A Europa joga o seu futuro na forma como agir na Ucrânia e no Médio Oriente
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A Europa joga o seu futuro na forma como agir na Ucrânia e no Médio Oriente
Europa: o mundo está a entrar-lhe pela casa dentro sem pedir licença
Teresa de Sousa
24/08/2014 - 07:22
A Europa joga o seu futuro na forma como agir na Ucrânia e no Médio Oriente. Deixou de poder ignorar o mundo. Mas ainda não sabe como pode lidar com ele. A Alemanha, pelo menos, já mudou.
Merkel resolveu garantir a mudança com actos que nunca imaginaríamos possíveis JOHN MACDOUGALL/AFP
Angela Merkel não costuma brincar em serviço. Concorde-se ou não com ela, provou-o na forma como geriu a crise do euro. Também não quis deixar dúvidas sobre a viragem súbita da política alemã em relação a Vladimir Putin. É verdade que foi preciso um avião com 300 pessoas a bordo, na sua maioria europeus, para fazê-la acelerar a mudança. Também aprendemos que gosta de agir no último minuto e com o menor custo possível. Desta vez, corrigiu a rota tão rapidamente que a imprensa ocidental ainda levou alguns dias a mudar, ela própria, de registo.
Desde o início da crise, a chanceler tinha decidido coordenar a resposta ao desafio bélico de Vladimir Putin com o Presidente Obama e foi o que fez, mesmo que alguns passos atrás. Manteve um contacto permanente com o Presidente russo. “Ele vive noutro mundo” disse a Obama pouco antes da anexação da Crimeia. Sempre disse que a Rússia teria de pagar um preço. Finalmente, a 29 de Julho, a decisão de passar ao “nível três” das sanções, aquele que verdadeiramente dói à economia da Rússia, foi o primeiro sinal claro dessa mudança.
A chanceler percebeu que era a segurança europeia que estava posta em causa e que a geoeconomia que inspirou a sua política externa (muitas vezes com a fúria dos seus principais parceiros europeus) e que determinou a relação da Alemanha com a Rússia, deu lugar à geopolítica.
A Alemanha é o terceiro maior parceiro comercial da Rússia (a seguir à China e à Holanda) e um dos maiores investidores. Berlim sempre entendeu que as relações com Moscovo eram para tratar ao nível bilateral e não ao nível europeu. Merkel limitou-se a corrigir os excessos do anterior chanceler social-democrata Gerhard Schroeder, o grande amigo de Putin. Percebeu que não podia relacionar-se com Moscovo ignorando pura e simplesmente a Polónia e deu-lhe um lugar a bordo. O chefe da diplomacia polaca, Radeck Sikorski agradeceu a diferença. Elogiou a chanceler com uma frase estranha na boca de um polaco: “Tenho mais receio da falta de liderança alemã do que da sua liderança”. A Polónia e a maioria dos países de Leste que são hoje membros da União e da NATO sempre avisaram que Putin não era de fiar. Foram muitas vezes ignorados. Os líderes dos restantes países europeus encontraram no “unilateralismo” alemão na sua relação com a Rússia a desculpa ideal para prosseguirem com os seus negócios.
A crise na Ucrânia, que a Europa não conseguiu antecipar, pôs em causa este estado de coisas. O papel da Alemanha seria sempre crucial.
“Não estás a entender, George”
“Tu não estás a entender, George, a Ucrânia nem sequer é um Estado, parte do seu território pertence à Europa de Leste mas a parte maior foi uma oferta que lhe fizemos”. A frase é de Vladimir Putin. Foi dita no dia 24 de Abril de 2008, depois da última cimeira da NATO em que George W. Bush participou, em Bucareste. Estava de partida, queria fazer as pazes com os aliados europeus, aceitou a pressão alemã para deixar cair a promessa de alargamento da Aliança à Geórgia e à Ucrânia. Três meses depois, a Rússia invadia a Geórgia a pretexto das minorias russas que viviam nos enclaves da Abekhazia e da Ossétia do Sul.
Nicolas Sarkozy partiu para Moscovo e para Tbilissi forçando um acordo que tinha duas versões diferentes, conforme a capital onde foi negociado. A Europa enterrou o problema e seguiu em frente. Alguns meses depois da ocupação, Varsóvia propôs a Berlim uma nova parceria de vizinhança virada para Leste, incluindo os países de fronteira entre a Rússia e a Europa. Frank-Walter Steinmeier, então e hoje o chefe da diplomacia alemã dos governos de coligação, rejeitou a proposta. O ministro estava a negociar na mesma altura uma “Parceria para a Modernização” com a Rússia. Sikorski uniu-se à Suécia onde o seu homólogo Carl Bildt percebia o que estava em causa. Hoje, a parceria já uma política europeia. Seguiram-se os acordos de associação que Bruxelas tratou de negociar, incluindo com a Ucrânia. Percebeu que qualquer coisa se passava quando, na véspera da cimeira em que o acordo devia ser assinado (Novembro de 2013), Kiev não compareceu. O que ninguém previu foi que os jovens que queriam ligar o destino do seu país à Europa, fossem para a rua defender a sua causa. Em seis meses, tudo mudou.
Angela Merkel resolveu garantir essa mudança com actos que nunca imaginaríamos como possíveis. Na semana passada foi a Riga dizer aos letões: “Quero insistir em que o Artigo 5.º da NATO – o dever de garantir apoio mútuo – não é uma coisa que apenas exista no papel, tem de ter uma tradução concreta”. Anunciou que jactos alemães vão participar numa missão da NATO de policiamento aéreo das fronteiras e que a Aliança está a acelerar a constituição de uma força de reacção rápida, “se a Rússia tentar desestabilizar a vizinhança dos Bálticos como fez na Ucrânia”. A Letónia e a Estónia, membros da União e da NATO, têm vastas minorias russas. Qualquer sinal de fraqueza em Kiev iria colocá-los na linha de mira de Putin.
Teresa de Sousa
24/08/2014 - 07:22
A Europa joga o seu futuro na forma como agir na Ucrânia e no Médio Oriente. Deixou de poder ignorar o mundo. Mas ainda não sabe como pode lidar com ele. A Alemanha, pelo menos, já mudou.
Merkel resolveu garantir a mudança com actos que nunca imaginaríamos possíveis JOHN MACDOUGALL/AFP
Angela Merkel não costuma brincar em serviço. Concorde-se ou não com ela, provou-o na forma como geriu a crise do euro. Também não quis deixar dúvidas sobre a viragem súbita da política alemã em relação a Vladimir Putin. É verdade que foi preciso um avião com 300 pessoas a bordo, na sua maioria europeus, para fazê-la acelerar a mudança. Também aprendemos que gosta de agir no último minuto e com o menor custo possível. Desta vez, corrigiu a rota tão rapidamente que a imprensa ocidental ainda levou alguns dias a mudar, ela própria, de registo.
Desde o início da crise, a chanceler tinha decidido coordenar a resposta ao desafio bélico de Vladimir Putin com o Presidente Obama e foi o que fez, mesmo que alguns passos atrás. Manteve um contacto permanente com o Presidente russo. “Ele vive noutro mundo” disse a Obama pouco antes da anexação da Crimeia. Sempre disse que a Rússia teria de pagar um preço. Finalmente, a 29 de Julho, a decisão de passar ao “nível três” das sanções, aquele que verdadeiramente dói à economia da Rússia, foi o primeiro sinal claro dessa mudança.
A chanceler percebeu que era a segurança europeia que estava posta em causa e que a geoeconomia que inspirou a sua política externa (muitas vezes com a fúria dos seus principais parceiros europeus) e que determinou a relação da Alemanha com a Rússia, deu lugar à geopolítica.
A Alemanha é o terceiro maior parceiro comercial da Rússia (a seguir à China e à Holanda) e um dos maiores investidores. Berlim sempre entendeu que as relações com Moscovo eram para tratar ao nível bilateral e não ao nível europeu. Merkel limitou-se a corrigir os excessos do anterior chanceler social-democrata Gerhard Schroeder, o grande amigo de Putin. Percebeu que não podia relacionar-se com Moscovo ignorando pura e simplesmente a Polónia e deu-lhe um lugar a bordo. O chefe da diplomacia polaca, Radeck Sikorski agradeceu a diferença. Elogiou a chanceler com uma frase estranha na boca de um polaco: “Tenho mais receio da falta de liderança alemã do que da sua liderança”. A Polónia e a maioria dos países de Leste que são hoje membros da União e da NATO sempre avisaram que Putin não era de fiar. Foram muitas vezes ignorados. Os líderes dos restantes países europeus encontraram no “unilateralismo” alemão na sua relação com a Rússia a desculpa ideal para prosseguirem com os seus negócios.
A crise na Ucrânia, que a Europa não conseguiu antecipar, pôs em causa este estado de coisas. O papel da Alemanha seria sempre crucial.
“Não estás a entender, George”
“Tu não estás a entender, George, a Ucrânia nem sequer é um Estado, parte do seu território pertence à Europa de Leste mas a parte maior foi uma oferta que lhe fizemos”. A frase é de Vladimir Putin. Foi dita no dia 24 de Abril de 2008, depois da última cimeira da NATO em que George W. Bush participou, em Bucareste. Estava de partida, queria fazer as pazes com os aliados europeus, aceitou a pressão alemã para deixar cair a promessa de alargamento da Aliança à Geórgia e à Ucrânia. Três meses depois, a Rússia invadia a Geórgia a pretexto das minorias russas que viviam nos enclaves da Abekhazia e da Ossétia do Sul.
Nicolas Sarkozy partiu para Moscovo e para Tbilissi forçando um acordo que tinha duas versões diferentes, conforme a capital onde foi negociado. A Europa enterrou o problema e seguiu em frente. Alguns meses depois da ocupação, Varsóvia propôs a Berlim uma nova parceria de vizinhança virada para Leste, incluindo os países de fronteira entre a Rússia e a Europa. Frank-Walter Steinmeier, então e hoje o chefe da diplomacia alemã dos governos de coligação, rejeitou a proposta. O ministro estava a negociar na mesma altura uma “Parceria para a Modernização” com a Rússia. Sikorski uniu-se à Suécia onde o seu homólogo Carl Bildt percebia o que estava em causa. Hoje, a parceria já uma política europeia. Seguiram-se os acordos de associação que Bruxelas tratou de negociar, incluindo com a Ucrânia. Percebeu que qualquer coisa se passava quando, na véspera da cimeira em que o acordo devia ser assinado (Novembro de 2013), Kiev não compareceu. O que ninguém previu foi que os jovens que queriam ligar o destino do seu país à Europa, fossem para a rua defender a sua causa. Em seis meses, tudo mudou.
Angela Merkel resolveu garantir essa mudança com actos que nunca imaginaríamos como possíveis. Na semana passada foi a Riga dizer aos letões: “Quero insistir em que o Artigo 5.º da NATO – o dever de garantir apoio mútuo – não é uma coisa que apenas exista no papel, tem de ter uma tradução concreta”. Anunciou que jactos alemães vão participar numa missão da NATO de policiamento aéreo das fronteiras e que a Aliança está a acelerar a constituição de uma força de reacção rápida, “se a Rússia tentar desestabilizar a vizinhança dos Bálticos como fez na Ucrânia”. A Letónia e a Estónia, membros da União e da NATO, têm vastas minorias russas. Qualquer sinal de fraqueza em Kiev iria colocá-los na linha de mira de Putin.
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