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Por Clara Ferreira Alves-Mr. W. Goes to Washington

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Mensagem por Socialista Trotskista Sex Out 31, 2008 6:47 am

Mr. W. Goes to Washington

O filho não é Calígula, o pai não é Germânico, e Oliver Stone não é Suetónio. Falta-lhes uma espessura trágica, e o filme roça a anedota ou o teatro de marionetas


Karl Rove, o maquiavel das campanhas e das guerras sujas. Sem Rove, Bush jamais existiria
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ILUSTRAÇÃO CARLOS QUITÉRIO/ RE-SEARCHER
Na América, há quem ache que W. chegou demasiado tarde, que deveria ter sido feito antes de George W. Bush ter arrebanhado um segundo mandato. Os liberais esperavam que o filme, mostrando o Presidente que mostra, impedisse uma vitória nas urnas. Não é tão simples. Em fim de mandato, W. tem um valor facial, incidindo a luz sobre teses e factos que são, ao cabo de oito anos e vários livros e documentários, artigos e colunas de jornal, blogues e discussões nas televisões, por demais conhecidos. Oliver Stone não é Frank Capra (Mr. Smith Goes to Washington, 1939), com o detestável brinde moralista. É um cineasta coerente. A sua obra desenha em traços largos e pormenores conspirativos uma história americana da segunda metade do século XX e da primeira década do século XXI. Por grosso, quatro acontecimentos traumatizaram a América dos últimos 50 anos: o assassínio de John F. Kennedy, Nixon e o escândalo Watergate, a guerra do Vietname e o 11 de Setembro. Stone investigou e filmou todos estes temas. Nesta escala de grandeza, George W. Bush seria um epifenómeno, um equívoco, uma eleição não de um Presidente mas de um filho de Presidente. Logo, uma eleição dinástica, com os riscos inerentes, eleger um idiota ou um simplório.

O 11 de Setembro transformou o texano George Walker Bush, produto de um clã patrício, num Presidente central para a História. W. desencadeou forças que mudaram a nossa percepção das coisas e mudou o mundo. Podemos dizer que o mudou para pior e podemos dizer que ele não fez isso sozinho. Fê-lo com a cumplicidade de dirigentes e estadistas que deviam saber mais do que ele e que não tiveram a coragem de se lhe opor, como Tony Blair (o «poodle» inglês), ou que eram uns oportunistas, como Berlusconi («et j’en passe», no que respeita a Barroso). Fê-lo através de um grupo de conselheiros vulgarmente conhecidos por «neocons», que se viam obscuramente ao espelho como construtores de um novo império americano e se concederam o título de Vulcans. Paul Wolfowitz, Donald Rumsfeld e Richard Armitage eram os crânios desta megalomania, com os acólitos Colin Powell e Condoleezza Rice. Os ferozes visionários parecem não ter percebido quem, por cima deles, comandava a estratégia: Dick Cheney, o servidor de Bush Sr. e Bush Jr., um homem consumido pelo desejo de poder e de vingança e uma das raras cabeças com experiência no jogo de mapas e mundos, e Karl Rove, o homem mais próximo de Bush e o mais inteligente de todos. Karl Rove, o maquiavel das campanhas e das guerras sujas. Sem Rove «the kingmaker», Bush jamais existiria, e Rove esteve com Bush desde a campanha para governador do Texas, que ele tirou à democrata Ann Richards, uma das mais violentas opositoras do clã Bush e dos republicanos.

Contar em 90 minutos a ascensão e queda de George W. Bush é impossível. Bob Woodward não o conseguiu fazer em quatro tomos sobre a Presidência (acaba de sair The War Within), mas, naquele estilo brando e não opinativo que o caracteriza, escreveu a mais consequente narrativa que explica como um grupo de ambiciosos comandados por «mr. Halliburton» conseguiu destruir em meia dúzia de anos alguns dos princípios fundadores da democracia americana. As prisões de Guantánamo e Abu Ghraib, o Patriot Act e as provas da tortura e rapto de prisioneiros com o dúbio estatuto de «combatentes inimigos», «traidores» ou «terroristas» são manchas que não sairão com uma ensaboadela democrática nem se apagarão com a eleição de Obama, um candidato ungido do qual se espera tudo. Que corrija os erros de Bush, que recupere o sistema financeiro, que reponha o prestígio da América, que ponha termo às guerras, que pacifique o Médio Oriente, que resolva o Iraque, o Afeganistão, o Paquistão, etc. E que arrume a casa. É pedir muito. Resta saber como vai Obama lidar com as provas incriminadoras do legado de Bush. Os contratos da Halliburton, as empresas de mercenários, a corrupção no Iraque e no Afeganistão, as armas, o petróleo, os desvios de fundos, as secretas, os crimes de guerra e os crimes económicos.

Oliver Stone não se meteu por aí. O centro do filme é W., um homem simples que quer fazer o bem e só faz mal. Ao contrário do que disseram críticos americanos, o retrato não é rosado e não inspira simpatia. A sátira revela um idiota iletrado, mais do que um homem simples. Ao focar a luz em W. e reduzir os «neocons» a um grupo maquiavélico, Stone beneficia o Presidente e é injusto com Karl Rove, reduzido a um verme escorregadio e servil, e com Condi Rice, uma criada de dentro sem voz nem pensamento que vai apanhando os papéis do chão. Cheney é a personagem em que Stone acerta em cheio, com a ajuda do actor R. Dreyfuss. A relação de W. com o pai, o velho e ilustre servidor público, é dada em tons tragicómicos, sem gravidade nem autoridade Eles não são romanos. O filho não é Calígula, o pai não é Germânico, e Oliver Stone não é Suetónio. Falta-lhes uma espessura trágica, e o filme roça a anedota ou o teatro de marionetas. Como se George W. Bush não fosse responsável por morte e destruição. E por aquilo que é designado como o fim do império americano. W. é demasiado grandioso como título. «Dubya» era melhor. Dubya, o cowboy que mostra as solas das botas a George Washington, Jefferson, Lincoln e Roosevelt. O pedregulho caído de Mount Rushmore.

http://aeiou.semanal.expresso.pt/unica/opiniao.asp?edition=1878&articleid=ES306322

Socialista Trotskista

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