Crise económica e despesa pública
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Crise económica e despesa pública
Crise económica e despesa pública
Rui Herbon
Portugal, como grande parte dos países ocidentais, apresenta níveis de endividamento privado insustentáveis (bem acima do público). Tal endividamento apoiava-se e retroalimentava-se através de um crescimento da riqueza, especialmente imobiliária, muito acima do crescimento do PIB.
Eis aqui o primeiro dos sérios problemas que a economia enfrentava, cujo impacto a maioria dos economistas foi incapaz de perceber: a riqueza líquida de uma economia em relação ao PIB é constante no médio e longo prazo; quer dizer, se a riqueza líquida cresceu muito acima do PIB, tal rácio (riqueza líquida/PIB) regressará à média via uma forte queda do preço dos activos financeiros e imobiliários. É o que está a ocorrer.
Mas quando, além disso, o preço do colateral cai, os níveis de endividamento em torno desse colateral ou activo são insustentáveis, e o balanço das famílias, empresas e entidades financeiras apresenta problemas de solvência. Eis aqui o segundo dos problemas: a instabilidade financeira e a inutilidade dos balanços e das contas de resultados para detectar problemas de sobreendividamento.
Como consequência da descida do valor do colateral e dos elevados níveis de endividamento, as famílias diminuem o consumo e aumentam o aforro, e as empresas não financeiras não investem, destroem capital já instalado e despedem trabalhadores. Neste contexto, após períodos de extremo laxismo e propensão para o risco, as entidades financeiras cortam a torneira do crédito, especialmente quando o incumprimento aumenta, e tentam recapitalizar-se num período de maior aversão ao risco e de retracção dos mercados de capitais.
Neste cenário, a despesa pública é vital como motor da economia, em especial a despesa em infra-estruturas, que apresenta três qualidades fundamentais: incrementa o PIB potencial futuro da economia, aumenta o crescimento económico actual, e compensa parte da destruição de emprego por um sector privado em contracção.
Do mesmo modo que a ortodoxia económica (liberal) não entendeu a natureza endógena da actual crise sistémica, tão-pouco compreende o papel do Estado e da despesa pública. Segundo essa ortodoxia, as crises económicas e a existência de ciclos são consequência de choques exógenos inevitáveis; e, portanto, minimizam o papel do Estado. Contudo, a teoria dos ciclos demonstra o contrário: estes são endógenos, associados ao comportamento intrínseco do capitalismo, e por isso mesmo devem ser suavizados e humanizados por um maior papel supervisor do Estado.
Na presente situação, a ortodoxia dominante considera que a despesa pública é ineficiente (será possível maior ineficiência que o comportamento de bancos comerciais e de investimento, empresas imobiliárias e famílias, nos últimos 10 anos?), e que o aumento do défice público via despesa não gera actividade, já que os agentes económicos, de forma racional, pouparão para pagar os aumentos de impostos futuros. Além disso, o incremento do gasto público aumenta as taxas de juro pelo efeito de expulsão que exerce sobre o investimento privado. Dizem os liberais.
Mas, de novo, a evidência empírica invalida tais argumentos: por um lado, as taxas de juro dependem basicamente da referência fixada pelo banco central (para entender isto veja-se a experiência japonesa: dívida pública acima de 200% do PIB e taxa de juro de 0%), e, por outro lado, a despesa pública, via procura efectiva, tem um impacto favorável sobre os proveitos das empresas.
É indubitável que o aumento exponencial do défice e dívida públicos não é sustentável. Todavia, num ambiente ainda não isento de riscos, sem um crescimento robusto e com uma despesa corrente rígida, a redução do défice não deve fazer-se através da descida do gasto em infra-estruturas, mas via o aumento da receita, nomeadamente através dos impostos (como ocorreu este ano) e/ou da redução das deduções fiscais (que o governo se propõe inscrever no orçamento para 2011).
As sociedades ocidentais mais endividadas são aquelas onde se produziu uma maior descida de impostos sob o critério de que a sua redução gera mais actividade e bem-estar. Veja-se onde está a Irlanda, o El Dorado dos liberais: mergulhada ainda na recessão e com o sistema bancário à beira da insolvência.
As baixas de impostos serviram apenas para inchar ainda mais a bolha ou inflação de activos a nível global, sem gerar actividade adicional na economia real e contribuindo para aumentar ainda mais o fosso entre os grupos de maior e menor rendimento, isto é, entre ricos e pobres. Já basta de hipocrisias: procuremos um menor défice público, mas mantendo ou incrementando o gasto (bem ponderado) em infra-estruturas e aumentando os impostos sobre o capital, cujos excessos e sucessivo resgate oneraram o futuro de todos.
Rui Herbon
Portugal, como grande parte dos países ocidentais, apresenta níveis de endividamento privado insustentáveis (bem acima do público). Tal endividamento apoiava-se e retroalimentava-se através de um crescimento da riqueza, especialmente imobiliária, muito acima do crescimento do PIB.
Eis aqui o primeiro dos sérios problemas que a economia enfrentava, cujo impacto a maioria dos economistas foi incapaz de perceber: a riqueza líquida de uma economia em relação ao PIB é constante no médio e longo prazo; quer dizer, se a riqueza líquida cresceu muito acima do PIB, tal rácio (riqueza líquida/PIB) regressará à média via uma forte queda do preço dos activos financeiros e imobiliários. É o que está a ocorrer.
Mas quando, além disso, o preço do colateral cai, os níveis de endividamento em torno desse colateral ou activo são insustentáveis, e o balanço das famílias, empresas e entidades financeiras apresenta problemas de solvência. Eis aqui o segundo dos problemas: a instabilidade financeira e a inutilidade dos balanços e das contas de resultados para detectar problemas de sobreendividamento.
Como consequência da descida do valor do colateral e dos elevados níveis de endividamento, as famílias diminuem o consumo e aumentam o aforro, e as empresas não financeiras não investem, destroem capital já instalado e despedem trabalhadores. Neste contexto, após períodos de extremo laxismo e propensão para o risco, as entidades financeiras cortam a torneira do crédito, especialmente quando o incumprimento aumenta, e tentam recapitalizar-se num período de maior aversão ao risco e de retracção dos mercados de capitais.
Neste cenário, a despesa pública é vital como motor da economia, em especial a despesa em infra-estruturas, que apresenta três qualidades fundamentais: incrementa o PIB potencial futuro da economia, aumenta o crescimento económico actual, e compensa parte da destruição de emprego por um sector privado em contracção.
Do mesmo modo que a ortodoxia económica (liberal) não entendeu a natureza endógena da actual crise sistémica, tão-pouco compreende o papel do Estado e da despesa pública. Segundo essa ortodoxia, as crises económicas e a existência de ciclos são consequência de choques exógenos inevitáveis; e, portanto, minimizam o papel do Estado. Contudo, a teoria dos ciclos demonstra o contrário: estes são endógenos, associados ao comportamento intrínseco do capitalismo, e por isso mesmo devem ser suavizados e humanizados por um maior papel supervisor do Estado.
Na presente situação, a ortodoxia dominante considera que a despesa pública é ineficiente (será possível maior ineficiência que o comportamento de bancos comerciais e de investimento, empresas imobiliárias e famílias, nos últimos 10 anos?), e que o aumento do défice público via despesa não gera actividade, já que os agentes económicos, de forma racional, pouparão para pagar os aumentos de impostos futuros. Além disso, o incremento do gasto público aumenta as taxas de juro pelo efeito de expulsão que exerce sobre o investimento privado. Dizem os liberais.
Mas, de novo, a evidência empírica invalida tais argumentos: por um lado, as taxas de juro dependem basicamente da referência fixada pelo banco central (para entender isto veja-se a experiência japonesa: dívida pública acima de 200% do PIB e taxa de juro de 0%), e, por outro lado, a despesa pública, via procura efectiva, tem um impacto favorável sobre os proveitos das empresas.
É indubitável que o aumento exponencial do défice e dívida públicos não é sustentável. Todavia, num ambiente ainda não isento de riscos, sem um crescimento robusto e com uma despesa corrente rígida, a redução do défice não deve fazer-se através da descida do gasto em infra-estruturas, mas via o aumento da receita, nomeadamente através dos impostos (como ocorreu este ano) e/ou da redução das deduções fiscais (que o governo se propõe inscrever no orçamento para 2011).
As sociedades ocidentais mais endividadas são aquelas onde se produziu uma maior descida de impostos sob o critério de que a sua redução gera mais actividade e bem-estar. Veja-se onde está a Irlanda, o El Dorado dos liberais: mergulhada ainda na recessão e com o sistema bancário à beira da insolvência.
As baixas de impostos serviram apenas para inchar ainda mais a bolha ou inflação de activos a nível global, sem gerar actividade adicional na economia real e contribuindo para aumentar ainda mais o fosso entre os grupos de maior e menor rendimento, isto é, entre ricos e pobres. Já basta de hipocrisias: procuremos um menor défice público, mas mantendo ou incrementando o gasto (bem ponderado) em infra-estruturas e aumentando os impostos sobre o capital, cujos excessos e sucessivo resgate oneraram o futuro de todos.
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