Desperdício Daniel Oliveira (www.expresso.pt)
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Desperdício Daniel Oliveira (www.expresso.pt)
Desperdício
Daniel Oliveira (www.expresso.pt)
Há uns dias, nas ruas Maputo, um miúdo, não mais de 10 anos,
acercou-se à janela do carro onde eu seguia na companhia de um
jornalista luso-moçambicano. Como parecia ser hábito, o rapaz comentou
o que saíra no jornal onde o meu cicerone é editor. Lê tudo. As
notícias, as crónicas, as reportagens. E sobre tudo tem opinião. Como
passa os seus dias na rua, o mais provável é que o rapaz venha a
pertencer ao interminável exército de miseráveis que povoam Moçambique.
Uns dias depois, numa viagem de 'chapa' (carripanas apinhadas de gente)
perguntei a outro miúdo, bem mais novo, muito vivo, se já andava na
escola. A resposta foi rápida: não há 'pasta'. A pobreza de um país é
isto: desperdício.
Portugal já está noutra fase. O desperdício vem mais tarde.
Elisabete Matos é protagonista em "O Navio Fantasma", de Richard
Wagner, no palco do Teatro Real de Madrid. Os espanhóis referem-se a
ela como luso-espanhola e ela gosta. Foi em Portugal, no Conservatório
de Braga, que recebeu a sua formação. Mas foi em Espanha que teve todas
as oportunidades. Disse ao jornal "Público": "Nunca me senti acarinhada
em Portugal, apesar de não haver tantos cantores a fazer carreira
internacional".
O que Elisabete diz já ouvimos das bocas de muitos. Nada disto tem a
ver com a estafada inveja dos portugueses. Como em Moçambique, apenas
num grau diferente, é a pobreza que explica o desperdício. Em Maputo a
inteligência e o talento perdem-se na rua enquanto, nos corredores do
poder, a ganância sorve os poucos recursos que ali chegam. Aqui, a
inteligência foge para o estrangeiro, enquanto a nossa elite, sempre
pronta a promover a mediocridade através da 'cunha', se entretém a
desdenhar as novas gerações que, diz-se, são ignorantes e analfabetas.
Mudámos as nossas escolas. Temos melhores quadros, técnicos,
investigadores, artistas. Falta o mais difícil: ou educar quem manda ou
pôr outros a mandar.
Rostos árabes
Vi, em 2005, espalhados pelas ruas de Sanaa, capital do Iémen, dois
rostos: o de Ali Saleh, presidente da República, e o do xeque Yassin,
líder espiritual do Hamas assassinado pelos israelitas um ano antes. Os
cartazes do primeiro foram colocados pelo Estado, os do segundo pelo
povo. Simplificando, são estas as duas alternativas em muitos países
árabes.
Como muitos dos seus congéneres árabes, Saleh é um pequeno tirano
incompetente num país miserável e em guerra permanente. Longe de ser um
laico, é apoiado por americanos e europeus desde que venceu a frente
iemenita da guerra fria ao Iémen do Sul, comunista. Como no Egipto, na
Tunísia ou na Jordânia, o Ocidente convenceu-se de que apoiar esta
gente seria a melhor forma de travar o crescimento dos islamistas. A
simpatia que então pude observar por Yassin é o mais claro dos
desmentidos.
São estes corruptos que o Ocidente acarinha e escolhe como
protagonistas no combate ao terrorismo. Os apoios que recebem servem,
na maior parte das vezes, para esmagar opositores e concorrentes
indesejados. São eles que acabam por dar munições políticas aos
radicais. Se em países supostamente aliados do Ocidente o Estado só
existe para roubar e reprimir não nos devemos espantar que os povos
árabes tenham dificuldade em ver-nos como amigos da liberdade e da
decência.
Texto publicado na edição do Expresso de 9 de Janeiro de 2010
Daniel Oliveira (www.expresso.pt)
0:00 Quinta-feira, 14 de Jan de 2010 |
acercou-se à janela do carro onde eu seguia na companhia de um
jornalista luso-moçambicano. Como parecia ser hábito, o rapaz comentou
o que saíra no jornal onde o meu cicerone é editor. Lê tudo. As
notícias, as crónicas, as reportagens. E sobre tudo tem opinião. Como
passa os seus dias na rua, o mais provável é que o rapaz venha a
pertencer ao interminável exército de miseráveis que povoam Moçambique.
Uns dias depois, numa viagem de 'chapa' (carripanas apinhadas de gente)
perguntei a outro miúdo, bem mais novo, muito vivo, se já andava na
escola. A resposta foi rápida: não há 'pasta'. A pobreza de um país é
isto: desperdício.
Portugal já está noutra fase. O desperdício vem mais tarde.
Elisabete Matos é protagonista em "O Navio Fantasma", de Richard
Wagner, no palco do Teatro Real de Madrid. Os espanhóis referem-se a
ela como luso-espanhola e ela gosta. Foi em Portugal, no Conservatório
de Braga, que recebeu a sua formação. Mas foi em Espanha que teve todas
as oportunidades. Disse ao jornal "Público": "Nunca me senti acarinhada
em Portugal, apesar de não haver tantos cantores a fazer carreira
internacional".
O que Elisabete diz já ouvimos das bocas de muitos. Nada disto tem a
ver com a estafada inveja dos portugueses. Como em Moçambique, apenas
num grau diferente, é a pobreza que explica o desperdício. Em Maputo a
inteligência e o talento perdem-se na rua enquanto, nos corredores do
poder, a ganância sorve os poucos recursos que ali chegam. Aqui, a
inteligência foge para o estrangeiro, enquanto a nossa elite, sempre
pronta a promover a mediocridade através da 'cunha', se entretém a
desdenhar as novas gerações que, diz-se, são ignorantes e analfabetas.
Mudámos as nossas escolas. Temos melhores quadros, técnicos,
investigadores, artistas. Falta o mais difícil: ou educar quem manda ou
pôr outros a mandar.
Rostos árabes
Vi, em 2005, espalhados pelas ruas de Sanaa, capital do Iémen, dois
rostos: o de Ali Saleh, presidente da República, e o do xeque Yassin,
líder espiritual do Hamas assassinado pelos israelitas um ano antes. Os
cartazes do primeiro foram colocados pelo Estado, os do segundo pelo
povo. Simplificando, são estas as duas alternativas em muitos países
árabes.
Como muitos dos seus congéneres árabes, Saleh é um pequeno tirano
incompetente num país miserável e em guerra permanente. Longe de ser um
laico, é apoiado por americanos e europeus desde que venceu a frente
iemenita da guerra fria ao Iémen do Sul, comunista. Como no Egipto, na
Tunísia ou na Jordânia, o Ocidente convenceu-se de que apoiar esta
gente seria a melhor forma de travar o crescimento dos islamistas. A
simpatia que então pude observar por Yassin é o mais claro dos
desmentidos.
São estes corruptos que o Ocidente acarinha e escolhe como
protagonistas no combate ao terrorismo. Os apoios que recebem servem,
na maior parte das vezes, para esmagar opositores e concorrentes
indesejados. São eles que acabam por dar munições políticas aos
radicais. Se em países supostamente aliados do Ocidente o Estado só
existe para roubar e reprimir não nos devemos espantar que os povos
árabes tenham dificuldade em ver-nos como amigos da liberdade e da
decência.
Texto publicado na edição do Expresso de 9 de Janeiro de 2010
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