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A vinda de um Anjo

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Mensagem por Vitor mango Qui maio 02, 2013 12:18 am

A vinda de um Anjo
A minha mãe diz que vem aí um anjo.
O
anjo vem a cavalo e vai subir a montanha, direitinho a Lonesome Creek.
No seu alforje, traz um minúsculo bebé, bem aconchegadinho, seguro e
quentinho.

Agora
passo as manhãs a correr e a espreitar para o fundo da colina, onde o
riacho fala suave e baixinho, onde as codornizes voam como setas e
fazem o seu chamado. É o meu lugar especial, o lugar onde posso
encontrar um anjo montado numa enorme égua negra.

A
minha mãe diz que temos de estar preparados para a chegada daquele
anjo e, por isso, o meu pai foi buscar o berço delicadamente talhado em
madeira de cerejeira e belamente esculpido com vinhas e rosas, feito
para mim quando eu era pequenita. Depois, lavámos as roupinhas
minúsculas — pequenos gorros, vestidinhos e calções — e estendemo-las
ao sol radioso. A minha mãe diz que eu fui a primeira a usá-las, mas
nem consigo sequer imaginar que um dia fui tão pequena.

No
sábado, as minhas tias compareceram à chamada e trouxeram uma colcha
para costurar. Durante todo o dia, ficaram sentadas a falar pelos
cotovelos e a fazer crescer uma Árvore da Vida, com vários nomes
inscritos e ramos que brotam largos e fortes. As minhas tias dizem que a
nossa família reside neste lugar há cerca de cem anos. Contam
histórias antigas e mantêm costumes antigos. Estão sempre atentas a
sinais e leem a sorte nas folhas das chávenas de chá.

De
repente, uma lua cheia começa a elevar-se no céu sobre Bobcat Ridge.
Nessa altura, o meu pai pega no seu banjo e dedilha acordes que nos
fazem bater palmas e marcar o ritmo com os pés.

— É rapaz ou rapariga? — pergunta o meu pai, assim que as pessoas se vão embora, e a noite ainda está calma.
A
minha mãe diz que ninguém sabe — nem mesmo as tias, apesar de todos os
seus conhecimentos. Apenas o anjo conhece a resposta. Quanto a mim,
acho que sei. Pedi à lua cheia que me trouxesse uma maninha. E vou
chamar-lhe “Maninha”. Vou entrançar-lhe bem o cabelo e escová-lo quase
todas as noites.

Quando
a manhã chegar, trará uma neblina para nos aconchegar, como aconchega
os seus próprios bebés. Em alturas como esta, as vacas mantêm-se
juntinhas e as galinhas encostam-se às árvores geladas. Este é um dia
complicado para encontrar anjos, porque os ouvidos ouvem mais do que os
olhos conseguem ver. Por entre a neblina, sinto-me como uma batedora
dos tempos de outrora. E, montanha acima, persigo panteras, ursos e
lobos, que andam a rondar. Se subir um pouco mais, sinto-me uma rainha,
porque fico acima do lugar onde o céu se senta.

Uma
coruja riscada pia e ponho-me a correr. A correr atrás de sombras,
desta vez colina abaixo. De regresso a casa, encontro uma senhora, tão
alta como o meu pai, junto de uma enorme égua negra. Usa calções, traz
um alforje ao ombro...

Apresso-me
a ir à procura da minha mãe, uma mãe de cara feliz, com um bebé
rosadinho junto de si. Um bebé de dedos pequeninos, mas de olhos tão
grandes como pires de chávenas. Uns olhos que observam tudo o que o
mundo tem para mostrar.

E
eu que quase ia perdendo este anjo, o anjo que subiu a montanha para
nos trazer esta preciosa trouxinha. Vou chamar-lhe “maninho”, um bebé
que já amo de todo o meu coração.


♣♣♣♣
Nota do Autor
Ainda
não há muito tempo, nos Montes Apalaches do Kentucky, se uma criança
perguntasse de onde vinham os bebés, recebia uma resposta absolutamente
invulgar. As pessoas falavam de bebés trazidos pelos caminhos
íngremes, aconchegados com toda a segurança dentro de alforjes, e
transportados por um anjo que vinha a cavalo.

Claro
que esta versão é tão credível quanto a da cegonha ou a do bebé
encontrado numa horta de couves, mas, tal como acontece frequentemente
no folclore, há ainda assim uma ponta de verdade no relato: o anjo era
verdadeiro.

Em 1925, Mary Breckinridge criou o Frontier Nursing Service (Serviço de Enfermagem
Fronteiriço) no leste do Kentucky, o primeiro serviço do género em
toda a América. Embora descendesse de uma família sulista
aristocrática, e de ter podido optar por uma vida desafogada, Mary
tornou-se enfermeira, porque queria ajudar os outros. Escolheu o
Kentucky porque sabia, tendo lá passado os seus tempos de menina, que a
região tinha uma necessidade desesperada de cuidados médicos.

Poucos
médicos se aventuravam naquela região remota. Doenças como a difteria e
a febre tifoide estavam a assolar as encostas das montanhas e partos
complicados deixavam as famílias sem mães. Mary sabia que as mulheres e
as crianças, em particular, eram vítimas de uma taxa de mortalidade
absurdamente alta, e decidiu fazer algo. Montou uma clínica e começou a
procurar enfermeiras-parteiras que não tivessem medo da aventura e do
trabalho duro — e foi precisamente o que arranjou.

A
princípio, as gentes orgulhosas das montanhas não sabiam o que pensar
da vontade firme destas jovens mulheres de elegantes uniformes azuis.
Com o tempo, porém, aprenderam a confiar e a contar com estes “anjos a
cavalo.” Como parte do seu trabalho, cada “anjo” tinha a sua própria
“rota” ou secção da montanha, e fazia visitas mensais para saber de
cada família, ou visitas semanais se uma mãe estivesse à espera de bebé
para breve. Por vezes, como nesta história, uma visita de rotina podia
até, por sorte, coincidir com o abençoado acontecimento.

O Frontier Nursing Service
(Serviço de Enfermagem Fronteiriço) não é apenas um pormenor desta
história: é a continuação do sonho a que Mary Breckinridge deu início
há muitos anos atrás. Hoje já existem um hospital e uma escola para dar
formação a toda uma nova geração de enfermeiras-parteiras e estas
deslocam-se em jipes, em vez de cavalos, para fazer os domicílios. No
cimo das montanhas do Kentucky, contudo, o espírito do anjo a cavalo
ainda perdura.


Heather Henson
Angel coming
New York, Atheneum Books, 2005
(Tradução e adaptação)

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