Quem guarda os segredos?
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Quem guarda os segredos?
Quem guarda os segredos?
Pedro Adão e Silva - DE
A crer nos jornais do fim-de-semana, nuns casos, os procuradores do caso Freeport temem estar a ser vigiados pelo SIS, noutros, o recurso à ironia do procurador-geral da República numa reunião do Conselho Superior do Ministério Público, apelando ao SIS para que este o auxiliasse na investigação das fugas de informação, terá sido suficiente para lançar a suspeição. Versões à parte, a violação do segredo de justiça voltou a dominar as agendas mediáticas.
A violação do segredo de justiça remete para o cruzamento entre duas instituições nucleares das sociedades livres: uma justiça fiel às liberdades e uma comunicação social independente. É precisamente pelo carácter nuclear destas instituições que o modo perverso como, ao violarem o segredo de justiça, se articulam é gravoso para o Estado de direito. De cada vez que temos acesso a uma informação parcelar, descontextualizada ou até materialmente falsa proveniente de um processo judicial que, por sua vez, é amplificada pela comunicação social, estamos, de uma assentada só, a deitar fora a presunção da inocência, o direito ao bom nome, o princípio do contraditório, elementos que estão na base de uma sociedade decente.
O segredo de justiça, como todas as outras garantias de um Estado de direito, tem um fim preciso: garantir que um inocente pode defender-se e tem direito a fazê-lo com condições justas.
É por isso que a tolerância que revelamos face à violação sistemática do segredo de justiça revela, em última análise, uma assinalável tolerância perante a corrosão do Estado de direito, das liberdades e das garantias. As sociedades que cedem nestas matérias estão disponíveis para ceder em quase tudo.
O que fazer perante um contexto em que não apenas o segredo de justiça é violado sistematicamente, mas no qual aceitamos colectivamente que o debate político se centre em informação que resulta de fugas provenientes dos operadores judiciais?
Há na verdade três soluções possíveis e o caminho a seguir tem de assentar numa combinação entre elas: a auto-regulação dos media; a penalização das violações; e o desenvolvimento de mecanismos de controlo e investigação das fugas.
A capacidade de um operador judicial retirar uma informação de um processo é condição necessária a uma violação do segredo de justiça, mas não é suficiente. A violação só é grave porque é amplificada pela comunicação social. A melhor forma para contrariar esta tendência é a auto-regulação dos media. Contudo, há manifestos limites a esta opção. A competição crescente entre media num contexto económico difícil tem criado uma tendência para a suspensão de princípios deontológicos do jornalismo. Se a isto juntarmos a fragilidade com que é exercida a profissão de jornalista, não poderemos esperar muito dos mecanismos de auto-regulação.
O segundo caminho é a penalização de facto da violação do segredo de justiça. Na última reforma penal ficou claro que o segredo de justiça vincula todos os que contactem com processos em que aquele vigora. Ou seja, quem publicar matéria em segredo de justiça deve também ser punido, sendo que a moldura penal vai até dois anos de prisão. Acontece que apesar das alterações legais, a prática de impunidade tem-se mantido, como se nada houvesse mudado.
Finalmente os mecanismos de controlo e investigação das violações do segredo de justiça. De facto, em tom irónico ou não, o PGR, ao reconhecer a sua dificuldade em investigar fugas de informação, está, implicitamente, a apontar o caminho para resolver o problema.
Um caminho que assenta, em parte, no aprofundamento do processo de desmaterialização dos processos judiciais. A informatização permite, por um lado, saber quem acedeu aos processos e em que momento o fez e, por outro, ao contrário do método tradicional da fotocópia, que não deixa rasto, a origem da informação que é "passada" informaticamente é mais facilmente detectável. A generalização dos sistemas informáticos ao processo penal tenderá a dificultar a vida aos promotores de fugas.
Mas, como lembra o apelo irónico ao SIS para vir em auxílio da PGR, um dos problemas é que quem investiga as violações do segredo de justiça é o mesmo MP de onde podem ser provenientes muitas dessas fugas. Ou seja, quem devia guardar o segredo e frequentemente não o faz, é também quem apura as violações ao mesmo. Os resultados são conhecidos: por incapacidade ou por falta de vontade, a culpa tem morrido solteira. O que sugere que talvez seja altura de levar a sério as palavras de Pinto Monteiro e não deixar o MP sozinho a investigar as fugas de informação.
Pedro Adão e Silva, Professor universitário
Pedro Adão e Silva - DE
A crer nos jornais do fim-de-semana, nuns casos, os procuradores do caso Freeport temem estar a ser vigiados pelo SIS, noutros, o recurso à ironia do procurador-geral da República numa reunião do Conselho Superior do Ministério Público, apelando ao SIS para que este o auxiliasse na investigação das fugas de informação, terá sido suficiente para lançar a suspeição. Versões à parte, a violação do segredo de justiça voltou a dominar as agendas mediáticas.
A violação do segredo de justiça remete para o cruzamento entre duas instituições nucleares das sociedades livres: uma justiça fiel às liberdades e uma comunicação social independente. É precisamente pelo carácter nuclear destas instituições que o modo perverso como, ao violarem o segredo de justiça, se articulam é gravoso para o Estado de direito. De cada vez que temos acesso a uma informação parcelar, descontextualizada ou até materialmente falsa proveniente de um processo judicial que, por sua vez, é amplificada pela comunicação social, estamos, de uma assentada só, a deitar fora a presunção da inocência, o direito ao bom nome, o princípio do contraditório, elementos que estão na base de uma sociedade decente.
O segredo de justiça, como todas as outras garantias de um Estado de direito, tem um fim preciso: garantir que um inocente pode defender-se e tem direito a fazê-lo com condições justas.
É por isso que a tolerância que revelamos face à violação sistemática do segredo de justiça revela, em última análise, uma assinalável tolerância perante a corrosão do Estado de direito, das liberdades e das garantias. As sociedades que cedem nestas matérias estão disponíveis para ceder em quase tudo.
O que fazer perante um contexto em que não apenas o segredo de justiça é violado sistematicamente, mas no qual aceitamos colectivamente que o debate político se centre em informação que resulta de fugas provenientes dos operadores judiciais?
Há na verdade três soluções possíveis e o caminho a seguir tem de assentar numa combinação entre elas: a auto-regulação dos media; a penalização das violações; e o desenvolvimento de mecanismos de controlo e investigação das fugas.
A capacidade de um operador judicial retirar uma informação de um processo é condição necessária a uma violação do segredo de justiça, mas não é suficiente. A violação só é grave porque é amplificada pela comunicação social. A melhor forma para contrariar esta tendência é a auto-regulação dos media. Contudo, há manifestos limites a esta opção. A competição crescente entre media num contexto económico difícil tem criado uma tendência para a suspensão de princípios deontológicos do jornalismo. Se a isto juntarmos a fragilidade com que é exercida a profissão de jornalista, não poderemos esperar muito dos mecanismos de auto-regulação.
O segundo caminho é a penalização de facto da violação do segredo de justiça. Na última reforma penal ficou claro que o segredo de justiça vincula todos os que contactem com processos em que aquele vigora. Ou seja, quem publicar matéria em segredo de justiça deve também ser punido, sendo que a moldura penal vai até dois anos de prisão. Acontece que apesar das alterações legais, a prática de impunidade tem-se mantido, como se nada houvesse mudado.
Finalmente os mecanismos de controlo e investigação das violações do segredo de justiça. De facto, em tom irónico ou não, o PGR, ao reconhecer a sua dificuldade em investigar fugas de informação, está, implicitamente, a apontar o caminho para resolver o problema.
Um caminho que assenta, em parte, no aprofundamento do processo de desmaterialização dos processos judiciais. A informatização permite, por um lado, saber quem acedeu aos processos e em que momento o fez e, por outro, ao contrário do método tradicional da fotocópia, que não deixa rasto, a origem da informação que é "passada" informaticamente é mais facilmente detectável. A generalização dos sistemas informáticos ao processo penal tenderá a dificultar a vida aos promotores de fugas.
Mas, como lembra o apelo irónico ao SIS para vir em auxílio da PGR, um dos problemas é que quem investiga as violações do segredo de justiça é o mesmo MP de onde podem ser provenientes muitas dessas fugas. Ou seja, quem devia guardar o segredo e frequentemente não o faz, é também quem apura as violações ao mesmo. Os resultados são conhecidos: por incapacidade ou por falta de vontade, a culpa tem morrido solteira. O que sugere que talvez seja altura de levar a sério as palavras de Pinto Monteiro e não deixar o MP sozinho a investigar as fugas de informação.
Pedro Adão e Silva, Professor universitário
Viriato- Pontos : 16657
Re: Quem guarda os segredos?
O segundo caminho é a penalização de facto da violação do segredo de justiça. Na última reforma penal ficou claro que o segredo de justiça vincula todos os que contactem com processos em que aquele vigora. Ou seja, quem publicar matéria em segredo de justiça deve também ser punido, sendo que a moldura penal vai até dois anos de prisão. Acontece que apesar das alterações legais, a prática de impunidade tem-se mantido, como se nada houvesse mudado.
Vitor mango- Pontos : 118184
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