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Reflexão sobre o mundo

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Mensagem por Viriato Ter Mar 16, 2010 3:58 am

Reflexão sobre o mundo

por MÁRIO SOARES

1 Hoje não escrevo sobre a política portuguesa. Estamos numa pausa, entre o congresso do PSD, a aprovação do Orçamento e o debate sobre o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), que aí vem. A situação não é brilhante, como todos sentem e sabem. Mas não é também desesperada, como os derrotistas de serviço pretendem, baseados tão-só em números, estatísticas discutíveis e metas, arbitrariamente, fixadas pelo Banco Central Europeu e, por isso, mutáveis, como tudo na vida.

Hoje proponho-me invocar, caros leitores, uma temática diferente, muito mais ampla, mas decisivamente importante, embora não interesse particularmente a muitos portugueses, que vivem confinados ao seu umbigo nacional.

O mundo em geral - que é cada vez mais um só - a União Europeia, que perdeu o dinamismo e o prestígio de outro tempo e corre o risco de se desagregar, a Península Ibérica, do Atlântico e do Mediterrâneo, das relações especiais com a Ibero-América e com África, a que nos sentimos tão ligados. Obviamente que vou deixar-vos tão-só alguns breves tópicos para um começo de reflexão:

2 A globalização. Resultou, como se sabe, dos progressos extraordinários das modernas tecnologias de informação - e da ciência em geral -, que vieram para ficar. Os Estados e os continentes, as civilizações e as religiões, não podem hoje fechar-se mais sobre eles próprios, em comportamentos estanques. Todos, quase no mesmo momento, sabemos, se quisermos, tudo o que se passa, em toda a parte…

A globalização atinge-nos a todos - uns mais do que outros, naturalmente -, e não só no plano da economia ou da finança mas também no domínio do conhecimento, do ambiente, da política e da nossa própria maneira de viver - antes tão diferenciada - e dos nossos gostos e valores, hoje tão semelhantes. Do Japão à China, da Federação Russa à União Europeia e aos Estados Unidos.

A globalização no domínio financeiro e, por consequência, económico está desregulada, porque busca o lucro fácil e - sendo o dinheiro o supremo valor - perdeu as regras éticas e os valores pelos quais se regia o capitalismo industrial, como nos ensinou Max Weber. Foi o neoliberalismo como ideologia que originou a crise global do capitalismo financeiro-especulativo, dito de casino, com os "paraísos fiscais" e a economia virtual, que facilitou as grandes negociatas sem regras, para não dizer ilegais. Começando nos Estados Unidos, contaminou a União Europeia e, depois, o mundo.

Será possível regulamentar a globalização por forma a ser mais justa e igualitária? Até agora, ao contrário do que foi prometido, por Bill Clinton, por exemplo, não foi.

3 A ONU. Criada no final da II Guerra Mundial, a ONU - e as suas organizações especializadas - tentou restabelecer uma ordem internacional, após o fracasso da Sociedade das Nações. A verdade é que - apesar da divisão do mundo em dois blocos rivais, liderados pelos Estados Unidos e pela URSS - conseguiu evitar a hecatombe de uma terceira guerra mundial, mantendo-se no limite do que Foster Dulles chamou o "equilíbrio do terror". E, assim, com mais ou menos conflitos e guerras regionais, podemos levar à conta da ONU - e das suas variadas organizações especializadas - textos de referência como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de Dezembro de 1948 - e de todos os outros que se lhes seguiram -, para garantir a paz e o bem-estar das populações, no domínio mundial.

Contudo, com o colapso da URSS - e a evolução democrática dos Estados da Europa de Leste -, a América do Norte convenceu-se da sua invulnerabilidade, como potência hegemónica mundial. E tentou marginalizar a ONU, criando ad hoc estranhas organizações dos países considerados mais ricos: o G7; o G8; o G20 e, finalmente, após a Conferência de Copenhaga, o G2: os Estados Unidos e a China…

A verdade é que sem umas Nações Unidas, actualizadas, com a reforma e alargamento do Conselho de Segurança, que integre as novas potências emergentes e os Estados vencidos na última guerra mundial, como o Japão e a Alemanha (ou a União Europeia, como um todo, o que seria mais racional), o mundo não tem meios de poder regularizar a globalização, de modo a instituir uma nova ordem mundial, tão necessária. Contudo, não foram ainda criadas as condições para a conseguir.

4 O terrorismo islâmico. O 11 de Setembro de 2001 demonstrou a vulnerabilidade da potência hegemónica. Foi um fenómeno inédito, que abalou o mundo, e que ainda hoje é mal conhecido e estudado. O que é a Al-Qaeda? Donde lhe vem o poder das armas e do dinheiro? Quais os seus objectivos? Que relações tem com a religião islâmica de que se reclama?

Os Estados Unidos de George Bush reagiram pessimamente ao fenómeno do terrorismo. Declaram-lhe "guerra", sem saberem muito bem a quem e como? Lançaram-se em duas guerras - no Afeganistão e no Iraque - que até agora constituíram um desastre, com resultados muito negativos, que só reforçaram a Al-Qaeda e, em vez de a isolar, só lhe trouxeram aliados conjunturais. Para além de terem arrastado uma organização dita defensiva - a NATO - para a Guerra do Afeganistão, um perigoso precedente, donde sairá, seguramente, muito desprestigiada…

Pelo contrário, a Al-Qaeda, organização constituída em rede muito alargada e com aparente autonomia, está a estender-se estrategicamente pela África do Norte, com ramificações que vão até ao Atlântico…

5 Dois outros fenómenos de sentido contrário. São eles o fenómeno novo da cidadania global, que teve a sua primeira aparição em Seattle, e, depois, se manifestaram nos fora sociais mundiais, que começaram em Porto Alegre, Brasil, e que a Internet tem vindo a incentivar. Isto é: as pessoas das mais diferentes condições nacionais e sociais pensam pela sua cabeça - desde que vivam em democracia - com a informação que lhes chega, e manifestam-se a favor ou contra. O que começa a ter um peso considerável nos governos e nos Estados.

O outro fenómeno - que está relacionado com o primeiro - foi a eleição de Barack Obama como Presidente dos Estados Unidos num momento de crise global. O que teve que ver com o desastre do capitalismo financeiro-especulativo e a consciencialização popular que daí resultou. Parecia impossível a América eleger um afro--americano. Mas conseguiu. Só isso constitui uma revolução, em termos americanos.

Hoje, a Barack Obama, um humanista e um pacifista, caiu o peso do mundo em cima, e os grandes responsáveis da crise - e que não admitem mudar de modelo económico - organizaram-se para o combater, por todos os modos. Espero que resista, que consiga fazer aprovar a Lei do Serviço Nacional de Saúde e que consiga mudar a política mundial, no sentido da paz, do diálogo e de uma maior justiça social, apesar das dificuldades que têm vindo a acontecer.

6 E a União Europeia? A União Europeia tem estado paralisada. Foi incapaz, até agora, de defi- nir uma estratégia concertada, entre todos os Estados da União, de ataque à crise. A polí- tica tem sido do "salve-se quem puder", o contrário do projecto europeu de igualdade, unidade e solidariedade entre os Estados membros. Uma vergonha!

A pouco e pouco, tem vindo a impor-se uma espécie de directório dos grandes (Alemanha, Reino Unido e França) que pode ser um começo de um grande risco: a desagregação europeia. Os grandes líderes políticos parecem ser, na União Europeia de hoje, uma casta em vias de extinção… A Europa foi construída por duas grandes famílias político-ideológicas: o socialismo democrático e a democracia-cristã. Ambas foram "colonizadas" pelo neoliberalismo, e que se têm mostrado, até agora, incapazes (mais a segunda do que a primeira, diga-se) de renovar as suas estratégias e objectivos. É possível - tenho essa esperança - que o impasse da crise, para ser superado, as obrigue às mudanças que se impõem. A necessidade, por vezes, abre os olhos aos políticos. Há sinais de mudança no âmbito do Partido Socialista Europeu. As eleições regionais na França, a subida do Partido Trabalhista britânico e no próprio Partido Social Democrata alemão, agora na oposição, são a demonstração dessa mudança. Espero que os "grandes" - e especialmente a Alemanha - percebam que devem ser solidários com a Grécia. Bem como a Comissão Europeia. Veremos…

E Portugal, no meio de tudo isto? Está a sofrer da indecisão europeia e das mudanças extraordinárias que estão a ocorrer no mundo. Mas não creio que haja razão, em vista da União, no seu conjunto de Estados, para não acreditarmos no nosso futuro. Hoje, Portugal tem um grande prestígio no mundo e outros recursos que não vêm só da União Europeia, como em 1986. Hoje, estamos na CPLP e na Comunidade Ibero-Americana. E temos outros recursos humanos e materiais. Mas isso poderá ser talvez o tema do próximo artigo.
Viriato
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