritária das suas populações. Mas penso, também, que este processo de reorganização da rede escolar terá que servir para reflectir acerca de assuntos fundamentais para a governação das nossas terras. Penso que os presidentes de Junta de Freguesia deveriam ter sido chamados há muito tempo para debater as questões relacionadas com a evolução da rede escolar no concelho e a própria estratégia educativa municipal.
JN: E isso não aconteceu? Porquê?
PX: Não. A primeira de todas as razões prende-se com o facto de não ser habitual auscultar previamente todos os presidentes de Junta antes da tomada de posições. É pena, porque o nosso contributo poderia ser valioso, pela proximidade que temos com as pessoas. A segunda razão prende-se com a necessária reflexão em torno de um problema mais profundo que consiste na morte lenta das nossas comunidades, apesar de termos vivido, nos últimos 13 anos, o maior ciclo de investimentos no nosso concelho!
JN: Já que falou em investimentos, pergunto-lhe se concorda com as obras realizadas pela CMB nos últimos anos?
PX: Naturalmente que sim. Passei os últimos doze anos a defender muitos dos investimentos que a CMB vem concretizando. Fi-lo na Assembleia Municipal e fi-lo junto dos nossos concidadãos, ao lado de António Jorge Nunes, que tenho a honra de acompanhar neste percurso autárquico. Mas o facto de ter apoiado e continuar a apoiar a estratégia do Eng. Nunes para a cidade e para o concelho, nunca me impediu de pensar pela minha cabeça e de ter um espírito crítico. Por isso, aponto, de forma leal, os erros e faltas de oportunidade, sempre que se justifique.
JN: Mas as suas relações com o Eng. Nunes tornaram-se mais tensas depois do último processo autárquico…
PX: Repare que no último processo autárquico eu desempenhava as funções de presidente do PSD/Bragança e, assim sendo, tinha a responsabilidade de procurar representar e defender até ao limite os interesses do PSD. Sempre entendi e continuo a entender que não vale tudo para ganhar, a todo o custo, eleições, por isso dialoguei e debati com Jorge Nunes, por vezes com grande intensidade, em torno da estratégia eleitoral e autárquica. É natural que desses momentos se gerem algumas distâncias, mas encaro isso com normalidade.
JN: Há quem atribua esse distanciamento à sua intenção de ser vereador na Câmara…
PX: Sinto-me e sempre me senti bem no meu papel de presidente de Junta de Freguesia da Sé, junto das pessoas que me elegeram e que considero minhas amigas. Mas acerca da eventual ida para vereador, em torno dessa questão criou-se uma mistificação que serviu, apenas, o propósito oculto de alguns, que talvez um dia mais tarde possa explicar melhor. O que lhe posso dizer, no entanto, é que não tendo sido convidado para integrar a lista da Câmara Municipal, recusei todos os convites que me foram feitos para ingressar nos mais diversos cargos e gabinetes da autarquia municipal.
JN: Ao longo dos últimos quatro anos liderou a estrutura local do PSD. Que avaliação faz do seu mandato?
PX: Avalio de forma positiva o mandato que as duas comissões políticas concelhias do PSD, que tive a honra de liderar, exerceram ao longo dos últimos quatro anos. Foram quatro anos difíceis para o PSD e para o País, mas creio que a forma dialogante e firme como exercemos funções acabou por saldar-se em resultados positivos para o partido e para o concelho, ainda que neste momento possam não ser inteiramente perceptíveis.
JN: Que resultados são esses?
PX: Além das vitórias eleitorais que conseguimos arrecadar para o PSD nas eleições europeias, legislativas (sem o candidato que gostaria de ter apoiado) e autárquicas, neste concelho; Conseguimos abrir o Partido à sociedade civil, reforçando a nossa implantação local, com aproximadamente um milhar de militantes inscritos nesta Secção local. Mas fizemos mais. Além dos trabalhos de renovação da sede distrital, tivemos oportunidade de renovar, também, as estruturas dirigentes chamando ao exercício de responsabilidades partidárias muita gente jovem com crédito e reconhecimento no seu meio social e profissional.
JN: Sentiu na pele alguma oposição interna?
PX: Naturalmente que sim. Não é possível, em nenhuma parte do mundo, fazer mudanças ou reformas, seja de pessoas, seja de políticas, sem que haja a resistência de quem ao longo dos anos se habituou ao conforto do status quo e à certeza do imobilismo. O PSD é desde a sua fundação um partido reformista e progressista, que não se pode compadecer, na sua acção, com as resistências que alguns, com posições mais confortáveis na vida, gostariam de garantir. A política não pode servir para que alguns possam afirmar-se na escala social, deve servir para a concretização de uma sociedade mais justa e perfeita. Foi neste princípio que, tal como Sá Carneiro, alicerçamos a nossa acção ao longo dos últimos quatro anos.
“Recusei todos os convites que me foram feitos para ingressar nos mais diversos cargos e gabinetes da autarquia municipal”
JN: Sentiu que os autarcas eleitos para a Câmara Municipal compreenderam e apoiaram a sua visão?
PX: Não creio que a Câmara, enquanto tal, tivesse que compreender ou apoiar a visão do líder do PSD/Bragança. No entanto, sempre entendi que os militantes com responsabilidades governativas no nosso concelho deveriam ter para com o PSD maior reconhecimento. Os partidos, não podem servir apenas de comités eleitorais para a distribuição de bandeiras e esferográficas. A relação entre os autarcas eleitos pelo PSD e o próprio PSD deve ser de colaboração, respeito, diálogo e solidariedade recíprocas, para a concretização do projecto político que não é de ninguém em particular, mas dos homens e mulheres do PSD e, também independentes, que se associaram à proposta social-democrata para o nosso concelho.
JN: E da parte de Jorge Nunes, teve alguma solidariedade?
PX: Não, nunca senti da parte do militante Jorge Nunes qualquer solidariedade ou abertura para dialogar acerca da política local. Fica a ideia que a execução do programa do PSD consiste num projecto pessoal de poder.
JN: Foi por esse motivo que não se recandidatou à liderança do PSD?
PX: Não, não foi por essa razão. Apesar dos estatutos do partido admitirem a minha recandidatura, sempre disse que só cumpriria dois mandatos, de forma consecutiva. Eu sempre fui e continuarei a ser um homem de palavra. Se afirmei que só cumpriria dois mandatos consecutivos, só tinha que o fazer.
Jornal Nordeste, 2010-07-21
«A localização do centro escolar de Santa Maria é absurda»
No rescaldo das eleições para a Comissão Concelhia de Bragança do PSD e num momento tenso em termos de reorganização da Rede Escolar, o presidente da Junta de Freguesia da Sé, Paulo Xavier, comenta as opções da Câmara Municipal de Bragança.
Numa entrevista recheada de recados, o autarca revela que nunca sentiu abertura da parte de Jorge Nunes para dialogar acerca da política local.
Jornal Nordeste (JN): O que pensa da reorganização que está a ser levada a cabo na Rede Escolar do concelho de Bragança?
Paulo Xavier (PX): Creio que este é mais um dos casos em que tive oportunidade de ter razão antes de tempo. Enquanto presidente da Junta de Freguesia da Sé expressei, na Assembleia Municipal de Bragança, durante o debate de aprovação da Carta Educativa, as minhas reservas acerca das opções preconizadas pela Câmara e pelo Conselho Municipal de Educação em torno da localização e dimensão dos novos centros escolares. Acredito hoje, como acreditava na altura, que esta opção de construir estas infra-estruturas não vem responder às necessidades das nossas comunidades educativas. A localização do centro escolar de Santa Maria é absurda e este equipamento encontra-se sobredimensionado, não servindo nem as famílias nem os alunos. No que se refere ao centro escolar da Sé, é exíguo para as necessidades da minha freguesia, que contínua a ter jardins de infância e escolas do 1º ciclo instalados em contentores, que, ao que parece, vão sobreviver a mais esta reforma da rede escolar! É inacreditável que uma “ecocidade” tenha crianças acomodadas nestas condições em pleno no Século XXI.
JN: Então não admite que estas crianças venham a ser encaminhadas para o Centro Escolar de Santa Maria?
PX: Não gostaria que tal acontecesse, mas creio que a decisão deve ser dos pais. A Câmara deve proporcionar às famílias respostas educativas próximas da respectiva área de residência. As crianças não podem ser responsabilizadas e pagar os erros e opções políticas de outros. Os alunos não podem servir para justificar absurdos e corrigir erros. Esta freguesia sempre se oporá à política de “encher” equipamentos mal pensados!
JN: A Associação de Pais do Agrupamento Augusto Moreno promoveu um abaixo-assinado, contestando o possível encerramento da Escola do Toural. Apoiou esta iniciativa?
PX: Creio que esta iniciativa, que desde o seu início teve o apoio e solidariedade da Junta de Freguesia da Sé, revela o estado de amadurecimento e consciência cívica que se desenvolveram em Bragança, nos últimos anos, e serve de exemplo para outras matérias. Aliás, penso que a causa da Associação de Pais tem mérito e devia ser acolhida, pela Câmara Municipal e pela Equipa de Apoio às Escolas, que deveriam abraçar uma estratégia de diálogo e concertação de posições, em defesa dos interesses das crianças e suas famílias. Não consigo compreender como puderam os responsáveis locais perder tanto tempo em troca de acusações públicas, alijando responsabilidades, em vez de coordenarem esforços na defesa dos interesses do concelho, que, em ambos os casos, estão muito acima dos interesses partidários e vaidades pessoais.
JN: Acredita que a escola do Toural vai encerrar?
PX: Acredito que prevalecerá o bom-senso. Não faz sentido que se encerre uma escola, recentemente requalificada e com boas condições, e se mantenham abertas as escolas com salas em contentores. Aliás, a senhora ministra da Educação afirmou que só encerrarão as escolas que mereçam a concordância das Câmaras Municipais. Assim, não creio que a Câmara de Bragança, tendo gasto muitos milhares de euros na escola do Toural, dê luz verde e concorde com o encerramento deste equipamento.
“Não faz sentido que se encerre uma escola [do Toural],
recentemente requalificada
e com boas condições, e se mantenham abertas as escolas com salas em contentores”
JN: Concorda com os critérios que são usados para encerrar escolas no concelho, nomeadamente o número de alunos?
PX: Acredito que todas as reformas e mudanças tendem a ser polémicas e a gerar resistências. Entendo, porém, que sempre que as mudanças ajudem ao desenvolvimento e prosperidade das comunidades locais devem ser debatidas e explicadas para que se gerem os maiores consensos possíveis. No caso vertente, nem o Estado nem as autarquias municipais têm procurado explicar às pessoas o sentido das reformas, apresentando a questão do encerramento confrontada com a mera questão do não encerramento. Nesta matéria devemos ser mais exigentes e nesse sentido devemos procurar compreender o que melhor pode servir os interesses das crianças e das suas famílias, designadamente na dinâmica do processo de ensino/aprendizagem. Esse deve ser o nosso critério de prioridade.
JN: Mas compreende a posição da Câmara Municipal de Bragança neste processo?
PX: Com toda a honestidade, eu ainda não percebi, sequer, se a CMB tem uma posição. Repare, a Câmara no âmbito da sua intervenção na Associação de Municípios da Terra Fria e da Comunidade Intermunicipal de Trás-os-Montes concorda com o encerramento de escolas com menos de vinte alunos. Mas, à comunicação social, em Bragança, protesta contra o encerramento de algumas escolas que têm menos de vinte alunos. Não faz sentido! A CMB deve ter uma posição séria e rigorosa nesta matéria, procurando concertar soluções entre os estabelecimentos de ensino, as famílias e a Administração Central. Até ao momento ainda não o fez, até porque a premissa inicial para que isso possa acontecer passa pela clarificação da posição municipal, que pelas razões que referi é pouco mais do que errática e incoerente.
JN: Revê-se nas posições assumidas pelos seus colegas presidentes de Junta?
PX: Compreendo as posições dos meus colegas como sendo corajosas e consentâneas com a vontade maioritária das suas populações. Mas penso, também, que este processo de reorganização da rede escolar terá que servir para reflectir acerca de assuntos fundamentais para a governação das nossas terras. Penso que os presidentes de Junta de Freguesia deveriam ter sido chamados há muito tempo para debater as questões relacionadas com a evolução da rede escolar no concelho e a própria estratégia educativa municipal.
JN: E isso não aconteceu? Porquê?
PX: Não. A primeira de todas as razões prende-se com o facto de não ser habitual auscultar previamente todos os presidentes de Junta antes da tomada de posições. É pena, porque o nosso contributo poderia ser valioso, pela proximidade que temos com as pessoas. A segunda razão prende-se com a necessária reflexão em torno de um problema mais profundo que consiste na morte lenta das nossas comunidades, apesar de termos vivido, nos últimos 13 anos, o maior ciclo de investimentos no nosso concelho!
JN: Já que falou em investimentos, pergunto-lhe se concorda com as obras realizadas pela CMB nos últimos anos?
PX: Naturalmente que sim. Passei os últimos doze anos a defender muitos dos investimentos que a CMB vem concretizando. Fi-lo na Assembleia Municipal e fi-lo junto dos nossos concidadãos, ao lado de António Jorge Nunes, que tenho a honra de acompanhar neste percurso autárquico. Mas o facto de ter apoiado e continuar a apoiar a estratégia do Eng. Nunes para a cidade e para o concelho, nunca me impediu de pensar pela minha cabeça e de ter um espírito crítico. Por isso, aponto, de forma leal, os erros e faltas de oportunidade, sempre que se justifique.
JN: Mas as suas relações com o Eng. Nunes tornaram-se mais tensas depois do último processo autárquico…
PX: Repare que no último processo autárquico eu desempenhava as funções de presidente do PSD/Bragança e, assim sendo, tinha a responsabilidade de procurar representar e defender até ao limite os interesses do PSD. Sempre entendi e continuo a entender que não vale tudo para ganhar, a todo o custo, eleições, por isso dialoguei e debati com Jorge Nunes, por vezes com grande intensidade, em torno da estratégia eleitoral e autárquica. É natural que desses momentos se gerem algumas distâncias, mas encaro isso com normalidade.
JN: Há quem atribua esse distanciamento à sua intenção de ser vereador na Câmara…
PX: Sinto-me e sempre me senti bem no meu papel de presidente de Junta de Freguesia da Sé, junto das pessoas que me elegeram e que considero minhas amigas. Mas acerca da eventual ida para vereador, em torno dessa questão criou-se uma mistificação que serviu, apenas, o propósito oculto de alguns, que talvez um dia mais tarde possa explicar melhor. O que lhe posso dizer, no entanto, é que não tendo sido convidado para integrar a lista da Câmara Municipal, recusei todos os convites que me foram feitos para ingressar nos mais diversos cargos e gabinetes da autarquia municipal.
JN: Ao longo dos últimos quatro anos liderou a estrutura local do PSD. Que avaliação faz do seu mandato?
PX: Avalio de forma positiva o mandato que as duas comissões políticas concelhias do PSD, que tive a honra de liderar, exerceram ao longo dos últimos quatro anos. Foram quatro anos difíceis para o PSD e para o País, mas creio que a forma dialogante e firme como exercemos funções acabou por saldar-se em resultados positivos para o partido e para o concelho, ainda que neste momento possam não ser inteiramente perceptíveis.
JN: Que resultados são esses?
PX: Além das vitórias eleitorais que conseguimos arrecadar para o PSD nas eleições europeias, legislativas (sem o candidato que gostaria de ter apoiado) e autárquicas, neste concelho; Conseguimos abrir o Partido à sociedade civil, reforçando a nossa implantação local, com aproximadamente um milhar de militantes inscritos nesta Secção local. Mas fizemos mais. Além dos trabalhos de renovação da sede distrital, tivemos oportunidade de renovar, também, as estruturas dirigentes chamando ao exercício de responsabilidades partidárias muita gente jovem com crédito e reconhecimento no seu meio social e profissional.
JN: Sentiu na pele alguma oposição interna?
PX: Naturalmente que sim. Não é possível, em nenhuma parte do mundo, fazer mudanças ou reformas, seja de pessoas, seja de políticas, sem que haja a resistência de quem ao longo dos anos se habituou ao conforto do status quo e à certeza do imobilismo. O PSD é desde a sua fundação um partido reformista e progressista, que não se pode compadecer, na sua acção, com as resistências que alguns, com posições mais confortáveis na vida, gostariam de garantir. A política não pode servir para que alguns possam afirmar-se na escala social, deve servir para a concretização de uma sociedade mais justa e perfeita. Foi neste princípio que, tal como Sá Carneiro, alicerçamos a nossa acção ao longo dos últimos quatro anos.
“Recusei todos os convites que me foram feitos para ingressar nos mais diversos cargos e gabinetes da autarquia municipal”
JN: Sentiu que os autarcas eleitos para a Câmara Municipal compreenderam e apoiaram a sua visão?
PX: Não creio que a Câmara, enquanto tal, tivesse que compreender ou apoiar a visão do líder do PSD/Bragança. No entanto, sempre entendi que os militantes com responsabilidades governativas no nosso concelho deveriam ter para com o PSD maior reconhecimento. Os partidos, não podem servir apenas de comités eleitorais para a distribuição de bandeiras e esferográficas. A relação entre os autarcas eleitos pelo PSD e o próprio PSD deve ser de colaboração, respeito, diálogo e solidariedade recíprocas, para a concretização do projecto político que não é de ninguém em particular, mas dos homens e mulheres do PSD e, também independentes, que se associaram à proposta social-democrata para o nosso concelho.
JN: E da parte de Jorge Nunes, teve alguma solidariedade?
PX: Não, nunca senti da parte do militante Jorge Nunes qualquer solidariedade ou abertura para dialogar acerca da política local. Fica a ideia que a execução do programa do PSD consiste num projecto pessoal de poder.
JN: Foi por esse motivo que não se recandidatou à liderança do PSD?
PX: Não, não foi por essa razão. Apesar dos estatutos do partido admitirem a minha recandidatura, sempre disse que só cumpriria dois mandatos, de forma consecutiva. Eu sempre fui e continuarei a ser um homem de palavra. Se afirmei que só cumpriria dois mandatos consecutivos, só tinha que o fazer.
Jornal Nordeste, 2010-07-21
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Entrevista com Americo Pereira, presidente da Câmara de Vinhais
«O Parque nada nos dá»
Entrevista com Americo Pereira, presidente da Câmara de Vinhais
Apesar de ser eleito pelo partido do Governo, o presidente da Câmara Municipal de Vinhais, Américo Pereira, é o mais crítico autarca da região face às políticas de ordenamento traçadas pelo Governo de José Sócrates.
Garante que não há qualquer ruptura com o partido, mas fidelidade à população que o elegeu. “Não sou nenhum cordeiro nem muito menos carneiro. Só sigo o rebanho quando está no bom caminho, mas não é o caso”, avisa.
Em rota de colisão com o ICNB, o edil recorda que “se a natureza e a biodiversidade estão conservadas como estão, é porque os nossos pais e avós souberam fazer esse trabalho bem feito (…) não foram precisos doutores para lhes explicar o bom uso do solo”.
Jornal Nordeste (JN): O assunto “áreas protegidas”, planos de ordenamento dos parques e taxas parece que está mais quente que o próprio Verão?
Américo Pereira (AP): Muito mais quente e muito mais actual. Há todo um conjunto de legislação que teve o seu início com o Governo de Durão Barroso e que este Governo deu continuidade, que prejudica gravemente todo o interior do País, nomeadamente as regiões integradas em áreas protegidas, como é o caso do Parque Natural de Montesinho que integra os concelhos de Vinhais e Bragança.
JN: Em termos práticos, quais são os principais problemas?
AP: A questão é muito complexa e por isso tem que ser bem “esmiuçada”. O problema não tem nada a ver com os dirigentes, não tem a ver com a direcção do ICNB, com os dirigentes dos Parques e muito menos com os funcionários. Aliás, quero-lhe dizer que da parte dessas pessoas, até tem havido uma grande abertura e um relacionamento normalíssimo.
O problema começa exactamente quando se fez uma Lei (novo regime da biodiversidade e organização do ICNB) que aponta para uma forte limitação de todo o tipo de actividades, que restringe o aproveitamento das terras, que dificulta ou quase restringe a construção em zonas rurais e que conduz à desertificação. E portanto os pontos da discórdia são três, fundamentalmente: necessidade das populações participarem na gestão das áreas protegidas, restrições às actividades económicas e agrícolas e taxas aplicadas pelo ICNB.
JN: Quer com isto dizer que as populações continuam a não participar na gestão das áreas protegidas?
AP: Exactamente. No regime jurídico anterior as populações, através dos seus legítimos representantes que são os autarcas, participavam na gestão, na direcção do Parque, acompanhando e decidindo os processos. Hoje isso acabou. Com a reorganização do ICNB, o Parque de Montesinho deixou de ter uma direcção e depende de uma direcção sedeada em Braga, ao mesmo tempo que nós não somos ouvidos nem achados. Já está a ver o que isto dá. Quando se deveria caminhar para um processo de decisão de proximidade, com pessoas que conhecem a região, não, faz-se ao contrário. Por outro lado, não se percebe como é possível intervir em milhares de hectares que são propriedade privada, sem que os donos dos terrenos tenham uma palavra a dizer. Sinceramente não percebo como é possível um senhor em Braga dizer a um agricultor da Mofreita, por exemplo, que não pode transformar um lameiro num souto de castanheiros, e ainda lhe aplicar uma taxa por querer trabalhar no que é dele. Enfim, uma tontaria…
JN: E quais os reflexos destas medidas nas actividades económicas e na construção?
AP: Aí as coisas são ainda mais graves. Se alguém quiser construir um estábulo ou uma casa fora do perímetro urbano, está tramado. O índice de ocupação do solo baixou, tem que ter pelo menos um terreno com 2 hectares e tem que ser agricultor e contar ainda com a RAN, REN, etc, etc.
A maior parte dos países da Europa têm e aplicam medidas que visam a coesão social, o combate às assimetrias regionais e algumas dessas medidas, passam pela ocupação dos solos rurais, pelo incremento da agricultura nas zonas de montanha, pelo fomento de segunda habitação, marcando assim a diferença no que diz respeito à qualidade de vida. Aqui acontece exactamente ao contrário.
Tudo está preparado para que as pessoas abandonem os campos e as zonas rurais. Como se isto não chegasse, avançam com um conjunto de taxas que as pessoas têm que pagar pelo simples facto de terem que pedir parecer ao Parque para realizarem em uma simples festa numa aldeia, taxa essa que custa mais que os foguetes da festa, ou para vedar um lameiro, por exemplo.
“Com a reorganização do ICNB, o Parque de Montesinho deixou de ter uma direcção e depende de uma direcção sedeada em Braga, ao mesmo tempo que nós não somos ouvidos nem achados”
Alguém percebe que os próprios proprietários, os residentes, tenham que pagar para utilizarem normalmente o que lhes pertence?
Quando se paga uma taxa recebemos algo em troca. Ora, não há nada a pagar ao Parque porque nada nos dá.
JN: Acha que a preservação da natureza e da biodiversidade é compatível com qualidade de vida e com o desenvolvimento económico?
AP: Claro que é, nem pode ser de outra forma. Parece-me até que viver no Parque deveria ser uma espécie de pequeno luxo, algo de muito bom e desejável, mas na verdade é exactamente ao contrário. O que vejo é toda a gente descontente.
Se a natureza e a biodiversidade estão conservadas como estão, é porque os nossos pais e avós souberam fazer esse trabalho bem feito, utilizando e cultivando as terras muito mais que agora, com uma pressão muito maior e não precisavam de planos de ordenamento nem de leis. Não foram precisos doutores para lhes explicar o bom uso do solo.
De uma vez por todas há que perceber que os mais interessados na conservação da natureza são as próprias pessoas que residem nos parques e os autarcas, que em vez disso são tratados como uns criminosos que não sabem o que fazem.
“Sinceramente não percebo como é possível um senhor em Braga dizer a um agricultor da Mofreita que não pode transformar um lameiro num souto de castanheiros, e ainda lhe aplicar uma taxa por querer trabalhar no que é dele”
JN: Qual tem sido o papel da Associação Nacional de Municípios em todo este processo de contestação, em especial da secção de municípios com áreas protegidas, da qual é presidente?
AP: Este já é um problema nacional. Não conheço nenhum município que se reveja nesta actual legislação, exactamente porque todos concordamos e grandes especialistas também, que este não é o caminho, pois empobrece as regiões e não protege a natureza. Os territórios só são territórios se tiverem pessoas e que desenvolvam actividades agrícolas e económicas rentáveis que lhes permitam ter qualidade de vida. E nessa medida a secção de municípios com áreas protegidas tem feito uma grande pressão, várias reuniões e apresentou propostas, no sentido de demonstrarmos que estamos todos do mesmo lado, embora com opções de trajecto diferentes.
Da parte da Senhora Ministra do Ambiente tem havido uma grande abertura e neste momento está aberta a porta para alterar os Planos de Ordenamento e demais legislação nomeadamente as taxas.
JN: O senhor é um militante do partido do Governo, mas tem sido o autarca da região mais activo no combate às políticas de ordenamento traçadas pelo governo de José Sócrates. Há aqui alguma ruptura?
AP: Sou militante do PS com provas dadas de grande empenho como demonstram os resultados eleitorais alcançados em Vinhais, mas não sou nenhum cordeiro nem muito menos carneiro. Só sigo o rebanho quando está no bom caminho, mas não é o caso.
Aliás, o próprio presidente da Federação do PS, em tempos, foi claro ao discordar publicamente do Plano de Ordenamento do Parque. E não se trata de pessoas, pois o Governo está disponível para mudar a legislação. O problema é que em consequência de uma reestruturação legislativa, repito, iniciada e delineada pelo governo de Durão Barroso, foi-se longe demais na regulamentação das directivas comunitárias e agora temos isto.
Quero até dizer-lhe que qualquer autarca ou cidadão responsável, e perante o que se está a passar, não pode ficar calado nem quieto. É uma questão de consciência e de responsabilidade política. Afinal porque se estão a fazer as estradas, os saneamentos e todas as outras obras nas zonas rurais, se ao mesmo tempo não permitimos que as pessoas aí residam? É um contra-senso e algo que jamais aceitarei.
Jornal Nordeste, 2010-07-29
Entrevista com Americo Pereira, presidente da Câmara de Vinhais
Apesar de ser eleito pelo partido do Governo, o presidente da Câmara Municipal de Vinhais, Américo Pereira, é o mais crítico autarca da região face às políticas de ordenamento traçadas pelo Governo de José Sócrates.
Garante que não há qualquer ruptura com o partido, mas fidelidade à população que o elegeu. “Não sou nenhum cordeiro nem muito menos carneiro. Só sigo o rebanho quando está no bom caminho, mas não é o caso”, avisa.
Em rota de colisão com o ICNB, o edil recorda que “se a natureza e a biodiversidade estão conservadas como estão, é porque os nossos pais e avós souberam fazer esse trabalho bem feito (…) não foram precisos doutores para lhes explicar o bom uso do solo”.
Jornal Nordeste (JN): O assunto “áreas protegidas”, planos de ordenamento dos parques e taxas parece que está mais quente que o próprio Verão?
Américo Pereira (AP): Muito mais quente e muito mais actual. Há todo um conjunto de legislação que teve o seu início com o Governo de Durão Barroso e que este Governo deu continuidade, que prejudica gravemente todo o interior do País, nomeadamente as regiões integradas em áreas protegidas, como é o caso do Parque Natural de Montesinho que integra os concelhos de Vinhais e Bragança.
JN: Em termos práticos, quais são os principais problemas?
AP: A questão é muito complexa e por isso tem que ser bem “esmiuçada”. O problema não tem nada a ver com os dirigentes, não tem a ver com a direcção do ICNB, com os dirigentes dos Parques e muito menos com os funcionários. Aliás, quero-lhe dizer que da parte dessas pessoas, até tem havido uma grande abertura e um relacionamento normalíssimo.
O problema começa exactamente quando se fez uma Lei (novo regime da biodiversidade e organização do ICNB) que aponta para uma forte limitação de todo o tipo de actividades, que restringe o aproveitamento das terras, que dificulta ou quase restringe a construção em zonas rurais e que conduz à desertificação. E portanto os pontos da discórdia são três, fundamentalmente: necessidade das populações participarem na gestão das áreas protegidas, restrições às actividades económicas e agrícolas e taxas aplicadas pelo ICNB.
JN: Quer com isto dizer que as populações continuam a não participar na gestão das áreas protegidas?
AP: Exactamente. No regime jurídico anterior as populações, através dos seus legítimos representantes que são os autarcas, participavam na gestão, na direcção do Parque, acompanhando e decidindo os processos. Hoje isso acabou. Com a reorganização do ICNB, o Parque de Montesinho deixou de ter uma direcção e depende de uma direcção sedeada em Braga, ao mesmo tempo que nós não somos ouvidos nem achados. Já está a ver o que isto dá. Quando se deveria caminhar para um processo de decisão de proximidade, com pessoas que conhecem a região, não, faz-se ao contrário. Por outro lado, não se percebe como é possível intervir em milhares de hectares que são propriedade privada, sem que os donos dos terrenos tenham uma palavra a dizer. Sinceramente não percebo como é possível um senhor em Braga dizer a um agricultor da Mofreita, por exemplo, que não pode transformar um lameiro num souto de castanheiros, e ainda lhe aplicar uma taxa por querer trabalhar no que é dele. Enfim, uma tontaria…
JN: E quais os reflexos destas medidas nas actividades económicas e na construção?
AP: Aí as coisas são ainda mais graves. Se alguém quiser construir um estábulo ou uma casa fora do perímetro urbano, está tramado. O índice de ocupação do solo baixou, tem que ter pelo menos um terreno com 2 hectares e tem que ser agricultor e contar ainda com a RAN, REN, etc, etc.
A maior parte dos países da Europa têm e aplicam medidas que visam a coesão social, o combate às assimetrias regionais e algumas dessas medidas, passam pela ocupação dos solos rurais, pelo incremento da agricultura nas zonas de montanha, pelo fomento de segunda habitação, marcando assim a diferença no que diz respeito à qualidade de vida. Aqui acontece exactamente ao contrário.
Tudo está preparado para que as pessoas abandonem os campos e as zonas rurais. Como se isto não chegasse, avançam com um conjunto de taxas que as pessoas têm que pagar pelo simples facto de terem que pedir parecer ao Parque para realizarem em uma simples festa numa aldeia, taxa essa que custa mais que os foguetes da festa, ou para vedar um lameiro, por exemplo.
“Com a reorganização do ICNB, o Parque de Montesinho deixou de ter uma direcção e depende de uma direcção sedeada em Braga, ao mesmo tempo que nós não somos ouvidos nem achados”
Alguém percebe que os próprios proprietários, os residentes, tenham que pagar para utilizarem normalmente o que lhes pertence?
Quando se paga uma taxa recebemos algo em troca. Ora, não há nada a pagar ao Parque porque nada nos dá.
JN: Acha que a preservação da natureza e da biodiversidade é compatível com qualidade de vida e com o desenvolvimento económico?
AP: Claro que é, nem pode ser de outra forma. Parece-me até que viver no Parque deveria ser uma espécie de pequeno luxo, algo de muito bom e desejável, mas na verdade é exactamente ao contrário. O que vejo é toda a gente descontente.
Se a natureza e a biodiversidade estão conservadas como estão, é porque os nossos pais e avós souberam fazer esse trabalho bem feito, utilizando e cultivando as terras muito mais que agora, com uma pressão muito maior e não precisavam de planos de ordenamento nem de leis. Não foram precisos doutores para lhes explicar o bom uso do solo.
De uma vez por todas há que perceber que os mais interessados na conservação da natureza são as próprias pessoas que residem nos parques e os autarcas, que em vez disso são tratados como uns criminosos que não sabem o que fazem.
“Sinceramente não percebo como é possível um senhor em Braga dizer a um agricultor da Mofreita que não pode transformar um lameiro num souto de castanheiros, e ainda lhe aplicar uma taxa por querer trabalhar no que é dele”
JN: Qual tem sido o papel da Associação Nacional de Municípios em todo este processo de contestação, em especial da secção de municípios com áreas protegidas, da qual é presidente?
AP: Este já é um problema nacional. Não conheço nenhum município que se reveja nesta actual legislação, exactamente porque todos concordamos e grandes especialistas também, que este não é o caminho, pois empobrece as regiões e não protege a natureza. Os territórios só são territórios se tiverem pessoas e que desenvolvam actividades agrícolas e económicas rentáveis que lhes permitam ter qualidade de vida. E nessa medida a secção de municípios com áreas protegidas tem feito uma grande pressão, várias reuniões e apresentou propostas, no sentido de demonstrarmos que estamos todos do mesmo lado, embora com opções de trajecto diferentes.
Da parte da Senhora Ministra do Ambiente tem havido uma grande abertura e neste momento está aberta a porta para alterar os Planos de Ordenamento e demais legislação nomeadamente as taxas.
JN: O senhor é um militante do partido do Governo, mas tem sido o autarca da região mais activo no combate às políticas de ordenamento traçadas pelo governo de José Sócrates. Há aqui alguma ruptura?
AP: Sou militante do PS com provas dadas de grande empenho como demonstram os resultados eleitorais alcançados em Vinhais, mas não sou nenhum cordeiro nem muito menos carneiro. Só sigo o rebanho quando está no bom caminho, mas não é o caso.
Aliás, o próprio presidente da Federação do PS, em tempos, foi claro ao discordar publicamente do Plano de Ordenamento do Parque. E não se trata de pessoas, pois o Governo está disponível para mudar a legislação. O problema é que em consequência de uma reestruturação legislativa, repito, iniciada e delineada pelo governo de Durão Barroso, foi-se longe demais na regulamentação das directivas comunitárias e agora temos isto.
Quero até dizer-lhe que qualquer autarca ou cidadão responsável, e perante o que se está a passar, não pode ficar calado nem quieto. É uma questão de consciência e de responsabilidade política. Afinal porque se estão a fazer as estradas, os saneamentos e todas as outras obras nas zonas rurais, se ao mesmo tempo não permitimos que as pessoas aí residam? É um contra-senso e algo que jamais aceitarei.
Jornal Nordeste, 2010-07-29
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Re: Estamos a ouvi-lo(a)
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"Mérito de encontrar solução para a Vivo foi da PT"
por JOÃO CÉU E SILVA e NUNO SARAIVAHoje
Após o anúncio do meganegócio com a Telefónica, no dia em que se celebravam 12 anos sobre a compra da Vivo, o presidente executivo da PT revela os bastidores da maior disputa em que uma empresa portuguesa esteve envolvida. A intervenção do Governo, a diplomacia económica e a luta dos accionistas.
A venda da Vivo e a entrada na Oi foi um melhor negócio para os accionistas do que para a PT?
PT é dos accionistas, que numa Assembleia Geral decidiram que deveriam vender a Vivo a um valor x. Provavelmente, a 6,5 mil milhões teriam decidido não vender.
Mas foi um bom negócio para a PT?
Sim, porque vendeu-se a Vivo por um valor que é reconhecido por todos como extremamente atractivo e houve uma realização de valor importantíssima para a PT.
Mas não venderam pelo valor que estava proposto...
Venderam mais alto ainda! Correu-se o risco de ficarmos numa situação em que a PT pudesse até vender aquele activo mais baixo quando a Telefónica retira a proposta. Uma parte do mercado ficou preocupada também que com o processo de litigação pudesse resultar nisso.
Foi o seu caso?
Eu não fiquei preocupado porque desde o início considerámos que as ameaças que tinham sido feitas pela Telefónica não passavam de táctica negocial. Temos estilos diferentes - ninguém pode levar a mal - e o deles pautou por ser um discurso bastante hostil. Achámos que era táctico o não terem dado uma extensão à PT quando o Conselho de Administração solicitou mais 12 dias.
Esses 12 dias foram um risco calculado porque sabia que o diálogo não estava interrompido?
Sabíamos que tínhamos de resolver isto rapidamente, porque sendo estas empresas cotadas não podemos ter processos como este abertos por um tempo indeterminado. A incerteza no mercado gera desconto, e este destrói valor. Como a Telefónica trabalha para criar valor, e o caminho da litigação iria destruí-lo, seria penoso para ambas as partes fazê-lo.
Mesmo com valores tão altos em jogo?
Porque iria fazer que a Vivo fosse impactada e a Portugal Telecom iria fazer tudo para que tal não acontecesse. A situação de os dois accionistas controladores não se entenderem iria ter reflexos no negócio, até porque o Brasil é muito competitivo e podia levar à perda de quota e de valor da Vivo. Por isso, tínhamos de ser rápidos, para um lado ou para o outro.
No dia do veto da golden share, entendeu que Ricardo Salgado não se posicionaria contra mas que poderia convergir numa solução futura?
Somos uma empresa cotada e há uma gestão profissional. Eu fui bastante claro: a golden share é um tema do Conselho de Administração da PT e, nesse contexto, temos de ser fiéis aos nossos valores. Que são muito claros: a empresa é dos accionistas e temos de respeitar os estatutos da PT e a independência dos vários órgãos. Neste caso, o que se viu foi que a Mesa da Assembleia Geral teve um entendimento diferente do do Conselho de Administração.
Deixou sempre perceber que esta operação não era do género em que a golden share deveria ser accionada!
Não é uma opinião minha mas do Conselho de Administração da PT. O primeiro-ministro até deu uma entrevista ao El País em que diz que respeitava a minha opinião - leia-se, do Conselho - mas também temos de respeitar a dele. No fim, a opinião que importa é a do presidente da Mesa, que considerou que a golden share seria aplicável.
Acha que a utilização pelo Governo da golden share poderia ter sido prejudicial para o negócio?
O que posso dizer é que o que anunciámos [a venda da Vivo] esta semana foi bem recebido pelo mercado. Que incorporou duas coisas muito importantes: o valor oferecido pela Telefónica é extremamente generoso, provavelmente o mais alto já pago no sector das telecomunicações; e a Comissão Executiva e o Conselho de Administração tudo fizeram para encontrar uma boa solução para todos e viabilizou a transacção que os accionistas tinham votado.
Com o empurrão da golden share?
A golden share permitiu estarmos com um preço em cima da mesa que é melhor do que o que esteve na Assembleia Geral. Permitiu também colocar a fasquia alta porque é preciso garantir escala para a PT, e a transacção da Oi resolve esse problema estratégico. Por isso, o mercado elogiou tanto o negócio.
A venda da Vivo não se consumaria imediatamente. A PT não teria, com ou sem veto, tempo para se posicionar na Oi?
No mundo dos negócios, o timing é das coisas mais importantes que existem. A Oi estaria lá sempre, mas se a PT não tivesse tomado uma decisão rápida talvez iniciássemos um processo de litigação com a Telefónica por três a cinco anos e não tivéssemos oportunidade para poder fazer nada. O que se viu foi que a Portugal Telecom sempre negociou a venda da Vivo numa posição de força porque nunca quisemos vender a Vivo; sempre considerámos o Brasil estratégico e não precisamos de dinheiro.
Quando deixou a Vivo de ser um activo essencial para a PT?
A Vivo nunca deixou de o ser. Houve uma oferta irrecusável por parte dos accionistas da PT, e ninguém deve levar a mal o que eles pensam.
Enquanto defendia o interesse accionista, resistindo à pressão do preço da Telefónica, gostou de ver Ricardo Salgado e Nuno Vascon- celos a falar com a Telefónica em paralelo?
Não vou comentar esses temas, e acho que muito já foi dito sobre isso.
Não fragilizou a posição da PT?
Não. Os accionistas quando falam é para fazer bem às empresas nas quais têm capital. Por isso trabalho sempre com base nos pressupostos de que a empresa é dos accionistas e que estamos cá para os servir.
Nem se sentiu incomodado?
Nada! Acho que neste processo o Conselho de Administração mostrou um nível de coesão exemplar num período muito enervante, porque estamos a falar de muito dinheiro. As pessoas falam com alguma ligeireza sobre "podia-se dizer não a isto ou àquilo" mas há imensa gente que tem muito dinheiro investido na PT, para além do interesse estratégico da PT para o País.
Notou-se alguma divergência entre as suas posições e as de Henrique Granadeiro.
Não, nunca. Estivemos sempre de mão dada. Naturalmente que Henrique Granadeiro é na PT a pessoa que mantém a relação com a golden share e o âmbito de preocupação que tem é mais abrangente do que o meu nesse aspecto. Acho que temos uma convivência até bastante atípica de chairman/CEO porque já foi meu presidente, eu já fui presidente dele, e fomos colegas. Ou seja, estivemos nas trincheiras juntos e sem o formalismo que caracteriza essas relações noutras empresas.
A relação com a golden share por parte de Henrique Granadeiro facilitou a concretização do negócio?
O presidente da Mesa da Assembleia Geral considerou que o artigo 15 era aplicável e a golden share foi exercida. Definiu um objectivo, expressou uma preocupação. O que nos cabe fazer? Ser pragmáticos, ir para o terreno e dizer "como consigo endereçar estas preocupações?" Fizemo-lo e acreditamos que a Oi pode ser uma solução. Talvez não seja a única, mas no mercado brasileiro acreditamos que será.
Diz que a activação da golden share serviu para aumentar o preço e dar tempo à PT para se organizar no sentido de arranjar uma alternativa de escala e crescimento no Brasil. Isso teria acontecido sem o seu uso?
No mundo dos negócios, há sempre um tempo para as coisas acontecerem. Hoje, estamos confrontados com um facto e não faz sentido especular mais sobre isso. O facto é que em 30 dias foram criadas condições para a PT encontrar uma solução que agradou a todas as partes. Este é um mérito da PT, porque o conseguiu.
Esse não é um mérito da golden share mas da PT...
Repito, foi criada uma situação na Assembleia Geral. A solução mais simples era vender nessa altura mas, na maior parte das vezes, a solução mais simples não é necessariamente a melhor! Basta ver como a comunicação social retratou bem o resultado nesta semana, para se entender que a resolução deste tema da Portugal Telecom tem muitos vencedores. Essa é a parte positiva.
O que é muito raro num negócio desta dimensão?
Fico muito contente por poder dizer que a golden share está satisfeita porque sente que a PT é uma empresa com escala, que vai manter um projecto internacional ambicioso e que as condições que foram criadas foram suficientes para se sentir confortável com a transacção. Fico satisfeito em ver os meus accionistas a dizer "se dia 30 tínhamos vendido por um preço, agora conseguimos um ainda melhor!".
Mesmo que parcelado?
Uma parte do dinheiro vem diferida no tempo, mas conseguimos um preço de referência ainda maior! Fico contente ao ouvir os trabalhadores dizerem "as nossas cinco metas continuam intactas". Já recebi não sei quantos e-mails e sms de colaboradores a dizer "grande desafio esse da Oi, conte comigo!" Os desafios são muito bons para as empresas.
A golden share serviu, neste caso, para garantir os interesses da empresa e dos accionistas?
Não estou de acordo com essa leitura. É uma leitura malandra que está a fazer - entendo-a, mas não acho que esteja correcta. Vi alguém na televisão a dizer "têm de explicar porque é que a PT é uma empresa estratégica para o País". Essa pessoa tem de olhar para o relatório e contas da PT e ver qual é o volume de negócios e quantas pessoas empregamos directa e indirectamente! O talento não vai atrás de onde há trabalho mas de comunidades e de lugares onde as pessoas se sentem à vontade e encontram boas condições de vida.
A venda da Vivo esteve em perigo?
Quando, no dia 16, a Telefónica decidiu não estender a oferta foram muitas as pessoas que disseram que "a probabilidade de a transacção da Vivo acontecer é um terço". Quem conhece a situação da Oi sabe que a probabilidade de alguma empresa conseguir entrar naquele núcleo de controlo era mínima. Ou seja, o que estava em curso tinha uma probabilidade de 10% na melhor das hipóteses, e conseguimos fazê-lo em tempo absolutamente recorde. Nestes 30 dias encontrou-se uma solução que era boa para todas as partes e, por isso, pode dizer-se que estamos num projecto em que todos se sentem vencedores.
Que não era expectável a seguir à Assembleia Geral?
Eu disse imediatamente a seguir à Assembleia Geral: "Vamos continuar a trabalhar para fazer o melhor para todos os accionistas." Naturalmente, quando falamos de todos os accionistas não podemos descurar o accionista que tem direitos especiais, e acho que conseguimos fazê-lo também. Foi fruto de um trabalho de equipa enorme da Comissão, da Administração e também dos accionistas da PT, que ajudaram muito.
Que teve um final feliz?
E nada melhor do que o que aconteceu. Dá-me um prazer enorme ver Sócrates contente, Ricardo Salgado contente, a Ongoing contente, os meus fundos internacionais contentes... A direcção é a mesma, o caminho é outro, vamos celebrar o resultado final em vez de lamuriar. Conseguimos transformar algo que foi visto como uma contrariedade numa oportunidade para fazer o melhor para todas as partes. Vamos virar a página.
A OPA da Telefónica sobre a PT está posta definitivamente de parte ou ainda é um próximo passo?
Falou-se bastante na OPA no contexto da operação da Vivo e, num determinado momento, até deram uma entrevista no Financial Times em que afloravam essa hipótese. O tema da Vivo está resolvido, daqui a 60 dias a Vivo estará vendida, e penso que esse capítulo está encerrado. O contexto em que a Telefónica falou nisso já mudou.
Não haverá, em princípio, mais essa pretensão por parte da Telefónica?...
Uma empresa cotada está sempre sujeita a OPA! Se não demonstrarmos ao mercado e aos nossos accionistas que somos uma equipa de gestão que consegue criar valor acima da média, então teremos um problema. Se, como empresa, não conseguirmos justificar ao mercado que estamos a gerir os activos para maximizar o valor, alguém virá e fará isso melhor do que nós. São as regras do jogo.
Em que moldes a parceria com a Telefónica poderá continuar?
Será uma parceria muito mais tecnológica e diferente, não de capital.
Nem no terreno, por exemplo, Marrocos?
Nesse aspecto a Telefónica também já deu a entender que prefere ser dona dos activos a 100% ou com o seu controlo absoluto. A PT não é um investidor financeiro mas estratégico e quando investimos não é para mandar mas para poder aportar o nosso valor acrescentado.
Com a Oi, a PT passa de uma participação na empresa líder no móvel para o 4.º operador. Perde muito?
Não posso contrariar essa realidade da nossa posição agora. De facto, a Vivo é líder no móvel e a Oi no fixo, mas em 2006, quando foi a OPA da Sonae, a Vivo era um problema e queriam vender a Vivo. Dissemos que não! Nesse momento chegou a falar-se de que o único activo bom para ficar era Marrocos, e tomámos uma decisão - das mais difíceis que algum dia tomámos -, que foi dizer: "Separa-se a empresa de cabo, criamos um concorrente e mantemos a Vivo." Propus isso ao Conselho e a PT demonstrou uma característica muito rara nos incumbentes das telecomunicações: a capacidade de gestão e de engenharia. E por isso temos de ter confiança na capacidade da PT de olhar para a Vivo e acreditar que vamos contribuir com o nosso valor acrescentado nos novos parceiros brasileiros. Nós somos pagos para criar valor!
Como é que a Telefónica se defende do conhecimento da PT sobre a Vivo?
A Vivo era controlada conjuntamente. O mérito é da PT, da Telefónica, dos trabalhadores e da equipa executiva da Vivo. A PT não tem o monopólio de tudo o que foi feito...
O interesse económico na Vivo era de 29% enquanto na Oi é de 22,38%. Não é andar para trás?
A Vivo é mais pequena que a Oi- -Telemar. Por isso, quando se olha para a apropriação de resultados, é praticamente ela por ela. Há um interesse económico mais pequeno, mas a Oi é maior que a Vivo, até em termos de resultados. Deste modo, naquilo que é um dos nossos objectivos estratégicos - atingir dois terços do negócio fora de Portugal - estamos na mesma direcção, só escolhemos um caminho diferente.
Agora, é hora de os accionistas pedirem dividendos...
As empresas cotadas têm de encontrar o equilíbrio entre todos os accionistas; para as condições dos trabalhadores; nos projectos internos de responsabilidade social; garantir que pagamos a tempo e horas aos fornecedores; dar mais e melhores serviços a preços mais baratos e, naturalmente, temos de remunerar os nossos accionistas!
Os dividendos irão satisfazer os accionistas?
Prometemos 57,5 cêntimos durante três anos. Já o pagámos o ano passado, este ano vamos fazê-lo e para o ano também. Em relação ao diferencial de 3,75 mil milhões que temos pelo que a Telefónica vai pagar pela Vivo, o Conselho de Administração ainda não teve tempo de qualidade para decidir. Estes últimos cem dias foram infernais, mas o Conselho de Administração tem experiência e passado. Sempre cumprimos o que prometemos ao mercado.
Não serão distribuídos mais dividendos além dos 57,5 cêntimos?
Não é isso que estou a dizer. A forma como a PT pretende usar os 3,75 é algo que o Conselho de Administração da PT ainda vai analisar.
Poderá passar por reinvestimento?
A única coisa que dissemos formalmente é que este dinheiro poderá ser usado para múltiplos objectivos: investimento, reduzir dívida, meter no fundo de pensões, pagar dividendos... Por uma questão legal, até usámos uma definição muito ampla para o Conselho de Administração ter toda a flexibilidade e poder tomar a melhor decisão tendo em conta os interesses de todos e dos vários projectos que a PT tem.
A percepção é de que os accionistas queriam fazer dinheiro já!
Acho que essa ideia é completamente errónea. Da mesma maneira que não acredito que as soluções simples são sempre as melhores e, de facto, na Assembleia Geral da PT estávamos confrontados com uma que era muito mais simples do que a que encontrámos. Esta, no entanto, resolveu um problema de escala e estratégico que podíamos potencialmente vir a ter. Acho essa forma de falar do tema errada. Os accionistas investem nas empresas para ganhar dinheiro, mas ele tem um custo de oportunidade e tem de ser remunerado adequadamente, mas cabe ao Conselho de Administração definir as prioridades.
Os accionistas protestaram quando o Governo vetou o negócio porque não viam retorno rápido. Querem ou não ganhos imediatos?
A PT dá-se ao luxo de poder dizer que tem uma estrutura de capital relativamente estável há muitos anos, e mesmo o Estado, directa ou indirectamente - deixando de lado a questão da golden share - tem mantido desde sempre uma participação na PT de 10%. O grupo Espírito Santo é um grande aliado da PT desde sempre, nos bons e maus momentos, e nunca o vi vender uma acção quando a moeda brasileira se desvalorizou. Por essa razão, neste processo da Vivo não houve praticamente transformação da base de capital da PT.
Mas a estrutura accionista da PT vai manter-se igual ou alterar?
Eu vejo a estrutura accionista da PT como muito estável há vários anos.
Mesmo quando sai a Telefónica?
Não altera, apenas houve uma mudança de parceria estratégica. Que poderá levar a uma alteração, porque, ao abrigo do acordo que fizemos com a Oi, esta pode vir a comprar até 10% da PT.
E há a dispersão da Telefónica que aconteceu antes da Assembleia.
Dizem que venderam e, tecnicamente, fizeram-no. Hoje só têm 2%. Assim sendo, acho que a nossa estrutura de capital tem sido estável.
Ainda há o BES, a Ongoing... Vão manter-se todos?
Cada um poderá responder por si e eu não posso falar por eles. Mas também temos tido um grupo de accionistas de referência internacionais que estão na PT há muitos anos. Não devíamos qualificar português/não-português, porque existem accionistas de longo prazo e esses incluem investidores internacionais que estão no capital da PT há muitos anos.
O Presidente Lula da Silva colocou a questão da identidade nacional da Oi, e disse que vai continuar "brasileira da silva". Como é que olha para esta frase do Presidente do Brasil?
As empresas de telecomunicações em todos os mercados são empresas de referência. A postura da PT não vai contra este tipo de afirmações e, apesar de podermos nomear o presidente executivo da Vivo por direito, a PT decidiu por um brasileiro!
Roberto Lima, que ficou muito satisfeito com este negócio!
Claro! Viu realizados 7,5 mil milhões na participação da Vivo... Em 2006, 100% da empresa valia oito mil milhões, passados quatro anos um terço vale 7,5. Caramba! Foi uma forte valorização.
O sucesso desta negociação apaga a má imagem da PT no negócio falhado de compra de parte da TVI?
Esse tema foi tratado devidamente nas várias comissões parlamentares de inquérito, aonde tive o privilégio de ir três vezes e o Henrique duas. Acho que a PT prestou toda a informação e tudo o que tinha a dizer fê-lo no fórum certo - a casa da democracia. Sempre dissemos que os conteúdos são muito importantes, e a nossa visão continua a ser a de que a diferenciação na televisão por subscrição tem de estar assente em cima deles mas também de funcionalidades. Os clientes Meo nunca vão ficar prejudicados, nem que tenhamos de pagar mais caro pelos conteúdos. Continuamos a lamentar o facto de a Autoridade da Concorrência ainda não ter olhado para o tema de conteúdos com a urgência e a importância que merece.
Nos momentos de maior tensão e menor racionalidade no negócio PT/Telefónica, em algum momento pensou "estou farto disto, quero ir embora"?
Não, nunca.
Nunca teve vontade de desistir?
Não. Somos uma equipa de gestão profissional e a maior parte já trabalha na PT há oito, nove, dez anos - já estou na PT há quase 12 anos - e com paixão e convicção nas nossas ideias e objectivos claramente definidos. Pela dimensão do País, o nosso ponto de partida, temos um défice em relação a Espanha, a França porque eles são 40 milhões, 60 milhões, 70 milhões e nós um mercado de dez milhões mas não prescindimos dos nossos cinco objectivos, que retratam a ambição da empresa. E não é só na Comissão Executiva, é da empresa toda.
Não teme os desafios?
A razão pela qual nunca senti medo é porque tenho muita confiança na PT e nas pessoas que trabalham aqui. Isso permite-nos sempre colocar a fasquia bem alta e permite-me dizer sempre que não tenho plano A e plano B. Só tenho um plano, e executamo-lo. E temos uma cumplicidade com o Conselho de Administração que permite assumir objectivos agressivos e dar uma guinada ao leme para ajustar se for necessário.
In DN
"Mérito de encontrar solução para a Vivo foi da PT"
por JOÃO CÉU E SILVA e NUNO SARAIVAHoje
Após o anúncio do meganegócio com a Telefónica, no dia em que se celebravam 12 anos sobre a compra da Vivo, o presidente executivo da PT revela os bastidores da maior disputa em que uma empresa portuguesa esteve envolvida. A intervenção do Governo, a diplomacia económica e a luta dos accionistas.
A venda da Vivo e a entrada na Oi foi um melhor negócio para os accionistas do que para a PT?
PT é dos accionistas, que numa Assembleia Geral decidiram que deveriam vender a Vivo a um valor x. Provavelmente, a 6,5 mil milhões teriam decidido não vender.
Mas foi um bom negócio para a PT?
Sim, porque vendeu-se a Vivo por um valor que é reconhecido por todos como extremamente atractivo e houve uma realização de valor importantíssima para a PT.
Mas não venderam pelo valor que estava proposto...
Venderam mais alto ainda! Correu-se o risco de ficarmos numa situação em que a PT pudesse até vender aquele activo mais baixo quando a Telefónica retira a proposta. Uma parte do mercado ficou preocupada também que com o processo de litigação pudesse resultar nisso.
Foi o seu caso?
Eu não fiquei preocupado porque desde o início considerámos que as ameaças que tinham sido feitas pela Telefónica não passavam de táctica negocial. Temos estilos diferentes - ninguém pode levar a mal - e o deles pautou por ser um discurso bastante hostil. Achámos que era táctico o não terem dado uma extensão à PT quando o Conselho de Administração solicitou mais 12 dias.
Esses 12 dias foram um risco calculado porque sabia que o diálogo não estava interrompido?
Sabíamos que tínhamos de resolver isto rapidamente, porque sendo estas empresas cotadas não podemos ter processos como este abertos por um tempo indeterminado. A incerteza no mercado gera desconto, e este destrói valor. Como a Telefónica trabalha para criar valor, e o caminho da litigação iria destruí-lo, seria penoso para ambas as partes fazê-lo.
Mesmo com valores tão altos em jogo?
Porque iria fazer que a Vivo fosse impactada e a Portugal Telecom iria fazer tudo para que tal não acontecesse. A situação de os dois accionistas controladores não se entenderem iria ter reflexos no negócio, até porque o Brasil é muito competitivo e podia levar à perda de quota e de valor da Vivo. Por isso, tínhamos de ser rápidos, para um lado ou para o outro.
No dia do veto da golden share, entendeu que Ricardo Salgado não se posicionaria contra mas que poderia convergir numa solução futura?
Somos uma empresa cotada e há uma gestão profissional. Eu fui bastante claro: a golden share é um tema do Conselho de Administração da PT e, nesse contexto, temos de ser fiéis aos nossos valores. Que são muito claros: a empresa é dos accionistas e temos de respeitar os estatutos da PT e a independência dos vários órgãos. Neste caso, o que se viu foi que a Mesa da Assembleia Geral teve um entendimento diferente do do Conselho de Administração.
Deixou sempre perceber que esta operação não era do género em que a golden share deveria ser accionada!
Não é uma opinião minha mas do Conselho de Administração da PT. O primeiro-ministro até deu uma entrevista ao El País em que diz que respeitava a minha opinião - leia-se, do Conselho - mas também temos de respeitar a dele. No fim, a opinião que importa é a do presidente da Mesa, que considerou que a golden share seria aplicável.
Acha que a utilização pelo Governo da golden share poderia ter sido prejudicial para o negócio?
O que posso dizer é que o que anunciámos [a venda da Vivo] esta semana foi bem recebido pelo mercado. Que incorporou duas coisas muito importantes: o valor oferecido pela Telefónica é extremamente generoso, provavelmente o mais alto já pago no sector das telecomunicações; e a Comissão Executiva e o Conselho de Administração tudo fizeram para encontrar uma boa solução para todos e viabilizou a transacção que os accionistas tinham votado.
Com o empurrão da golden share?
A golden share permitiu estarmos com um preço em cima da mesa que é melhor do que o que esteve na Assembleia Geral. Permitiu também colocar a fasquia alta porque é preciso garantir escala para a PT, e a transacção da Oi resolve esse problema estratégico. Por isso, o mercado elogiou tanto o negócio.
A venda da Vivo não se consumaria imediatamente. A PT não teria, com ou sem veto, tempo para se posicionar na Oi?
No mundo dos negócios, o timing é das coisas mais importantes que existem. A Oi estaria lá sempre, mas se a PT não tivesse tomado uma decisão rápida talvez iniciássemos um processo de litigação com a Telefónica por três a cinco anos e não tivéssemos oportunidade para poder fazer nada. O que se viu foi que a Portugal Telecom sempre negociou a venda da Vivo numa posição de força porque nunca quisemos vender a Vivo; sempre considerámos o Brasil estratégico e não precisamos de dinheiro.
Quando deixou a Vivo de ser um activo essencial para a PT?
A Vivo nunca deixou de o ser. Houve uma oferta irrecusável por parte dos accionistas da PT, e ninguém deve levar a mal o que eles pensam.
Enquanto defendia o interesse accionista, resistindo à pressão do preço da Telefónica, gostou de ver Ricardo Salgado e Nuno Vascon- celos a falar com a Telefónica em paralelo?
Não vou comentar esses temas, e acho que muito já foi dito sobre isso.
Não fragilizou a posição da PT?
Não. Os accionistas quando falam é para fazer bem às empresas nas quais têm capital. Por isso trabalho sempre com base nos pressupostos de que a empresa é dos accionistas e que estamos cá para os servir.
Nem se sentiu incomodado?
Nada! Acho que neste processo o Conselho de Administração mostrou um nível de coesão exemplar num período muito enervante, porque estamos a falar de muito dinheiro. As pessoas falam com alguma ligeireza sobre "podia-se dizer não a isto ou àquilo" mas há imensa gente que tem muito dinheiro investido na PT, para além do interesse estratégico da PT para o País.
Notou-se alguma divergência entre as suas posições e as de Henrique Granadeiro.
Não, nunca. Estivemos sempre de mão dada. Naturalmente que Henrique Granadeiro é na PT a pessoa que mantém a relação com a golden share e o âmbito de preocupação que tem é mais abrangente do que o meu nesse aspecto. Acho que temos uma convivência até bastante atípica de chairman/CEO porque já foi meu presidente, eu já fui presidente dele, e fomos colegas. Ou seja, estivemos nas trincheiras juntos e sem o formalismo que caracteriza essas relações noutras empresas.
A relação com a golden share por parte de Henrique Granadeiro facilitou a concretização do negócio?
O presidente da Mesa da Assembleia Geral considerou que o artigo 15 era aplicável e a golden share foi exercida. Definiu um objectivo, expressou uma preocupação. O que nos cabe fazer? Ser pragmáticos, ir para o terreno e dizer "como consigo endereçar estas preocupações?" Fizemo-lo e acreditamos que a Oi pode ser uma solução. Talvez não seja a única, mas no mercado brasileiro acreditamos que será.
Diz que a activação da golden share serviu para aumentar o preço e dar tempo à PT para se organizar no sentido de arranjar uma alternativa de escala e crescimento no Brasil. Isso teria acontecido sem o seu uso?
No mundo dos negócios, há sempre um tempo para as coisas acontecerem. Hoje, estamos confrontados com um facto e não faz sentido especular mais sobre isso. O facto é que em 30 dias foram criadas condições para a PT encontrar uma solução que agradou a todas as partes. Este é um mérito da PT, porque o conseguiu.
Esse não é um mérito da golden share mas da PT...
Repito, foi criada uma situação na Assembleia Geral. A solução mais simples era vender nessa altura mas, na maior parte das vezes, a solução mais simples não é necessariamente a melhor! Basta ver como a comunicação social retratou bem o resultado nesta semana, para se entender que a resolução deste tema da Portugal Telecom tem muitos vencedores. Essa é a parte positiva.
O que é muito raro num negócio desta dimensão?
Fico muito contente por poder dizer que a golden share está satisfeita porque sente que a PT é uma empresa com escala, que vai manter um projecto internacional ambicioso e que as condições que foram criadas foram suficientes para se sentir confortável com a transacção. Fico satisfeito em ver os meus accionistas a dizer "se dia 30 tínhamos vendido por um preço, agora conseguimos um ainda melhor!".
Mesmo que parcelado?
Uma parte do dinheiro vem diferida no tempo, mas conseguimos um preço de referência ainda maior! Fico contente ao ouvir os trabalhadores dizerem "as nossas cinco metas continuam intactas". Já recebi não sei quantos e-mails e sms de colaboradores a dizer "grande desafio esse da Oi, conte comigo!" Os desafios são muito bons para as empresas.
A golden share serviu, neste caso, para garantir os interesses da empresa e dos accionistas?
Não estou de acordo com essa leitura. É uma leitura malandra que está a fazer - entendo-a, mas não acho que esteja correcta. Vi alguém na televisão a dizer "têm de explicar porque é que a PT é uma empresa estratégica para o País". Essa pessoa tem de olhar para o relatório e contas da PT e ver qual é o volume de negócios e quantas pessoas empregamos directa e indirectamente! O talento não vai atrás de onde há trabalho mas de comunidades e de lugares onde as pessoas se sentem à vontade e encontram boas condições de vida.
A venda da Vivo esteve em perigo?
Quando, no dia 16, a Telefónica decidiu não estender a oferta foram muitas as pessoas que disseram que "a probabilidade de a transacção da Vivo acontecer é um terço". Quem conhece a situação da Oi sabe que a probabilidade de alguma empresa conseguir entrar naquele núcleo de controlo era mínima. Ou seja, o que estava em curso tinha uma probabilidade de 10% na melhor das hipóteses, e conseguimos fazê-lo em tempo absolutamente recorde. Nestes 30 dias encontrou-se uma solução que era boa para todas as partes e, por isso, pode dizer-se que estamos num projecto em que todos se sentem vencedores.
Que não era expectável a seguir à Assembleia Geral?
Eu disse imediatamente a seguir à Assembleia Geral: "Vamos continuar a trabalhar para fazer o melhor para todos os accionistas." Naturalmente, quando falamos de todos os accionistas não podemos descurar o accionista que tem direitos especiais, e acho que conseguimos fazê-lo também. Foi fruto de um trabalho de equipa enorme da Comissão, da Administração e também dos accionistas da PT, que ajudaram muito.
Que teve um final feliz?
E nada melhor do que o que aconteceu. Dá-me um prazer enorme ver Sócrates contente, Ricardo Salgado contente, a Ongoing contente, os meus fundos internacionais contentes... A direcção é a mesma, o caminho é outro, vamos celebrar o resultado final em vez de lamuriar. Conseguimos transformar algo que foi visto como uma contrariedade numa oportunidade para fazer o melhor para todas as partes. Vamos virar a página.
A OPA da Telefónica sobre a PT está posta definitivamente de parte ou ainda é um próximo passo?
Falou-se bastante na OPA no contexto da operação da Vivo e, num determinado momento, até deram uma entrevista no Financial Times em que afloravam essa hipótese. O tema da Vivo está resolvido, daqui a 60 dias a Vivo estará vendida, e penso que esse capítulo está encerrado. O contexto em que a Telefónica falou nisso já mudou.
Não haverá, em princípio, mais essa pretensão por parte da Telefónica?...
Uma empresa cotada está sempre sujeita a OPA! Se não demonstrarmos ao mercado e aos nossos accionistas que somos uma equipa de gestão que consegue criar valor acima da média, então teremos um problema. Se, como empresa, não conseguirmos justificar ao mercado que estamos a gerir os activos para maximizar o valor, alguém virá e fará isso melhor do que nós. São as regras do jogo.
Em que moldes a parceria com a Telefónica poderá continuar?
Será uma parceria muito mais tecnológica e diferente, não de capital.
Nem no terreno, por exemplo, Marrocos?
Nesse aspecto a Telefónica também já deu a entender que prefere ser dona dos activos a 100% ou com o seu controlo absoluto. A PT não é um investidor financeiro mas estratégico e quando investimos não é para mandar mas para poder aportar o nosso valor acrescentado.
Com a Oi, a PT passa de uma participação na empresa líder no móvel para o 4.º operador. Perde muito?
Não posso contrariar essa realidade da nossa posição agora. De facto, a Vivo é líder no móvel e a Oi no fixo, mas em 2006, quando foi a OPA da Sonae, a Vivo era um problema e queriam vender a Vivo. Dissemos que não! Nesse momento chegou a falar-se de que o único activo bom para ficar era Marrocos, e tomámos uma decisão - das mais difíceis que algum dia tomámos -, que foi dizer: "Separa-se a empresa de cabo, criamos um concorrente e mantemos a Vivo." Propus isso ao Conselho e a PT demonstrou uma característica muito rara nos incumbentes das telecomunicações: a capacidade de gestão e de engenharia. E por isso temos de ter confiança na capacidade da PT de olhar para a Vivo e acreditar que vamos contribuir com o nosso valor acrescentado nos novos parceiros brasileiros. Nós somos pagos para criar valor!
Como é que a Telefónica se defende do conhecimento da PT sobre a Vivo?
A Vivo era controlada conjuntamente. O mérito é da PT, da Telefónica, dos trabalhadores e da equipa executiva da Vivo. A PT não tem o monopólio de tudo o que foi feito...
O interesse económico na Vivo era de 29% enquanto na Oi é de 22,38%. Não é andar para trás?
A Vivo é mais pequena que a Oi- -Telemar. Por isso, quando se olha para a apropriação de resultados, é praticamente ela por ela. Há um interesse económico mais pequeno, mas a Oi é maior que a Vivo, até em termos de resultados. Deste modo, naquilo que é um dos nossos objectivos estratégicos - atingir dois terços do negócio fora de Portugal - estamos na mesma direcção, só escolhemos um caminho diferente.
Agora, é hora de os accionistas pedirem dividendos...
As empresas cotadas têm de encontrar o equilíbrio entre todos os accionistas; para as condições dos trabalhadores; nos projectos internos de responsabilidade social; garantir que pagamos a tempo e horas aos fornecedores; dar mais e melhores serviços a preços mais baratos e, naturalmente, temos de remunerar os nossos accionistas!
Os dividendos irão satisfazer os accionistas?
Prometemos 57,5 cêntimos durante três anos. Já o pagámos o ano passado, este ano vamos fazê-lo e para o ano também. Em relação ao diferencial de 3,75 mil milhões que temos pelo que a Telefónica vai pagar pela Vivo, o Conselho de Administração ainda não teve tempo de qualidade para decidir. Estes últimos cem dias foram infernais, mas o Conselho de Administração tem experiência e passado. Sempre cumprimos o que prometemos ao mercado.
Não serão distribuídos mais dividendos além dos 57,5 cêntimos?
Não é isso que estou a dizer. A forma como a PT pretende usar os 3,75 é algo que o Conselho de Administração da PT ainda vai analisar.
Poderá passar por reinvestimento?
A única coisa que dissemos formalmente é que este dinheiro poderá ser usado para múltiplos objectivos: investimento, reduzir dívida, meter no fundo de pensões, pagar dividendos... Por uma questão legal, até usámos uma definição muito ampla para o Conselho de Administração ter toda a flexibilidade e poder tomar a melhor decisão tendo em conta os interesses de todos e dos vários projectos que a PT tem.
A percepção é de que os accionistas queriam fazer dinheiro já!
Acho que essa ideia é completamente errónea. Da mesma maneira que não acredito que as soluções simples são sempre as melhores e, de facto, na Assembleia Geral da PT estávamos confrontados com uma que era muito mais simples do que a que encontrámos. Esta, no entanto, resolveu um problema de escala e estratégico que podíamos potencialmente vir a ter. Acho essa forma de falar do tema errada. Os accionistas investem nas empresas para ganhar dinheiro, mas ele tem um custo de oportunidade e tem de ser remunerado adequadamente, mas cabe ao Conselho de Administração definir as prioridades.
Os accionistas protestaram quando o Governo vetou o negócio porque não viam retorno rápido. Querem ou não ganhos imediatos?
A PT dá-se ao luxo de poder dizer que tem uma estrutura de capital relativamente estável há muitos anos, e mesmo o Estado, directa ou indirectamente - deixando de lado a questão da golden share - tem mantido desde sempre uma participação na PT de 10%. O grupo Espírito Santo é um grande aliado da PT desde sempre, nos bons e maus momentos, e nunca o vi vender uma acção quando a moeda brasileira se desvalorizou. Por essa razão, neste processo da Vivo não houve praticamente transformação da base de capital da PT.
Mas a estrutura accionista da PT vai manter-se igual ou alterar?
Eu vejo a estrutura accionista da PT como muito estável há vários anos.
Mesmo quando sai a Telefónica?
Não altera, apenas houve uma mudança de parceria estratégica. Que poderá levar a uma alteração, porque, ao abrigo do acordo que fizemos com a Oi, esta pode vir a comprar até 10% da PT.
E há a dispersão da Telefónica que aconteceu antes da Assembleia.
Dizem que venderam e, tecnicamente, fizeram-no. Hoje só têm 2%. Assim sendo, acho que a nossa estrutura de capital tem sido estável.
Ainda há o BES, a Ongoing... Vão manter-se todos?
Cada um poderá responder por si e eu não posso falar por eles. Mas também temos tido um grupo de accionistas de referência internacionais que estão na PT há muitos anos. Não devíamos qualificar português/não-português, porque existem accionistas de longo prazo e esses incluem investidores internacionais que estão no capital da PT há muitos anos.
O Presidente Lula da Silva colocou a questão da identidade nacional da Oi, e disse que vai continuar "brasileira da silva". Como é que olha para esta frase do Presidente do Brasil?
As empresas de telecomunicações em todos os mercados são empresas de referência. A postura da PT não vai contra este tipo de afirmações e, apesar de podermos nomear o presidente executivo da Vivo por direito, a PT decidiu por um brasileiro!
Roberto Lima, que ficou muito satisfeito com este negócio!
Claro! Viu realizados 7,5 mil milhões na participação da Vivo... Em 2006, 100% da empresa valia oito mil milhões, passados quatro anos um terço vale 7,5. Caramba! Foi uma forte valorização.
O sucesso desta negociação apaga a má imagem da PT no negócio falhado de compra de parte da TVI?
Esse tema foi tratado devidamente nas várias comissões parlamentares de inquérito, aonde tive o privilégio de ir três vezes e o Henrique duas. Acho que a PT prestou toda a informação e tudo o que tinha a dizer fê-lo no fórum certo - a casa da democracia. Sempre dissemos que os conteúdos são muito importantes, e a nossa visão continua a ser a de que a diferenciação na televisão por subscrição tem de estar assente em cima deles mas também de funcionalidades. Os clientes Meo nunca vão ficar prejudicados, nem que tenhamos de pagar mais caro pelos conteúdos. Continuamos a lamentar o facto de a Autoridade da Concorrência ainda não ter olhado para o tema de conteúdos com a urgência e a importância que merece.
Nos momentos de maior tensão e menor racionalidade no negócio PT/Telefónica, em algum momento pensou "estou farto disto, quero ir embora"?
Não, nunca.
Nunca teve vontade de desistir?
Não. Somos uma equipa de gestão profissional e a maior parte já trabalha na PT há oito, nove, dez anos - já estou na PT há quase 12 anos - e com paixão e convicção nas nossas ideias e objectivos claramente definidos. Pela dimensão do País, o nosso ponto de partida, temos um défice em relação a Espanha, a França porque eles são 40 milhões, 60 milhões, 70 milhões e nós um mercado de dez milhões mas não prescindimos dos nossos cinco objectivos, que retratam a ambição da empresa. E não é só na Comissão Executiva, é da empresa toda.
Não teme os desafios?
A razão pela qual nunca senti medo é porque tenho muita confiança na PT e nas pessoas que trabalham aqui. Isso permite-nos sempre colocar a fasquia bem alta e permite-me dizer sempre que não tenho plano A e plano B. Só tenho um plano, e executamo-lo. E temos uma cumplicidade com o Conselho de Administração que permite assumir objectivos agressivos e dar uma guinada ao leme para ajustar se for necessário.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Nunca deixei Saramago pedir a nacionalidade espanhola"
.
"Nunca deixei Saramago pedir a nacionalidade espanhola"
por JOÃO CÉU E SILVA
Hoje
Cinquenta dias após a morte do Nobel, Pilar del Río abriu a porta da sua casa de Lanzarote para recordar o marido. Lembra o pequeno-almoço que ficou por tomar e conta que o escritor lhe prometera que o livro que estava a escrever seria o último. A partir daí, o tempo que lhe restava seria para viver a dois.
Apesar das solicitações vindas de todo o mundo para celebrar Saramago, observa-se muita tristeza em Pilar e alguma dificuldade inicial em se abordar temas sobre o falecimento. Nos primeiros minutos, o nome de José nunca é pronunciado, e só pouco a pouco o faz. Só ficará igual a si mesma quando acusa o fisco espanhol de perseguição política.
Parece que está mais triste e sem a alegria com que a víamos...
Que não era assim tanta porque nos últimos anos não havia. Eu sabia o que estava a acontecer e estava a conter-me, era uma loba a defender o meu marido. Nos últimos anos fui uma loba e, agora, em algumas imagens noto e vejo até que ponto em tudo o que estava relacionado com o meu marido estava sempre tensa quando com outras pessoas. Porque era uma loba a defender a minha alcateia, que era o meu marido.
Tanto enquanto homem como enquanto escritor?
Tudo o que pudesse afectar o seu delicado estado de saúde. Ele queria tempo, e eu disse-lhe: "Vou facilitar-te a vida em tudo o que esteja ao alcance das minhas mãos para que tenhas tempo."
Ele estava consciente d e que o fim estava para breve?
Não! Não sabíamos se ia durar mais ou menos. Eu pensava que podíamos ir no final deste Verão a Lisboa e acreditava absolutamente nisso. Mas nos últimos tempos ele teve um problema, de que não chegou a inteirar-se, e acelerou-se o final. Mas, na verdade, eu não contava que se fosse produzir tão rapidamente.
Doença para além da pneumonia?
Foi tudo consequência do mesmo. Não quero entrar em assuntos médicos, mas ao ter tido a pneumonia começaram a activar-se coisas que tinha desde que era criança. Na Península Ibérica nos anos 20 - e nos anos 30, 40 e até 50 - todos tínhamos uma série de problemas de saúde e, quando se activaram, para além da pneumonia, provocaram-lhe complicação atrás de complicação.
Chegou-se a falar de um cancro. É verdade?
Não, o que tinha era uma leucemia crónica. Mas essa foi uma doença com a qual ele viveu toda a vida e que lhe descobriram por acaso numa operação à vista. Mas era crónico e não tinha problema nem sequer tratamento.
Ele foi-se apercebendo da situação?
Ele… acreditou que podia ultrapassá-lo. Como ultrapassou uma vez, poderia ultrapassar a segunda.
Acreditou sempre?
Ele morreu a 18, mas no dia 14 de Junho, quando celebrámos o nosso aniversário [de casamento], disse: "Celebraremos outros 24." Até disse: "Celebraremos muitos mais." Já estava a começar a fazer exercícios para recuperar a massa muscular, porque se na vez anterior já a tinha recuperado também iria recuperá-la desta segunda vez. Só que eu sabia que desta segunda vez ele não iria recuperá-la.
Os portugueses ficaram muito espantados por ter pedido a nacionalidade. Qual foi mesmo a razão?
Emocional. Sem razão. Creio que lho devo isso, ponto.
E está a pensar viver mais tempo em Portugal?
Isso estava previsto desde que iniciámos a Fundação [José Saramago] e o nosso projecto era passar por ano, pelo menos, seis meses em Portugal. O que aconteceu é que pusemos em marcha a Fundação, mas a doença impediu-nos desse projecto.
Mas nunca pensara antes pedir a nacionalidade portuguesa?
Pensámos em vários momentos conjuntamente. Ele, pedir a espanhola, e eu, a portuguesa. Termos dupla nacionalidade os dois, mas eu recusei sempre que ele pedisse a espanhola.
Porquê?
Porque ele é um símbolo de Portugal e parecia-me que tinha de ser português a 100%, sem nenhum outro documento.
Acha que com a morte os portugueses vão olhar para José Saramago de outra forma?
Eu acredito que os portugueses olhavam muito bem para Saramago! Eu sei como o olhavam porque andava com ele pela rua. Quando fizemos A Viagem do Elefante, saímos de Lisboa, fomos a Constança, a Castelo Branco, e continuámos a subir até Figueira de Castelo Rodrigo, e bem vi como o acarinhavam! Quem não vai continuar a olhá-lo bem é quem já não o olhava antes. São três, quatro ou cinco pessoas que escrevem na comunicação social. Não são mais.
Não mudarão de opinião...
Não! Essas pessoas, que têm nome e apelido, vão continuar na mesma. Quanto ao resto das pessoas, que o olhavam bem e que gostavam de Saramago, pouco a pouco vão-se sentindo órfãos.
Designadamente muitos jovens que, aquando da morte, diziam que iriam passar a ler Saramago...
Esses foram os comentários. Uma coisa é o Saramago matéria de estudo - pesada - e outra é o homem rebelde e transgressor que nunca baixou a cabeça. Um homem com critério, mais jovem do que todos os jovens do mundo, trabalhando até à última hora, dinâmico e que enfrentava tudo. É um modelo para qualquer jovem - já o disseram; é o mais jovem de todos os escritores e o mais jovem de todos os jovens. Não há ninguém tão rebelde como Saramago. Rebelde contra Deus, contra a Igreja e contra o poder.
Muitos escritores quando morrem são esquecidos durante algum tempo. Será o caso de Saramago?
São esquecidos!… Entram é numa zona de sombra algum tempo após morrerem mas não imediatamente. Eu não sei se vai ser o caso ou não de Saramago, porque ele quebra todas as regras! Quebrou não frequentando a universidade; quebrou começando a escrever tão tarde e quebrou fazendo uma obra sem igual. Em qualquer caso, uma das missões que temos na Fundação é entrar nessa zona de sombra para resgatar os escritores que lá estão, como se fosse um purgatório. E estamos a fazê-lo com alguns nomes. Acabou de se publicar o livro de Rodrigues Miguéis e estamos a tentar que se republique toda a sua obra e o mesmo acontece com Jorge de Sena. Escritores que são de primeira linha e que não há direito que estejam esquecidos.
Essa foi, aliás, uma missão que José Saramago impôs nos últimos tempos.
É um objectivo da Fundação, resgatar a cultura portuguesa. É a nossa obrigação, não é um passatempo, entrar na zona de sombra daqueles nomes que são um valor e uma riqueza patrimonial.
Que outros nomes se seguem?
Agora lançámos um projecto com Almada Negreiros, que não está tanto na zona de sombra mas também sem o brilho devido, que é o livro Nome de Guerra. Queríamos começar com Escola do Paraíso, porque não está editado e ninguém consegue comprar esse livro, e estamos à procurar editor para ele. Há uma série de escritores que estavam já aprovados por José Saramago e sobre os quais estamos a trabalhar. Sempre escritores portugueses.
Quais serão as próximas iniciativas da Fundação José Saramago?
O último trimestre vai estar muito voltado para Saramago, porque há muitas homenagens em curso. Foi a Feira do Livro em Gua- dalajara, de Frankfurt, de Itália e do México, é na Biblioteca Nacional de Portugal… Só que, apesar de a Fundação não ser exclusivamente para José Saramago - para isso temos as editoras em todo o mundo -, entendemos que temos de estar atentos ao que se passa no mundo em torno da obra de Saramago.
A sua presença tem sido muito solicitada em eventos?
Sim, muitas vezes e todos os dias chegam pedidos. Evidentemente que é impossível poder assistir a todas as iniciativas mesmo que gostasse muito. Agora mesmo, em Paraty, vão fazer uma leitura ininterrupta da Jangada de Pedra e deveria ir ao Brasil, mas é impossível. É um exagero de convites e de energia mas, não podendo atender a todas as iniciativas, enviarei sempre uma mensagem. Estão a inaugurar bibliotecas com o nome de Saramago, põem o nome dele em praças e ruas! A mim, vão-me chegando as notícias pelos meios de comunicação porque nem sequer mo comunicam directamente.
Quando é que a Fundação vai abrir a sede em Lisboa? Em Junho de 2011?
Se calhar. É que as obras são muito complicadas porque encontram-se sempre mais vestígios arquitectónicos, o que obriga outros organismos a envolverem-se. De uma coisa estou certa: é que quando estivermos na Casa dos Bicos a Fundação vai ter outro tipo de visibilidade porque irá converter-se num centro de actividade cultural diária.
Pode adiantar o que se fará?
A Casa dos Bicos não será apenas aquilo que a Fundação Saramago organiza. Vai colocar à disposição de todos o espaço e haverá apresentações de livros, concertos e projecção de cinema político, entre muitas outras actividades. Nós oferecemos a Casa à comunidade para que seja um centro de actividade cultural diária e possa ser visitada diariamente.
Como será organizado o espaço?
A Casa dos Bicos tem cinco pisos. No primeiro, está o centro de interpretação arqueológica; no segundo, um centro de exposições permanentes de livros e assuntos relacionados com José Saramago; no terceiro piso, estará a Fundação propriamente dita; no quarto, será a biblioteca; e no quinto, ainda está por decidir.
Vai manter-se o gabinete que era para ser o do escritor?
Não, não somos mitómanos nem prestamos culto à personalidade.
Saramago ficou muito feliz com a cedência da Casa dos Bicos...
Por isso as suas cinzas irão ficar diante da Casa dos Bicos e por essa razão é que o arquitecto Manuel Vicente chorava desconsoladamente no sábado [do velório]. Dizia: "Eu vi os olhos de Saramago, iluminados, dizendo 'Vou ver o Tejo. Deste escritório vejo passar os barcos'. Foi aí, ouvindo Manuel Vicente, que pensei que Saramago teria de ficar ali e não noutro lugar. Não houve essa disputa pelo Panteão Nacional de que tanto se falou, porque ele tinha de ficar ali.
Se a questão do Panteão nunca se pôs para José Saramago, também a presença de Cavaco Silva no funeral foi uma falsa questão?
Quero deixar claro que Cavaco fez o que tinha a fazer.
Não ir foi o mais correcto?
Sim. Saramago e ele não tinham partilhado a vida e, por dignidade, muito menos teriam de partilhar esse momento final. Enviou as suas condolências e fez o que tinha a fazer. Eu não entrei nunca nessa polémica sobre se Cavaco teria de ir ou não porque me parece que aconteceu o que deveria.
Sempre pensa ir viver para Portugal em Setembro?
Volto. Vou ao Brasil, depois a Itália e aí parto para Portugal.
Mas está a pensar morar mesmo em Portugal?
Sim, sim.
Vai estabelecer em Lisboa a sua vida?
Sim.
Sentirá saudades de Lanzarote?
Vou sentir muitas saudades de Lanzarote... Mas vou voltar de vez em quando porque está cá [em Lanzarote] o espírito de Saramago. Foi aqui que criou o Ensaio sobre a Cegueira, Ensaio sobre a Lucidez, Todos os Nomes, a Caverna, as Intermitências da Morte e Caim e, por isso, este sítio não pode fechar-se. Está cheio de todas essas palavras, esses sussurros e ideias.
Como vai acabar a disputa com o fisco em Espanha?
Não sei no que vai dar! Saramago pagava onde tinha de pagar; como tinha de pagar; no momento em que tinha que pagar e o que tinha de pagar. Sem nenhuma engenharia financeira, sem nenhuma dedução por causa da Fundação, e fê-la com o seu dinheiro. Pôs os seus direitos de autor a pagar os ordenados das pessoas porque não era para ter vantagens. Porquê? Porque acreditou que poderia partilhar dessa maneira, e o que as finanças espanholas fizeram não tem nome.
Foi uma insensibilidade a questão ser anunciada após a morte?
Não, não. A insensibilidade foi dos meios de comunicação, porque isto aconteceu em Abril. A sentença já tinha saído mas publicaram-na no dia do funeral por alguma razão. Para nós não tem nenhuma interferência, porque Saramago cumpriu civicamente com os seus deveres e, quando isto começou há dez anos, pediu auxílio ao Governo de Portugal. O primeiro-ministro de Portugal e o primeiro-ministro de Espanha disseram-lhe que estava resolvido, e creio que ambos estavam convencidos de que assim era. Por outro lado, acredito que houve alguém dentro do fisco espanhol que teve muito empenho em que isto não estivesse resolvido.
Qual terá sido a razão?
Creio que foi uma perseguição claramente política. Quando o primeiro-ministro de Portugal e o primeiro-ministro de Espanha juntos disseram a Saramago que "isto está solucionado" é porque ambos acreditavam que estava. Mas desde logo alguém lhes estava a mentir. E foi aqui de Espanha, de alguém muito concreto de Espanha. Todo este problema surgiu quando Saramago pegou na bandeira da guerra contra o Iraque; quando Saramago enfrentou o Governo dos Estados Unidos e, também, o de Espanha por causa dessa guerra.
Quanto à herança de José Saramago, não há polémica?
Não!
Há um entendimento entre si e a filha, Violante.
Absoluto.
Fazem-lhe falta as polémicas que Saramago conseguia criar?
Não!
Consegue conviver com uma vida mais calma?
Saramago criava polémicas - criou-as inclusivamente depois de morto - mas a mim não me fazem assim tanta falta. Eu vivia-as porque estava ali e porque era a loba, insisto, mas não suspiro pelas polémicas. O meu marido era muito mais radical do que eu, que sou mais apaixonada. Mas ele, sim, era radical - então para a polémica - e entrava nelas com toda a força enquanto eu era muito mais apaziguadora. Ainda que pudesse parecer mais o contrário, era ele o radical.
O que é que lhe faltou fazer com José Saramago?
Nada...
Nada mesmo?
Sobrou-me uma coisa, o pequeno-almoço do dia em que morreu. Ele não queria comer mais e eu insisti: "Vá lá, José, acaba. Tens muitas células para alimentar." Só que eu não sabia que iria morrer uma hora depois. E obriguei-o… Insisti tanto que ele acabou docilmente a tomar o seu batido de frutas e o resto da refeição.
Como é a vida sem José Saramago?
É isto... (aponta para o vazio).
In DN
"Nunca deixei Saramago pedir a nacionalidade espanhola"
por JOÃO CÉU E SILVA
Hoje
Cinquenta dias após a morte do Nobel, Pilar del Río abriu a porta da sua casa de Lanzarote para recordar o marido. Lembra o pequeno-almoço que ficou por tomar e conta que o escritor lhe prometera que o livro que estava a escrever seria o último. A partir daí, o tempo que lhe restava seria para viver a dois.
Apesar das solicitações vindas de todo o mundo para celebrar Saramago, observa-se muita tristeza em Pilar e alguma dificuldade inicial em se abordar temas sobre o falecimento. Nos primeiros minutos, o nome de José nunca é pronunciado, e só pouco a pouco o faz. Só ficará igual a si mesma quando acusa o fisco espanhol de perseguição política.
Parece que está mais triste e sem a alegria com que a víamos...
Que não era assim tanta porque nos últimos anos não havia. Eu sabia o que estava a acontecer e estava a conter-me, era uma loba a defender o meu marido. Nos últimos anos fui uma loba e, agora, em algumas imagens noto e vejo até que ponto em tudo o que estava relacionado com o meu marido estava sempre tensa quando com outras pessoas. Porque era uma loba a defender a minha alcateia, que era o meu marido.
Tanto enquanto homem como enquanto escritor?
Tudo o que pudesse afectar o seu delicado estado de saúde. Ele queria tempo, e eu disse-lhe: "Vou facilitar-te a vida em tudo o que esteja ao alcance das minhas mãos para que tenhas tempo."
Ele estava consciente d e que o fim estava para breve?
Não! Não sabíamos se ia durar mais ou menos. Eu pensava que podíamos ir no final deste Verão a Lisboa e acreditava absolutamente nisso. Mas nos últimos tempos ele teve um problema, de que não chegou a inteirar-se, e acelerou-se o final. Mas, na verdade, eu não contava que se fosse produzir tão rapidamente.
Doença para além da pneumonia?
Foi tudo consequência do mesmo. Não quero entrar em assuntos médicos, mas ao ter tido a pneumonia começaram a activar-se coisas que tinha desde que era criança. Na Península Ibérica nos anos 20 - e nos anos 30, 40 e até 50 - todos tínhamos uma série de problemas de saúde e, quando se activaram, para além da pneumonia, provocaram-lhe complicação atrás de complicação.
Chegou-se a falar de um cancro. É verdade?
Não, o que tinha era uma leucemia crónica. Mas essa foi uma doença com a qual ele viveu toda a vida e que lhe descobriram por acaso numa operação à vista. Mas era crónico e não tinha problema nem sequer tratamento.
Ele foi-se apercebendo da situação?
Ele… acreditou que podia ultrapassá-lo. Como ultrapassou uma vez, poderia ultrapassar a segunda.
Acreditou sempre?
Ele morreu a 18, mas no dia 14 de Junho, quando celebrámos o nosso aniversário [de casamento], disse: "Celebraremos outros 24." Até disse: "Celebraremos muitos mais." Já estava a começar a fazer exercícios para recuperar a massa muscular, porque se na vez anterior já a tinha recuperado também iria recuperá-la desta segunda vez. Só que eu sabia que desta segunda vez ele não iria recuperá-la.
Os portugueses ficaram muito espantados por ter pedido a nacionalidade. Qual foi mesmo a razão?
Emocional. Sem razão. Creio que lho devo isso, ponto.
E está a pensar viver mais tempo em Portugal?
Isso estava previsto desde que iniciámos a Fundação [José Saramago] e o nosso projecto era passar por ano, pelo menos, seis meses em Portugal. O que aconteceu é que pusemos em marcha a Fundação, mas a doença impediu-nos desse projecto.
Mas nunca pensara antes pedir a nacionalidade portuguesa?
Pensámos em vários momentos conjuntamente. Ele, pedir a espanhola, e eu, a portuguesa. Termos dupla nacionalidade os dois, mas eu recusei sempre que ele pedisse a espanhola.
Porquê?
Porque ele é um símbolo de Portugal e parecia-me que tinha de ser português a 100%, sem nenhum outro documento.
Acha que com a morte os portugueses vão olhar para José Saramago de outra forma?
Eu acredito que os portugueses olhavam muito bem para Saramago! Eu sei como o olhavam porque andava com ele pela rua. Quando fizemos A Viagem do Elefante, saímos de Lisboa, fomos a Constança, a Castelo Branco, e continuámos a subir até Figueira de Castelo Rodrigo, e bem vi como o acarinhavam! Quem não vai continuar a olhá-lo bem é quem já não o olhava antes. São três, quatro ou cinco pessoas que escrevem na comunicação social. Não são mais.
Não mudarão de opinião...
Não! Essas pessoas, que têm nome e apelido, vão continuar na mesma. Quanto ao resto das pessoas, que o olhavam bem e que gostavam de Saramago, pouco a pouco vão-se sentindo órfãos.
Designadamente muitos jovens que, aquando da morte, diziam que iriam passar a ler Saramago...
Esses foram os comentários. Uma coisa é o Saramago matéria de estudo - pesada - e outra é o homem rebelde e transgressor que nunca baixou a cabeça. Um homem com critério, mais jovem do que todos os jovens do mundo, trabalhando até à última hora, dinâmico e que enfrentava tudo. É um modelo para qualquer jovem - já o disseram; é o mais jovem de todos os escritores e o mais jovem de todos os jovens. Não há ninguém tão rebelde como Saramago. Rebelde contra Deus, contra a Igreja e contra o poder.
Muitos escritores quando morrem são esquecidos durante algum tempo. Será o caso de Saramago?
São esquecidos!… Entram é numa zona de sombra algum tempo após morrerem mas não imediatamente. Eu não sei se vai ser o caso ou não de Saramago, porque ele quebra todas as regras! Quebrou não frequentando a universidade; quebrou começando a escrever tão tarde e quebrou fazendo uma obra sem igual. Em qualquer caso, uma das missões que temos na Fundação é entrar nessa zona de sombra para resgatar os escritores que lá estão, como se fosse um purgatório. E estamos a fazê-lo com alguns nomes. Acabou de se publicar o livro de Rodrigues Miguéis e estamos a tentar que se republique toda a sua obra e o mesmo acontece com Jorge de Sena. Escritores que são de primeira linha e que não há direito que estejam esquecidos.
Essa foi, aliás, uma missão que José Saramago impôs nos últimos tempos.
É um objectivo da Fundação, resgatar a cultura portuguesa. É a nossa obrigação, não é um passatempo, entrar na zona de sombra daqueles nomes que são um valor e uma riqueza patrimonial.
Que outros nomes se seguem?
Agora lançámos um projecto com Almada Negreiros, que não está tanto na zona de sombra mas também sem o brilho devido, que é o livro Nome de Guerra. Queríamos começar com Escola do Paraíso, porque não está editado e ninguém consegue comprar esse livro, e estamos à procurar editor para ele. Há uma série de escritores que estavam já aprovados por José Saramago e sobre os quais estamos a trabalhar. Sempre escritores portugueses.
Quais serão as próximas iniciativas da Fundação José Saramago?
O último trimestre vai estar muito voltado para Saramago, porque há muitas homenagens em curso. Foi a Feira do Livro em Gua- dalajara, de Frankfurt, de Itália e do México, é na Biblioteca Nacional de Portugal… Só que, apesar de a Fundação não ser exclusivamente para José Saramago - para isso temos as editoras em todo o mundo -, entendemos que temos de estar atentos ao que se passa no mundo em torno da obra de Saramago.
A sua presença tem sido muito solicitada em eventos?
Sim, muitas vezes e todos os dias chegam pedidos. Evidentemente que é impossível poder assistir a todas as iniciativas mesmo que gostasse muito. Agora mesmo, em Paraty, vão fazer uma leitura ininterrupta da Jangada de Pedra e deveria ir ao Brasil, mas é impossível. É um exagero de convites e de energia mas, não podendo atender a todas as iniciativas, enviarei sempre uma mensagem. Estão a inaugurar bibliotecas com o nome de Saramago, põem o nome dele em praças e ruas! A mim, vão-me chegando as notícias pelos meios de comunicação porque nem sequer mo comunicam directamente.
Quando é que a Fundação vai abrir a sede em Lisboa? Em Junho de 2011?
Se calhar. É que as obras são muito complicadas porque encontram-se sempre mais vestígios arquitectónicos, o que obriga outros organismos a envolverem-se. De uma coisa estou certa: é que quando estivermos na Casa dos Bicos a Fundação vai ter outro tipo de visibilidade porque irá converter-se num centro de actividade cultural diária.
Pode adiantar o que se fará?
A Casa dos Bicos não será apenas aquilo que a Fundação Saramago organiza. Vai colocar à disposição de todos o espaço e haverá apresentações de livros, concertos e projecção de cinema político, entre muitas outras actividades. Nós oferecemos a Casa à comunidade para que seja um centro de actividade cultural diária e possa ser visitada diariamente.
Como será organizado o espaço?
A Casa dos Bicos tem cinco pisos. No primeiro, está o centro de interpretação arqueológica; no segundo, um centro de exposições permanentes de livros e assuntos relacionados com José Saramago; no terceiro piso, estará a Fundação propriamente dita; no quarto, será a biblioteca; e no quinto, ainda está por decidir.
Vai manter-se o gabinete que era para ser o do escritor?
Não, não somos mitómanos nem prestamos culto à personalidade.
Saramago ficou muito feliz com a cedência da Casa dos Bicos...
Por isso as suas cinzas irão ficar diante da Casa dos Bicos e por essa razão é que o arquitecto Manuel Vicente chorava desconsoladamente no sábado [do velório]. Dizia: "Eu vi os olhos de Saramago, iluminados, dizendo 'Vou ver o Tejo. Deste escritório vejo passar os barcos'. Foi aí, ouvindo Manuel Vicente, que pensei que Saramago teria de ficar ali e não noutro lugar. Não houve essa disputa pelo Panteão Nacional de que tanto se falou, porque ele tinha de ficar ali.
Se a questão do Panteão nunca se pôs para José Saramago, também a presença de Cavaco Silva no funeral foi uma falsa questão?
Quero deixar claro que Cavaco fez o que tinha a fazer.
Não ir foi o mais correcto?
Sim. Saramago e ele não tinham partilhado a vida e, por dignidade, muito menos teriam de partilhar esse momento final. Enviou as suas condolências e fez o que tinha a fazer. Eu não entrei nunca nessa polémica sobre se Cavaco teria de ir ou não porque me parece que aconteceu o que deveria.
Sempre pensa ir viver para Portugal em Setembro?
Volto. Vou ao Brasil, depois a Itália e aí parto para Portugal.
Mas está a pensar morar mesmo em Portugal?
Sim, sim.
Vai estabelecer em Lisboa a sua vida?
Sim.
Sentirá saudades de Lanzarote?
Vou sentir muitas saudades de Lanzarote... Mas vou voltar de vez em quando porque está cá [em Lanzarote] o espírito de Saramago. Foi aqui que criou o Ensaio sobre a Cegueira, Ensaio sobre a Lucidez, Todos os Nomes, a Caverna, as Intermitências da Morte e Caim e, por isso, este sítio não pode fechar-se. Está cheio de todas essas palavras, esses sussurros e ideias.
Como vai acabar a disputa com o fisco em Espanha?
Não sei no que vai dar! Saramago pagava onde tinha de pagar; como tinha de pagar; no momento em que tinha que pagar e o que tinha de pagar. Sem nenhuma engenharia financeira, sem nenhuma dedução por causa da Fundação, e fê-la com o seu dinheiro. Pôs os seus direitos de autor a pagar os ordenados das pessoas porque não era para ter vantagens. Porquê? Porque acreditou que poderia partilhar dessa maneira, e o que as finanças espanholas fizeram não tem nome.
Foi uma insensibilidade a questão ser anunciada após a morte?
Não, não. A insensibilidade foi dos meios de comunicação, porque isto aconteceu em Abril. A sentença já tinha saído mas publicaram-na no dia do funeral por alguma razão. Para nós não tem nenhuma interferência, porque Saramago cumpriu civicamente com os seus deveres e, quando isto começou há dez anos, pediu auxílio ao Governo de Portugal. O primeiro-ministro de Portugal e o primeiro-ministro de Espanha disseram-lhe que estava resolvido, e creio que ambos estavam convencidos de que assim era. Por outro lado, acredito que houve alguém dentro do fisco espanhol que teve muito empenho em que isto não estivesse resolvido.
Qual terá sido a razão?
Creio que foi uma perseguição claramente política. Quando o primeiro-ministro de Portugal e o primeiro-ministro de Espanha juntos disseram a Saramago que "isto está solucionado" é porque ambos acreditavam que estava. Mas desde logo alguém lhes estava a mentir. E foi aqui de Espanha, de alguém muito concreto de Espanha. Todo este problema surgiu quando Saramago pegou na bandeira da guerra contra o Iraque; quando Saramago enfrentou o Governo dos Estados Unidos e, também, o de Espanha por causa dessa guerra.
Quanto à herança de José Saramago, não há polémica?
Não!
Há um entendimento entre si e a filha, Violante.
Absoluto.
Fazem-lhe falta as polémicas que Saramago conseguia criar?
Não!
Consegue conviver com uma vida mais calma?
Saramago criava polémicas - criou-as inclusivamente depois de morto - mas a mim não me fazem assim tanta falta. Eu vivia-as porque estava ali e porque era a loba, insisto, mas não suspiro pelas polémicas. O meu marido era muito mais radical do que eu, que sou mais apaixonada. Mas ele, sim, era radical - então para a polémica - e entrava nelas com toda a força enquanto eu era muito mais apaziguadora. Ainda que pudesse parecer mais o contrário, era ele o radical.
O que é que lhe faltou fazer com José Saramago?
Nada...
Nada mesmo?
Sobrou-me uma coisa, o pequeno-almoço do dia em que morreu. Ele não queria comer mais e eu insisti: "Vá lá, José, acaba. Tens muitas células para alimentar." Só que eu não sabia que iria morrer uma hora depois. E obriguei-o… Insisti tanto que ele acabou docilmente a tomar o seu batido de frutas e o resto da refeição.
Como é a vida sem José Saramago?
É isto... (aponta para o vazio).
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
«Sou uma competência em arte, mas sou um analfabeto, um atrasado mental em muitas disciplinas»
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Nadir Afonso em entrevista
«Sou uma competência em arte, mas sou um analfabeto, um atrasado mental em muitas disciplinas»
Nasceu em Chaves, nunca perdeu a pronúncia, mesmo quando andou pelo mundo fora, vem sempre à terra natal…Por tudo isto é um transmontano de gema. Mas não é da sua origem que o pintor Nadir Afonso gosta de falar. Do que Nadir fala com verdadeiro entusiasmo é da origem da arte. Da essência. Da teoria. Da sua teoria da arte. “O que é que isto representa?”, perguntam-lhe quase sempre sobre os seus quadros. “São leis. Leis matemáticas”, responde. Poucos o compreendem.
Semanário TRANSMONTANO: Considera-se um transmontano de gema?
Nadir Afonso: Eu acho que sim. Nasci em Chaves. Os meus pais, um era de Montalegre , o outro de Sapelos, no concelho de Boticas.
ST: Então é barrosão?
NA: Os meus pais são, e eu tenho muita honra nisso, mas eu sou flaviense, nasci em Chaves.
ST: Já está há muitos anos em Lisboa, já se considera um alfacinha ou será sempre fla-viense?
NA: Eu sempre fui flaviense. Vivi muitos anos na França, acho que uns 30, agora já não me lembro bem. Fui para lá aos 28 até aos 50, também estive no Brasil, mas fui sempre flaviense. Sempre que podia vinha a Chaves, era aqui que via os meus amigos do Liceu. Os meus grandes amigos estão em Chaves, mas já morreram quase todos.
ST: Os transmontanos têm fama de lutadores, de ter garra, também é assim…
NA: Eu não sou muito lutador. Eu tenho é uma concepção de arte original e debruço-me muito sobre a arte. Fui um indivíduo que desde que me conheço meditei o fenómeno artístico e acho que sou uma competência. Não sei se sou imodesto, se não. Mas eu acho que posso dizer que sou uma competência em arte porque digo que sou um analfabeto, um atrasado mental em outras disciplinas. Quando se fala, por exemplo, em medicina, eu não percebo nada de medicina; fala-se em política, eu não percebo nada de política, fala-se em geografia, eu não percebo nada de geografia, não percebo nada de história, troco tudo. Sou um indivíduo que nunca me prendi muito a esses conhecimentos, mas fui um obcecado pela arte, pelas leis da arte, e toda minha vida meditei sobre elas e parece-me que consegui. Isto pode parecer imodesto, mas criei uma concepção de arte original. E isto é muito importante. E tão original que as pessoas não acreditam em mim.
ST: Não lhe dão ouvidos…
NA: Está a ver, aos estetas, aos arquitectos, nas universidades, ensinam-lhe coisas com as quais eu estou em desacordo…
ST: É controverso…
NA: Sou um indivíduo controverso porque cheguei a conclusões que eles não chegaram. Mesmo grandes filósofos, como Kant e Eagle, dizem coisas que eu acho que são grandes disparates. Eu trabalhei as formas e, ao mesmo tempo, meditei sobre aquilo que instintivamente criei. Quando fazia um traço, meditava: porque raio não fiz aqui um quadrado, não fiz um círculo? Porque meti uma linha recta e não meti uma linha curva? Fui um indivíduo que tentei compreender as motivações da minha obra, tentei elevar ao nível da consciência os impulsos intuitivos. E cheguei a conclusões. A conclusão mais importante da minha vida foi que a arte é regida por leis, coisa que os estetas não acreditam. E mais: as obras de arte são regidas por leis matemáticas. E as pessoas perguntam: mas eu não vejo lá matemática nenhuma? Está certo! Porque é uma matemática intuitiva, inconsciente, apreendida apenas por faculdades intuitivas, extremamente difíceis de perceber.
ST: Ainda tem esperança de que um dia a sua teoria venha a ser reconhecida como plausível?
NA: Há muita gente que acredita em mim, quando falo sobre arte. Realmente este macaco tem razão, este indivíduo pode ser inculto em muita coisa, mas…
ST: considera-se um homem inculto?
NA: Não me considero um homem culto. Fiz um curso de arquitectura sempre…
ST: À rasca…
NA: À rasca e sempre em contrasenso.
ST: Os seus pais preferiam que fosse arquitecto ou pintor?
NA: Os meus pais preferiam que fosse arquitecto. No meu tempo, já lá vão setenta anos, sem exagero, um pintor era considerado um analfabeto. Quando Cheguei às Belas Artes, com o requerimento para entrar em pintura, um contínuo disse-me: então você já tem um curso de liceu e vai-se inscrever em pintura? Oh homem, a pintura é uma coisa sem categoria nenhuma! Vá-se inscrever em arquitectura! E eu, covardemente, fui na conversa daquele contínuo. Covardemente, insisto nisto, rasguei o requerimento para pintura e fiz outro requerimento: Eu, respeitosamente, venho requerer a vossa excelência que se digne a aceitar-me no curso de arquitectura…
ST: ganhou mais dinheiro como arquitecto ou como pintor?
NA: Ganhei mais dinheiro como arquitecto. Só muito tarde é que comecei a vender.
ST: Quando vem para Chaves ainda pinta ou só vem para passar férias:
NA: O ideal era vir só passar férias, mas a minha vida é trabalhar, é pintar. Pinto sempre.
ST: A que horas costuma pintar?
NA: Depende. Posso estar deitado, lembrar-me que uma forma que fiz num quadro pode estar errada, porque uma pessoa revê em imagem o quadro que pinta à tarde e sou capaz de me levantar de noite…
ST: O que é que o inspira?
NA: Essa é uma pergunta muito interessante. Tenho a impressão que é tudo de uma maneira intuitiva. Eu faço um risco na tela, uma linha recta, uma linha recta é arbitrária... Eu digo vou fazer aqui o rosto de uma mulher, uma casa, uma árvore... evidentemente que é o raciocínio que intervém, mas a verdade é esta: quando meto uma forma, essa leva a outras formas. E quando a segunda intervém, essa já tem de ser proporcional à primeira, e aí já não é o raciocínio. A segunda forma é dependente da primeira através de leis matemáticas, a partir daí joga a intuição, o irracional, eu digo irracional, não digo intuitivo, porque não sei bem o que isso é. Quando começo a trabalhar a primeira forma pode ser muito racional, mas a seguir há um jogo de proporções matemáticas. As pessoas não acreditam nisto. Pensam que é tudo racionalizado. O verdadeiro artista não racionaliza, pode racionalizar momentaneamente, mas depois o mecanismo é dado por leis intuitivas.
ST: Já pintou algum quadro que não tenha gostado?
NA: Quantos quadros. Se na hora da morte tiver uma trintena de quadros que me agrade já me dou por satisfeito, e eu fiz milhares.
ST: Na rua, as pessoas reconhecem-no?
NA: Sim, sou reconhecido. Eu faço por ser um homem normal.
ST: Quando o abordam, o que é que as pessoas lhe perguntam?
NA: Como é que o senhor faz? O que é que isso representa? Ai, não representa coisa nenhuma, representa leis, são leis (coloca o dedo indicador na cabeça em sinal de que o tomam por louco). Leis de quê? Leis de matemática! (repete o gesto)
ST: A sua família compreende a sua teoria de arte?
NA: A minha mulher concorda comigo, se bem que ela me diz que tenho que ter cuidado com o que digo. Eu digo coisas sinceras e que caem mal. Uma das coisas que cai pior é quando falo na confusão que existe nas obras de arte. Há grandes artistas que são desconhecidos e artistas insignificantes que são muito conhecidos. E porquê?
Porque são políticos. A política anda no meio da arte como piolho no meio da costura. E eu digo: que sejamos políticos, que sejamos artistas, mas que não se misturem as coisas. A coisa que mais me choca na vida é ver um indivíduo que só por ser político ou politiqueiro é um artista muito conhecido; que é conhecido só porque é sustentado, é o termo, por críticos de arte que são da mesma cor. Eu acho isso revoltante!
ST: Regressemos à sua infância, estudou em Chaves…
NA: Eu era hipersensível. Qualquer coisa me chocava muito. Havia palmas. Havia uma professora... Um dia, cheguei ao meu pai e disse-lhe que não queria ir para a escola, que me batiam, e ele disse-me, então espera aí. O meu pai foi ao pé da professora e disse--lhe, ao meu filho não lhe batas. Mas assisti muito a apanharem nas mãos.
ST: Era brincalhão?
NA: Havia em mim uma sensibilidade doentia, mas, à parte disso, era uma criança normal.
ST: Os seus filhos pintam?
NA: Eu tenho a ideia de que eles podem ser pintores. Ainda não se revelaram. Eu até acho bem que não se revelem. A pintura não é uma actividade que dê satisfação. Há injustiças. A política está metida na arte.
ST: É adepto do Grupo Desportivo do Chaves?
NA: Do Chaves e depois do Porto.
ST: Por onde passa diz que é transmontano?
NA: Faço sempre questão de dizer. O senhor tem uma pronúncia que não é bem português? É que eu sou de Chaves. Nós temos uma pronúncia especial.
ST: Para terminar, uma definição de transmontano de gema...
NA: Um transmontano de gema…é uma pergunta difícil. É aquele que nunca perdeu a pronúncia transmontana por esse mundo fora, que é sempre transmontano ande por onde andar, que vem sempre à sua terra natal
Margarida Luzio, Semanário Transmontano, 2010-08-20
Nadir Afonso em entrevista
«Sou uma competência em arte, mas sou um analfabeto, um atrasado mental em muitas disciplinas»
Nasceu em Chaves, nunca perdeu a pronúncia, mesmo quando andou pelo mundo fora, vem sempre à terra natal…Por tudo isto é um transmontano de gema. Mas não é da sua origem que o pintor Nadir Afonso gosta de falar. Do que Nadir fala com verdadeiro entusiasmo é da origem da arte. Da essência. Da teoria. Da sua teoria da arte. “O que é que isto representa?”, perguntam-lhe quase sempre sobre os seus quadros. “São leis. Leis matemáticas”, responde. Poucos o compreendem.
Semanário TRANSMONTANO: Considera-se um transmontano de gema?
Nadir Afonso: Eu acho que sim. Nasci em Chaves. Os meus pais, um era de Montalegre , o outro de Sapelos, no concelho de Boticas.
ST: Então é barrosão?
NA: Os meus pais são, e eu tenho muita honra nisso, mas eu sou flaviense, nasci em Chaves.
ST: Já está há muitos anos em Lisboa, já se considera um alfacinha ou será sempre fla-viense?
NA: Eu sempre fui flaviense. Vivi muitos anos na França, acho que uns 30, agora já não me lembro bem. Fui para lá aos 28 até aos 50, também estive no Brasil, mas fui sempre flaviense. Sempre que podia vinha a Chaves, era aqui que via os meus amigos do Liceu. Os meus grandes amigos estão em Chaves, mas já morreram quase todos.
ST: Os transmontanos têm fama de lutadores, de ter garra, também é assim…
NA: Eu não sou muito lutador. Eu tenho é uma concepção de arte original e debruço-me muito sobre a arte. Fui um indivíduo que desde que me conheço meditei o fenómeno artístico e acho que sou uma competência. Não sei se sou imodesto, se não. Mas eu acho que posso dizer que sou uma competência em arte porque digo que sou um analfabeto, um atrasado mental em outras disciplinas. Quando se fala, por exemplo, em medicina, eu não percebo nada de medicina; fala-se em política, eu não percebo nada de política, fala-se em geografia, eu não percebo nada de geografia, não percebo nada de história, troco tudo. Sou um indivíduo que nunca me prendi muito a esses conhecimentos, mas fui um obcecado pela arte, pelas leis da arte, e toda minha vida meditei sobre elas e parece-me que consegui. Isto pode parecer imodesto, mas criei uma concepção de arte original. E isto é muito importante. E tão original que as pessoas não acreditam em mim.
ST: Não lhe dão ouvidos…
NA: Está a ver, aos estetas, aos arquitectos, nas universidades, ensinam-lhe coisas com as quais eu estou em desacordo…
ST: É controverso…
NA: Sou um indivíduo controverso porque cheguei a conclusões que eles não chegaram. Mesmo grandes filósofos, como Kant e Eagle, dizem coisas que eu acho que são grandes disparates. Eu trabalhei as formas e, ao mesmo tempo, meditei sobre aquilo que instintivamente criei. Quando fazia um traço, meditava: porque raio não fiz aqui um quadrado, não fiz um círculo? Porque meti uma linha recta e não meti uma linha curva? Fui um indivíduo que tentei compreender as motivações da minha obra, tentei elevar ao nível da consciência os impulsos intuitivos. E cheguei a conclusões. A conclusão mais importante da minha vida foi que a arte é regida por leis, coisa que os estetas não acreditam. E mais: as obras de arte são regidas por leis matemáticas. E as pessoas perguntam: mas eu não vejo lá matemática nenhuma? Está certo! Porque é uma matemática intuitiva, inconsciente, apreendida apenas por faculdades intuitivas, extremamente difíceis de perceber.
ST: Ainda tem esperança de que um dia a sua teoria venha a ser reconhecida como plausível?
NA: Há muita gente que acredita em mim, quando falo sobre arte. Realmente este macaco tem razão, este indivíduo pode ser inculto em muita coisa, mas…
ST: considera-se um homem inculto?
NA: Não me considero um homem culto. Fiz um curso de arquitectura sempre…
ST: À rasca…
NA: À rasca e sempre em contrasenso.
ST: Os seus pais preferiam que fosse arquitecto ou pintor?
NA: Os meus pais preferiam que fosse arquitecto. No meu tempo, já lá vão setenta anos, sem exagero, um pintor era considerado um analfabeto. Quando Cheguei às Belas Artes, com o requerimento para entrar em pintura, um contínuo disse-me: então você já tem um curso de liceu e vai-se inscrever em pintura? Oh homem, a pintura é uma coisa sem categoria nenhuma! Vá-se inscrever em arquitectura! E eu, covardemente, fui na conversa daquele contínuo. Covardemente, insisto nisto, rasguei o requerimento para pintura e fiz outro requerimento: Eu, respeitosamente, venho requerer a vossa excelência que se digne a aceitar-me no curso de arquitectura…
ST: ganhou mais dinheiro como arquitecto ou como pintor?
NA: Ganhei mais dinheiro como arquitecto. Só muito tarde é que comecei a vender.
ST: Quando vem para Chaves ainda pinta ou só vem para passar férias:
NA: O ideal era vir só passar férias, mas a minha vida é trabalhar, é pintar. Pinto sempre.
ST: A que horas costuma pintar?
NA: Depende. Posso estar deitado, lembrar-me que uma forma que fiz num quadro pode estar errada, porque uma pessoa revê em imagem o quadro que pinta à tarde e sou capaz de me levantar de noite…
ST: O que é que o inspira?
NA: Essa é uma pergunta muito interessante. Tenho a impressão que é tudo de uma maneira intuitiva. Eu faço um risco na tela, uma linha recta, uma linha recta é arbitrária... Eu digo vou fazer aqui o rosto de uma mulher, uma casa, uma árvore... evidentemente que é o raciocínio que intervém, mas a verdade é esta: quando meto uma forma, essa leva a outras formas. E quando a segunda intervém, essa já tem de ser proporcional à primeira, e aí já não é o raciocínio. A segunda forma é dependente da primeira através de leis matemáticas, a partir daí joga a intuição, o irracional, eu digo irracional, não digo intuitivo, porque não sei bem o que isso é. Quando começo a trabalhar a primeira forma pode ser muito racional, mas a seguir há um jogo de proporções matemáticas. As pessoas não acreditam nisto. Pensam que é tudo racionalizado. O verdadeiro artista não racionaliza, pode racionalizar momentaneamente, mas depois o mecanismo é dado por leis intuitivas.
ST: Já pintou algum quadro que não tenha gostado?
NA: Quantos quadros. Se na hora da morte tiver uma trintena de quadros que me agrade já me dou por satisfeito, e eu fiz milhares.
ST: Na rua, as pessoas reconhecem-no?
NA: Sim, sou reconhecido. Eu faço por ser um homem normal.
ST: Quando o abordam, o que é que as pessoas lhe perguntam?
NA: Como é que o senhor faz? O que é que isso representa? Ai, não representa coisa nenhuma, representa leis, são leis (coloca o dedo indicador na cabeça em sinal de que o tomam por louco). Leis de quê? Leis de matemática! (repete o gesto)
ST: A sua família compreende a sua teoria de arte?
NA: A minha mulher concorda comigo, se bem que ela me diz que tenho que ter cuidado com o que digo. Eu digo coisas sinceras e que caem mal. Uma das coisas que cai pior é quando falo na confusão que existe nas obras de arte. Há grandes artistas que são desconhecidos e artistas insignificantes que são muito conhecidos. E porquê?
Porque são políticos. A política anda no meio da arte como piolho no meio da costura. E eu digo: que sejamos políticos, que sejamos artistas, mas que não se misturem as coisas. A coisa que mais me choca na vida é ver um indivíduo que só por ser político ou politiqueiro é um artista muito conhecido; que é conhecido só porque é sustentado, é o termo, por críticos de arte que são da mesma cor. Eu acho isso revoltante!
ST: Regressemos à sua infância, estudou em Chaves…
NA: Eu era hipersensível. Qualquer coisa me chocava muito. Havia palmas. Havia uma professora... Um dia, cheguei ao meu pai e disse-lhe que não queria ir para a escola, que me batiam, e ele disse-me, então espera aí. O meu pai foi ao pé da professora e disse--lhe, ao meu filho não lhe batas. Mas assisti muito a apanharem nas mãos.
ST: Era brincalhão?
NA: Havia em mim uma sensibilidade doentia, mas, à parte disso, era uma criança normal.
ST: Os seus filhos pintam?
NA: Eu tenho a ideia de que eles podem ser pintores. Ainda não se revelaram. Eu até acho bem que não se revelem. A pintura não é uma actividade que dê satisfação. Há injustiças. A política está metida na arte.
ST: É adepto do Grupo Desportivo do Chaves?
NA: Do Chaves e depois do Porto.
ST: Por onde passa diz que é transmontano?
NA: Faço sempre questão de dizer. O senhor tem uma pronúncia que não é bem português? É que eu sou de Chaves. Nós temos uma pronúncia especial.
ST: Para terminar, uma definição de transmontano de gema...
NA: Um transmontano de gema…é uma pergunta difícil. É aquele que nunca perdeu a pronúncia transmontana por esse mundo fora, que é sempre transmontano ande por onde andar, que vem sempre à sua terra natal
Margarida Luzio, Semanário Transmontano, 2010-08-20
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