Quem ontem ouvisse Cadilhe...
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Quem ontem ouvisse Cadilhe...
A MAMA
Quem ontem ouvisse Miguel Cadilhe na televisão, e não soubesse nada do que se passa com o BPN, ficava com a impressão de que o banco da Sociedade Lusa de Negócios era um exemplo de probidade. Quando, há meses, assumiu a presidência da SLN e do Banco Português de Negócios (dois cargos distintos), Cadilhe trocou a pensão vitalícia do Millennium-BCP, que o inibia de exercer actividade bancária fora do grupo, por igual compensação a suportar pela SLN. Isto, que releva da defesa de interesses pessoais legítimos, levou muita gente a interrogar-se sobre o que levaria um homem com o seu perfil — antigo ministro das Finanças, antigo administrador do Millennium-BCP, antigo presidente da Agência Portuguesa para o Investimento, professor universitário — a “pegar” no BPN, sabendo-se o que já então se sabia, e ele melhor do que ninguém. Como disse Eduardo Dâmaso, «se um dia conhecêssemos toda a verdade sobre este banco, talvez tivéssemos uma das mais graves crises do regime. Assim o Ministério Público lá consiga chegar!» Iria Cadilhe repetir o milagre das rosas? O que se passou, afinal, foi que Cadilhe fez o que em Portugal é de uso fazer-se: foi bater à porta do Estado. Traduzindo por miúdos, pediu uma injecção de capital de 600 milhões de euros (o buraco do BPN é de 700). Cadilhe julga a sua “importância” suficiente para levar o Estado a suportar a gestão danosa que herdou de José Oliveira e Costa, o fundador da SLN/BPN, hoje em paradeiro incerto. Cadilhe queria que o Estado lá metesse o dinheiro, e ele geria. Mas, encargo por encargo, o Estado preferiu propor à Assembleia da República a «apropriação pública por via de nacionalização, em execução do disposto no artigo 83.º da Constituição [...] de todas as acções representativas do capital social do Banco Português de Negócios, S. A.» Cadilhe não gostou, tendo posto o lugar (no banco; ainda não se sabe se continua a presidir à SLN, que detém e acumula outros interesses) à disposição, figura de retórica para uma situação de facto, pois desde ontem que dois gestores nomeados pela CGD estão em funções no BPN. Não está em causa a competência profissional ou a seriedade de Cadilhe. O caso SLN/BPN ilustra a promiscuidade entre o poder político (i.e., o Estado) e a iniciativa “privada”. O fundador e patrão da SLN/BPN, José Oliveira e Costa, começou como empregado de escritório, foi mais tarde funcionário do Banco de Portugal, depois deputado do PSD e, por fim, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais — cargo em que se notabilizou pela introdução de perdões fiscais, um deles no valor de meio milhão de contos, ou seja, dois milhões e meio de euros — nos governos de Cavaco Silva. Teria chegado onde chegou sem este currículo? E as autoridades de supervisão teriam usado de igual displicência caso a gestão da SLN/BPN não estivesse nas mãos do Gotha do PSD? Enfim, a procissão ainda vai no adro.
Etiquetas: Economia, Justiça, Política nacional
posted by Eduardo Pitta
Quem ontem ouvisse Miguel Cadilhe na televisão, e não soubesse nada do que se passa com o BPN, ficava com a impressão de que o banco da Sociedade Lusa de Negócios era um exemplo de probidade. Quando, há meses, assumiu a presidência da SLN e do Banco Português de Negócios (dois cargos distintos), Cadilhe trocou a pensão vitalícia do Millennium-BCP, que o inibia de exercer actividade bancária fora do grupo, por igual compensação a suportar pela SLN. Isto, que releva da defesa de interesses pessoais legítimos, levou muita gente a interrogar-se sobre o que levaria um homem com o seu perfil — antigo ministro das Finanças, antigo administrador do Millennium-BCP, antigo presidente da Agência Portuguesa para o Investimento, professor universitário — a “pegar” no BPN, sabendo-se o que já então se sabia, e ele melhor do que ninguém. Como disse Eduardo Dâmaso, «se um dia conhecêssemos toda a verdade sobre este banco, talvez tivéssemos uma das mais graves crises do regime. Assim o Ministério Público lá consiga chegar!» Iria Cadilhe repetir o milagre das rosas? O que se passou, afinal, foi que Cadilhe fez o que em Portugal é de uso fazer-se: foi bater à porta do Estado. Traduzindo por miúdos, pediu uma injecção de capital de 600 milhões de euros (o buraco do BPN é de 700). Cadilhe julga a sua “importância” suficiente para levar o Estado a suportar a gestão danosa que herdou de José Oliveira e Costa, o fundador da SLN/BPN, hoje em paradeiro incerto. Cadilhe queria que o Estado lá metesse o dinheiro, e ele geria. Mas, encargo por encargo, o Estado preferiu propor à Assembleia da República a «apropriação pública por via de nacionalização, em execução do disposto no artigo 83.º da Constituição [...] de todas as acções representativas do capital social do Banco Português de Negócios, S. A.» Cadilhe não gostou, tendo posto o lugar (no banco; ainda não se sabe se continua a presidir à SLN, que detém e acumula outros interesses) à disposição, figura de retórica para uma situação de facto, pois desde ontem que dois gestores nomeados pela CGD estão em funções no BPN. Não está em causa a competência profissional ou a seriedade de Cadilhe. O caso SLN/BPN ilustra a promiscuidade entre o poder político (i.e., o Estado) e a iniciativa “privada”. O fundador e patrão da SLN/BPN, José Oliveira e Costa, começou como empregado de escritório, foi mais tarde funcionário do Banco de Portugal, depois deputado do PSD e, por fim, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais — cargo em que se notabilizou pela introdução de perdões fiscais, um deles no valor de meio milhão de contos, ou seja, dois milhões e meio de euros — nos governos de Cavaco Silva. Teria chegado onde chegou sem este currículo? E as autoridades de supervisão teriam usado de igual displicência caso a gestão da SLN/BPN não estivesse nas mãos do Gotha do PSD? Enfim, a procissão ainda vai no adro.
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