Trabalho sexual é trabalho!
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Trabalho sexual é trabalho!
Trabalho sexual é trabalho!
Ann, uma rapariga de Southampton que conheci (em todas as aceções do
verbo, incluindo a bíblica) na apanha do morango, em Inglaterra,
proporcionou-me uma iniciação sexual bastante completa. Naquele verão de
1972, em que viajei pela Europa de InterRail, eu tinha 16 anos,
acabados de fazer. Sei que muito provavelmente devo à Ann o facto de,
até agora, nunca ter sentido necessidade de usar os serviços de
profissionais para ter uma vida sexual regular e satisfatória.
Esta declaração de nunca ter ido às putas pode encerrar algum orgulho
mal disfarçado, mas acreditem que não contém uma gota sequer de crítica
velada às trabalhadoras do sexo e seus clientes. Também nunca comi
lampreia, fui à neve ou joguei golfe, e isso não quer dizer que
menospreze ou critique quem se entretém a fazer grandes caminhadas
animado pelo objetivo de enfiar uma pequena bola num buraco, ou os
fanáticos pela lampreia e o esqui.
E se escrevi um prudente até agora na última frase do primeiro (e
longo) parágrafo isso deve-se apenas a uma cautela derivada da leitura
de um caso curioso ocorrido na Dinamarca, onde o diretor de um lar de
terceira idade provocou uma enorme polémica ao incluir uma prostituta
nos serviços de conforto - barbeiro, manicura e pedicura, enfermeiro,
médica, etc. - providenciados aos idosos residentes.
"Registamos melhorias significativas na disposição e saúde dos idosos
após a visita da acompanhante", contou o diretor do lar dinamarquês,
que enfrentou o usual coro de críticas de hipócritas e falsos
moralistas, mas contou com o apoio do ministro da Saúde dinamarquês.
Há no nosso país uma indústria do sexo, que envolve cerca de 60 mil
pessoas (mais ou menos tantos quantos os profissionais de saúde), cujos
diferentes setores - que vão desde a prostituição até à rede de 150 sex
shops, passando pelos/as strippers, atores e atrizes de filmes porno,
trabalhadores de linhas eróticas, etc. - vivem na penumbra, entre uma
legalidade disfarçada e uma clandestinidade consentida.
Que atire a primeira pedra quem nunca usufruiu de um produto desta
indústria. E, por favor, na hora de meterem a mão na consciência, não
esqueçam as loucas festas de despedida de solteiro, que nunca um livro
vendeu tanto em tão pouco tempo como "As 50 sombras de Grey" (rotulado
de porno para mamãs) e que as estatísticas juram que um em cada dois
homens e uma em cada cinco mulheres veem regularmente pornografia.
Numa altura em que quase toda a gente espreita uma oportunidade para
fugir aos impostos e condena o crescimento da economia paralela,
convinha deixarmos de ser hipócritas e aplaudir a luta dos/as
prestadores de serviços sexuais que reivindicam a legalização da sua
atividade e querem ser reconhecidos como trabalhadores como outros
quaisquer, que pagam IRS e descontam para a Segurança Social, para em
contrapartida terem direito a férias, subsídio de desemprego e reforma.
Trabalho sexual é trabalho!
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no JN
Publicado por Jorge Fiel às 10:10
Ann, uma rapariga de Southampton que conheci (em todas as aceções do
verbo, incluindo a bíblica) na apanha do morango, em Inglaterra,
proporcionou-me uma iniciação sexual bastante completa. Naquele verão de
1972, em que viajei pela Europa de InterRail, eu tinha 16 anos,
acabados de fazer. Sei que muito provavelmente devo à Ann o facto de,
até agora, nunca ter sentido necessidade de usar os serviços de
profissionais para ter uma vida sexual regular e satisfatória.
Esta declaração de nunca ter ido às putas pode encerrar algum orgulho
mal disfarçado, mas acreditem que não contém uma gota sequer de crítica
velada às trabalhadoras do sexo e seus clientes. Também nunca comi
lampreia, fui à neve ou joguei golfe, e isso não quer dizer que
menospreze ou critique quem se entretém a fazer grandes caminhadas
animado pelo objetivo de enfiar uma pequena bola num buraco, ou os
fanáticos pela lampreia e o esqui.
E se escrevi um prudente até agora na última frase do primeiro (e
longo) parágrafo isso deve-se apenas a uma cautela derivada da leitura
de um caso curioso ocorrido na Dinamarca, onde o diretor de um lar de
terceira idade provocou uma enorme polémica ao incluir uma prostituta
nos serviços de conforto - barbeiro, manicura e pedicura, enfermeiro,
médica, etc. - providenciados aos idosos residentes.
"Registamos melhorias significativas na disposição e saúde dos idosos
após a visita da acompanhante", contou o diretor do lar dinamarquês,
que enfrentou o usual coro de críticas de hipócritas e falsos
moralistas, mas contou com o apoio do ministro da Saúde dinamarquês.
Há no nosso país uma indústria do sexo, que envolve cerca de 60 mil
pessoas (mais ou menos tantos quantos os profissionais de saúde), cujos
diferentes setores - que vão desde a prostituição até à rede de 150 sex
shops, passando pelos/as strippers, atores e atrizes de filmes porno,
trabalhadores de linhas eróticas, etc. - vivem na penumbra, entre uma
legalidade disfarçada e uma clandestinidade consentida.
Que atire a primeira pedra quem nunca usufruiu de um produto desta
indústria. E, por favor, na hora de meterem a mão na consciência, não
esqueçam as loucas festas de despedida de solteiro, que nunca um livro
vendeu tanto em tão pouco tempo como "As 50 sombras de Grey" (rotulado
de porno para mamãs) e que as estatísticas juram que um em cada dois
homens e uma em cada cinco mulheres veem regularmente pornografia.
Numa altura em que quase toda a gente espreita uma oportunidade para
fugir aos impostos e condena o crescimento da economia paralela,
convinha deixarmos de ser hipócritas e aplaudir a luta dos/as
prestadores de serviços sexuais que reivindicam a legalização da sua
atividade e querem ser reconhecidos como trabalhadores como outros
quaisquer, que pagam IRS e descontam para a Segurança Social, para em
contrapartida terem direito a férias, subsídio de desemprego e reforma.
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Jorge Fiel
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