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Fumaça Nuno Viegas

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Mensagem por Vitor mango Qui Set 02, 2021 9:14 am

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NUNO VIEGAS
nuno@fumaca.pt
[size=13]Olá.

Permite-me uma palavra introdutória: parcimónia.

É um bom substantivo, daquilo que é feito com moderação, sobriedade. Um antigo chefe usava-o como quasi-mantra para notar o que faltava ao meu trabalho, e ao da redação. Viria a dar-lhe razão.

No Fumaça, tentamos aplicar abundante parcimónia ao nosso trabalho – a frequência de publicação, os eventos realizados, os temas investigados – de forma a proteger outras potenciais prodigalidades: a profundidade e factualidade de cada investigação, a transparência para com ouvintes e contribuidores, o tempo para refletir sobre este equilíbrio.

Há coisa de sete meses, decidimos manter a estratégia numa nova experiência: publicar opinião, pagar a pessoas de fora da equipa para escrever os textos que a cada poucas semanas tomam esta newsletter com uma cara e uma visão nova. A decisão tomou-se em dois longuíssimos debates que resultaram num regulamento oral de três pontos: toda a redação vota e veta temas e pessoas convidadas; todo o trabalho é pago; todos os artigos  são editados. A opinião bebe da fonte de credibilidade da redação, e responde-lhe. 

Estes princípios são uma forma de dissidência editorial. "Há outras narrativas mediáticas [...] vozes diferentes para ouvir". Não é função de um órgão de comunicação social publicar qualquer  opinião que lhe chega ao email. É preciso pensar que vozes se pretendem introduzir no debate público, em que contexto, por que razão, com que objetivo. Nem todas as loucuras precisam de ser impressas. Parece-me que este critério é parcamente aplicado.

Durante agosto, o Fumaça publicou um único texto de opinião: "Preciso que te importes" de Guadalupe Amaro. No mesmo período (contas minhas), o Público lançou 367 artigos de opinião, fora o editorial diário e as cartas ao diretor; o Observador, 214; o Diário de Notícias, 199. É natural que publiquem mais. Fazem-no todos os dias. Nós, nem todas as semanas. O que não pode ser tido como natural é a disparidade entre o volume de textos de opinião publicados e os recursos afetos a gerir o seu percurso até à prensa.[/size]

É fácil despejar muita prosa deste tipo online: não falta espaço de página; os colunistas esporádicos escrevem de graça (paga-se só às mãos cheias de cronistas que escrevem regularmente numa única publicação); e um texto com um título provocador dá cliques sem roubar tempo aos jornalistas da redação. Ajuda a pagar salários e não traz custos. Mas exige alguns sacrifícios éticos.

É uma decisão morosa perceber a quem ceder a newsletter do Fumaça. Quando escolhemos Guadalupe Amaro, numa reunião de 26 de julho, já sabíamos querer ouvi-la  sobre um tema em específico – o acesso de pessoas trans a cuidados de saúde. Isto tem uma razão de ser: não é útil que uma mesma voz reflita sobre todo o conhecimento humano, nem que todas as vozes falem constantemente, só por já estarem na carteira de comentadores e colunistas. Há que escolher os intervenientes certos para os assuntos relevantes. Que importância real tem uma crónica entre duzentas? A cacofonia é silêncio. 

A primeira versão de “Preciso que te importes” chegou-nos às mãos a 7 de agosto. A edição ficou fechada no dia 16, à tarde. Houve reformulações de estrutura e estilo, correções de gralhas e erros gramaticais e um vivaz processo de verificação de factos. Acreditamos nisto: por ser um texto de opinião e não um artigo noticioso, não deixa de ter de se basear em factos, de lidar com o nosso mundo e não com distorções, falsidades e manipulações ideologicamente convenientes.

A perspetiva do autor é útil ao leitor apenas se responder à realidade. Garantir isso obriga a um diálogo com quem escreve. Obriga a que se devolva um texto e se peça uma fonte para se afirmar que as normas da Direção Geral da Saúde para a identidade de género estão desatualizadas (no caso da newsletter de Guadalupe Amaro), para reclamar do custo orçamentado do Bairros dos Ministérios, em Angola (quando Luaty Beirão escreveu), para denunciar o número de pushbacks ilegais no Mar Mediterrâneo (no texto de Miguel Duarte). Não é preciso levar semana e meia a rever um texto para o editar devidamente, mas é preciso editá-lo, e contratar quem tenha como função fazê-lo.

O nosso processo de verificação de factos não é perfeito, a bem da verdade. Nem quando esses textos são escritos pela redação. Ainda na newsletter da semana passada, Pedro Miguel Santos citou Júlio César como “imperador romano”. Eu – hoje defensor-mor da verificação de factos – editei o texto e não me apercebi do erro. Fica a correção: o título de Júlio César, à época, era o de Ditador da República Romana. O Império Romano seria fundado 17 anos após a sua morte.

Dedicar tempo a este tipo de práticas arruína o modelo de negócios em voga de lucro (quase) limpo na opinião. O artigo bombástico assinado por um quase desconhecido só dá lucro se, para além de não se pagar a quem escreve, se abdicar de dedicar recursos humanos a editar os textos e fazer verificação de factos. Portanto, neste momento, não se faz nem uma coisa nem outra com o rigor mínimo exigido a uma publicação jornalística. Quando se publica sem parcimónia, é impossível ter mão em tudo o que sai. Sempre que isto corre mal, tem custos para a credibilidade de uma publicação: mancha o trabalho jornalístico impresso na página ao lado. O cronista bebe da credibilidade da redação, mas nunca volta a encher o poço.

O Público, entre os mais de trezentos textos de opinião lançados em agosto, deu por si a publicar e despublicar online um artigo de opinião sobre a vacinação de crianças contra a COVID-19, devido a um “erro de controlo editorial” que permitiu que se afirmasse no jornal que as vacinas eram “uma experiência terapêutica”. Publica-se primeiro, revê-se depois.

Minto: nem sempre se revê. É que argumenta-se que a opinião vem revestida do intocável escudo da Liberdade de Expressão, banhada pelo feitiço da subjetividade que entorpece editores e bloqueia reguladores. Há exemplos práticos. No ano passado, a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) apresentou queixa contra a Rádio Observador na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) devido a uma crónica publicada em maio. A CICDR considerava que as afirmações de Alberto Gonçalves, colunista regular do órgão, na peça "De certeza que não há um problema com os ciganos?" poderiam “incitar ao ódio étnico-racial”.

A crónica é um exercício comparativo entre os assassinatos de George Floyd, nos Estados Unidos da América, e de Winston Rodrigues, no Seixal, que afirma: “Não faço ideia qual é a verdade [sobre os casos], nem me interessa por aí além”, mas logo garante que “os ciganos recebem o dito Rendimento Social de Inserção, mas não se inserem absolutamente nada” e assevera que “há uma certa tendência da etnia cigana para estar envolvida nestes casos [de homicídios]”.

Numa resposta em cinco pontos, a direção do Observador defende a publicação notando: “Os artigos e podcast [sic] não são previamente analisados, nem podem ser censurados”. Garantir que um colunista não mente equivale aqui à censura. Salvo Mário Mesquita, que votou contra a deliberação, o Conselho Regulador da ERC concorda: “O espaço de comentário reflete a perspetiva pessoal de quem comenta o tema em análise [...], pelo que não há lugar à análise à luz do rigor informativo”. O processo foi arquivado.

Eu discordo. Nos últimos dias, aliás, este texto foi habilmente “censurado”, na lógica do Observador, pelos meus camaradas de redação. Para a semana, pegarei eu no correspondente lápis azul, pois então. Nem podia ser de outra maneira. Não editar, voltando ao termo sensato, seria uma irresponsabilidade, uma falta de respeito para contigo que nos lês.

Temo que não se publiquem artigos de opinião em barda e sem revisão por apego absoluto à liberdade de expressão, mas por fome. Fome de cliques, shares e pageviews, de vender anúncios e artigos patrocinados, mais frequentes e mais caros, custe o que custar, sacrifique-se o que que se sacrificar. E assim pega-se no direito a informar e esventra-se no seu altar o direito a ser informado, a credibilidade dos jornalistas que se emprega, o interesse público e do público.

E enquanto as direções e acionistas não mudarem de filosofia, os órgãos de comunicação social não reestruturarem hierarquias e modelos de financiamento, as leis de imprensa, rádio e televisão não forem revistas, e os reguladores não intervirem, vamos secando o poço.

Pois por cá fico, bebendo do nosso a um ritmo mais sensato, diria. Não temos anunciantes que nos pressionem a publicar muito e muito rápido. E escolhemos não fazer atualidade. A resposta a estas inquietações não será publicar ao ritmo do Fumaça. Precisamos de imprensa diária, de quem fale do dia-a-dia. Mas haverá algures um meio termo entre um e 367.

Até já,
[size=13]Nuno Viegas
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PS: Se há alguém que gostasses de ler na newsletter do Fumaça, sobre um tema em particular, diz-nos. Basta responderes a este email. Havemos de debater os nomes, numa ou duas reuniões infernalmente longas, por regra à segunda-feira.

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Só discuto o que nao sei ...O ke sei ensino ...POIZ
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Vitor mango
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