Coisas do arco da velha II
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Coisas do arco da velha II
Relembrando a primeira mensagem :
Terreno fértil para os maus exemplos
por MARIA DE LURDES VALE
Hoje
Em Março do ano passado, o PP ganhou as eleições na Galiza, que era governada por uma coligação entre socialistas e o Bloco Nacionalista Galego desde 2005. A vitória dos populares foi fácil porque o terreno era demasiado fértil.Vejamos como.
A partir de 2007, a situação económica de Espanha começou a derrapar. O crescimento dos últimos quinze anos deu sinais de estagnação e o desemprego aumentou a olhos vistos. O sector da construção estalou e houve milhares de operários que ficaram sem trabalho. A Galiza foi uma das comunidades onde mais se sentiram os efeitos deste abrandamento. O número de desempregados alcançou o resultado histórico de 200 mil pessoas, algo que só acontecera em 1997.
Ainda a campanha eleitoral não tinha começado e já os jornais exploravam o que todos os cidadãos queriam saber e ler. O efeito de contágio passou rapidamente da imprensa escrita para as televisões e para as conversas de café. Descobriu-se que o presidente da Galiza Emílio Perez Touriño, eleito pelo PSOE quatro anos antes, tinha feito obras de 2,2 milhões de euros no seu gabinete, que o decorara com móveis no valor de 200 mil euros e que mandara comprar um Audi blindado que custara ao erário público cerca de 480 mil euros. Um carro que era mais caro que o do Presidente dos EUA, diziam os títulos. O povo, que passava dificuldades, não gostou de saber que quem o governava fazia gastos destes e votou em quem prometeu vender o carro e as luxuosas mobílias. Alberto Núñez Feijóo, do PP, é hoje o presidente da Galiza. Ganhou com maioria absoluta e rapidamente se desenvencilhou do automóvel, dos armários, das prateleiras e das cadeiras do seu antecessor.
Ontem, ouvimos Jean-Claude Trichet dizer que a Europa vive a situação mais difícil desde a Primeira Guerra Mundial. Se assim é, não há que ter contemplações nos cortes da despesa pública e em tudo o que seja supérfluo. Pedir aos cidadãos que se sacrifiquem, aumentando os impostos e reduzindo os salários dos funcionários, não chega e apenas vai provocar a ira social. Há que dar o exemplo, mais exemplos do que o simples anúncio de ligeiras reduções nos ordenados de ministros, que todos sabemos usarem recibos ou facturas de despesas que são debitadas ao Estado.
O vox populi em Portugal, Espanha, Irlanda ou Grécia é que não é justo pedir mais sacrifícios aos mesmos de sempre quando os políticos não sabem dar o exemplo. Zapatero, quando anunciou as medidas de austeridade no Congresso, pediu aos espanhóis um "esforço nacional e colectivo". Ontem, Sócrates pediu aos portugueses "um esforço e um pequeno contributo". Fica registado.
In DN
Terreno fértil para os maus exemplos
por MARIA DE LURDES VALE
Hoje
Em Março do ano passado, o PP ganhou as eleições na Galiza, que era governada por uma coligação entre socialistas e o Bloco Nacionalista Galego desde 2005. A vitória dos populares foi fácil porque o terreno era demasiado fértil.Vejamos como.
A partir de 2007, a situação económica de Espanha começou a derrapar. O crescimento dos últimos quinze anos deu sinais de estagnação e o desemprego aumentou a olhos vistos. O sector da construção estalou e houve milhares de operários que ficaram sem trabalho. A Galiza foi uma das comunidades onde mais se sentiram os efeitos deste abrandamento. O número de desempregados alcançou o resultado histórico de 200 mil pessoas, algo que só acontecera em 1997.
Ainda a campanha eleitoral não tinha começado e já os jornais exploravam o que todos os cidadãos queriam saber e ler. O efeito de contágio passou rapidamente da imprensa escrita para as televisões e para as conversas de café. Descobriu-se que o presidente da Galiza Emílio Perez Touriño, eleito pelo PSOE quatro anos antes, tinha feito obras de 2,2 milhões de euros no seu gabinete, que o decorara com móveis no valor de 200 mil euros e que mandara comprar um Audi blindado que custara ao erário público cerca de 480 mil euros. Um carro que era mais caro que o do Presidente dos EUA, diziam os títulos. O povo, que passava dificuldades, não gostou de saber que quem o governava fazia gastos destes e votou em quem prometeu vender o carro e as luxuosas mobílias. Alberto Núñez Feijóo, do PP, é hoje o presidente da Galiza. Ganhou com maioria absoluta e rapidamente se desenvencilhou do automóvel, dos armários, das prateleiras e das cadeiras do seu antecessor.
Ontem, ouvimos Jean-Claude Trichet dizer que a Europa vive a situação mais difícil desde a Primeira Guerra Mundial. Se assim é, não há que ter contemplações nos cortes da despesa pública e em tudo o que seja supérfluo. Pedir aos cidadãos que se sacrifiquem, aumentando os impostos e reduzindo os salários dos funcionários, não chega e apenas vai provocar a ira social. Há que dar o exemplo, mais exemplos do que o simples anúncio de ligeiras reduções nos ordenados de ministros, que todos sabemos usarem recibos ou facturas de despesas que são debitadas ao Estado.
O vox populi em Portugal, Espanha, Irlanda ou Grécia é que não é justo pedir mais sacrifícios aos mesmos de sempre quando os políticos não sabem dar o exemplo. Zapatero, quando anunciou as medidas de austeridade no Congresso, pediu aos espanhóis um "esforço nacional e colectivo". Ontem, Sócrates pediu aos portugueses "um esforço e um pequeno contributo". Fica registado.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
O humorista no labirinto
.
O humorista no labirinto
por JOEL NETO
Hoje
Tenho escrito aqui sobre os humoristas portugueses e os dolorosos dilemas que se lhes colocam. Reféns da urgência da piada seguinte, na sua vida profissional tanto quanto na pessoal, os humoristas já nascem personagens literárias por excelência. Entretanto, o lusitano anónimo define uma tarde bem passada com a frase: "Ai, a gente rimos-se tanto..." E, como se isso não bastasse, os defuntos Gato Fedorento deixaram tão alta a fasquia da qualidade que deixou de ser possível fazer humor sem ouvir em fundo a lengalenga do "Falam, falam...", como uma espécie de oráculo fantasma.
O que Nuno Markl faz em 5 Para a Meia-Noite é, de alguma maneira, expressão disso tudo ao mesmo tempo. Primeiro porque assenta quase em exclusivo nos modelos em que o humor mainstream se deixou acantonar, autodepreciação à cabeça. Depois porque não sente qualquer necessidade de transcender as referências a que a geração em voga conseguiu reduzir-se, particularmente o saudosismo dos muito kitsch, muito ternos e muitíssimo batidos anos 80. E finalmente porque, no meio desse lodaçal de facilitismo, acabam por verter da sua apresentação sinais de um declínio que, na verdade, a sua idade e o seu talento não justificam.
Nuno Markl não é Herman José. Não tem a idade de Herman, não tem o património artístico dele e, a avaliar por aquilo que ambos sempre fazem questão de revelar sobre a sua vida pessoal, não tem as contas para pagar que Herman tem. Que use tantas vezes a palavra "eu" ao longo de cada emissão de 5 Para a Meia-Noite não apenas é constrangedor, como é desnecessário. Ao contrário do que talvez tema, o fim do seu tempo não está assim tão próximo.
In DN
O humorista no labirinto
por JOEL NETO
Hoje
Tenho escrito aqui sobre os humoristas portugueses e os dolorosos dilemas que se lhes colocam. Reféns da urgência da piada seguinte, na sua vida profissional tanto quanto na pessoal, os humoristas já nascem personagens literárias por excelência. Entretanto, o lusitano anónimo define uma tarde bem passada com a frase: "Ai, a gente rimos-se tanto..." E, como se isso não bastasse, os defuntos Gato Fedorento deixaram tão alta a fasquia da qualidade que deixou de ser possível fazer humor sem ouvir em fundo a lengalenga do "Falam, falam...", como uma espécie de oráculo fantasma.
O que Nuno Markl faz em 5 Para a Meia-Noite é, de alguma maneira, expressão disso tudo ao mesmo tempo. Primeiro porque assenta quase em exclusivo nos modelos em que o humor mainstream se deixou acantonar, autodepreciação à cabeça. Depois porque não sente qualquer necessidade de transcender as referências a que a geração em voga conseguiu reduzir-se, particularmente o saudosismo dos muito kitsch, muito ternos e muitíssimo batidos anos 80. E finalmente porque, no meio desse lodaçal de facilitismo, acabam por verter da sua apresentação sinais de um declínio que, na verdade, a sua idade e o seu talento não justificam.
Nuno Markl não é Herman José. Não tem a idade de Herman, não tem o património artístico dele e, a avaliar por aquilo que ambos sempre fazem questão de revelar sobre a sua vida pessoal, não tem as contas para pagar que Herman tem. Que use tantas vezes a palavra "eu" ao longo de cada emissão de 5 Para a Meia-Noite não apenas é constrangedor, como é desnecessário. Ao contrário do que talvez tema, o fim do seu tempo não está assim tão próximo.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Manta rota
.
Manta rota
por FERNANDA CÂNCIO
Ontem
Foi há um ano, só. Um Passos Coelho de tronco nu "como qualquer português" (repórter da TVI dixit) no seu rés do chão enquadrado em alumínios, caniche ao colo, maravilha os portugueses com a sua "simplicidade". Alheias ao facto de o recém-empossado PM ter afirmado que o governo não teria "tempo para se sentar", as reportagens de TV e imprensa retratam o líder do executivo que acabara de confiscar meio subsídio de Natal a todos os portugueses (mesmo os que não recebem subsídio de férias, como estarão tantos a verificar agora, nas notificações de pagamento do IRS) como "o tipo porreirão" que "está aqui no meio do povo, um homem do povo e para o povo", "sem exigências especiais".
Podia ser só o retrato de um governante naïf , incapaz de perceber que por mais que quisesse manter "tudo igual", um tal grau de exposição era impossível de sustentar. Mas não: era o retrato de um governante naïf que pensou poder usar o estado de graça e a intimidade familiar para ganhar vantagem, exibindo uma ilusória proximidade com "o povo" e nessa exibição certificando a sua "seriedade"e "carácter genuíno". E, como vamos percebendo cada vez melhor, é o retrato de um homem que se decalca de um modelo tão nosso conhecido, cada vez mais reconhecível no discurso e na obstinação de destino. Na exaltação da pobreza como redenção, da modéstia como suprema qualidade, no balanço das contas como religião, Passos apropria-se (se é que disso tem consciência, mas se não tem é bom que se informe) do cerne do discurso salazarento.
Há, claro, quem considere que o uso deste qualificativo para um governante eleito democraticamente é um exagero e um insulto. Mas apelidar um discurso ou uma atitude de salazarenta não significa, é claro, dizer que o alvo da observação é antidemocrático ou visa impor uma ditadura; pode referir uma estética ou um referencial de valores. E muito mais relevante que a discussão sobre se Passos se inspira em Salazar é o que este seu discurso implica.
Para um primeiro-ministro que, com um ano de mandato, já logrou a proeza de ter falhado em tudo aquilo a que se propôs, com primazia para "o acerto das contas", que desdisse tudo o que era o seu discurso pré-eleições, cuja principal medida orçamental para este ano e seguintes é ilegal e que se depara dia após dia com o efeito da descredibilização, o fechamento na retórica providencial, que é também e sobretudo uma forma de vitimização, parece ser o último recurso.
Ele só quer salvar o País, a tal ponto que se está "a lixar para as eleições" (escapa-lhe, parece, que em regimes democráticos só se consegue "salvar o país" se eleito). Ele sabe muito bem para onde vai, mesmo se nos seus já famosos improvisos troca os passos a si mesmo: "Não se pode dizer que estamos a tomar demasiado remédio para a febre e ao mesmo tempo que a febre sobe mais do que é suposto com o remédio. Alguma coisa aqui não bate certo."
Não bate, não. Esfarrapado o "projeto", só resta mesmo a Passos este farrapo de discurso.
In DN
Manta rota
por FERNANDA CÂNCIO
Ontem
Foi há um ano, só. Um Passos Coelho de tronco nu "como qualquer português" (repórter da TVI dixit) no seu rés do chão enquadrado em alumínios, caniche ao colo, maravilha os portugueses com a sua "simplicidade". Alheias ao facto de o recém-empossado PM ter afirmado que o governo não teria "tempo para se sentar", as reportagens de TV e imprensa retratam o líder do executivo que acabara de confiscar meio subsídio de Natal a todos os portugueses (mesmo os que não recebem subsídio de férias, como estarão tantos a verificar agora, nas notificações de pagamento do IRS) como "o tipo porreirão" que "está aqui no meio do povo, um homem do povo e para o povo", "sem exigências especiais".
Podia ser só o retrato de um governante naïf , incapaz de perceber que por mais que quisesse manter "tudo igual", um tal grau de exposição era impossível de sustentar. Mas não: era o retrato de um governante naïf que pensou poder usar o estado de graça e a intimidade familiar para ganhar vantagem, exibindo uma ilusória proximidade com "o povo" e nessa exibição certificando a sua "seriedade"e "carácter genuíno". E, como vamos percebendo cada vez melhor, é o retrato de um homem que se decalca de um modelo tão nosso conhecido, cada vez mais reconhecível no discurso e na obstinação de destino. Na exaltação da pobreza como redenção, da modéstia como suprema qualidade, no balanço das contas como religião, Passos apropria-se (se é que disso tem consciência, mas se não tem é bom que se informe) do cerne do discurso salazarento.
Há, claro, quem considere que o uso deste qualificativo para um governante eleito democraticamente é um exagero e um insulto. Mas apelidar um discurso ou uma atitude de salazarenta não significa, é claro, dizer que o alvo da observação é antidemocrático ou visa impor uma ditadura; pode referir uma estética ou um referencial de valores. E muito mais relevante que a discussão sobre se Passos se inspira em Salazar é o que este seu discurso implica.
Para um primeiro-ministro que, com um ano de mandato, já logrou a proeza de ter falhado em tudo aquilo a que se propôs, com primazia para "o acerto das contas", que desdisse tudo o que era o seu discurso pré-eleições, cuja principal medida orçamental para este ano e seguintes é ilegal e que se depara dia após dia com o efeito da descredibilização, o fechamento na retórica providencial, que é também e sobretudo uma forma de vitimização, parece ser o último recurso.
Ele só quer salvar o País, a tal ponto que se está "a lixar para as eleições" (escapa-lhe, parece, que em regimes democráticos só se consegue "salvar o país" se eleito). Ele sabe muito bem para onde vai, mesmo se nos seus já famosos improvisos troca os passos a si mesmo: "Não se pode dizer que estamos a tomar demasiado remédio para a febre e ao mesmo tempo que a febre sobe mais do que é suposto com o remédio. Alguma coisa aqui não bate certo."
Não bate, não. Esfarrapado o "projeto", só resta mesmo a Passos este farrapo de discurso.
In DN
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Está bonito!
.
Está bonito!
por PAULO BALDAIA
Hoje
Isto anda bonito. Um país intervencionado, onde a austeridade imposta está a destruir postos de trabalho num processo necessário de ajustamento da economia, descobre agora que alguns dos grandes investimentos previstos para o breve prazo, afinal, foram para o caixote do lixo. Não discuto os méritos das propostas nem a responsabilidade das partes, que isso é conversa para outros rosários, mas espanto-me que a facilidade com que se aprovaram estes projectos seja a mesma facilidade com que se anuncia que os "milagres" eram falsos.
Adiante. Parece impossível, mas há coisas bem piores do que megainvestimentos que são falsas promessas ou até bem piores do que o desemprego. Parece impossível, mas há. Não consigo imaginar coisa pior do que ter salários em atraso. Salários que não são pagos é pôr as pessoas a trabalhar para o boneco e fazê-las pagar por isso, é que trabalhar custa dinheiro em transportes e refeições.
Estamos a chegar ao mais temível momento das crises económicas, aquele em que ninguém sai bem na fotografia. O Estado que nos saca tudo e um saca-rolhas, dando-nos cada vez menos em troca. Patrões que nos exigem cada vez mais trabalho sem contrapartidas. Sindicatos que promovem lutas e greves em empresas à beira de falência. Trabalhadores que julgam ser apenas portadores de direitos.
Adiante. Estamos a lançar os últimos foguetes, inebriados pelo calor do Verão, julgando até que pior do que já estamos é impossível. Mas não é! Estamos com níveis de desemprego a bater recordes e os que trabalham pagam impostos como nunca pagaram, mas pior do que tudo isso é ter emprego, pagar impostos e não receber salários. Por estes dias, a cada 24 horas há mais de cem pessoas a pedir a intervenção do Fundo de Garantia Salarial, porque nas empresas onde trabalham não há quem lhes pague.
Não quero ser pessimista, mas a experiência de vida diz-me que este é o fenómeno a que vamos ter de dar mais atenção no último trimestre do ano. Tem de haver regras claras, tem de haver bom senso. A crise grave que vivemos não pode servir de justificação para tudo. Empresários e trabalhadores devem lutar pela reconversão das empresas para que elas sejam viáveis, mas a salvação não pode ser conseguida à custa dos mais fracos. Quem trabalha tem direito a salário, pago a tempo e horas de acordo com a lei.
E isto também acontece num país que vê as Finanças anunciarem com orgulho que recuperaram cerca de 260 milhões de euros. Graças a um regime excepcional de regularização tributária, o terceiro e último, garante o Governo. No primeiro e no segundo também tinham dito que não havia mais nenhum. O que era crime deixou de ser. Não há nada que o dinheiro não (a)pague.
In DN
Está bonito!
por PAULO BALDAIA
Hoje
Isto anda bonito. Um país intervencionado, onde a austeridade imposta está a destruir postos de trabalho num processo necessário de ajustamento da economia, descobre agora que alguns dos grandes investimentos previstos para o breve prazo, afinal, foram para o caixote do lixo. Não discuto os méritos das propostas nem a responsabilidade das partes, que isso é conversa para outros rosários, mas espanto-me que a facilidade com que se aprovaram estes projectos seja a mesma facilidade com que se anuncia que os "milagres" eram falsos.
Adiante. Parece impossível, mas há coisas bem piores do que megainvestimentos que são falsas promessas ou até bem piores do que o desemprego. Parece impossível, mas há. Não consigo imaginar coisa pior do que ter salários em atraso. Salários que não são pagos é pôr as pessoas a trabalhar para o boneco e fazê-las pagar por isso, é que trabalhar custa dinheiro em transportes e refeições.
Estamos a chegar ao mais temível momento das crises económicas, aquele em que ninguém sai bem na fotografia. O Estado que nos saca tudo e um saca-rolhas, dando-nos cada vez menos em troca. Patrões que nos exigem cada vez mais trabalho sem contrapartidas. Sindicatos que promovem lutas e greves em empresas à beira de falência. Trabalhadores que julgam ser apenas portadores de direitos.
Adiante. Estamos a lançar os últimos foguetes, inebriados pelo calor do Verão, julgando até que pior do que já estamos é impossível. Mas não é! Estamos com níveis de desemprego a bater recordes e os que trabalham pagam impostos como nunca pagaram, mas pior do que tudo isso é ter emprego, pagar impostos e não receber salários. Por estes dias, a cada 24 horas há mais de cem pessoas a pedir a intervenção do Fundo de Garantia Salarial, porque nas empresas onde trabalham não há quem lhes pague.
Não quero ser pessimista, mas a experiência de vida diz-me que este é o fenómeno a que vamos ter de dar mais atenção no último trimestre do ano. Tem de haver regras claras, tem de haver bom senso. A crise grave que vivemos não pode servir de justificação para tudo. Empresários e trabalhadores devem lutar pela reconversão das empresas para que elas sejam viáveis, mas a salvação não pode ser conseguida à custa dos mais fracos. Quem trabalha tem direito a salário, pago a tempo e horas de acordo com a lei.
E isto também acontece num país que vê as Finanças anunciarem com orgulho que recuperaram cerca de 260 milhões de euros. Graças a um regime excepcional de regularização tributária, o terceiro e último, garante o Governo. No primeiro e no segundo também tinham dito que não havia mais nenhum. O que era crime deixou de ser. Não há nada que o dinheiro não (a)pague.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
O desmaião do alemão
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O desmaião do alemão
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Vi e revi. Vídeo desfocado em momentos semicruciais, mas dá para ver o que se passou, sem margem para dúvidas. Caminhando o árbitro alemão com dois jogadores do Benfica e com o amarelo na mão para punir, surgiu-lhe inopinadamente Luisão. Este, no cumprimento das suas funções de capitão, afastou com o ombro direito um colega e postou-se frente ao árbitro. Chocaram. Este simples facto extravasa as funções do capitão, que deveria ter sido expulso. Não o foi porque o árbitro desmaiou, de pernas e abraços abertos como, talvez, nos palcos de mau teatro. Digo "talvez" porque sucede também em situações de AVC e desconheço o boletim clínico do alemão. Aconteceu isto em jogo de futebol (desporto enérgico) e com regras (que impedem que se toque no árbitro). Luisão deveria ter sido expulso, por infração disciplinar, e deveria continuar a ser considerado o que é, um atleta correto. E o árbitro deveria curar-se, da tensão alta ou da baixice. O presidente do Fortuna de Dusseldorf disse: "Nunca vi nada assim." Estranho, tinha ele 27 anos, Mundial de 82, Alemanha-França, e o guardião Schumacher partiu três dentes e feriu duas vértebras ao francês Battiston. O encosto foi considerado - e bem - não intencional. Mas isso é futebol e um presidente pode não perceber de futebol. Ele também quer de volta os 200 mil euros que pagou ao Benfica pelo jogo. Isso é melhor pagar, ele é alemão e a extorquir eles são hábeis. Melhores, só a dar lições.
In DN
O desmaião do alemão
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Vi e revi. Vídeo desfocado em momentos semicruciais, mas dá para ver o que se passou, sem margem para dúvidas. Caminhando o árbitro alemão com dois jogadores do Benfica e com o amarelo na mão para punir, surgiu-lhe inopinadamente Luisão. Este, no cumprimento das suas funções de capitão, afastou com o ombro direito um colega e postou-se frente ao árbitro. Chocaram. Este simples facto extravasa as funções do capitão, que deveria ter sido expulso. Não o foi porque o árbitro desmaiou, de pernas e abraços abertos como, talvez, nos palcos de mau teatro. Digo "talvez" porque sucede também em situações de AVC e desconheço o boletim clínico do alemão. Aconteceu isto em jogo de futebol (desporto enérgico) e com regras (que impedem que se toque no árbitro). Luisão deveria ter sido expulso, por infração disciplinar, e deveria continuar a ser considerado o que é, um atleta correto. E o árbitro deveria curar-se, da tensão alta ou da baixice. O presidente do Fortuna de Dusseldorf disse: "Nunca vi nada assim." Estranho, tinha ele 27 anos, Mundial de 82, Alemanha-França, e o guardião Schumacher partiu três dentes e feriu duas vértebras ao francês Battiston. O encosto foi considerado - e bem - não intencional. Mas isso é futebol e um presidente pode não perceber de futebol. Ele também quer de volta os 200 mil euros que pagou ao Benfica pelo jogo. Isso é melhor pagar, ele é alemão e a extorquir eles são hábeis. Melhores, só a dar lições.
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
A vingançazinha da ex-RDA tão boa a espiar como a correr
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A vingançazinha da ex-RDA tão boa a espiar como a correr
por LEONÍDIO PAULO FERREIRA
Hoje
Não lembra a ninguém que no mesmo dia duas notícias falem da RDA. É que a Alemanha comunista desapareceu em 1990 e tirando os colecionadores de pedaços do Muro de Berlim e a minoria que vota no Partido da Esquerda, o Die Linke, ninguém se costuma recordar dela.
Mas Zita Seabra ligou-a às suas suspeitas de que os ares condicionados serviam para espiar no Portugal da década de 80 (seriam dinheiros da RDA a financiar a fábrica) e no mesmo dia as americanas bateram em Londres o recorde da estafeta dos 100 metros que era das mulheres-maravilha da RDA desde 1985, ano em que havia ainda Guerra Fria e a editora militava no PCP.
Dois episódios que ilustram o pior e o melhor desse projeto de paraíso comunista alemão, o mais artificial dos países do Bloco Soviético. Por um lado, a tentação tipo polvo do regime, com vontade de tudo saber, o que levou à tentacular Stasi, com centenas de milhares de agentes e de informadores num país com apenas 16 milhões de habitantes. Por outro, os êxitos desportivos de uma nação quase do tamanho de Portugal que em Seul, em 1988, conseguiu mais ouros que os Estados Unidos e o triplo dos da RFA, a irmã muito mais populosa.
Foram os últimos Jogos Olímpicos para a RDA e mais tarde, a manchar essa memória, vieram as denúncias de doping. O que não impede que no imaginário coletivo a Alemanha comunista tenha ficado como a mais eficaz das potências de Leste, no desporto como na economia, mesmo que os Trabbant fizessem triste figura perante o BMW ou Audi da Alemanha Ocidental.
Que houvesse uma Alemanha comunista após a Segunda Guerra Mundial só surpreende quem não conhecer a história do país. Marx e Engels, os grandes teóricos do comunismo no século XIX, eram alemães. E os spartakistas tentaram em 1919 levar a revolução a Berlim, procurando imitar aquilo que os bolcheviques tinham conseguido na Rússia. Contra Hitler, foram ainda os comunistas os alemães mais ativos, com dirigentes a morrerem em Buchenwald, outros regressando dos campos de concentração ou do exílio para construírem a RDA sob tutela de Moscovo.
Alguns bons filmes dão-nos uma ideia do que foi essa República Democrática Alemã (óbvia opção pelo adjetivo, enquanto a República Federal da Alemanha era ostensiva no uso do substantivo). Adeus, Lenine é uma homenagem em forma de comédia à Ostalgie que sentem certos alemães de Leste por um regime que em troca da opressão cuidava de todos, do berço ao túmulo. Já A Vida dos Outros desmascara a tentação totalitária, com escutas mesmo na casa daqueles que serviam o Poder. Em livro, recomenda-se Stasiland, relatos de quem viveu do outro lado do Muro de Berlim antes da reunificação e da chuva de dinheiro do Ocidente que mesmo assim, passados 20 anos, não nivelou as metades.
Mas entre histórias de espionagem e recordes também do tempo da Guerra Fria, a RDA pode reclamar hoje uma vingançazinha. Tanto a chanceler Angela Merkel como o Presidente alemão Joachim Gauck são produtos da Alemanha comunista. Claro que eram opositores, mas os seus valores de austeridade devem muito ao luteranismo como à vivência numa pátria que se habituou a ver o luxo do capitalismo só através dos neons do outro lado do muro.
In DN
A vingançazinha da ex-RDA tão boa a espiar como a correr
por LEONÍDIO PAULO FERREIRA
Hoje
Não lembra a ninguém que no mesmo dia duas notícias falem da RDA. É que a Alemanha comunista desapareceu em 1990 e tirando os colecionadores de pedaços do Muro de Berlim e a minoria que vota no Partido da Esquerda, o Die Linke, ninguém se costuma recordar dela.
Mas Zita Seabra ligou-a às suas suspeitas de que os ares condicionados serviam para espiar no Portugal da década de 80 (seriam dinheiros da RDA a financiar a fábrica) e no mesmo dia as americanas bateram em Londres o recorde da estafeta dos 100 metros que era das mulheres-maravilha da RDA desde 1985, ano em que havia ainda Guerra Fria e a editora militava no PCP.
Dois episódios que ilustram o pior e o melhor desse projeto de paraíso comunista alemão, o mais artificial dos países do Bloco Soviético. Por um lado, a tentação tipo polvo do regime, com vontade de tudo saber, o que levou à tentacular Stasi, com centenas de milhares de agentes e de informadores num país com apenas 16 milhões de habitantes. Por outro, os êxitos desportivos de uma nação quase do tamanho de Portugal que em Seul, em 1988, conseguiu mais ouros que os Estados Unidos e o triplo dos da RFA, a irmã muito mais populosa.
Foram os últimos Jogos Olímpicos para a RDA e mais tarde, a manchar essa memória, vieram as denúncias de doping. O que não impede que no imaginário coletivo a Alemanha comunista tenha ficado como a mais eficaz das potências de Leste, no desporto como na economia, mesmo que os Trabbant fizessem triste figura perante o BMW ou Audi da Alemanha Ocidental.
Que houvesse uma Alemanha comunista após a Segunda Guerra Mundial só surpreende quem não conhecer a história do país. Marx e Engels, os grandes teóricos do comunismo no século XIX, eram alemães. E os spartakistas tentaram em 1919 levar a revolução a Berlim, procurando imitar aquilo que os bolcheviques tinham conseguido na Rússia. Contra Hitler, foram ainda os comunistas os alemães mais ativos, com dirigentes a morrerem em Buchenwald, outros regressando dos campos de concentração ou do exílio para construírem a RDA sob tutela de Moscovo.
Alguns bons filmes dão-nos uma ideia do que foi essa República Democrática Alemã (óbvia opção pelo adjetivo, enquanto a República Federal da Alemanha era ostensiva no uso do substantivo). Adeus, Lenine é uma homenagem em forma de comédia à Ostalgie que sentem certos alemães de Leste por um regime que em troca da opressão cuidava de todos, do berço ao túmulo. Já A Vida dos Outros desmascara a tentação totalitária, com escutas mesmo na casa daqueles que serviam o Poder. Em livro, recomenda-se Stasiland, relatos de quem viveu do outro lado do Muro de Berlim antes da reunificação e da chuva de dinheiro do Ocidente que mesmo assim, passados 20 anos, não nivelou as metades.
Mas entre histórias de espionagem e recordes também do tempo da Guerra Fria, a RDA pode reclamar hoje uma vingançazinha. Tanto a chanceler Angela Merkel como o Presidente alemão Joachim Gauck são produtos da Alemanha comunista. Claro que eram opositores, mas os seus valores de austeridade devem muito ao luteranismo como à vivência numa pátria que se habituou a ver o luxo do capitalismo só através dos neons do outro lado do muro.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
A vingança de Francisco Louçã
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A vingança de Francisco Louçã
por FERREIRA FERNANDES
Ontem
Ainda em março o New York Times, para falar delas em título, tinha de fazer sons onomatopaicos: "Russian Riot Grrrrrls Jailed" ("Presas as russas Rrrrraparigas da Revolta"). Vão dizer-me: mas como pode haver pudor em dizer o nome da banda russa, Pussy Riot, quando atrizes respeitáveis interpretam "The Vagina Monologues"?! Acontece, porém, que em inglês "pussy" está para "vagina" - sendo a mesma coisa - como na culinária a sandes de courato está para o tornedó. Por isso, há meia dúzia de meses, os jornais anglófonos escondiam com mil cuidados as Pussy Riot. Mas elas acabaram de saltar para os títulos. Ontem, o NYT já não as negava e o londrino Times tinha uma manchete de fazer corar a rainha Vitoria: "Pussy Riot uproar" (O Rebuliço das Pussy Riot). Não queiram saber a novidade que isto é para um debate político quase centenário... A seguir à Revolução de Outubro de 1917, os russos estavam divididos entre as teses de Estaline e as de Trotski. Os estalinistas, satisfeitos com o que tinham, a revolução num só país, apesar de a velha Rússia ser atrasada e de camponeses; os trotskistas, convencidos de que o socialismo só podia vingar se fosse exportado para os países industrializados e modernos. Na luta de poder em Moscovo, ganhou Estaline. Ora, o que agora vemos é que três raparigas punk conseguiram o que Trotski falhou. As Pussy Riot, à falta de impor a "riot" (revolta) à Rússia, impuseram a "pussy" aos ingleses e americanos.
In DN
A vingança de Francisco Louçã
por FERREIRA FERNANDES
Ontem
Ainda em março o New York Times, para falar delas em título, tinha de fazer sons onomatopaicos: "Russian Riot Grrrrrls Jailed" ("Presas as russas Rrrrraparigas da Revolta"). Vão dizer-me: mas como pode haver pudor em dizer o nome da banda russa, Pussy Riot, quando atrizes respeitáveis interpretam "The Vagina Monologues"?! Acontece, porém, que em inglês "pussy" está para "vagina" - sendo a mesma coisa - como na culinária a sandes de courato está para o tornedó. Por isso, há meia dúzia de meses, os jornais anglófonos escondiam com mil cuidados as Pussy Riot. Mas elas acabaram de saltar para os títulos. Ontem, o NYT já não as negava e o londrino Times tinha uma manchete de fazer corar a rainha Vitoria: "Pussy Riot uproar" (O Rebuliço das Pussy Riot). Não queiram saber a novidade que isto é para um debate político quase centenário... A seguir à Revolução de Outubro de 1917, os russos estavam divididos entre as teses de Estaline e as de Trotski. Os estalinistas, satisfeitos com o que tinham, a revolução num só país, apesar de a velha Rússia ser atrasada e de camponeses; os trotskistas, convencidos de que o socialismo só podia vingar se fosse exportado para os países industrializados e modernos. Na luta de poder em Moscovo, ganhou Estaline. Ora, o que agora vemos é que três raparigas punk conseguiram o que Trotski falhou. As Pussy Riot, à falta de impor a "riot" (revolta) à Rússia, impuseram a "pussy" aos ingleses e americanos.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Afinal, somos só aldrabões
.
Afinal, somos só aldrabões
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Soube-se, ontem, da catástrofe, pior que o Terramoto de Lisboa (10 mil mortos): em dois anos, desapareceram 134 mil filhos em Portugal! Dados como cidadãos em 2009, desapareceram 104 mil, em 2010, e 30 mil, em 2011. Assim, sem dizer água vai, nem foto "Desaparecido" nos vidros dos supermercados... Uma tragédia enorme e misteriosa. Teremos abatido uma geração, como Herodes? 134 mil é muita gente, é Viseu a desaparecer três vezes. A confirmar-se, em matéria de desaparecimentos o triângulo das Bermudas seria uma brincadeira comparado com o buraco negro do Fisco, onde os infelizes foram vistos pela última vez. Fisco? Eu disse Fisco? Sim, os 134 mil estavam nas declarações de impostos dos pais, em 2009, e, depois, desapareceram, quando passou a ser obrigatório o número de identificação fiscal dos filhos nas declarações do IRS. Então, querem ver que...? Sim, há que considerar a hipótese dos 134 mil serem filhos fantasmas, inventados, concebidos só para sacar benefícios, de 190 a 380 euros, e, quando passou a haver controlo, foram abatidos. Metaforicamente abatidos, apagados nas declarações. Não houve holocausto, só aldrabice de papelada. Uff, fico tranquilo! Embora, como hoje em dia são sempre os alemães a julgar, não sei se, sendo só aldrabões, não ficamos ainda mais mal vistos.
In DN
Afinal, somos só aldrabões
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Soube-se, ontem, da catástrofe, pior que o Terramoto de Lisboa (10 mil mortos): em dois anos, desapareceram 134 mil filhos em Portugal! Dados como cidadãos em 2009, desapareceram 104 mil, em 2010, e 30 mil, em 2011. Assim, sem dizer água vai, nem foto "Desaparecido" nos vidros dos supermercados... Uma tragédia enorme e misteriosa. Teremos abatido uma geração, como Herodes? 134 mil é muita gente, é Viseu a desaparecer três vezes. A confirmar-se, em matéria de desaparecimentos o triângulo das Bermudas seria uma brincadeira comparado com o buraco negro do Fisco, onde os infelizes foram vistos pela última vez. Fisco? Eu disse Fisco? Sim, os 134 mil estavam nas declarações de impostos dos pais, em 2009, e, depois, desapareceram, quando passou a ser obrigatório o número de identificação fiscal dos filhos nas declarações do IRS. Então, querem ver que...? Sim, há que considerar a hipótese dos 134 mil serem filhos fantasmas, inventados, concebidos só para sacar benefícios, de 190 a 380 euros, e, quando passou a haver controlo, foram abatidos. Metaforicamente abatidos, apagados nas declarações. Não houve holocausto, só aldrabice de papelada. Uff, fico tranquilo! Embora, como hoje em dia são sempre os alemães a julgar, não sei se, sendo só aldrabões, não ficamos ainda mais mal vistos.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Os bons empregos conseguem-se ao jantar
.
Os bons empregos conseguem-se ao jantar
por ANDRÉ MACEDO
Hoje
Tenho um amigo que navega muito em sites estrangeiros por questões terapêuticas. Em vez de ir ao psicólogo recompor-se das agruras encontrou um método mais barato: passa os olhos por oportunidades de carreira fora de Portugal e assim mantém uma perspetiva equilibrada sobre a realidade. O que ele descobriu é bom: nem todos os países têm um outlook tão negro como o nosso - há negócios, há crescimento, há emprego por esse mundo fora -, e só perceber isso já é um grande alívio.
Esta semana, por exemplo, a Economist publicava um anúncio de emprego inesperado. A Rainha de Inglaterra - na verdade o Ministério das Finanças - acaba de lançar um concurso para o cargo de governador do Banco Central de Inglaterra. O atual governador, Marvyn King, termina o mandato em junho, é preciso encontrar um substituto e nada melhor do que um anúncio para escolher o mais capaz. Quem souber de macroeconomia e for "bom comunicador" (cito o reclame) pode enviar o CV. Deixo aqui o e-mail: boe.governor@hmtreasury.gsi.gov.uk.
Por razões evidentes, não estou a pensar em Gaspar. Estou apenas a confirmar que somos especiais. Não me lembro de uma única oferta de emprego para cargos de topo nacionais. Nem no Banco de Portugal, nem em qualquer regulador, nem sequer em empresas públicas. Julgo até que poderia ser considerado perigoso um anúncio assim. Nós temos outro método de escolha. Resolvemos tudo em segredo, a meio de uma jantarada, e é nessa atmosfera íntima que se estabelece a cumplicidade que garante o êxito de Portugal.
Este método de recrutamento tem imensas vantagens. Não se perde tempo com maçadas: pesquisas, entrevistas, etc. Os candidatos são quase sempre os mesmos, capazes até de acumular responsabilidades extraordinárias em sectores da mais diversa natureza. E há sempre uma justificação para as contratações: uma relação direta entre o contratado, quem contrata e a confiança pessoal que unirá os dois para sempre. É uma forma muito particular de transparência em assuntos do Estado.
Nos próximos dias, só para dar um exemplo, vamos ficar a saber quem são os administradores nomeados pelo Governo para o BCP e o BPI. São lugares muito relevantes que permitem estar onde ainda está algum dinheiro. Não falta gente capaz de os desempenhar. Gente que sabe de banca, risco de crédito e essas minudências. O problema é que estes gestores (em regra) não jantam com as pessoas, digamos, mais adequadas. Resta-lhes navegar na Internet e ler os classificados da Economist. Talvez um dia se safem ao serviço da Rainha.
In DN
Os bons empregos conseguem-se ao jantar
por ANDRÉ MACEDO
Hoje
Tenho um amigo que navega muito em sites estrangeiros por questões terapêuticas. Em vez de ir ao psicólogo recompor-se das agruras encontrou um método mais barato: passa os olhos por oportunidades de carreira fora de Portugal e assim mantém uma perspetiva equilibrada sobre a realidade. O que ele descobriu é bom: nem todos os países têm um outlook tão negro como o nosso - há negócios, há crescimento, há emprego por esse mundo fora -, e só perceber isso já é um grande alívio.
Esta semana, por exemplo, a Economist publicava um anúncio de emprego inesperado. A Rainha de Inglaterra - na verdade o Ministério das Finanças - acaba de lançar um concurso para o cargo de governador do Banco Central de Inglaterra. O atual governador, Marvyn King, termina o mandato em junho, é preciso encontrar um substituto e nada melhor do que um anúncio para escolher o mais capaz. Quem souber de macroeconomia e for "bom comunicador" (cito o reclame) pode enviar o CV. Deixo aqui o e-mail: boe.governor@hmtreasury.gsi.gov.uk.
Por razões evidentes, não estou a pensar em Gaspar. Estou apenas a confirmar que somos especiais. Não me lembro de uma única oferta de emprego para cargos de topo nacionais. Nem no Banco de Portugal, nem em qualquer regulador, nem sequer em empresas públicas. Julgo até que poderia ser considerado perigoso um anúncio assim. Nós temos outro método de escolha. Resolvemos tudo em segredo, a meio de uma jantarada, e é nessa atmosfera íntima que se estabelece a cumplicidade que garante o êxito de Portugal.
Este método de recrutamento tem imensas vantagens. Não se perde tempo com maçadas: pesquisas, entrevistas, etc. Os candidatos são quase sempre os mesmos, capazes até de acumular responsabilidades extraordinárias em sectores da mais diversa natureza. E há sempre uma justificação para as contratações: uma relação direta entre o contratado, quem contrata e a confiança pessoal que unirá os dois para sempre. É uma forma muito particular de transparência em assuntos do Estado.
Nos próximos dias, só para dar um exemplo, vamos ficar a saber quem são os administradores nomeados pelo Governo para o BCP e o BPI. São lugares muito relevantes que permitem estar onde ainda está algum dinheiro. Não falta gente capaz de os desempenhar. Gente que sabe de banca, risco de crédito e essas minudências. O problema é que estes gestores (em regra) não jantam com as pessoas, digamos, mais adequadas. Resta-lhes navegar na Internet e ler os classificados da Economist. Talvez um dia se safem ao serviço da Rainha.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Jesus ter mulher dá bandeira queimada?
.
Jesus ter mulher dá bandeira queimada?
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Sou a favor de certos atentados, como os que, por legítima defensa, poderiam (e deveriam) ser feitos contra o homem que fez o tal filme anti-Islão. De que atentados falo? De um encharcado nas trombas do realizador, cristão copta egípcio que, no bem-bom da Califórnia, acirrou cáfilas de exaltados que se aproveitam do menor pretexto para atacar os cristãos coptas egípcios que, esses, vivem no Egito sem proteção da polícia americana. Encharcado pespegado, não vejo mais que violência possa ser justificada neste caso. Até o canalha desse realizador copta tem direito de fazer uma xaropada sobre a pretensa vida sexual do Maomé. Que isso pode ofender muçulmanos? Pode. Mas parte do mundo aprendeu que podem coexistir o direito a sentir-se ofendido e o direito de dizer (filmar, pintar...) mesmo com o risco de poder ofender outros. Não é má ideia. Não fosse assim, ontem, a minha porteira não se teria sentido só perplexa quando ouviu no telejornal que um milenário papiro copta (estes parecem danados para a ofensa, mas foi só coincidência) revelava que "Jesus tinha mulher." Ela ouviu aquilo, ofendeu-se (acreditou toda a vida na pureza sexual de Jesus) mas limitou-se a abanar a cabeça. Não foi para a rua queimar bandeiras e invadir a primeira embaixada. Se a minha porteira conseguiu fazer uma figura decente, julgo que os clérigos muçulmanos que se engasgam com o tal filme também podiam conter-se. E se não puderem, tratem-se.
In DN
Jesus ter mulher dá bandeira queimada?
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Sou a favor de certos atentados, como os que, por legítima defensa, poderiam (e deveriam) ser feitos contra o homem que fez o tal filme anti-Islão. De que atentados falo? De um encharcado nas trombas do realizador, cristão copta egípcio que, no bem-bom da Califórnia, acirrou cáfilas de exaltados que se aproveitam do menor pretexto para atacar os cristãos coptas egípcios que, esses, vivem no Egito sem proteção da polícia americana. Encharcado pespegado, não vejo mais que violência possa ser justificada neste caso. Até o canalha desse realizador copta tem direito de fazer uma xaropada sobre a pretensa vida sexual do Maomé. Que isso pode ofender muçulmanos? Pode. Mas parte do mundo aprendeu que podem coexistir o direito a sentir-se ofendido e o direito de dizer (filmar, pintar...) mesmo com o risco de poder ofender outros. Não é má ideia. Não fosse assim, ontem, a minha porteira não se teria sentido só perplexa quando ouviu no telejornal que um milenário papiro copta (estes parecem danados para a ofensa, mas foi só coincidência) revelava que "Jesus tinha mulher." Ela ouviu aquilo, ofendeu-se (acreditou toda a vida na pureza sexual de Jesus) mas limitou-se a abanar a cabeça. Não foi para a rua queimar bandeiras e invadir a primeira embaixada. Se a minha porteira conseguiu fazer uma figura decente, julgo que os clérigos muçulmanos que se engasgam com o tal filme também podiam conter-se. E se não puderem, tratem-se.
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Vítor Gaspar, o anti-Nobel primário
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Vítor Gaspar, o anti-Nobel primário
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Leram as justificações do comité sueco ao atribuir o Nobel de Economia? É um ataque claro a Vítor Gaspar, só pode. O comité ditou para a ata: "Este ano, o prémio recompensa um problema económico central: como associar diferentes agentes o melhor possível." Se era para sublinhar exatamente o que Gaspar não sabe fazer - ele que até o seu Governo desune -, não se podia ser mais acintoso. Vítor Gaspar é perito em desassociar o melhor possível até os agentes que nem diferentes são e pertencem ao mesmo governo. Se houvesse um anti-Nobel de Economia, era ele. Os americanos Alvin Roth e Lloyd Shapley ganharam o prémio pelo seu trabalho sobre como as diferentes escolhas podem ser feitas sem precisar dos preços (dinheiro) como mecanismo. O trabalho deles, todos os jornais já falaram disso, dedicou-se a pensar como os novos médicos se distribuem num hospital e os estudantes numa escola, os casais se encontram para dar certo, os órgãos transplantados chegam aos doentes... Enfim, coisas da vida. Da vida, área que o nosso ministro das Finanças desconhece (e, suspeito, tem raiva de quem conhece). Vítor Gaspar lê aquilo das "diferentes escolhas que podem ser feitas sem precisar do preço como mecanismo", e afasta logo a ideia com a soberba lenta que o caracteriza. Tudo que foge ao acerto de contas é-lhe indiferente. Mas esse não é o problema maior. O problema maior é que, depois, ele não acerta as contas.
In DN
Vítor Gaspar, o anti-Nobel primário
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Leram as justificações do comité sueco ao atribuir o Nobel de Economia? É um ataque claro a Vítor Gaspar, só pode. O comité ditou para a ata: "Este ano, o prémio recompensa um problema económico central: como associar diferentes agentes o melhor possível." Se era para sublinhar exatamente o que Gaspar não sabe fazer - ele que até o seu Governo desune -, não se podia ser mais acintoso. Vítor Gaspar é perito em desassociar o melhor possível até os agentes que nem diferentes são e pertencem ao mesmo governo. Se houvesse um anti-Nobel de Economia, era ele. Os americanos Alvin Roth e Lloyd Shapley ganharam o prémio pelo seu trabalho sobre como as diferentes escolhas podem ser feitas sem precisar dos preços (dinheiro) como mecanismo. O trabalho deles, todos os jornais já falaram disso, dedicou-se a pensar como os novos médicos se distribuem num hospital e os estudantes numa escola, os casais se encontram para dar certo, os órgãos transplantados chegam aos doentes... Enfim, coisas da vida. Da vida, área que o nosso ministro das Finanças desconhece (e, suspeito, tem raiva de quem conhece). Vítor Gaspar lê aquilo das "diferentes escolhas que podem ser feitas sem precisar do preço como mecanismo", e afasta logo a ideia com a soberba lenta que o caracteriza. Tudo que foge ao acerto de contas é-lhe indiferente. Mas esse não é o problema maior. O problema maior é que, depois, ele não acerta as contas.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
A Oeste nada de novo
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A Oeste nada de novo
por ALBERTO GONÇALVES
Hoje
O extraordinário não é que António José Seguro se afirme "preparado para governar", nem que o faça sob o divertido argumento de que o "investimento" público garante o crescimento económico.
O extraordinário é que, se as eleições se realizassem hoje, o PS do dr. Seguro e os argumentos do dr. Seguro sairiam muito provavelmente vencedores. Já chega de culpar os políticos pela desgraça do País: o País desceu a isto por culpa do bom povo. Crise de representação? Nem vê-la. Feitas as contas, os nossos representantes representam-nos com esmero.
É preciso notar que o eleitorado, ou pelo menos a parte do eleitorado que pesa, não está descontente com os senhores da coligação do poder por estes terem demorado ano e meio a iniciar, segundo consta, um esboço de reforma estatal. O eleitorado anda irritado porque o Governo vem aumentando os impostos para evitar bulir no Estado. Quando, e se, bulir, o eleitorado andará irritadíssimo. Poucos são os que desejam reformas, "refundações" ou mudanças: milhões de criaturas sonham com a imobilidade absoluta, mesmo após constatarem que essa imobilidade possui um custo que, a pronto ou habitualmente a crédito, não poderemos continuar a pagar.
Paradoxal? Os paradoxos não nos atrapalham. É por isso que enquanto nos queixamos da crise estamos dispostos a legitimar nas urnas o exacto partido que apressou a crise e as exactas alucinações que tornaram a crise obrigatória. Como o maluquinho que volta a enfiar o dedo na tomada depois de cada choque, uma impressionante quantidade de portugueses não aprende. E é duvidoso que venha a aprender.
A verdade, que quase ninguém admite para não ferir susceptibilidades, é que não percebemos a razão de acontecer o que nos acontece. Descontados os casos de má-fé, as reacções à visita da sra. Merkel exibem o desnorte que por aí vai. Não falo dos arruaceiros, nitidamente empenhados em reinar sobre as ruínas. Falo dos bem-intencionados como Marcelo Rebelo de Sousa, que patrocinou um filmezinho destinado a mostrar aos alemães que do Minho ao Algarve há gente boa (parece que as autoridades berlinenses deitaram o filmezinho ao lixo). E falo da empresa de Marco de Canaveses que quer oferecer à chanceler um cabaz com azeite, vinho do Porto, enchidos, queijo e "outras iguarias" (suspeito que o cabaz não chegará ao destino).
Isto seria genial se o drama pátrio fosse a Alemanha supor que somos antipáticos e incapazes de produzir uma morcela decente. Sucede que o problema não é esse: o problema é precisarmos do dinheiro alemão para não nos afundarmos de vez à conta da estroinice indígena. E nada indica que o contribuinte de lá ceda à filantropia após provar um vintage da Ramos Pinto. No meio disto, sobra a sra. Merkel, suficientemente atenta aos perigos da implosão do Sul para nos amparar a austeridade e suficientemente atenta aos votantes dela para impedir que o amparo seja incondicional. E só. Se não respeitamos a realidade, é altamente duvidoso que a realidade venha a respeitar-nos. De qualquer modo, é enternecedor ver Portugal explicado por quem não o compreende.
Quarta-feira, 7 de Novembro
Uma vitória europeia no Ohio
A "inclinação" dos media, uma campanha particularmente desonesta dos adversários e o furacão Sandy não explicam tudo. Mitt Romney perdeu porque, hoje, o tipo de programa necessário para ganhar as "primárias" republicanas é justamente o tipo de programa que torna inevitável a derrota nas "presidenciais". Como John McCain, Mitt Romney é um conservador dito da velha guarda, ou seja, liberal na economia e (relativamente) progressista nos costumes. Como John McCain, Romney viu-se obrigado a inflectir à "direita" no segundo item para assegurar a nomeação e, depois, garantir a hipótese da vitória final. Não lhe faltou muito para esta, mas faltou--lhe o suficiente. E sobrou uma dúvida acerca do futuro do seu partido, crescentemente escasso nos centros urbanos onde se concentram as elites "esclarecidas" e os dependentes do Estado que festejam o triunfo de Obama. O GOP está perante um dilema.
Infelizmente, o país também. O que de melhor tem a América, leia-se a aversão inata às estruturas de poder, mistura-se com o que de pior tem a América, leia-se um certo "enclausuramento" face ao mundo e ao tempo, e deixa o caminho livre ao resto. E o resto, da crença nas propriedades divinas do "investimento" público ao reaccionarismo económico, do ressentimento social ao relativismo cultural, da "superioridade" moral ao corporativismo "étnico", é pura Europa. Não admira que por cá se venere Obama enquanto se detesta os EUA.
Sexta-feira, 9 de Novembro
A 'caridadezinha' e a falta dela
Num debate televisivo, Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar Contra a Pobreza, cometeu o erro de opinar sobre aquilo que os pobres devem fazer e ofendeu os que opinam sobre o que os pobres devem sentir. Está bem uma para os outros? Nem tanto: aprecie-se ou não a abordagem, o facto é que a dra. Jonet já ajudou imensos necessitados. O mesmo não se pode dizer de muitos dos que, cheios de arrogância pelintra, a insultam. Além dos insultos, prometem no Facebook deixar de contribuir para o Banco Alimentar, o que, no estapafúrdio pressuposto de que alguma vez tivessem contribuído, mostra a consideração dessa gente pelos pobres, os quais ou comem sob as condições ideológicas adequadas ou passam fome. Consta que a larica aprimora o espírito.
Sábado, 10 de Novembro
A indignação de António Arnaut
Na semana passada, escrevi aqui sobre o contrato (por ajuste directo) de assessoria jurídica celebrado entre a Escola Superior de Enfermagem de Coimbra e a firma António Arnaut e Associados. Esta semana, António Arnaut escreveu ao director do DN sobre o que eu escrevi. Além de se indignar muitíssimo, António Arnaut corrige-me ou esforça-se por corrigir-me.
Em primeiro lugar, António Arnaut não gostou da referência ao "pai" do Serviço Nacional de Saúde que cobra remuneração ao filho e esclarece-me que o estabelecimento de ensino em questão "obviamente" não integra o SNS. "Obviamente", é claro que não. Mas o facto de ser uma instituição pública, financiada pelo erário público, repleta de protocolos com hospitais públicos e destinada a formar profissionais que presumivelmente na sua maioria servirão em instâncias públicas não distancia muito uma coisa da outra. É a história da letra e do espírito, como um insigne jurista decerto saberá.
Em segundo lugar, António Arnaut informa-me ter deixado de exercer há dez anos e legado o nome de baptismo e o nome da firma ao filho que actualmente a mantém. Quanto a isto, não me custa pedir desculpa pela confusão, embora as circunstâncias a proporcionem: se um sujeito encontra duas rodas ligadas a um quadro com um selim no topo e a pedaleira a meio, o sujeito conclui facilmente estar perante uma bicicleta e não um bico de Bunsen.
A terminar, estranho sobretudo uma coisa. Por um lado, António Arnaut assume que, "ainda que [...] fosse titular do contrato, tratava-se do normal exercício profissional". Por outro lado, farta-se de falar em "má-fé", "injúria", "imputações dolosas", "ofensa gratuita", "considerações gravemente ofensivas", "injustiça", "falsidade" e "acinte", não porque eu o acusasse de chacinas étnicas, mas porque me limitei a atribuir-lhe um comportamento que ele considera irrepreensível. Francamente, não percebo. Temo, aliás, nunca ter percebido os estatistas: para mim, quem disserta jovialmente acerca da maneira de gastar o dinheiro dos outros é grego - nos sentidos coloquial e literal.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
In DN
A Oeste nada de novo
por ALBERTO GONÇALVES
Hoje
O extraordinário não é que António José Seguro se afirme "preparado para governar", nem que o faça sob o divertido argumento de que o "investimento" público garante o crescimento económico.
O extraordinário é que, se as eleições se realizassem hoje, o PS do dr. Seguro e os argumentos do dr. Seguro sairiam muito provavelmente vencedores. Já chega de culpar os políticos pela desgraça do País: o País desceu a isto por culpa do bom povo. Crise de representação? Nem vê-la. Feitas as contas, os nossos representantes representam-nos com esmero.
É preciso notar que o eleitorado, ou pelo menos a parte do eleitorado que pesa, não está descontente com os senhores da coligação do poder por estes terem demorado ano e meio a iniciar, segundo consta, um esboço de reforma estatal. O eleitorado anda irritado porque o Governo vem aumentando os impostos para evitar bulir no Estado. Quando, e se, bulir, o eleitorado andará irritadíssimo. Poucos são os que desejam reformas, "refundações" ou mudanças: milhões de criaturas sonham com a imobilidade absoluta, mesmo após constatarem que essa imobilidade possui um custo que, a pronto ou habitualmente a crédito, não poderemos continuar a pagar.
Paradoxal? Os paradoxos não nos atrapalham. É por isso que enquanto nos queixamos da crise estamos dispostos a legitimar nas urnas o exacto partido que apressou a crise e as exactas alucinações que tornaram a crise obrigatória. Como o maluquinho que volta a enfiar o dedo na tomada depois de cada choque, uma impressionante quantidade de portugueses não aprende. E é duvidoso que venha a aprender.
A verdade, que quase ninguém admite para não ferir susceptibilidades, é que não percebemos a razão de acontecer o que nos acontece. Descontados os casos de má-fé, as reacções à visita da sra. Merkel exibem o desnorte que por aí vai. Não falo dos arruaceiros, nitidamente empenhados em reinar sobre as ruínas. Falo dos bem-intencionados como Marcelo Rebelo de Sousa, que patrocinou um filmezinho destinado a mostrar aos alemães que do Minho ao Algarve há gente boa (parece que as autoridades berlinenses deitaram o filmezinho ao lixo). E falo da empresa de Marco de Canaveses que quer oferecer à chanceler um cabaz com azeite, vinho do Porto, enchidos, queijo e "outras iguarias" (suspeito que o cabaz não chegará ao destino).
Isto seria genial se o drama pátrio fosse a Alemanha supor que somos antipáticos e incapazes de produzir uma morcela decente. Sucede que o problema não é esse: o problema é precisarmos do dinheiro alemão para não nos afundarmos de vez à conta da estroinice indígena. E nada indica que o contribuinte de lá ceda à filantropia após provar um vintage da Ramos Pinto. No meio disto, sobra a sra. Merkel, suficientemente atenta aos perigos da implosão do Sul para nos amparar a austeridade e suficientemente atenta aos votantes dela para impedir que o amparo seja incondicional. E só. Se não respeitamos a realidade, é altamente duvidoso que a realidade venha a respeitar-nos. De qualquer modo, é enternecedor ver Portugal explicado por quem não o compreende.
Quarta-feira, 7 de Novembro
Uma vitória europeia no Ohio
A "inclinação" dos media, uma campanha particularmente desonesta dos adversários e o furacão Sandy não explicam tudo. Mitt Romney perdeu porque, hoje, o tipo de programa necessário para ganhar as "primárias" republicanas é justamente o tipo de programa que torna inevitável a derrota nas "presidenciais". Como John McCain, Mitt Romney é um conservador dito da velha guarda, ou seja, liberal na economia e (relativamente) progressista nos costumes. Como John McCain, Romney viu-se obrigado a inflectir à "direita" no segundo item para assegurar a nomeação e, depois, garantir a hipótese da vitória final. Não lhe faltou muito para esta, mas faltou--lhe o suficiente. E sobrou uma dúvida acerca do futuro do seu partido, crescentemente escasso nos centros urbanos onde se concentram as elites "esclarecidas" e os dependentes do Estado que festejam o triunfo de Obama. O GOP está perante um dilema.
Infelizmente, o país também. O que de melhor tem a América, leia-se a aversão inata às estruturas de poder, mistura-se com o que de pior tem a América, leia-se um certo "enclausuramento" face ao mundo e ao tempo, e deixa o caminho livre ao resto. E o resto, da crença nas propriedades divinas do "investimento" público ao reaccionarismo económico, do ressentimento social ao relativismo cultural, da "superioridade" moral ao corporativismo "étnico", é pura Europa. Não admira que por cá se venere Obama enquanto se detesta os EUA.
Sexta-feira, 9 de Novembro
A 'caridadezinha' e a falta dela
Num debate televisivo, Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar Contra a Pobreza, cometeu o erro de opinar sobre aquilo que os pobres devem fazer e ofendeu os que opinam sobre o que os pobres devem sentir. Está bem uma para os outros? Nem tanto: aprecie-se ou não a abordagem, o facto é que a dra. Jonet já ajudou imensos necessitados. O mesmo não se pode dizer de muitos dos que, cheios de arrogância pelintra, a insultam. Além dos insultos, prometem no Facebook deixar de contribuir para o Banco Alimentar, o que, no estapafúrdio pressuposto de que alguma vez tivessem contribuído, mostra a consideração dessa gente pelos pobres, os quais ou comem sob as condições ideológicas adequadas ou passam fome. Consta que a larica aprimora o espírito.
Sábado, 10 de Novembro
A indignação de António Arnaut
Na semana passada, escrevi aqui sobre o contrato (por ajuste directo) de assessoria jurídica celebrado entre a Escola Superior de Enfermagem de Coimbra e a firma António Arnaut e Associados. Esta semana, António Arnaut escreveu ao director do DN sobre o que eu escrevi. Além de se indignar muitíssimo, António Arnaut corrige-me ou esforça-se por corrigir-me.
Em primeiro lugar, António Arnaut não gostou da referência ao "pai" do Serviço Nacional de Saúde que cobra remuneração ao filho e esclarece-me que o estabelecimento de ensino em questão "obviamente" não integra o SNS. "Obviamente", é claro que não. Mas o facto de ser uma instituição pública, financiada pelo erário público, repleta de protocolos com hospitais públicos e destinada a formar profissionais que presumivelmente na sua maioria servirão em instâncias públicas não distancia muito uma coisa da outra. É a história da letra e do espírito, como um insigne jurista decerto saberá.
Em segundo lugar, António Arnaut informa-me ter deixado de exercer há dez anos e legado o nome de baptismo e o nome da firma ao filho que actualmente a mantém. Quanto a isto, não me custa pedir desculpa pela confusão, embora as circunstâncias a proporcionem: se um sujeito encontra duas rodas ligadas a um quadro com um selim no topo e a pedaleira a meio, o sujeito conclui facilmente estar perante uma bicicleta e não um bico de Bunsen.
A terminar, estranho sobretudo uma coisa. Por um lado, António Arnaut assume que, "ainda que [...] fosse titular do contrato, tratava-se do normal exercício profissional". Por outro lado, farta-se de falar em "má-fé", "injúria", "imputações dolosas", "ofensa gratuita", "considerações gravemente ofensivas", "injustiça", "falsidade" e "acinte", não porque eu o acusasse de chacinas étnicas, mas porque me limitei a atribuir-lhe um comportamento que ele considera irrepreensível. Francamente, não percebo. Temo, aliás, nunca ter percebido os estatistas: para mim, quem disserta jovialmente acerca da maneira de gastar o dinheiro dos outros é grego - nos sentidos coloquial e literal.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
A bota insuflável e outras prendas para os poderosos
.
A bota insuflável e outras prendas para os poderosos
por LEONÍDIO PAULO FERREIRA
Ontem
Para Angela Merkel a prenda ideal seria um cruzeiro nas ilhas gregas todos os verões enquanto houver euro. Assim a chanceler alemã poderia sentir na pele a evolução do espírito de solidariedade entre europeus, enquanto se aquecia ao Sol do Egeu.
Já agora, para o primeiro-ministro grego, Antonis Samaras, nada como receber este Natal aulas particulares de alemão com o Presidente Karolos Papoulias. Adivinha-se que ambos vão ter ainda muito que discutir com quem manda em Berlim. E vale tudo para se entenderem.
Não nos podemos esquecer de François Hollande, que talvez mereça uma caixa de champanhe pela vitória sobre Nicolas Sarkozy. Mas que não sejam garrafas já abertas, as usadas para festejar a chegada de um Presidente francês que levaria a chanceler alemã a mudar de rumo.
E por falar em eleições, já se percebeu que Silvio Berlusconi sonha voltar a ser primeiro-ministro de Itália. Perante uma Europa assustada, há quem pense que tudo se prevenia através de uma prenda original: uma bota insuflável. Podia dar jeito nas famosas festas "bunga-bunga".
Saltando para a América, que oferecer a Barack Obama, uma daquelas pessoas que parece já ter tudo? Uma sugestão é um segundo Nobel da Paz (se alguém mudar as regras do prémio), para o obrigar neste novo mandato a cumprir toda a esperança que criou pelo mundo fora.
Para o novo líder chinês a escolha é fácil. Acredita-se que será na sua época que a China ultrapassará os Estados Unidos como primeira potência económica, mas Xi Jinping só terá a ganhar com a leitura de alguns livros que explicam que o mito do declínio da América é mesmo isso.
Já para Vladimir Putin, de volta ao Kremlin, a prenda ideal é um best of das Pussy Riot. A banda feminina que tanta dor de cabeça lhe tem dado, embora não pareça, até pode ser um bom acompanhamento para as horas em que tiver de refletir sobre que caminho seguirá a Rússia.
Mais difícil é pensar numa prenda à medida de Bachar al-Assad. No mínimo um bilhete de avião só de ida a partir de Damasco, mas é de crer que muitos sírios achem que o Presidente merece levar muito mais depois de quase dois anos a tentar esmagar a rebelião contra o regime.
Quanto a Mohammed Morsi, o Presidente que os egípcios elegeram para encarnar a sua esperança de democracia, não há dúvidas que tendo em conta os recentes comportamentos estilo faraó a prenda no sapatinho só pode ser uma pirâmide. Pelo menos, em miniatura.
E não se pense que ficou esquecido o primeiro-ministro português. A prendinha mais útil é um ábaco. Desde a sua invenção há cinco mil anos pelos sumérios que tem ajudado quem precisa de acertar nas contas. Como estamos em época de austeridade, Passos Coelho terá de dividir o presente com Vítor Gaspar.
In DN
A bota insuflável e outras prendas para os poderosos
por LEONÍDIO PAULO FERREIRA
Ontem
Para Angela Merkel a prenda ideal seria um cruzeiro nas ilhas gregas todos os verões enquanto houver euro. Assim a chanceler alemã poderia sentir na pele a evolução do espírito de solidariedade entre europeus, enquanto se aquecia ao Sol do Egeu.
Já agora, para o primeiro-ministro grego, Antonis Samaras, nada como receber este Natal aulas particulares de alemão com o Presidente Karolos Papoulias. Adivinha-se que ambos vão ter ainda muito que discutir com quem manda em Berlim. E vale tudo para se entenderem.
Não nos podemos esquecer de François Hollande, que talvez mereça uma caixa de champanhe pela vitória sobre Nicolas Sarkozy. Mas que não sejam garrafas já abertas, as usadas para festejar a chegada de um Presidente francês que levaria a chanceler alemã a mudar de rumo.
E por falar em eleições, já se percebeu que Silvio Berlusconi sonha voltar a ser primeiro-ministro de Itália. Perante uma Europa assustada, há quem pense que tudo se prevenia através de uma prenda original: uma bota insuflável. Podia dar jeito nas famosas festas "bunga-bunga".
Saltando para a América, que oferecer a Barack Obama, uma daquelas pessoas que parece já ter tudo? Uma sugestão é um segundo Nobel da Paz (se alguém mudar as regras do prémio), para o obrigar neste novo mandato a cumprir toda a esperança que criou pelo mundo fora.
Para o novo líder chinês a escolha é fácil. Acredita-se que será na sua época que a China ultrapassará os Estados Unidos como primeira potência económica, mas Xi Jinping só terá a ganhar com a leitura de alguns livros que explicam que o mito do declínio da América é mesmo isso.
Já para Vladimir Putin, de volta ao Kremlin, a prenda ideal é um best of das Pussy Riot. A banda feminina que tanta dor de cabeça lhe tem dado, embora não pareça, até pode ser um bom acompanhamento para as horas em que tiver de refletir sobre que caminho seguirá a Rússia.
Mais difícil é pensar numa prenda à medida de Bachar al-Assad. No mínimo um bilhete de avião só de ida a partir de Damasco, mas é de crer que muitos sírios achem que o Presidente merece levar muito mais depois de quase dois anos a tentar esmagar a rebelião contra o regime.
Quanto a Mohammed Morsi, o Presidente que os egípcios elegeram para encarnar a sua esperança de democracia, não há dúvidas que tendo em conta os recentes comportamentos estilo faraó a prenda no sapatinho só pode ser uma pirâmide. Pelo menos, em miniatura.
E não se pense que ficou esquecido o primeiro-ministro português. A prendinha mais útil é um ábaco. Desde a sua invenção há cinco mil anos pelos sumérios que tem ajudado quem precisa de acertar nas contas. Como estamos em época de austeridade, Passos Coelho terá de dividir o presente com Vítor Gaspar.
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
O interesse nacional
.
O interesse nacional
por ALBERTO GONÇALVES
23 dezembro 20
Após a British Airways ter sido totalmente privatizada, os britânicos deixaram de viajar pelos ares, a nação perdeu a razão de existir e o Reino Unido entrou em colapso. Após a Lufthansa ter sido quase totalmente privatizada, os alemães deixaram de viajar pelos ares, a nação perdeu a razão de existir e a Alemanha entrou em colapso. Após a Swissair ter aberto falência, os suíços deixaram de viajar pelos ares, a nação perdeu a razão de existir e a Suíça entrou em colapso. Etc.
Precedentes não faltam, e todos apontam o mesmo caminho: a TAP, bandeira, orgulho e estratégia, não pode ser desbaratada. Custe o que custar. Convém dizer que custa um bocadinho, e que, a acrescer à dívida acumulada de 1500 milhões, o Estado recentemente investiu 100 milhões na empresa. Em breve, haverá outros investimentos similares, financiados com prazer pelo contribuinte, o qual, com a dignidade e a ausência de alternativas que se lhe reconhecem, será o último a abandonar o navio, leia-se o avião, leia-se um símbolo maior das alturas a que conseguimos chegar.
Tudo somado, porém, é pequeno o preço da grandeza nacional. Entregar a TAP ao cuidado de estranhos equivaleria a privar-nos de uma das nossas principais referências identitárias, que como se sabe é das coisas que nos dá imenso jeito. Além disso, para efeitos estritamente aeronáuticos ficaríamos entregues à vontade de esquemas concorrenciais, ao desnorte dos mercados, talvez até às companhias low-cost, cujas tarifas baixíssimas e ausência de patrocínio fiscal não podem augurar nada de bom.
De resto, mesmo os materialistas de serviço podem sossegar: a TAP, conforme inúmeras vozes esclarecidas se fartaram de avisar, é facilmente rentável. Decerto é por isso que, em obediência aos mistérios da economia aplicada, ninguém a quer comprar. E é por isso que nunca a deveremos vender. Por enquanto, a recusa da proposta do sr. Efromovich livrou-nos de semelhante desdita. Mas importa permanecermos atentos a futuras tentativas de alienação do património público, da TAP à ANA, da CP aos CTT, da RTP à CGD, da REN às Águas, da maternidade Alfredo Nãoseiquantos à Empresa Geral do Fomento. O indispensável é que o interesse nacional não acabe em mãos privadas e devotadas ao sinistro lucro. O interesse nacional é o prejuízo.
Terça-feira, 18 de Dezembro
Ordem e progresso
Segundo o bastonário da respectiva Ordem, o país está a caminho de ter médicos a mais. Interessante. Portugal provavelmente tem engenheiros a mais, economistas a mais, jornalistas a mais, arquitectos a mais, sociólogos a mais, economistas a mais, enfermeiros a mais, advogados a mais, políticos a mais, técnicos oficiais de contas a mais e homens-estátua a mais sem que daí advenha qualquer tremor colectivo. Uns arranjam trabalho, outros não arranjam e os ambiciosos emigram. Com sorte, a lei da oferta e da procura selecciona os melhores. Com azar, a típica "cunha" subverte o processo anterior.
Por alguma razão, as consequências do excesso de médicos não se limitam a estas trivialidades. Para o senhor bastonário, uma quantidade desmesurada de profissionais do ramo "reduz a qualidade global do exercício da Medicina no país e mercantiliza a saúde". Percebem? É natural que não, visto que o senhor bastonário usa o jargão técnico inacessível à ralé. Em língua corrente, o que o dr. José Manuel Silva quis dizer foi que o acesso razoavelmente livre aos cursos de medicina empalidece o prestígio da classe e retira-lhe poderes reivindicativos. E que isso é uma maçada.
Em compensação, o dr. José Manuel Silva não se maça nada com os factos recentemente relatados pelo presidente do Conselho de Administração do Hospital de São João, o qual lamentou que o estabelecimento que dirige empregue 30 cirurgiões que nunca entraram no bloco operatório e que cada cirurgião faça em média uma intervenção por semana. Chamado a comentar as declarações do prof. António Ferreira, o senhor bastonário classificou-as de pouco "éticas" e pouco "deontológicas", de novo o recurso ao jargão. Traduzindo, o dr. José Manuel Silva quis dizer que não consegue contrapor um argumento válido, logo lança dois ou três clichés ao ar para efeitos de ilusionismo. A "ética" e a "deontologia" caem sempre bem.
Malabarismos à parte, a Ordem sumária e oficialmente aspira a que os médicos não sejam muitos e que não se esforcem muito. E tudo isto, note-se, em prol do SNS e dos doentes, embora o dr. José Manuel Silva admita que a sua posição pode ser vista como "excessivamente corporativa". Mas só por facciosos.
Quarta-feira, 19 de Dezembro
Superioridade moral
O actor Gérard Depardieu é o mais recente, ou pelo menos o mais célebre exilado fiscal francês. Incomodado com a taxação dos ricos em 75%, o sr. Depardieu, que ainda em 2002 fazia donativos aos comunistas locais, mudou-se para a Bélgica. Nenhuma surpresa: a beleza do socialismo acaba quando aquilo que se ganha com o dito não compensa aquilo que se perde. Enquanto se beneficia directa ou indirectamente da redistribuição "social", como no caso dos actores que auferem fortunas em produções subsidiadas, a redistribuição é uma maravilha. Se essas fortunas saltitam quase inteirinhas para os cofres do Estado, a redistribuição é um roubo. A essência da esquerda é estar do lado certo do saque.
Quinta-feira, 20 de Dezembro
O elefante branco
Por causa de uns "cortes" orçamentais ou coisa parecida, demitiu-se a administração da Casa da Música. Infelizmente, a Casa da Música continua lá e, ao contrário dos excelentíssimos ex-administradores, vê-se à distância.
Entrei duas vezes no "meteorito", a adequada definição cunhada por Maria Filomena Mónica. Em ambos os concertos, os músicos em cartaz fartaram-se de enxovalhar a estética exterior e interior daquilo. Pela parte que me toca, não era preciso. À semelhança de outras monstruosidades erguidas nas últimas décadas pelo país afora, o meteorito constituiu um desígnio nacional, isto é, uma demonstração da infinita capacidade dos portugueses em encomendar lixo, pagar lixo e, no fim, jurar a pés juntos que o lixo é lindíssimo, moderno e fundamental. Se o conceito de provincianismo não existisse, seria inventado para definir a história da Casa da Música.
Não vale a pena relembrar os factos, desde o projecto que um holandês espertalhão adaptou a partir de uma habitação para um casal desavindo à peculiar ausência do fosso de orquestra, passando pela inevitável "derrapagem" nos custos e pelo célebre mármore travertino que reveste o espaço em redor e proporciona vasto divertimento aos principais apreciadores da Casa: os moços que andam de skate.
Talvez valha a pena referir os segundos maiores apreciadores da Casa, evidentemente as "figuras da Cultura". Em português de gente, "figura da Cultura" é todo o indivíduo que dedica 97% do seu tempo a engendrar contactos junto dos poderes públicos de modo a que estes patrocinem a "obra" produzida nos 3% restantes. Nos depoimentos ouvidos após as recentes demissões, a Cultura está com a administração e contra o Governo, promiscuidade que constitui um péssimo diagnóstico da Cultura e um sinal de que às vezes, se calhar por descuido, o Governo acerta em cheio. Poupar uns trocos nas presumidas "elites" é, hoje, um remendo possível. A solução ideal passaria por, logo de início, ter poupado um país falido na economia e na estética à Casa da Música, um elefante literalmente branco que, reza a evidência, nem se sustenta sozinho nem anda muito bem acompanhado.
In DN
O interesse nacional
por ALBERTO GONÇALVES
23 dezembro 20
Após a British Airways ter sido totalmente privatizada, os britânicos deixaram de viajar pelos ares, a nação perdeu a razão de existir e o Reino Unido entrou em colapso. Após a Lufthansa ter sido quase totalmente privatizada, os alemães deixaram de viajar pelos ares, a nação perdeu a razão de existir e a Alemanha entrou em colapso. Após a Swissair ter aberto falência, os suíços deixaram de viajar pelos ares, a nação perdeu a razão de existir e a Suíça entrou em colapso. Etc.
Precedentes não faltam, e todos apontam o mesmo caminho: a TAP, bandeira, orgulho e estratégia, não pode ser desbaratada. Custe o que custar. Convém dizer que custa um bocadinho, e que, a acrescer à dívida acumulada de 1500 milhões, o Estado recentemente investiu 100 milhões na empresa. Em breve, haverá outros investimentos similares, financiados com prazer pelo contribuinte, o qual, com a dignidade e a ausência de alternativas que se lhe reconhecem, será o último a abandonar o navio, leia-se o avião, leia-se um símbolo maior das alturas a que conseguimos chegar.
Tudo somado, porém, é pequeno o preço da grandeza nacional. Entregar a TAP ao cuidado de estranhos equivaleria a privar-nos de uma das nossas principais referências identitárias, que como se sabe é das coisas que nos dá imenso jeito. Além disso, para efeitos estritamente aeronáuticos ficaríamos entregues à vontade de esquemas concorrenciais, ao desnorte dos mercados, talvez até às companhias low-cost, cujas tarifas baixíssimas e ausência de patrocínio fiscal não podem augurar nada de bom.
De resto, mesmo os materialistas de serviço podem sossegar: a TAP, conforme inúmeras vozes esclarecidas se fartaram de avisar, é facilmente rentável. Decerto é por isso que, em obediência aos mistérios da economia aplicada, ninguém a quer comprar. E é por isso que nunca a deveremos vender. Por enquanto, a recusa da proposta do sr. Efromovich livrou-nos de semelhante desdita. Mas importa permanecermos atentos a futuras tentativas de alienação do património público, da TAP à ANA, da CP aos CTT, da RTP à CGD, da REN às Águas, da maternidade Alfredo Nãoseiquantos à Empresa Geral do Fomento. O indispensável é que o interesse nacional não acabe em mãos privadas e devotadas ao sinistro lucro. O interesse nacional é o prejuízo.
Terça-feira, 18 de Dezembro
Ordem e progresso
Segundo o bastonário da respectiva Ordem, o país está a caminho de ter médicos a mais. Interessante. Portugal provavelmente tem engenheiros a mais, economistas a mais, jornalistas a mais, arquitectos a mais, sociólogos a mais, economistas a mais, enfermeiros a mais, advogados a mais, políticos a mais, técnicos oficiais de contas a mais e homens-estátua a mais sem que daí advenha qualquer tremor colectivo. Uns arranjam trabalho, outros não arranjam e os ambiciosos emigram. Com sorte, a lei da oferta e da procura selecciona os melhores. Com azar, a típica "cunha" subverte o processo anterior.
Por alguma razão, as consequências do excesso de médicos não se limitam a estas trivialidades. Para o senhor bastonário, uma quantidade desmesurada de profissionais do ramo "reduz a qualidade global do exercício da Medicina no país e mercantiliza a saúde". Percebem? É natural que não, visto que o senhor bastonário usa o jargão técnico inacessível à ralé. Em língua corrente, o que o dr. José Manuel Silva quis dizer foi que o acesso razoavelmente livre aos cursos de medicina empalidece o prestígio da classe e retira-lhe poderes reivindicativos. E que isso é uma maçada.
Em compensação, o dr. José Manuel Silva não se maça nada com os factos recentemente relatados pelo presidente do Conselho de Administração do Hospital de São João, o qual lamentou que o estabelecimento que dirige empregue 30 cirurgiões que nunca entraram no bloco operatório e que cada cirurgião faça em média uma intervenção por semana. Chamado a comentar as declarações do prof. António Ferreira, o senhor bastonário classificou-as de pouco "éticas" e pouco "deontológicas", de novo o recurso ao jargão. Traduzindo, o dr. José Manuel Silva quis dizer que não consegue contrapor um argumento válido, logo lança dois ou três clichés ao ar para efeitos de ilusionismo. A "ética" e a "deontologia" caem sempre bem.
Malabarismos à parte, a Ordem sumária e oficialmente aspira a que os médicos não sejam muitos e que não se esforcem muito. E tudo isto, note-se, em prol do SNS e dos doentes, embora o dr. José Manuel Silva admita que a sua posição pode ser vista como "excessivamente corporativa". Mas só por facciosos.
Quarta-feira, 19 de Dezembro
Superioridade moral
O actor Gérard Depardieu é o mais recente, ou pelo menos o mais célebre exilado fiscal francês. Incomodado com a taxação dos ricos em 75%, o sr. Depardieu, que ainda em 2002 fazia donativos aos comunistas locais, mudou-se para a Bélgica. Nenhuma surpresa: a beleza do socialismo acaba quando aquilo que se ganha com o dito não compensa aquilo que se perde. Enquanto se beneficia directa ou indirectamente da redistribuição "social", como no caso dos actores que auferem fortunas em produções subsidiadas, a redistribuição é uma maravilha. Se essas fortunas saltitam quase inteirinhas para os cofres do Estado, a redistribuição é um roubo. A essência da esquerda é estar do lado certo do saque.
Quinta-feira, 20 de Dezembro
O elefante branco
Por causa de uns "cortes" orçamentais ou coisa parecida, demitiu-se a administração da Casa da Música. Infelizmente, a Casa da Música continua lá e, ao contrário dos excelentíssimos ex-administradores, vê-se à distância.
Entrei duas vezes no "meteorito", a adequada definição cunhada por Maria Filomena Mónica. Em ambos os concertos, os músicos em cartaz fartaram-se de enxovalhar a estética exterior e interior daquilo. Pela parte que me toca, não era preciso. À semelhança de outras monstruosidades erguidas nas últimas décadas pelo país afora, o meteorito constituiu um desígnio nacional, isto é, uma demonstração da infinita capacidade dos portugueses em encomendar lixo, pagar lixo e, no fim, jurar a pés juntos que o lixo é lindíssimo, moderno e fundamental. Se o conceito de provincianismo não existisse, seria inventado para definir a história da Casa da Música.
Não vale a pena relembrar os factos, desde o projecto que um holandês espertalhão adaptou a partir de uma habitação para um casal desavindo à peculiar ausência do fosso de orquestra, passando pela inevitável "derrapagem" nos custos e pelo célebre mármore travertino que reveste o espaço em redor e proporciona vasto divertimento aos principais apreciadores da Casa: os moços que andam de skate.
Talvez valha a pena referir os segundos maiores apreciadores da Casa, evidentemente as "figuras da Cultura". Em português de gente, "figura da Cultura" é todo o indivíduo que dedica 97% do seu tempo a engendrar contactos junto dos poderes públicos de modo a que estes patrocinem a "obra" produzida nos 3% restantes. Nos depoimentos ouvidos após as recentes demissões, a Cultura está com a administração e contra o Governo, promiscuidade que constitui um péssimo diagnóstico da Cultura e um sinal de que às vezes, se calhar por descuido, o Governo acerta em cheio. Poupar uns trocos nas presumidas "elites" é, hoje, um remendo possível. A solução ideal passaria por, logo de início, ter poupado um país falido na economia e na estética à Casa da Música, um elefante literalmente branco que, reza a evidência, nem se sustenta sozinho nem anda muito bem acompanhado.
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
O 'conselheiro' Borges
.
O 'conselheiro' Borges
por JOÃO MARCELINO
Hoje
1. Tenho por certo que António Borges, nesta fase da sua vida, está muito pouco interessado em fazer concessões em relação a tudo aquilo em que acredita, e a tudo aquilo que julga saber.
Isso tem sido evidente nos últimos meses.
Cada vez que António Borges dá uma entrevista, e desdobra-se como nunca nessa cruzada, o que diz produz efeito.
Em junho defendeu que os salários dos portugueses deviam baixar. Obrigou o primeiro-ministro a vir esclarecer que o Governo não tinha nenhum plano para descer nominalmente os salários.
Em agosto, numa incursão sobre a RTP, lançou a ideia de concessionar a estação a privados que tinham, dizia ele, melhores condições para gerir a empresa - e despedir quem houvesse a despedir a seguir. Mesmo quando, já no início deste ano, Miguel Relvas anunciou que a privatização estava cancelada e se iria seguir a restruturação da RTP mantendo-a na órbita do Estado, o conselheiro Borges entendeu que não seria bem assim. E disse-o.
Em setembro, na mais bruta das polémicas, tinha decidido chamar ignorantes aos empresários que rejeitaram as alterações à taxa social única, que Pedro Passos Coelho, pressionado pelo País, foi obrigado a meter na gaveta.
2. Agora, retomando o tema que lhe é tão caro da baixa de salários, António Borges acha que até o ordenado mínimo (485 no Continente e um pouco mais nos Açores e na Madeira) deveria diminuir, como aconteceu noutros países, como a Irlanda. Que o salário mínimo português seja um terço do irlandês será, com certeza, um pormenor; e que os patrões portugueses, numa perspetiva mais inteligente de reanimação do mercado interno, estejam até disponíveis para negociar esse salário mínimo nacional, deve ser - é - absolutamente irrelevante para o "conselheiro" Borges.
Pelo meio disto, a avença de 300 mil euros que recebe para o grupo de trabalho que lidera dar conselhos ao Governo sobre as privatizações não o impediu de assumir funções num grupo privado, a Jerónimo Martins.
3. É um mistério que o Governo continue a precisar dos doutos conselhos do antigo vice-governador do Banco de Portugal e alto funcionário da Goldman Sachs.
Por um lado, cada vez que o homem fala - e já se percebeu que não se sente limitado neste campo da comunicação - o Governo abana. Leva com os protestos e críticas de empresários, trabalhadores e partidos da oposição, quando não mesmo com as de relevantes militantes dos próprios PSD e CDS.
A irresistível lógica teórica defendida por Borges de que baixos salários são um passo para promover o emprego no futuro seria, aliás, sempre um excelente argumento para Pedro Passos Coelho fazer aquilo que há muito se impõe: despedi-lo com justa causa, retirar ao "conselheiro" a possibilidade de continuar a massacrar os seus compatriotas com a dureza de quem parece que já nada espera da vida.
Há momentos em que é preciso dizer basta aos dislates, mesmo que travestidos de alguma lógica académica ultraliberal.
Não há nenhum motivo de natureza racional que, tantos disparates depois, aconselhe a manter este homem na órbita do Governo - pago, e bem pago, com o dinheiro de todos os contribuintes. Se há limites para a arrogância intelectual paga pelo Estado, António Borges ultrapassou-os todos.
Se todos os portugueses trabalhassem de borla haveria pleno emprego e todas as empresas do mundo quereriam estabelecer-se no nosso país - será que António Borges já pensou nisto? É uma bela ideia, não é?
In DN
O 'conselheiro' Borges
por JOÃO MARCELINO
Hoje
1. Tenho por certo que António Borges, nesta fase da sua vida, está muito pouco interessado em fazer concessões em relação a tudo aquilo em que acredita, e a tudo aquilo que julga saber.
Isso tem sido evidente nos últimos meses.
Cada vez que António Borges dá uma entrevista, e desdobra-se como nunca nessa cruzada, o que diz produz efeito.
Em junho defendeu que os salários dos portugueses deviam baixar. Obrigou o primeiro-ministro a vir esclarecer que o Governo não tinha nenhum plano para descer nominalmente os salários.
Em agosto, numa incursão sobre a RTP, lançou a ideia de concessionar a estação a privados que tinham, dizia ele, melhores condições para gerir a empresa - e despedir quem houvesse a despedir a seguir. Mesmo quando, já no início deste ano, Miguel Relvas anunciou que a privatização estava cancelada e se iria seguir a restruturação da RTP mantendo-a na órbita do Estado, o conselheiro Borges entendeu que não seria bem assim. E disse-o.
Em setembro, na mais bruta das polémicas, tinha decidido chamar ignorantes aos empresários que rejeitaram as alterações à taxa social única, que Pedro Passos Coelho, pressionado pelo País, foi obrigado a meter na gaveta.
2. Agora, retomando o tema que lhe é tão caro da baixa de salários, António Borges acha que até o ordenado mínimo (485 no Continente e um pouco mais nos Açores e na Madeira) deveria diminuir, como aconteceu noutros países, como a Irlanda. Que o salário mínimo português seja um terço do irlandês será, com certeza, um pormenor; e que os patrões portugueses, numa perspetiva mais inteligente de reanimação do mercado interno, estejam até disponíveis para negociar esse salário mínimo nacional, deve ser - é - absolutamente irrelevante para o "conselheiro" Borges.
Pelo meio disto, a avença de 300 mil euros que recebe para o grupo de trabalho que lidera dar conselhos ao Governo sobre as privatizações não o impediu de assumir funções num grupo privado, a Jerónimo Martins.
3. É um mistério que o Governo continue a precisar dos doutos conselhos do antigo vice-governador do Banco de Portugal e alto funcionário da Goldman Sachs.
Por um lado, cada vez que o homem fala - e já se percebeu que não se sente limitado neste campo da comunicação - o Governo abana. Leva com os protestos e críticas de empresários, trabalhadores e partidos da oposição, quando não mesmo com as de relevantes militantes dos próprios PSD e CDS.
A irresistível lógica teórica defendida por Borges de que baixos salários são um passo para promover o emprego no futuro seria, aliás, sempre um excelente argumento para Pedro Passos Coelho fazer aquilo que há muito se impõe: despedi-lo com justa causa, retirar ao "conselheiro" a possibilidade de continuar a massacrar os seus compatriotas com a dureza de quem parece que já nada espera da vida.
Há momentos em que é preciso dizer basta aos dislates, mesmo que travestidos de alguma lógica académica ultraliberal.
Não há nenhum motivo de natureza racional que, tantos disparates depois, aconselhe a manter este homem na órbita do Governo - pago, e bem pago, com o dinheiro de todos os contribuintes. Se há limites para a arrogância intelectual paga pelo Estado, António Borges ultrapassou-os todos.
Se todos os portugueses trabalhassem de borla haveria pleno emprego e todas as empresas do mundo quereriam estabelecer-se no nosso país - será que António Borges já pensou nisto? É uma bela ideia, não é?
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
E tu em que comentador votas?
.
E tu em que comentador votas?
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Tornou-se o coroar de progressão na carreira de um político: militante, deputado, ministro e, enfim, comentador político televisivo! Três ex-líderes do PSD, um do PS e um do BE acabam de se juntar a um outro ex-líder social-democrata - o professor Marcelo, o indestronável Ferguson do comentário -, num vendaval de contratações. Antigamente a glória era chegar a comendador; agora, a comentador. Passa-se de uma consonante sonora (d) para uma surda (t), o que para quem se quer fazer ouvir me parece despromoção. Acresce que nisto de juntar política e televisão não se pode ficar a meio caminho. Como um dia disse Emídio Rangel, uma televisão pode vender um Presidente. Disse "uma televisão", não "um comentário televisivo". Ponham os olhos em Berlusconi que para chegar lá comprou a emissora, o que não o fez uma respeitada "Sua Eminenza", fê-lo uma poderosa "Sua Emitenza"... Já critiquei a moda pela minha ótica de consumidor: a atual política informativa das Tvs com um político comentador político - dar altifalante a alguém que faz de conta que comenta de fora, quando é parte interessadíssima - é uma fraude (e ainda por cima com a caução de um jornalista/virador, que só está no palco para mudar as páginas da partitura do artista.) Volto à crítica, por generosidade para com comentadores: se a intenção é política (e é), não é só perda de tempo, é despromoção. O político é aquele que ganha a outro. A falar sozinho não vai lá.
In DN
E tu em que comentador votas?
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Tornou-se o coroar de progressão na carreira de um político: militante, deputado, ministro e, enfim, comentador político televisivo! Três ex-líderes do PSD, um do PS e um do BE acabam de se juntar a um outro ex-líder social-democrata - o professor Marcelo, o indestronável Ferguson do comentário -, num vendaval de contratações. Antigamente a glória era chegar a comendador; agora, a comentador. Passa-se de uma consonante sonora (d) para uma surda (t), o que para quem se quer fazer ouvir me parece despromoção. Acresce que nisto de juntar política e televisão não se pode ficar a meio caminho. Como um dia disse Emídio Rangel, uma televisão pode vender um Presidente. Disse "uma televisão", não "um comentário televisivo". Ponham os olhos em Berlusconi que para chegar lá comprou a emissora, o que não o fez uma respeitada "Sua Eminenza", fê-lo uma poderosa "Sua Emitenza"... Já critiquei a moda pela minha ótica de consumidor: a atual política informativa das Tvs com um político comentador político - dar altifalante a alguém que faz de conta que comenta de fora, quando é parte interessadíssima - é uma fraude (e ainda por cima com a caução de um jornalista/virador, que só está no palco para mudar as páginas da partitura do artista.) Volto à crítica, por generosidade para com comentadores: se a intenção é política (e é), não é só perda de tempo, é despromoção. O político é aquele que ganha a outro. A falar sozinho não vai lá.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Elogio da desconfiança
.
Elogio da desconfiança
por ALBERTO GONÇALVES
Hoje
A pretexto da circum-navegação do Governo em redor do novo imposto sobre os pensionistas, dos cómicos apelos de Cavaco Silva aos santinhos tradicionais e aos do Conselho de Estado e da demagogia alucinada em que a oposição perpetuamente vive, os portugueses, povo de descobridores, descobriram pela enésima vez uma extraordinária coisa: os políticos não são de fiar. Ou, para usar o léxico em voga, os políticos não têm credibilidade. Ai, quanta saudade do tempo em que os políticos eram credíveis.
Lembro-me como se fosse hoje de quando elegíamos gente cumpridora, unicamente preocupada com os célebres interesses do País e alheia quer a interesses partidários quer pessoais. Gente altruísta que sacrificava a popularidade a fim de servir o bem-comum. Gente ponderada, que nunca criaria as condições para entregar a nação ao FMI. Gente lúcida, que jamais permitiria a destruição, paga em cheque, do sector primário. Gente esclarecida, que sabia aplicar com rigor e parcimónia os "fundos" europeus. Gente determinada, que não cedia à atracção dos sindicatos pelo caos. Gente precavida, que se negou a autorizar o crescimento incessante da máquina estatal. Gente racional, que preferiu perder votos a alimentar a ficção de um assistencialismo desaconselhável e inviável. Gente insubmissa, que não sossegou enquanto não desmantelou uma Constituição devotada ao socialismo e acarinhada pelos comunistas. Gente avisada, que sempre preservou o equilíbrio das contas públicas. Gente decente, que combateu por dentro os naturais apetites do Estado para controlar a ralé desde o bolso até ao hábito. Gente democrática, que acautelou a probidade do sistema judicial. Gente visionária, que garantiu a exigência e a qualidade do ensino. Etc.
Agora a sério: alguma vez Portugal teve políticos honrados, fiáveis, escapatórios, vá lá? Lamento, mas não. E é da natureza da política que assim seja. Da natureza de Portugal é a propensão para ambicionar o contrário. É escusado referir o brilhantismo das duas primeiras repúblicas: se o pai da terceira é um indivíduo da estatura moral de Mário Soares, não teria custado adivinhar o nível dos filhos, netos e enteados. A todos, o bom povo deu sucessivamente o aval nas urnas para em seguida perceber com pasmo que se enganou, esquecendo os enganos e os pasmos anteriores.
Infelizmente, notar tamanha evidência passa por "populismo". Não é. O entendimento corrente do populismo consiste em substituir os políticos habituais por políticos que fingem não o ser. Sobretudo porque não temos outra, o ponto aqui implica aceitar a classe política que temos - sem aceitar a ilusão de que esses senhores, que de resto não caíram do céu, concorrem para resolver os nossos problemas. Mudar de regime é uma aventura menos recomendável do que mudar os cidadãos. Dito de maneira diferente, discutir a credibilidade dos políticos é conversa fiada: o problema nacional é a credulidade dos portugueses.
Quarta-feira, 22 de Maio
Cem anos de mitificação
O centenário de Álvaro Cunhal, em Novembro, levou a TVI a antecipar festividades e a realizar uma daquelas reportagens que tentam revelar o homem por detrás da figura pública. O que conseguiu foi revelar as baixezas a que o jornalismo (?) hagiográfico pode descer. O trabalho recorreu a depoimentos da irmã, de camaradas de partido, que falam sempre com o tom e a cadência "do Álvaro", o modo pelo qual ainda tratam o eterno chefe, e de interlocutores avulsos, desde o médico Joshua Ruah ao distinto historiador Fernando Rosas, passando por Miguel Sousa Tavares. Não fora o prazer de assistir ao célebre romancista de Equador referir a "áurea" (sic) do "doutor Álvaro Cunhal", qualquer texto evocativo do Avante! teria alcançado idêntico efeito.
Ficámos então a saber que Cunhal era sensível, bem-disposto, atencioso, inteligente, criativo, culto, poliglota e óptimo dançarino. Ou seja, de tanto extrair o "político" da "pessoa", a reportagem deixou apenas um esqueleto enganador e etéreo, que fez o favor de passear, ou dançar, entre os mortais. Do conspirador manhoso que, antes de 1974, perseguia e destruía adversários internos e lutava contra a ditadura em prol de outra ditadura pior, nem uma palavra. Do esboço de tiranete que, depois de 1974, lutou contra a democracia em prol da ditadura do costume, pouquíssimas e, em geral, compreensivas palavras.
Em suma, mitificação em abundância. É natural. Por cá, o fascínio que uma criatura medíocre como Cunhal desperta só encontra paralelo em Salazar. Não vale a pena mencionar os devotos: mesmo os que odeiam o beato de Santa Comba e o estalinista de Seia atribuem--lhes propriedades quase sobrenaturais. Sem tradição de liberdade, os portugueses adoram quem segura a trela e promete mantê-la curta, e não é à toa que, há uns anos, colocaram essas duas recomendáveis peças nos primeiros lugares de um concurso destinado a "decidir" os melhores da nossa história. Nem é à toa que a nossa história deu nisto.
Quinta-feira, 23 de Maio
A palavra interdita
Ler na imprensa portuguesa as notícias sobre os motins em Estocolmo levará um leigo a imaginar centenas de protestantes loiros a incendiar automóveis noite após noite. Já os iniciados nos códigos da correcção política percebem que não se trata de protestantes nem de católicos, budistas, hindus, judeus, xintoístas, animistas, membros da IURD ou agnósticos: à semelhança dos psicopatas que esta semana degolaram um soldado britânico numa rua de Londres, os criminosos da Suécia agem em nome do Islão, termo que as boas consciências preferem esconder em favor de "sentimentos de exclusão social" ou delícia do género. A própria ministra sueca da Justiça usou o eufemismo sem se rir. Um dia, os que como ela defendem a abdicação perante cultos da morte não rirão por razões de peso.
Sábado, 25 de Maio
Clichês na própria baliza
O futebol é um espelho do País? Parece que sim e, infelizmente, parece também que vice-versa. Não falo das falências. Nem do aborrecimento. Nem da corrupção. Falo das ideias feitas e do poder destas em subjugar a realidade: quando enfiamos um disparate na cabeça, não o conseguimos retirar nem com o auxílio de uma rebarbadora. Vejamos primeiro um exemplo da bola.
Graças à intervenção dos media e dos "especialistas" do ramo, ao longo dos últimos anos convencionou-se que o treinador do Benfica é um génio e o do Porto um monumento à incompetência. Não importa que a equipa do sr. Jesus perca quase todas as competições em que participa, nem que saia regularmente humilhado dos jogos com o Porto, nem que o génio em causa tenha dificuldade em fazer--se entender pelo cidadão (e, suponho, pelo jogador) médio, nem que revele uma arrogância altamente desproporcionada face ao seu currículo. E não importa que o sr. Pereira seja campeão duas vezes seguidas, ao que li com uma derrota em 60 partidas. Acima dos factos, o que importa é a força do clichê difundido, a qual é responsável pela vontade dos adeptos benfiquistas em ver a permanência do sr. Jesus no clube e pela vontade dos adeptos do Porto em ver o sr. Pereira à distância.
Absurdo? Não mais do que os clichês que tomam conta da actualidade nacional, ou do pedacinho da actualidade que escapa ao futebol. Para os media e os "especialistas" da política e da economia, logo para a vasta maioria da opinião pública, a austeridade em que caímos é opcional. O Governo desatou a empobrecer os portugueses só porque retira farto gozo do exercício e não porque uma dívida descontrolada nos deixara próximos do colapso e em plena dependência da caridade (a juros) do exterior. Poucos se dão ao trabalho de notar que sem os apertos vigentes (e os que faltam) a troika não nos atura, que sem a troika os apertos serão imensamente maiores e que no mundo real não há descontos: os golos sofrem-se muito antes dos 92 minutos.
In DN
Elogio da desconfiança
por ALBERTO GONÇALVES
Hoje
A pretexto da circum-navegação do Governo em redor do novo imposto sobre os pensionistas, dos cómicos apelos de Cavaco Silva aos santinhos tradicionais e aos do Conselho de Estado e da demagogia alucinada em que a oposição perpetuamente vive, os portugueses, povo de descobridores, descobriram pela enésima vez uma extraordinária coisa: os políticos não são de fiar. Ou, para usar o léxico em voga, os políticos não têm credibilidade. Ai, quanta saudade do tempo em que os políticos eram credíveis.
Lembro-me como se fosse hoje de quando elegíamos gente cumpridora, unicamente preocupada com os célebres interesses do País e alheia quer a interesses partidários quer pessoais. Gente altruísta que sacrificava a popularidade a fim de servir o bem-comum. Gente ponderada, que nunca criaria as condições para entregar a nação ao FMI. Gente lúcida, que jamais permitiria a destruição, paga em cheque, do sector primário. Gente esclarecida, que sabia aplicar com rigor e parcimónia os "fundos" europeus. Gente determinada, que não cedia à atracção dos sindicatos pelo caos. Gente precavida, que se negou a autorizar o crescimento incessante da máquina estatal. Gente racional, que preferiu perder votos a alimentar a ficção de um assistencialismo desaconselhável e inviável. Gente insubmissa, que não sossegou enquanto não desmantelou uma Constituição devotada ao socialismo e acarinhada pelos comunistas. Gente avisada, que sempre preservou o equilíbrio das contas públicas. Gente decente, que combateu por dentro os naturais apetites do Estado para controlar a ralé desde o bolso até ao hábito. Gente democrática, que acautelou a probidade do sistema judicial. Gente visionária, que garantiu a exigência e a qualidade do ensino. Etc.
Agora a sério: alguma vez Portugal teve políticos honrados, fiáveis, escapatórios, vá lá? Lamento, mas não. E é da natureza da política que assim seja. Da natureza de Portugal é a propensão para ambicionar o contrário. É escusado referir o brilhantismo das duas primeiras repúblicas: se o pai da terceira é um indivíduo da estatura moral de Mário Soares, não teria custado adivinhar o nível dos filhos, netos e enteados. A todos, o bom povo deu sucessivamente o aval nas urnas para em seguida perceber com pasmo que se enganou, esquecendo os enganos e os pasmos anteriores.
Infelizmente, notar tamanha evidência passa por "populismo". Não é. O entendimento corrente do populismo consiste em substituir os políticos habituais por políticos que fingem não o ser. Sobretudo porque não temos outra, o ponto aqui implica aceitar a classe política que temos - sem aceitar a ilusão de que esses senhores, que de resto não caíram do céu, concorrem para resolver os nossos problemas. Mudar de regime é uma aventura menos recomendável do que mudar os cidadãos. Dito de maneira diferente, discutir a credibilidade dos políticos é conversa fiada: o problema nacional é a credulidade dos portugueses.
Quarta-feira, 22 de Maio
Cem anos de mitificação
O centenário de Álvaro Cunhal, em Novembro, levou a TVI a antecipar festividades e a realizar uma daquelas reportagens que tentam revelar o homem por detrás da figura pública. O que conseguiu foi revelar as baixezas a que o jornalismo (?) hagiográfico pode descer. O trabalho recorreu a depoimentos da irmã, de camaradas de partido, que falam sempre com o tom e a cadência "do Álvaro", o modo pelo qual ainda tratam o eterno chefe, e de interlocutores avulsos, desde o médico Joshua Ruah ao distinto historiador Fernando Rosas, passando por Miguel Sousa Tavares. Não fora o prazer de assistir ao célebre romancista de Equador referir a "áurea" (sic) do "doutor Álvaro Cunhal", qualquer texto evocativo do Avante! teria alcançado idêntico efeito.
Ficámos então a saber que Cunhal era sensível, bem-disposto, atencioso, inteligente, criativo, culto, poliglota e óptimo dançarino. Ou seja, de tanto extrair o "político" da "pessoa", a reportagem deixou apenas um esqueleto enganador e etéreo, que fez o favor de passear, ou dançar, entre os mortais. Do conspirador manhoso que, antes de 1974, perseguia e destruía adversários internos e lutava contra a ditadura em prol de outra ditadura pior, nem uma palavra. Do esboço de tiranete que, depois de 1974, lutou contra a democracia em prol da ditadura do costume, pouquíssimas e, em geral, compreensivas palavras.
Em suma, mitificação em abundância. É natural. Por cá, o fascínio que uma criatura medíocre como Cunhal desperta só encontra paralelo em Salazar. Não vale a pena mencionar os devotos: mesmo os que odeiam o beato de Santa Comba e o estalinista de Seia atribuem--lhes propriedades quase sobrenaturais. Sem tradição de liberdade, os portugueses adoram quem segura a trela e promete mantê-la curta, e não é à toa que, há uns anos, colocaram essas duas recomendáveis peças nos primeiros lugares de um concurso destinado a "decidir" os melhores da nossa história. Nem é à toa que a nossa história deu nisto.
Quinta-feira, 23 de Maio
A palavra interdita
Ler na imprensa portuguesa as notícias sobre os motins em Estocolmo levará um leigo a imaginar centenas de protestantes loiros a incendiar automóveis noite após noite. Já os iniciados nos códigos da correcção política percebem que não se trata de protestantes nem de católicos, budistas, hindus, judeus, xintoístas, animistas, membros da IURD ou agnósticos: à semelhança dos psicopatas que esta semana degolaram um soldado britânico numa rua de Londres, os criminosos da Suécia agem em nome do Islão, termo que as boas consciências preferem esconder em favor de "sentimentos de exclusão social" ou delícia do género. A própria ministra sueca da Justiça usou o eufemismo sem se rir. Um dia, os que como ela defendem a abdicação perante cultos da morte não rirão por razões de peso.
Sábado, 25 de Maio
Clichês na própria baliza
O futebol é um espelho do País? Parece que sim e, infelizmente, parece também que vice-versa. Não falo das falências. Nem do aborrecimento. Nem da corrupção. Falo das ideias feitas e do poder destas em subjugar a realidade: quando enfiamos um disparate na cabeça, não o conseguimos retirar nem com o auxílio de uma rebarbadora. Vejamos primeiro um exemplo da bola.
Graças à intervenção dos media e dos "especialistas" do ramo, ao longo dos últimos anos convencionou-se que o treinador do Benfica é um génio e o do Porto um monumento à incompetência. Não importa que a equipa do sr. Jesus perca quase todas as competições em que participa, nem que saia regularmente humilhado dos jogos com o Porto, nem que o génio em causa tenha dificuldade em fazer--se entender pelo cidadão (e, suponho, pelo jogador) médio, nem que revele uma arrogância altamente desproporcionada face ao seu currículo. E não importa que o sr. Pereira seja campeão duas vezes seguidas, ao que li com uma derrota em 60 partidas. Acima dos factos, o que importa é a força do clichê difundido, a qual é responsável pela vontade dos adeptos benfiquistas em ver a permanência do sr. Jesus no clube e pela vontade dos adeptos do Porto em ver o sr. Pereira à distância.
Absurdo? Não mais do que os clichês que tomam conta da actualidade nacional, ou do pedacinho da actualidade que escapa ao futebol. Para os media e os "especialistas" da política e da economia, logo para a vasta maioria da opinião pública, a austeridade em que caímos é opcional. O Governo desatou a empobrecer os portugueses só porque retira farto gozo do exercício e não porque uma dívida descontrolada nos deixara próximos do colapso e em plena dependência da caridade (a juros) do exterior. Poucos se dão ao trabalho de notar que sem os apertos vigentes (e os que faltam) a troika não nos atura, que sem a troika os apertos serão imensamente maiores e que no mundo real não há descontos: os golos sofrem-se muito antes dos 92 minutos.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Eles são como nós
.
Eles são como nós
por PAULO BALDAIA
Hoje
No país dos doutores, dos fatos e das gravatas, dos da esquerda e da direita, estou um pouco cansado de ver as culpas atiradas para o vizinho do lado. Confesso ao Deus-povo-todo-poderoso, criador da sociedade em que habito: eu pequei, eu peco, eu vou continuar a pecar. E confesso na esperança de que todos os outros possam ser melhores do que eu.
Não tendo conseguido distinguir-me entre seres da mesma espécie, digo a mim próprio que a explicação está no pragmatismo inerente ao avanço da idade e na certeza que tenho de que não serei capaz de mudar o mundo. Precisaria, aliás, de milhares de palavras para explicar as razões porque me sinto igual ao comum dos mortais.
Hesito, nesta confissão da minha fragilidade, porque tenho como certa a impossibilidade de demonstrar a mim próprio, e ao mundo, que a simples confissão me pode transformar em alguém melhor. A utopia de um mundo verdadeiramente solidário é isso mesmo, uma utopia. É atrás do dinheiro que andamos todos. Atrás e nunca à frente. Vivemos rendidos. Quero dizer com toda a clareza que também eu me sinto vencido. Procuro manter um statu quo, mesmo sabendo que o meu nível de vida não me garante um segundo de protagonismo na História da Humanidade. O dinheiro que rouba tempo, quando deveria servir para o comprar, permite apenas adquirir um falso respeito. Alimenta egos que nunca estarão satisfeitos.
Não vivo nenhuma angústia especial, sou apenas alguém a revelar as suas fraquezas na esperança de que todos os outros encontrem espaço para perceber que, quase nunca, o mal do mundo são os outros. Eu adoro a vida, a minha mulher e as minhas filhas, a mãe que tenho e o pai que tive, as minhas irmãs, os meus irmãos e as suas famílias. Adoro a família da minha mulher, que adoptei como minha, com lugar de destaque para a "avó" Teresa. E adoro os amigos que tenho. Entre todas as pessoas de quem gosto, não conheço uma só que seja mais culpada do que eu por estarmos onde estamos.
Sou jornalista há um quarto de século. Dei notícia dos Governos de Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes, José Sócrates e Pedro Passos Coelho. E dos gabinetes presidenciais de Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva. Digo com total franqueza, mesmo visto de perto, não encontro qualquer diferença. Eles são o que nós somos.
Não alinho na tese que responsabiliza em exclusivo os políticos que elegemos pelo mal que vivemos. Nós, sendo o que somos, evitamos ser mais solidários e revelamos com isso a nossa incapacidade de ceder, até nas coisas mínimas, para construir uma sociedade mais justa. O que falta a Portugal para ser um país com futuro é justiça, não é dinheiro. A política começa em cada um de nós.
In DN
Eles são como nós
por PAULO BALDAIA
Hoje
No país dos doutores, dos fatos e das gravatas, dos da esquerda e da direita, estou um pouco cansado de ver as culpas atiradas para o vizinho do lado. Confesso ao Deus-povo-todo-poderoso, criador da sociedade em que habito: eu pequei, eu peco, eu vou continuar a pecar. E confesso na esperança de que todos os outros possam ser melhores do que eu.
Não tendo conseguido distinguir-me entre seres da mesma espécie, digo a mim próprio que a explicação está no pragmatismo inerente ao avanço da idade e na certeza que tenho de que não serei capaz de mudar o mundo. Precisaria, aliás, de milhares de palavras para explicar as razões porque me sinto igual ao comum dos mortais.
Hesito, nesta confissão da minha fragilidade, porque tenho como certa a impossibilidade de demonstrar a mim próprio, e ao mundo, que a simples confissão me pode transformar em alguém melhor. A utopia de um mundo verdadeiramente solidário é isso mesmo, uma utopia. É atrás do dinheiro que andamos todos. Atrás e nunca à frente. Vivemos rendidos. Quero dizer com toda a clareza que também eu me sinto vencido. Procuro manter um statu quo, mesmo sabendo que o meu nível de vida não me garante um segundo de protagonismo na História da Humanidade. O dinheiro que rouba tempo, quando deveria servir para o comprar, permite apenas adquirir um falso respeito. Alimenta egos que nunca estarão satisfeitos.
Não vivo nenhuma angústia especial, sou apenas alguém a revelar as suas fraquezas na esperança de que todos os outros encontrem espaço para perceber que, quase nunca, o mal do mundo são os outros. Eu adoro a vida, a minha mulher e as minhas filhas, a mãe que tenho e o pai que tive, as minhas irmãs, os meus irmãos e as suas famílias. Adoro a família da minha mulher, que adoptei como minha, com lugar de destaque para a "avó" Teresa. E adoro os amigos que tenho. Entre todas as pessoas de quem gosto, não conheço uma só que seja mais culpada do que eu por estarmos onde estamos.
Sou jornalista há um quarto de século. Dei notícia dos Governos de Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes, José Sócrates e Pedro Passos Coelho. E dos gabinetes presidenciais de Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva. Digo com total franqueza, mesmo visto de perto, não encontro qualquer diferença. Eles são o que nós somos.
Não alinho na tese que responsabiliza em exclusivo os políticos que elegemos pelo mal que vivemos. Nós, sendo o que somos, evitamos ser mais solidários e revelamos com isso a nossa incapacidade de ceder, até nas coisas mínimas, para construir uma sociedade mais justa. O que falta a Portugal para ser um país com futuro é justiça, não é dinheiro. A política começa em cada um de nós.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
O Conselho de Estado
.
O Conselho de Estado
por JOÃO MARCELINO
Ontem
1 Teoricamente, o Conselho de Estado é um órgão constituído por alguns notáveis do regime cuja função será a de aconselharem o Presidente da República (PR) em matérias sensíveis do País. Com este ou outro nome, e com competências e naturezas distintas, existe em vários países sem que daí venha qualquer mal ao mundo.
Em Portugal, é obrigatório que o Conselho de Estado seja ouvido em caso de demissão do Governo, dissolução dos parlamentos nacional ou regionais (Madeira e Açores) ou, até, numa eventual declaração de guerra a um qualquer país que a lei entendeu por bem precaver.
Como estes casos extremos raramente se verificam, o lote dos atuais 20 conselheiros é apenas chamado quando o PR quer fazer política, ou seja, passar mensagens, sugerir preocupações.
É suposto, ainda, que os conselheiros sejam convocados por carta com uma antecedência mínima de três dias, salvaguardando situações excecionais, e guardem sigilo sobre o teor das reuniões.
2 Como se percebeu, a última reunião do Conselho de Estado foi absolutamente extraordinária. A convocatória começou por ser antecipada por um conselheiro (Marques Mendes) numa televisão generalista (SIC) - na qual concorre com outro conselheiro, Marcelo Rebelo de Sousa, de outro canal, a TVI, pelo estatuto de melhor pregoeiro da maioria de Belém e São Bento - e o conclave que deveria refletir no pós-troika acabou escarrapachado nas páginas dos jornais sem ter de esperar pelos 30 anos previstos na lei.
Entre outras coisas, ficámos a saber que o presidente do Tribunal Constitucional, Joaquim de Sousa Ribeiro, aproveitou para lembrar a Pedro Passos Coelho as funções do órgão a que preside e o desagrado com que recebeu as recentes críticas do primeiro-ministro (segundo alguns relatos também até terá deixado aviso para decisões futuras...); julgamos poder acreditar que o parágrafo sobre "consenso" num comunicado previamente preparado foi vetado pela "esquerda" liderada por Jorge Sampaio, com o apoio de Manuel Alegre e António José Seguro; que aquilo que mais motivou a discussão não foi o pós-troika, foi o pós-Passos Coelho, com a alusão à necessidade de eleições antecipadas; etc., etc.
Em resumo, tivemos um Conselho de Estado à altura do País minado pela crise: sem grandeza, consumido pela politiquice, pelo egoísmo, e com falta de liderança.
3 É este Conselho de Estado, que Cavaco Silva não se importa que seja "previsto" pelos seus mais leais oráculos, pretensamente na defesa das suas convicções, que depois não merece o respeito de nenhuma das famílias políticas chamadas a dar conselho ao PR e vai contribuindo, tudo somado, para o descrédito geral com que são recebidas as conclusões pelos cidadãos.
O País, à partida, já tem fragilidades que cheguem. É terrível, aliás, ver como tanta gente com responsabilidades parecia esperar desta reunião de senadores mais um milagre de Fátima, que porventura fizesse descer o desemprego ou crescer a economia.
O Conselho de Estado, em virtude de muito do que se passou antes e depois, fez por merecer os desabafos populistas e demagógicos, ignorantes ou exaltados, que por estes dias questionaram até a sua existência - tudo porque não se deu ao respeito.
Houve demasiada política, pouco sentido de Estado, antes, durante e depois.
Pensar que os cidadãos, hoje, aguentam isto com o mesmo espírito pacífico e desinteressado com que suportam as bizarrias dirigentes (políticas, sociais e económicas...) em tempo de vacas gordas é falta de preparação pessoal. E tivemos isso tudo, outra vez, esta semana. Infelizmente.
A intenção de Cavaco Silva para este Conselho de Estado (descontando o irritante cálculo que nos permite adivinhar que um dos seus objetivos é poder dizer mais tarde de novo "eu avisei") faz sentido. A sociedade portuguesa, de uma forma geral, parece não perceber as dificuldades que a esperam quando, entre outras coisas, deixar de ter os inspetores da "troika" a tutelarem as reformas que nunca ninguém por aqui quer que se façam; e a defenderem o interesse do dinheiro emprestado que, apesar de tudo, é mais barato do que aquele que o Governo já se gaba de ir buscar "aos mercados". Vai ser um grande problema!
In DN
O Conselho de Estado
por JOÃO MARCELINO
Ontem
1 Teoricamente, o Conselho de Estado é um órgão constituído por alguns notáveis do regime cuja função será a de aconselharem o Presidente da República (PR) em matérias sensíveis do País. Com este ou outro nome, e com competências e naturezas distintas, existe em vários países sem que daí venha qualquer mal ao mundo.
Em Portugal, é obrigatório que o Conselho de Estado seja ouvido em caso de demissão do Governo, dissolução dos parlamentos nacional ou regionais (Madeira e Açores) ou, até, numa eventual declaração de guerra a um qualquer país que a lei entendeu por bem precaver.
Como estes casos extremos raramente se verificam, o lote dos atuais 20 conselheiros é apenas chamado quando o PR quer fazer política, ou seja, passar mensagens, sugerir preocupações.
É suposto, ainda, que os conselheiros sejam convocados por carta com uma antecedência mínima de três dias, salvaguardando situações excecionais, e guardem sigilo sobre o teor das reuniões.
2 Como se percebeu, a última reunião do Conselho de Estado foi absolutamente extraordinária. A convocatória começou por ser antecipada por um conselheiro (Marques Mendes) numa televisão generalista (SIC) - na qual concorre com outro conselheiro, Marcelo Rebelo de Sousa, de outro canal, a TVI, pelo estatuto de melhor pregoeiro da maioria de Belém e São Bento - e o conclave que deveria refletir no pós-troika acabou escarrapachado nas páginas dos jornais sem ter de esperar pelos 30 anos previstos na lei.
Entre outras coisas, ficámos a saber que o presidente do Tribunal Constitucional, Joaquim de Sousa Ribeiro, aproveitou para lembrar a Pedro Passos Coelho as funções do órgão a que preside e o desagrado com que recebeu as recentes críticas do primeiro-ministro (segundo alguns relatos também até terá deixado aviso para decisões futuras...); julgamos poder acreditar que o parágrafo sobre "consenso" num comunicado previamente preparado foi vetado pela "esquerda" liderada por Jorge Sampaio, com o apoio de Manuel Alegre e António José Seguro; que aquilo que mais motivou a discussão não foi o pós-troika, foi o pós-Passos Coelho, com a alusão à necessidade de eleições antecipadas; etc., etc.
Em resumo, tivemos um Conselho de Estado à altura do País minado pela crise: sem grandeza, consumido pela politiquice, pelo egoísmo, e com falta de liderança.
3 É este Conselho de Estado, que Cavaco Silva não se importa que seja "previsto" pelos seus mais leais oráculos, pretensamente na defesa das suas convicções, que depois não merece o respeito de nenhuma das famílias políticas chamadas a dar conselho ao PR e vai contribuindo, tudo somado, para o descrédito geral com que são recebidas as conclusões pelos cidadãos.
O País, à partida, já tem fragilidades que cheguem. É terrível, aliás, ver como tanta gente com responsabilidades parecia esperar desta reunião de senadores mais um milagre de Fátima, que porventura fizesse descer o desemprego ou crescer a economia.
O Conselho de Estado, em virtude de muito do que se passou antes e depois, fez por merecer os desabafos populistas e demagógicos, ignorantes ou exaltados, que por estes dias questionaram até a sua existência - tudo porque não se deu ao respeito.
Houve demasiada política, pouco sentido de Estado, antes, durante e depois.
Pensar que os cidadãos, hoje, aguentam isto com o mesmo espírito pacífico e desinteressado com que suportam as bizarrias dirigentes (políticas, sociais e económicas...) em tempo de vacas gordas é falta de preparação pessoal. E tivemos isso tudo, outra vez, esta semana. Infelizmente.
A intenção de Cavaco Silva para este Conselho de Estado (descontando o irritante cálculo que nos permite adivinhar que um dos seus objetivos é poder dizer mais tarde de novo "eu avisei") faz sentido. A sociedade portuguesa, de uma forma geral, parece não perceber as dificuldades que a esperam quando, entre outras coisas, deixar de ter os inspetores da "troika" a tutelarem as reformas que nunca ninguém por aqui quer que se façam; e a defenderem o interesse do dinheiro emprestado que, apesar de tudo, é mais barato do que aquele que o Governo já se gaba de ir buscar "aos mercados". Vai ser um grande problema!
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Diz ele: chuviscou torrencialmente
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Diz ele: chuviscou torrencialmente
por FERREIRA FERNANDES
Ontem
Na crónica de ontem, tratei, com a ironia que o assunto/sujeito me parecia pedir, da bizarra explicação de Vítor Gaspar sobre os fracos números do investimento português no primeiro trimestre. "Adversas condições meteorológicas", disse ele, sem rir, o que é de gargalhada. Daí eu ter recheado a crónica de termos irrisórios: previsões tão falhadas na meteorologia quanto nas finanças, cortes cegos nas altas pressões dos Açores... Para declarações oficiais loucas, crónicas tolas. Admito, porém, que o ângulo esteve errado. Não que Gaspar não merecesse o escárnio. O habitual discursador seco tentar desculpar-se com o excesso de precipitação (foi outra das piadas) estava a pedi-las. O meu erro foi ter deixado que a anedota da árvore me tapasse a floresta de análises sérias que o episódio exigia. A questão grave é: Vítor Gaspar, o homem mais determinante numa das situações mais graves da História portuguesa, não é um político. E isso é uma tragédia. Na sexta-feira passada - quando meia-Europa estava mergulhada nas águas, Budapeste e Praga salvas com sacos de areia, mortos, dezenas de milhares de desalojados - Gaspar justificou os nossos falhanços assim: em Portugal chuviscou torrencialmente. Da Alemanha (milhares de desalojados, 25 mil socorristas e 16 mil militares nas estradas) é um tal Wolfgang Schäuble, com quem Gaspar tem de se explicar. Receio que o nosso ministro lhe apareça de capa encerada e botas de borracha e cano alto.
In DN
Diz ele: chuviscou torrencialmente
por FERREIRA FERNANDES
Ontem
Na crónica de ontem, tratei, com a ironia que o assunto/sujeito me parecia pedir, da bizarra explicação de Vítor Gaspar sobre os fracos números do investimento português no primeiro trimestre. "Adversas condições meteorológicas", disse ele, sem rir, o que é de gargalhada. Daí eu ter recheado a crónica de termos irrisórios: previsões tão falhadas na meteorologia quanto nas finanças, cortes cegos nas altas pressões dos Açores... Para declarações oficiais loucas, crónicas tolas. Admito, porém, que o ângulo esteve errado. Não que Gaspar não merecesse o escárnio. O habitual discursador seco tentar desculpar-se com o excesso de precipitação (foi outra das piadas) estava a pedi-las. O meu erro foi ter deixado que a anedota da árvore me tapasse a floresta de análises sérias que o episódio exigia. A questão grave é: Vítor Gaspar, o homem mais determinante numa das situações mais graves da História portuguesa, não é um político. E isso é uma tragédia. Na sexta-feira passada - quando meia-Europa estava mergulhada nas águas, Budapeste e Praga salvas com sacos de areia, mortos, dezenas de milhares de desalojados - Gaspar justificou os nossos falhanços assim: em Portugal chuviscou torrencialmente. Da Alemanha (milhares de desalojados, 25 mil socorristas e 16 mil militares nas estradas) é um tal Wolfgang Schäuble, com quem Gaspar tem de se explicar. Receio que o nosso ministro lhe apareça de capa encerada e botas de borracha e cano alto.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Venham mais "briefings"
.
Venham mais "briefings"
por FERNANDA CÂNCIO09 agosto 2013
Não, não concordo com o provedor do DN: a tentativa por parte de um governo (ou clube de futebol, empresa, etc.) de condicionar a cobertura jornalística transmitindo a sua mensagem e tentando até evitar perguntas incómodas não é fascista. É a coisa mais normal do mundo em democracia. Aliás, só em democracia é que esta questão se coloca nestes termos, porque nas ditaduras o condicionamento, pelos governos, do que é publicado e da própria atividade dos jornalistas - quando sequer existem -, efetua-se quer através da censura oficial, como ocorreu em Portugal no período a que chamamos, precisamente, fascismo, como da perseguição, prisão e até assassínio que sucederam e sucedem noutras paragens.
Claro que podemos, por exemplo, questionar se é fascismo o que fez Relvas quando ligou para o Público a ameaçar revelar a vida privada de uma repórter que lhe fazia perguntas de que ele não gostava. É abjeto, é intolerável (mesmo se, parece, o próprio jornal o tolerou), é de mafioso, pode até ser ilegal, demonstra uma total incapacidade de lidar com a liberdade de informação constitucionalmente consagrada e deveria ter determinado logo ali a demissão do ministro por clamor generalizado (que não houve). Mas será fascista? E, mesmo que possa ser como tal classificado, isso adianta alguma coisa para a compreensão e para a denúncia do facto e da personagem, para a consciencialização pública da necessidade de repudiar este tipo de atitude? Não me parece.
Ora se para o caso limite de Relvas devemos ter dúvidas em usar o termo fascismo, que dizer dos seus sucessores na pasta da comunicação social, que criaram a figura do briefing diário, agora bi-semanal, em que divertem, em direto, o País com as caras, gaguejos e saídas impagáveis do mestre de cerimónias Lomba (talento até agora insuspeito na sitdown comedy) e dos membros do Governo para ali arrastados? Sim, Oscar (Mascarenhas) tens toda a razão em te indignares com as tolices ignaras esportuladas por Lomba e Maduro, na senda, aliás, das de Sofia Galvão na célebre conferência do Palácio Foz, sobre on e off. Todos os motivos para te passares com o facto de estas coisas passarem sem nota nos media e na generalidade dos comentadores e para, citando o exemplo da Hungria e da Grécia, nos avisares para o facto de antes da serpente devermos ser capazes de divisar o ovo. E toda a autoridade, dever até, para admoestar os jornalistas e respetivas direções por comerem e calarem na saloiice do "lá fora também é assim".
Mas, Oscar, fascismo, o espetáculo de um secretário de Estado alegadamente da propaganda a dizer para as câmaras que o Governo vai averiguar o que é ou não verdade na versão de um colega seu, sem sequer perceber que o está a demitir (e a si próprio, se há por ali resquício de vida inteligente)? Por amor de deus, com tanto motivo de mágoa e tão poucas séries de jeito na TV, não nos queiras privar disto.
In DN
Venham mais "briefings"
por FERNANDA CÂNCIO09 agosto 2013
Não, não concordo com o provedor do DN: a tentativa por parte de um governo (ou clube de futebol, empresa, etc.) de condicionar a cobertura jornalística transmitindo a sua mensagem e tentando até evitar perguntas incómodas não é fascista. É a coisa mais normal do mundo em democracia. Aliás, só em democracia é que esta questão se coloca nestes termos, porque nas ditaduras o condicionamento, pelos governos, do que é publicado e da própria atividade dos jornalistas - quando sequer existem -, efetua-se quer através da censura oficial, como ocorreu em Portugal no período a que chamamos, precisamente, fascismo, como da perseguição, prisão e até assassínio que sucederam e sucedem noutras paragens.
Claro que podemos, por exemplo, questionar se é fascismo o que fez Relvas quando ligou para o Público a ameaçar revelar a vida privada de uma repórter que lhe fazia perguntas de que ele não gostava. É abjeto, é intolerável (mesmo se, parece, o próprio jornal o tolerou), é de mafioso, pode até ser ilegal, demonstra uma total incapacidade de lidar com a liberdade de informação constitucionalmente consagrada e deveria ter determinado logo ali a demissão do ministro por clamor generalizado (que não houve). Mas será fascista? E, mesmo que possa ser como tal classificado, isso adianta alguma coisa para a compreensão e para a denúncia do facto e da personagem, para a consciencialização pública da necessidade de repudiar este tipo de atitude? Não me parece.
Ora se para o caso limite de Relvas devemos ter dúvidas em usar o termo fascismo, que dizer dos seus sucessores na pasta da comunicação social, que criaram a figura do briefing diário, agora bi-semanal, em que divertem, em direto, o País com as caras, gaguejos e saídas impagáveis do mestre de cerimónias Lomba (talento até agora insuspeito na sitdown comedy) e dos membros do Governo para ali arrastados? Sim, Oscar (Mascarenhas) tens toda a razão em te indignares com as tolices ignaras esportuladas por Lomba e Maduro, na senda, aliás, das de Sofia Galvão na célebre conferência do Palácio Foz, sobre on e off. Todos os motivos para te passares com o facto de estas coisas passarem sem nota nos media e na generalidade dos comentadores e para, citando o exemplo da Hungria e da Grécia, nos avisares para o facto de antes da serpente devermos ser capazes de divisar o ovo. E toda a autoridade, dever até, para admoestar os jornalistas e respetivas direções por comerem e calarem na saloiice do "lá fora também é assim".
Mas, Oscar, fascismo, o espetáculo de um secretário de Estado alegadamente da propaganda a dizer para as câmaras que o Governo vai averiguar o que é ou não verdade na versão de um colega seu, sem sequer perceber que o está a demitir (e a si próprio, se há por ali resquício de vida inteligente)? Por amor de deus, com tanto motivo de mágoa e tão poucas séries de jeito na TV, não nos queiras privar disto.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Toca-me a (pouca) sorte de ter de dar resposta a Alberto Gonçalves
.
Toca-me a (pouca) sorte de ter de dar resposta a Alberto Gonçalves
por OSCAR MASCARENHAS
Hoje
No seu breviário do último domingo, no DN, Alberto Gonçalves dedica-me esta mimosa passagem: "Ainda há dias, um caso perdido do jornalismo indígena decidiu que a mania do Governo em promover briefings regulares é um exercício - desculpem a repetição - fascista, na medida em que visa o controlo dos media. Não vou cair no ridículo de sugerir ao tal caso perdido que se informe sobre o estilo de comunicação e a autonomia da imprensa no regime de Mussolini, por exemplo. Limito-me a constatar que os briefings em causa de fascistas não têm nada; de inúteis têm imenso."
Podia dar-lhe uma arrogante resposta de cátedra: "São precisos três Albertos Gonçalves encavalitados para opinarem junto do meu calcanhar sobre o que é perdido ou achado no jornalismo..." Mas tal resposta teria o inconveniente de se parecer com a do outro que manda nascer duas vezes e, sinceramente, não vejo que seja coisa muito saudável a proliferação de Albertos Gonçalves. Além de que, certos leitores menos dados a hipérboles e mais acomodados à interpretação literal poderiam ficar com a sensação de que caminho sobre compridas andas...
Vale mais ser pedagógico e explicar outra vez, pacientemente, que não disse que os briefings - que deveriam mais corretamente ser designados conferências de imprensa - são fascistas. Ou estalinistas, como propus, em alternativa, aos puristas dos fascii di combatimento. O sistema imposto - e já retirado, pela enérgica mas não noticiada intervenção do meu infatigável Sindicato - de vincular os jornalistas a um delito ético de retransmitirem comentários sem indicar a sua autoria era uma forma de intoxicação da opinião pública e uma tentativa de aniquilamento do princípio básico do jornalismo que é o direito de acesso das pessoas a mais do que uma versão das coisas - ou mais do que um só ângulo de visão da realidade.
Receio bem que tenha sido ociosa esta minha explicação a Alberto Gonçalves, porque ele tem tendência para tresler o que lhe põem pela frente ou falar de outiva sem se dar ao trabalho de confirmar - mas nunca se esquecendo de chancelar os seus textos com a toleima de mandar os outros estudar e informar-se.
Não é preciso ir longe para demonstrar o que afirmei. No mesmo dia, noutro trecho, Alberto Gonçalves comenta um episódio judicial que ficou famoso e sobre o qual Marcelo Rebelo de Sousa já se tinha pronunciado nas suas prédicas dominicais. O texto de Alberto Gonçalves contém dados originais e comentários coincidentes com os de Marcelo. A pena é que os originais sejam disparatados e os comentários sejam totalmente coincidentes com os produzidos por Marcelo.
Escreveu Alberto Gonçalves: "É o caso do funcionário de uma empresa de recolha de resíduos em Oliveira de Azeméis, que compareceu ao emprego com pouquíssimo sangue no álcool e, ao volante de um camião, provocou um pedagógico acidente. Após se ter queixado ao tribunal do subsequente despedimento, os juízes de primeira instância e, posteriormente, os da Relação do Porto deram-lhe razão e ordenaram a reintegração do homem."
Segue-se depois o comentário à tirada doutrinal dos magistrados sobre as vantagens do álcool para atirar frigoríficos.
Acontece que o tal funcionário não ia ao volante do camião, era apenas carregador, não provocou qualquer acidente, foi vítima de um acidente causado pelo seu colega motorista. O tribunal, em matéria de direito, decidiu aparentemente bem: no hospital, detetaram no carregador acidentado uma elevada taxa de alcoolemia mas, não se tratando de um crime nem sequer de violação a qualquer regulamento da empresa sobre essa matéria, essa informação não podia ser divulgada, ao abrigo do segredo médico. Por isso, a empresa não podia conhecê-la. O trabalhador não causou qualquer dano à empresa, esta sim, com o acidente, é que deve responder pelos danos a ele causados. Não podia, pois, ser despedido - decidiu, e bem, o tribunal.
O alcoolismo pode ser nefasto, mas ainda não está proibido em Portugal. Quando não o pobre do Mário-Henrique Leiria ainda seria exumado e metido na masmorra por ter escrito não um mas dois livros de contos à força de gin tonic...
Onde o Tribunal da Relação se espalhou por completo foi nas considerações despropositadas sobre os benefícios da vinhaça no lançamento de frigoríficos. Desde os tempos de Apeles que é sabido que não deve o sapateiro subir acima do chinelo. O tribunal não está qualificado para se pronunciar sobre as vantagens do álcool no corpo de um carregador de frigoríficos. Ponto.
A missão do tribunal é aplicar as leis, não debitar os disparates que assomem aos meritíssimos e venerandos bestuntos dos magistrados. Como aquele outro juiz, muito dado a aparecer nos media - quase sempre por más razões, pelas tosquias que leva quando vai por lã - e que proibiu o novo Acordo Ortográfico em não sei que documentos no seu tribunal. Pode ser que a lei lhe confira o direito a considerar que o acordo não é aplicável no seu tribunal - nunca se sabe, o direito é tão incerto... - mas nada permite àquele magistrado pronunciar-se como sábio da linguística e dizer que tal palavra se deve escrever assim e não assado. Pura e simplesmente, não tem qualificações reconhecidas para se pronunciar, usando para mais a autoridade de magistrado. Aplica-se ou não se aplica - decida o que quiser. Agora lições de português, ministradas por um juiz, dispensam-se bem.
São exatamente casos de pessoas que falam do que não sabem, mas entendem poder fazê-lo, porque têm ali a caneta e o papel timbrado à mão. Mas isto não deveria incomodar Alberto Gonçalves que, como se vê, fala também do que não percebe.
Anda por aí uma endemia de catarro nas formigas, santo Deus!
Voltando à questão do fascismo, matéria em que Alberto Gonçalves reclama pureza doutrinal a este vosso criado, também conhecido por "caso perdido do jornalismo indígena". (Que pena, fiquei-me só pelo "jornalismo indígena"! Um homem que conhece tudo de todo o mundo podia ter tido a gentileza de me dar como "caso perdido no jornalismo mundial". Sempre poderia usar o título com aplomb! Mas parece que há um no deserto de Gobi e outro na Patagónia que ainda andam mais perdidos do que eu, coisa para meter helicópteros de salvamento e assim.)
Permito-me transcrever um parágrafo de um texto de Alberto Gonçalves, publicado noutro periódico, que não o DN. Segurem-se, leitores:
"Santiago do Chile, 12 de setembro de 1973, um dia após o golpe de Pinochet. Victor Jara, cantor de "intervenção" local, viu-se preso e fechado com milhares de outros "suspeitos" no Estádio Nacional. Consta que Jara puxou da guitarra (aparentemente no Chile as pessoas eram detidas com os respetivos instrumentos) e tentou animar os camaradas. Consta que um militar não gostou do recital e esmagou as mãos de Jara. Consta que Jara lá se calou. Um amigo meu garante que o militar em causa deu o maior contributo à história da música desde que Bach desenvolveu a polifonia."
Enquanto o leitor recupera o fôlego com a leitura desta bojarda, vou tentar repor alguma da verdade histórica tanto quanto foi possível reconstituir por entre os segredos de uma ditadura sanguinária. A prisão de Jara não foi no Estádio Nacional, mas no Estádio Chile, hoje Estádio Victor Jara, um pequeno recinto para desportos que requerem menos espaço. Não há nenhuma guitarra presente nos relatos, nem o esmagamento das mãos se deu à vista de outros presos. Deduz-se que foram esmagadas à coronhada numa ou mais sessões de tortura, antes de Jara ter sido morto com 44 tiros e o seu corpo atirado para um matagal nas traseiras de um cemitério, juntamente com mais três cadáveres a 16 de setembro. Não é isso, no entanto, que importa agora analisar, mas o texto de Alberto Gonçalves, se antes não for acometido de vómitos.
No parágrafo seguinte, Alberto Gonçalves demarca-se do seu "amigo", dizendo baboseiras como: para silenciar Jara não era necessária violência, bastava-lhe dar um subsídio do Estado; que a morte de Jara não silenciou os outros baladeiros; e que ele, Alberto Gonçalves, até gosta do género.
É um mecanismo conhecido na produção de aleivosias: põem-se as palavras na boca de um "amigo", demarca-se um poucochinho e o veneno fica instilado. Mas tenho más notícias para Alberto Gonçalves e a primeira é a de que não sabe escolher "amigos", se convive com um selvagem torcionário como o que descreve.
Por outro lado, ao não revelar o nome do "amigo" não se isenta de responsabilidades pelo que foi publicado nem as pode transferir para o referido "amigo". Além disso, as pessoas têm todo o direito a conjeturar que tal "amigo" não existe e que aparece apenas fruto de uma imaginação que plagia Calvin & Hobbes. Mas mesmo que revelasse o nome do suposto "amigo", Alberto Gonçalves não se livraria de responsabilidades, porque a lei não as isenta a quem transcreve declarações que contenham incitamento ao crime - e partir as mãos a outro até Alberto Gonçalves deve conseguir perceber que é crime.
Se as autoridades judiciais funcionassem como Alberto Gonçalves insiste que devem funcionar - e tem razão -, ele próprio já estaria agora a provar da sua própria receita.
Em sua defesa, Alberto Gonçalves só pode invocar uma atenuante: dizer que se alentou para escrever o artigo como um desembargador da Relação do Porto se prepara para lançar frigoríficos... Mas, mesmo assim, diziam os latinos in vino veritas - Alberto Gonçalves perdeu uma excelente oportunidade para não revelar um carácter tolerante e cúmplice para com o que há de mais brutalmente carniceiro e abominável no mais sádico dos guardas de campo de concentração.
Ai de nós se algum dia põem o pau na mão a tal... pensador.
Alberto Gonçalves, um conselho: deixe de dar lições de palanque sobre o que é ou não é o fascismo: o seu texto, que citei, foi aula prática mais do que bastante. Ad nauseam!
In DN
Toca-me a (pouca) sorte de ter de dar resposta a Alberto Gonçalves
por OSCAR MASCARENHAS
Hoje
No seu breviário do último domingo, no DN, Alberto Gonçalves dedica-me esta mimosa passagem: "Ainda há dias, um caso perdido do jornalismo indígena decidiu que a mania do Governo em promover briefings regulares é um exercício - desculpem a repetição - fascista, na medida em que visa o controlo dos media. Não vou cair no ridículo de sugerir ao tal caso perdido que se informe sobre o estilo de comunicação e a autonomia da imprensa no regime de Mussolini, por exemplo. Limito-me a constatar que os briefings em causa de fascistas não têm nada; de inúteis têm imenso."
Podia dar-lhe uma arrogante resposta de cátedra: "São precisos três Albertos Gonçalves encavalitados para opinarem junto do meu calcanhar sobre o que é perdido ou achado no jornalismo..." Mas tal resposta teria o inconveniente de se parecer com a do outro que manda nascer duas vezes e, sinceramente, não vejo que seja coisa muito saudável a proliferação de Albertos Gonçalves. Além de que, certos leitores menos dados a hipérboles e mais acomodados à interpretação literal poderiam ficar com a sensação de que caminho sobre compridas andas...
Vale mais ser pedagógico e explicar outra vez, pacientemente, que não disse que os briefings - que deveriam mais corretamente ser designados conferências de imprensa - são fascistas. Ou estalinistas, como propus, em alternativa, aos puristas dos fascii di combatimento. O sistema imposto - e já retirado, pela enérgica mas não noticiada intervenção do meu infatigável Sindicato - de vincular os jornalistas a um delito ético de retransmitirem comentários sem indicar a sua autoria era uma forma de intoxicação da opinião pública e uma tentativa de aniquilamento do princípio básico do jornalismo que é o direito de acesso das pessoas a mais do que uma versão das coisas - ou mais do que um só ângulo de visão da realidade.
Receio bem que tenha sido ociosa esta minha explicação a Alberto Gonçalves, porque ele tem tendência para tresler o que lhe põem pela frente ou falar de outiva sem se dar ao trabalho de confirmar - mas nunca se esquecendo de chancelar os seus textos com a toleima de mandar os outros estudar e informar-se.
Não é preciso ir longe para demonstrar o que afirmei. No mesmo dia, noutro trecho, Alberto Gonçalves comenta um episódio judicial que ficou famoso e sobre o qual Marcelo Rebelo de Sousa já se tinha pronunciado nas suas prédicas dominicais. O texto de Alberto Gonçalves contém dados originais e comentários coincidentes com os de Marcelo. A pena é que os originais sejam disparatados e os comentários sejam totalmente coincidentes com os produzidos por Marcelo.
Escreveu Alberto Gonçalves: "É o caso do funcionário de uma empresa de recolha de resíduos em Oliveira de Azeméis, que compareceu ao emprego com pouquíssimo sangue no álcool e, ao volante de um camião, provocou um pedagógico acidente. Após se ter queixado ao tribunal do subsequente despedimento, os juízes de primeira instância e, posteriormente, os da Relação do Porto deram-lhe razão e ordenaram a reintegração do homem."
Segue-se depois o comentário à tirada doutrinal dos magistrados sobre as vantagens do álcool para atirar frigoríficos.
Acontece que o tal funcionário não ia ao volante do camião, era apenas carregador, não provocou qualquer acidente, foi vítima de um acidente causado pelo seu colega motorista. O tribunal, em matéria de direito, decidiu aparentemente bem: no hospital, detetaram no carregador acidentado uma elevada taxa de alcoolemia mas, não se tratando de um crime nem sequer de violação a qualquer regulamento da empresa sobre essa matéria, essa informação não podia ser divulgada, ao abrigo do segredo médico. Por isso, a empresa não podia conhecê-la. O trabalhador não causou qualquer dano à empresa, esta sim, com o acidente, é que deve responder pelos danos a ele causados. Não podia, pois, ser despedido - decidiu, e bem, o tribunal.
O alcoolismo pode ser nefasto, mas ainda não está proibido em Portugal. Quando não o pobre do Mário-Henrique Leiria ainda seria exumado e metido na masmorra por ter escrito não um mas dois livros de contos à força de gin tonic...
Onde o Tribunal da Relação se espalhou por completo foi nas considerações despropositadas sobre os benefícios da vinhaça no lançamento de frigoríficos. Desde os tempos de Apeles que é sabido que não deve o sapateiro subir acima do chinelo. O tribunal não está qualificado para se pronunciar sobre as vantagens do álcool no corpo de um carregador de frigoríficos. Ponto.
A missão do tribunal é aplicar as leis, não debitar os disparates que assomem aos meritíssimos e venerandos bestuntos dos magistrados. Como aquele outro juiz, muito dado a aparecer nos media - quase sempre por más razões, pelas tosquias que leva quando vai por lã - e que proibiu o novo Acordo Ortográfico em não sei que documentos no seu tribunal. Pode ser que a lei lhe confira o direito a considerar que o acordo não é aplicável no seu tribunal - nunca se sabe, o direito é tão incerto... - mas nada permite àquele magistrado pronunciar-se como sábio da linguística e dizer que tal palavra se deve escrever assim e não assado. Pura e simplesmente, não tem qualificações reconhecidas para se pronunciar, usando para mais a autoridade de magistrado. Aplica-se ou não se aplica - decida o que quiser. Agora lições de português, ministradas por um juiz, dispensam-se bem.
São exatamente casos de pessoas que falam do que não sabem, mas entendem poder fazê-lo, porque têm ali a caneta e o papel timbrado à mão. Mas isto não deveria incomodar Alberto Gonçalves que, como se vê, fala também do que não percebe.
Anda por aí uma endemia de catarro nas formigas, santo Deus!
Voltando à questão do fascismo, matéria em que Alberto Gonçalves reclama pureza doutrinal a este vosso criado, também conhecido por "caso perdido do jornalismo indígena". (Que pena, fiquei-me só pelo "jornalismo indígena"! Um homem que conhece tudo de todo o mundo podia ter tido a gentileza de me dar como "caso perdido no jornalismo mundial". Sempre poderia usar o título com aplomb! Mas parece que há um no deserto de Gobi e outro na Patagónia que ainda andam mais perdidos do que eu, coisa para meter helicópteros de salvamento e assim.)
Permito-me transcrever um parágrafo de um texto de Alberto Gonçalves, publicado noutro periódico, que não o DN. Segurem-se, leitores:
"Santiago do Chile, 12 de setembro de 1973, um dia após o golpe de Pinochet. Victor Jara, cantor de "intervenção" local, viu-se preso e fechado com milhares de outros "suspeitos" no Estádio Nacional. Consta que Jara puxou da guitarra (aparentemente no Chile as pessoas eram detidas com os respetivos instrumentos) e tentou animar os camaradas. Consta que um militar não gostou do recital e esmagou as mãos de Jara. Consta que Jara lá se calou. Um amigo meu garante que o militar em causa deu o maior contributo à história da música desde que Bach desenvolveu a polifonia."
Enquanto o leitor recupera o fôlego com a leitura desta bojarda, vou tentar repor alguma da verdade histórica tanto quanto foi possível reconstituir por entre os segredos de uma ditadura sanguinária. A prisão de Jara não foi no Estádio Nacional, mas no Estádio Chile, hoje Estádio Victor Jara, um pequeno recinto para desportos que requerem menos espaço. Não há nenhuma guitarra presente nos relatos, nem o esmagamento das mãos se deu à vista de outros presos. Deduz-se que foram esmagadas à coronhada numa ou mais sessões de tortura, antes de Jara ter sido morto com 44 tiros e o seu corpo atirado para um matagal nas traseiras de um cemitério, juntamente com mais três cadáveres a 16 de setembro. Não é isso, no entanto, que importa agora analisar, mas o texto de Alberto Gonçalves, se antes não for acometido de vómitos.
No parágrafo seguinte, Alberto Gonçalves demarca-se do seu "amigo", dizendo baboseiras como: para silenciar Jara não era necessária violência, bastava-lhe dar um subsídio do Estado; que a morte de Jara não silenciou os outros baladeiros; e que ele, Alberto Gonçalves, até gosta do género.
É um mecanismo conhecido na produção de aleivosias: põem-se as palavras na boca de um "amigo", demarca-se um poucochinho e o veneno fica instilado. Mas tenho más notícias para Alberto Gonçalves e a primeira é a de que não sabe escolher "amigos", se convive com um selvagem torcionário como o que descreve.
Por outro lado, ao não revelar o nome do "amigo" não se isenta de responsabilidades pelo que foi publicado nem as pode transferir para o referido "amigo". Além disso, as pessoas têm todo o direito a conjeturar que tal "amigo" não existe e que aparece apenas fruto de uma imaginação que plagia Calvin & Hobbes. Mas mesmo que revelasse o nome do suposto "amigo", Alberto Gonçalves não se livraria de responsabilidades, porque a lei não as isenta a quem transcreve declarações que contenham incitamento ao crime - e partir as mãos a outro até Alberto Gonçalves deve conseguir perceber que é crime.
Se as autoridades judiciais funcionassem como Alberto Gonçalves insiste que devem funcionar - e tem razão -, ele próprio já estaria agora a provar da sua própria receita.
Em sua defesa, Alberto Gonçalves só pode invocar uma atenuante: dizer que se alentou para escrever o artigo como um desembargador da Relação do Porto se prepara para lançar frigoríficos... Mas, mesmo assim, diziam os latinos in vino veritas - Alberto Gonçalves perdeu uma excelente oportunidade para não revelar um carácter tolerante e cúmplice para com o que há de mais brutalmente carniceiro e abominável no mais sádico dos guardas de campo de concentração.
Ai de nós se algum dia põem o pau na mão a tal... pensador.
Alberto Gonçalves, um conselho: deixe de dar lições de palanque sobre o que é ou não é o fascismo: o seu texto, que citei, foi aula prática mais do que bastante. Ad nauseam!
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Ignorância e falta de senso
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Ignorância e falta de senso
por NUNO SARAIVA
Hoje
Esta semana, os juízes do Tribunal Constitucional passaram, na perspetiva do Governo e do primeiro-ministro, de bestas a bestiais. De espaço onde impera a falta de senso, o Palácio Ratton transformou-se agora numa ode à razoabilidade. E tudo porque, desta vez, a douta decisão de validar as candidaturas dos chamados "dinossauros autárquicos" veio ao encontro dos desejos partidários mais íntimos do dr. Passos.
Tanta incoerência, graças a Deus. Definitivamente, Pedro Passos Coelho é, assim, uma espécie de serial killer constitucional. Na Universidade de Verão da JSD, o primeiro-ministro mostrou, mais uma vez, o desprezo que sente pela Constituição da República e pelo Tribunal Constitucional.
Numa extraordinária exibição de populismo e demagogia, temperada com ignorância q. b., Passos Coelho questionou, sob o aplauso frenético da assistência acrítica e submissa: "Já alguém se lembrou de perguntar aos 900 mil desempregados de que lhes valeu a Constituição até hoje?" Não vale sequer a pena enfatizar a falta de decência de - na boca do primeiro-ministro, e apesar de as estatísticas o demonstrarem há tempo demasiado, para sustentar o ataque a um acórdão do Constitucional - se manipularem os números do desemprego de acordo com as conveniências. E também não está em causa a legitimidade de contestar e discutir decisões judiciais. Em democracia, como é óbvio, não há vacas sagradas e tudo é questionável, a começar pelo próprio regime.
Do que se trata é de saber se é aceitável que um primeiro-ministro, seja ele qual for, insulte de forma grosseira a inteligência dos portugueses.
Só por ignorância ou má-fé é que alguém pode questionar o papel da Constituição no que à proteção social diz respeito. Por exemplo, o número 1 alínea e) do artigo 59.º diz que "todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego". E, mais adiante, o número 3 do artigo 63.º determina que "o sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho". Isto é, queira ou não queira o dr. Passos Coelho, a verdade é esta. Os desempregados - infelizmente não são todos - devem à Constituição da República a consagração do pagamento de subsídio de desemprego.
Mas do que se trata também é de avaliar se é tolerável que um primeiro-ministro proponha reiteradamente medidas que vão contra o texto constitucional. E que, à viva força, queira forçar um tribunal a quem é solicitado que se pronuncie sobre a conformidade das leis - sim, o Tribunal Constitucional não age por mote próprio - a dizer aquilo que mais lhe convém. É, aliás, de uma ingratidão sem nome acusar de falta de "bom senso" e de "ter protegido mais os direitos adquiridos do que as gerações do futuro", um tribunal que, por exemplo, permitiu, em nome do estado de emergência financeira, o corte de salários aos funcionários públicos, a não devolução imediata de subsídios de férias e de Natal suspensos em 2012 ou a cobrança de uma contribuição extraordinária de solidariedade.
Mas importa reter também a afirmação de que o problema não é da Constituição mas da interpretação que os juízes fazem dela. Parece-me claro que há, de facto, um problema, mas com a interpretação que o primeiro-ministro faz das palavras dos juízes. O que diz o acórdão não é que os funcionários públicos não podem ser despedidos. O que é afirmado é que pode haver despedimentos, desde que as condições sejam objetivas e controláveis.
Dito isto, parece evidente que quem padece de falta de bom senso é Pedro Passos Coelho quando, no mesmo discurso, decide desrespeitar o Tribunal Constitucional e também Cavaco Silva, que, convém não esquecer, foi quem manifestou fundadas dúvidas sobre a constitucionalidade da lei de requalificação dos funcionários públicos e, por isso, pediu a intervenção do Palácio Ratton.
Tivéssemos nós um Presidente da República que não fosse o "pai" deste Governo e já o primeiro-ministro tinha sido chamado a Belém para se retratar dos insultos proferidos contra o Chefe do Estado e o Tribunal Constitucional. Mas não temos, e é uma pena.
Retificação: Na semana passada, atribuí erradamente a Luís Marques Mendes a afirmação "ou se cumpre a Constituição ou se baixam os impostos". Ao visado e aos leitores, peço desculpa pelo equívoco.
In DN
Ignorância e falta de senso
por NUNO SARAIVA
Hoje
Esta semana, os juízes do Tribunal Constitucional passaram, na perspetiva do Governo e do primeiro-ministro, de bestas a bestiais. De espaço onde impera a falta de senso, o Palácio Ratton transformou-se agora numa ode à razoabilidade. E tudo porque, desta vez, a douta decisão de validar as candidaturas dos chamados "dinossauros autárquicos" veio ao encontro dos desejos partidários mais íntimos do dr. Passos.
Tanta incoerência, graças a Deus. Definitivamente, Pedro Passos Coelho é, assim, uma espécie de serial killer constitucional. Na Universidade de Verão da JSD, o primeiro-ministro mostrou, mais uma vez, o desprezo que sente pela Constituição da República e pelo Tribunal Constitucional.
Numa extraordinária exibição de populismo e demagogia, temperada com ignorância q. b., Passos Coelho questionou, sob o aplauso frenético da assistência acrítica e submissa: "Já alguém se lembrou de perguntar aos 900 mil desempregados de que lhes valeu a Constituição até hoje?" Não vale sequer a pena enfatizar a falta de decência de - na boca do primeiro-ministro, e apesar de as estatísticas o demonstrarem há tempo demasiado, para sustentar o ataque a um acórdão do Constitucional - se manipularem os números do desemprego de acordo com as conveniências. E também não está em causa a legitimidade de contestar e discutir decisões judiciais. Em democracia, como é óbvio, não há vacas sagradas e tudo é questionável, a começar pelo próprio regime.
Do que se trata é de saber se é aceitável que um primeiro-ministro, seja ele qual for, insulte de forma grosseira a inteligência dos portugueses.
Só por ignorância ou má-fé é que alguém pode questionar o papel da Constituição no que à proteção social diz respeito. Por exemplo, o número 1 alínea e) do artigo 59.º diz que "todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego". E, mais adiante, o número 3 do artigo 63.º determina que "o sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho". Isto é, queira ou não queira o dr. Passos Coelho, a verdade é esta. Os desempregados - infelizmente não são todos - devem à Constituição da República a consagração do pagamento de subsídio de desemprego.
Mas do que se trata também é de avaliar se é tolerável que um primeiro-ministro proponha reiteradamente medidas que vão contra o texto constitucional. E que, à viva força, queira forçar um tribunal a quem é solicitado que se pronuncie sobre a conformidade das leis - sim, o Tribunal Constitucional não age por mote próprio - a dizer aquilo que mais lhe convém. É, aliás, de uma ingratidão sem nome acusar de falta de "bom senso" e de "ter protegido mais os direitos adquiridos do que as gerações do futuro", um tribunal que, por exemplo, permitiu, em nome do estado de emergência financeira, o corte de salários aos funcionários públicos, a não devolução imediata de subsídios de férias e de Natal suspensos em 2012 ou a cobrança de uma contribuição extraordinária de solidariedade.
Mas importa reter também a afirmação de que o problema não é da Constituição mas da interpretação que os juízes fazem dela. Parece-me claro que há, de facto, um problema, mas com a interpretação que o primeiro-ministro faz das palavras dos juízes. O que diz o acórdão não é que os funcionários públicos não podem ser despedidos. O que é afirmado é que pode haver despedimentos, desde que as condições sejam objetivas e controláveis.
Dito isto, parece evidente que quem padece de falta de bom senso é Pedro Passos Coelho quando, no mesmo discurso, decide desrespeitar o Tribunal Constitucional e também Cavaco Silva, que, convém não esquecer, foi quem manifestou fundadas dúvidas sobre a constitucionalidade da lei de requalificação dos funcionários públicos e, por isso, pediu a intervenção do Palácio Ratton.
Tivéssemos nós um Presidente da República que não fosse o "pai" deste Governo e já o primeiro-ministro tinha sido chamado a Belém para se retratar dos insultos proferidos contra o Chefe do Estado e o Tribunal Constitucional. Mas não temos, e é uma pena.
Retificação: Na semana passada, atribuí erradamente a Luís Marques Mendes a afirmação "ou se cumpre a Constituição ou se baixam os impostos". Ao visado e aos leitores, peço desculpa pelo equívoco.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
A prescrição da democracia
.
A prescrição da democracia
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
1. A questão da possível prescrição de coimas aplicadas a banqueiros, na sequência de delitos graves, tem gerado as mais variadas declarações de desagrado e até revolta.
Os pedidos de alterações legislativas, sempre que situações como estas ou similares acontecem, são os habituais. Acontece uma anomalia no sistema e zás, lá aparecem os pedidos de novas leis. Tentar legislar em cima duma situação pontual e em curso já é em si mesmo um erro brutal. Não é numa altura em que todos os instintos primários estão em carne viva que se consegue fazer uma lei justa e equilibrada. Mas o problema, neste caso concreto e na esmagadora maioria das ocasiões, não está na lei mas sim na sua aplicação pelos operadores judiciais e demais utilizadores do sistema. A perspetiva de que se tudo se pode resolver com uma lei é um dos vícios nacionais.
Como qualquer discussão, com o nível de ruído que provoca um possível perdão de multa a um banqueiro, apareceram logo as propostas de alargamento dos prazos ou mesmo o fim das prescrições - é impossível não recordar as declarações da ministra da Justiça sobre o fim da impunidade. Convém lembrar que os nossos prazos para os diversos tipos de prescrições não são diferentes da generalidade das democracias ocidentais, e que este tipo de instituto jurídico é fundamental num estado de direito. Os cidadãos têm o direito de ver o seu relacionamento com a lei e as autoridades tratado em tempo razoável e não podem viver em permanente dúvida sobre quais são os seus deveres. E isto tem de ser assim para qualquer crime ou contraordenação. A prescrição é um dos institutos essenciais da segurança jurídica, trave mestra de qualquer democracia liberal. É preciso que fique bem claro que não está em causa um tratamento especial para a situação em causa.
As possíveis prescrições das coimas nos casos BCP, BPP e BPN provocam danos irreparáveis na comunidade. Extravasam em muito as questões jurídicas. Agravam perceções potenciadoras de problemas gravíssimos.
Desde logo, a sensação de que a lei não é igual para todos. De que não há cidadão que não seja perseguido até aos infernos por não pagar uma multa de trânsito e que delinquentes endinheirados podem ficar impunes. Que enquanto um comerciante terá o seu estabelecimento encerrado se um iogurte aparecer estragado, um indivíduo que delapidou o erário público em milhões e milhões pode escapar, simplesmente porque esse efetivo assalto, ou a existência de fortuna, lhe proporcionou meios que lhe permitem bater o sistema. Tão mau como a lei não ser igual para todos é a sua aplicação estar dependente do estatuto social ou económico do eventual prevaricador.
Uma comunidade funda-se na confiança. A confiança que temos em ser tratados de forma idêntica pelas autoridades, de que as eventuais diferenças têm uma razão facilmente explicável e justa; de que todos pagamos impostos e de que esses impostos são aplicados no desenvolvimento do bem comum.
Numa época, em que esta confiança está seriamente posta em causa, em que a sensação que os sacrifícios não estão a ser equitativamente distribuídos, em que todos os dias temos a confirmação de que há uma vontade política de pôr funcionários públicos contra privados, pensionistas e reformados contra gente no ativo, velhos contra novos, empresários contra trabalhadores, numa espécie de tentativa de criar uma sociedade em que a matriz seja o conflito, a notícia da possibilidade da prescrição destas coimas é ainda mais assustadora.
Daqui até ao discurso do "para quê votar se eles são todos iguais" e "eles defendem-se uns aos outros", vai um passo dum anão. Até ao salvador que reporá a justiça um passinho de formiga.
O pior, o que amedronta qualquer crente na democracia, é a desconfiança no Estado de direito que estas situações criam. Mais, a perda de confiança no outro, a perda de confiança no sistema é o mais perigoso sinal da possível desagregação duma comunidade. Ao pé disto, austeridade, dívida, programas cautelares, são pequenos detalhes. Estas doenças terão, cedo ou tarde, cura. A desconfiança, a sensação de injustiça, a perceção de desigualdade perante a lei, demoram muito, mas muito mais tempo a curar. Se é que se conseguem curar. Mais do que a democracia, é a comunidade que corre o risco de prescrição.
2. Por, com certeza, falha minha, da boca de Vítor Bento só tenho ouvido banalidades e lugares-comuns. Na última sexta-feira, escutei-o na TSF. Aconselhou os portugueses a ter uma atitude "à Cristiano Ronaldo" e acerca do debate sobre a dívida pública, mandou um evidente recado aos subscritores do Manifesto dizendo que não sabem daquilo que falam, que não estudam e que apenas mandam palpites.
Também ouvi este tipo de argumentos a um taxista, talvez chegue a conselheiro de Estado.
In DN
A prescrição da democracia
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
1. A questão da possível prescrição de coimas aplicadas a banqueiros, na sequência de delitos graves, tem gerado as mais variadas declarações de desagrado e até revolta.
Os pedidos de alterações legislativas, sempre que situações como estas ou similares acontecem, são os habituais. Acontece uma anomalia no sistema e zás, lá aparecem os pedidos de novas leis. Tentar legislar em cima duma situação pontual e em curso já é em si mesmo um erro brutal. Não é numa altura em que todos os instintos primários estão em carne viva que se consegue fazer uma lei justa e equilibrada. Mas o problema, neste caso concreto e na esmagadora maioria das ocasiões, não está na lei mas sim na sua aplicação pelos operadores judiciais e demais utilizadores do sistema. A perspetiva de que se tudo se pode resolver com uma lei é um dos vícios nacionais.
Como qualquer discussão, com o nível de ruído que provoca um possível perdão de multa a um banqueiro, apareceram logo as propostas de alargamento dos prazos ou mesmo o fim das prescrições - é impossível não recordar as declarações da ministra da Justiça sobre o fim da impunidade. Convém lembrar que os nossos prazos para os diversos tipos de prescrições não são diferentes da generalidade das democracias ocidentais, e que este tipo de instituto jurídico é fundamental num estado de direito. Os cidadãos têm o direito de ver o seu relacionamento com a lei e as autoridades tratado em tempo razoável e não podem viver em permanente dúvida sobre quais são os seus deveres. E isto tem de ser assim para qualquer crime ou contraordenação. A prescrição é um dos institutos essenciais da segurança jurídica, trave mestra de qualquer democracia liberal. É preciso que fique bem claro que não está em causa um tratamento especial para a situação em causa.
As possíveis prescrições das coimas nos casos BCP, BPP e BPN provocam danos irreparáveis na comunidade. Extravasam em muito as questões jurídicas. Agravam perceções potenciadoras de problemas gravíssimos.
Desde logo, a sensação de que a lei não é igual para todos. De que não há cidadão que não seja perseguido até aos infernos por não pagar uma multa de trânsito e que delinquentes endinheirados podem ficar impunes. Que enquanto um comerciante terá o seu estabelecimento encerrado se um iogurte aparecer estragado, um indivíduo que delapidou o erário público em milhões e milhões pode escapar, simplesmente porque esse efetivo assalto, ou a existência de fortuna, lhe proporcionou meios que lhe permitem bater o sistema. Tão mau como a lei não ser igual para todos é a sua aplicação estar dependente do estatuto social ou económico do eventual prevaricador.
Uma comunidade funda-se na confiança. A confiança que temos em ser tratados de forma idêntica pelas autoridades, de que as eventuais diferenças têm uma razão facilmente explicável e justa; de que todos pagamos impostos e de que esses impostos são aplicados no desenvolvimento do bem comum.
Numa época, em que esta confiança está seriamente posta em causa, em que a sensação que os sacrifícios não estão a ser equitativamente distribuídos, em que todos os dias temos a confirmação de que há uma vontade política de pôr funcionários públicos contra privados, pensionistas e reformados contra gente no ativo, velhos contra novos, empresários contra trabalhadores, numa espécie de tentativa de criar uma sociedade em que a matriz seja o conflito, a notícia da possibilidade da prescrição destas coimas é ainda mais assustadora.
Daqui até ao discurso do "para quê votar se eles são todos iguais" e "eles defendem-se uns aos outros", vai um passo dum anão. Até ao salvador que reporá a justiça um passinho de formiga.
O pior, o que amedronta qualquer crente na democracia, é a desconfiança no Estado de direito que estas situações criam. Mais, a perda de confiança no outro, a perda de confiança no sistema é o mais perigoso sinal da possível desagregação duma comunidade. Ao pé disto, austeridade, dívida, programas cautelares, são pequenos detalhes. Estas doenças terão, cedo ou tarde, cura. A desconfiança, a sensação de injustiça, a perceção de desigualdade perante a lei, demoram muito, mas muito mais tempo a curar. Se é que se conseguem curar. Mais do que a democracia, é a comunidade que corre o risco de prescrição.
2. Por, com certeza, falha minha, da boca de Vítor Bento só tenho ouvido banalidades e lugares-comuns. Na última sexta-feira, escutei-o na TSF. Aconselhou os portugueses a ter uma atitude "à Cristiano Ronaldo" e acerca do debate sobre a dívida pública, mandou um evidente recado aos subscritores do Manifesto dizendo que não sabem daquilo que falam, que não estudam e que apenas mandam palpites.
Também ouvi este tipo de argumentos a um taxista, talvez chegue a conselheiro de Estado.
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