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Entrevista a José Miguel Júdice sobre o Caso das Escutas

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Mensagem por BUFFA General Aladeen Dom Set 20, 2009 4:46 am

Entrevista a José Miguel Júdice


Media devem "pôr a nu estes métodos de fazer jornalismo"



Ex-bastonário da Ordem dos Advogados e cronista do Público, José Miguel Júdice considera "grave" a actuação de Fernando Lima e "lamentável" a aceitação da instrumentalização por parte do jornalista do Público.

A revelação por parte do DN do e-mail trocado entre Luciano Alvarez e Tolentino Nóbrega, jornalistas dos Público, é uma violação de privacidade?

Não sei se o e-mail é privado ou se tem interesse público. Acho muito curioso que a imprensa portuguesa, que durante anos e anos não se preocupou com a revelação de escutas, agora que atinge os jornalistas, estes comecem a ficar preocupados.

Considera reprovável, do ponto de vista ético?

É deontologicamente censurável, mas, durante anos, os jornalistas aceitaram que isso fosse possível em muitas situações que não envolviam jornalistas. É como se estivessem a provar um pouco do seu remédio. Os jornalistas dão muita importância a si próprios. Eticamente, é inadmissível que os jornalistas queiram ser protegidos de uma forma que não se protegem os outros cidadãos.

A relação entre jornalista e fonte descrita no e-mail é...

… de uma gravidade extrema. E se é exemplo da forma como se faz jornalismo neste País, estou como Manuela Ferreira Leite: Não quero viver neste País. A aceitação da instrumentalização por parte do jornalista, se for verdade o que está no e-mail, é lamentável. Perguntas sugeridas por um assessor, fazer a notícia sair da Madeira...

Considera aceitável que o DN tenha divulgado o e-mail?

É importante que o Diário de Notícias tenha divulgado esta situação. E é importante que os jornalistas ponham a mão na consciência. Eu sou amigo do José Manuel Fernandes, mas a reacção do José Manuel Fernandes, que de manhã afirmou que o Público estava sob escuta e depois vem reconhecer que, afinal, não houve qualquer intrusão no sistema informático do jornal, é de uma gravidade absoluta. E nem pediu desculpa. Depois das suspeições lançadas devia de haver um pedido de desculpa ao País, a todos nós. A comunicação social deve pôr a nu estes métodos de fazer jornalismo. Se é grave o que Fernando Lima, assessor do Presidente da República, fez, também é grave a comunicação social sujeitar-se a isso.

A revelação deste caso desacredita o jornalismo?

Sobretudo levanta algumas questões: será caso único? Não haverá mais fretes entre políticos e jornalistas? A partir deste caso, os jornalistas deveriam aproveitar para fazer uma reflexão, com muita coragem, para estigmatizar práticas profissionais inadmissíveis. Enquanto bastonário da Ordem dos Advogados fiz isso junto dos advogados. Acho que é essencial que assim seja em qualquer actividade.

O interesse público justifica a publicação do e-mail?

Está tudo a arrancar os cabelos porque é um jornal a fazer a outro jornal aquilo que é prática da comunicação social fazer a outras entidades não jornalísticas: publicar e revelar documentos, mesmo que protegidos pelo segredo de justiça, em nome do interesse público. Esta dupla ética não é aceitável.

DN
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Mensagem por Joao Ruiz Dom Set 20, 2009 9:00 am

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Enquanto o sangue não chega à nossa porta... é um fartar vilanagem"; logo que o santo se vira contra a esmola.. é o diabo!

Mas nada que não seja bem merecido!!!



Laughing Laughing Laughing Laughing Laughing Laughing Laughing
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Mensagem por BUFFA General Aladeen Dom Set 20, 2009 9:15 am

A questão principal


Provedor do leitor do Público - Jornalista Joaquim Vieira


O caso das escutas de Belém suscita a mais preocupante das perguntas: terá este jornal uma agenda política oculta?

Na primeira ocasião (em Querença) Cavaco não foi confrontado com a pergunta que devia ser feita, sobre a sua responsabilidade política no caso.

Na sequência da última crónica do provedor, instalou-se no PÚBLICO um clima de nervosismo. Na segunda-feira, o director, José Manuel Fernandes, acusou o provedor de mentiroso e disse-lhe que não voltaria a responder a qualquer outra questão sua. No mesmo dia, José Manuel Fernandes admoestou por escrito o jornalista Tolentino de Nóbrega, correspondente do PÚBLICO no Funchal, pela resposta escrita dada ao provedor sobre a matéria da crónica e considerou uma “anormalidade” ter falado com ele ao telefone. Na sexta-feira, o provedor tomou conhecimento de que a sua correspondência electrónica, assim como a de jornalistas deste diário, fora vasculhada sem aviso prévio pelos responsáveis do PÚBLICO (certamente com a ajuda de técnicos informáticos), tendo estes procedido à detecção de envios e reenvios de e-mails entre membros da equipa do jornal (e presume-se que também de e para o exterior). Num momento em que tanto se fala, justa ou injustamente, de asfixia democrática no país, conviria que essa asfixia não se traduzisse numa caça às bruxas no PÚBLICO, que sempre foi conhecido como um espaço de liberdade.

A onda de nervosismo, na verdade, acabou por extravasar para o próprio mundo político, depois de o Diário de Notícias ter publicado anteontem um e-mail de um jornalista do PÚBLICO para outro onde se revelava a identidade da presumível fonte de informação que teria dado origem às manchetes de 18 e 19 de Agosto, objecto de análise do provedor. A fuga de informação envolvia correspondência trocada entre membros da equipa do jornal a propósito da crónica do provedor. O provedor, porém, não denuncia fontes de informação confidenciais dos jornalistas – sendo aliás suposto ignorar quem elas são –, e acha muito estranho, inexplicável mesmo, que outros jornalistas o façam. Mas, como quem subscreve estas linhas não é provedor do DN, sim do PÚBLICO, nada mais se adianta aqui sobre a matéria, retomando-se a análise suspensa há oito dias.

Em causa estavam as notícias dando conta de que a Presidência da República estaria a ser alvo de vigilância e escutas por parte do Governo ou do PS. O único dado minimamente objectivo que a fonte de Belém, que transmitiu a informação ao PÚBLICO, adiantara para substanciar acusação tão grave no plano do funcionamento do nosso sistema democrático fora o comportamento “suspeito” de um adjunto do primeiro-ministro que fizera parte da comitiva oficial da visita de Cavaco Silva à Madeira, há ano e meio. As explicações eram grotescas – o adjunto sentara-se onde não devia e falara com jornalistas –, mas aceites como válidas pelos jornalistas do PÚBLICO, que não citavam qualquer fonte nessa passagem da notícia (embora tivessem usado o condicional).

A investigação do provedor iniciou-se na sequência de uma participação do próprio adjunto de José Sócrates, Rui Paulo Figueiredo, queixando-se de não ter sido ouvido para a elaboração da notícia, apesar de Tolentino de Nóbrega ter recolhido cerca de seis meses antes a sua versão dos factos. O provedor apurou que na realidade Tolentino de Nóbrega, por solicitação de um dos autores da notícia, o editor Luciano Alvarez, já compulsara no Funchal, logo após a visita de Cavaco Silva, e enviara para a redacção informações que convergiriam com aquilo que Rui Paulo Figueiredo lhe viria a afirmar um ano depois (e que o correspondente entendeu não ter necessidade de comunicar a Lisboa, convencido de que o assunto morrera). Esses dados, contudo, não haviam sido utilizados na notícia (foi por tê-lo dito na crónica que o provedor recebeu de José Manuel Fernandes o epíteto de mentiroso, não tendo recebido entretanto as explicações que logo lhe pediu). O provedor inquirira José Manuel Fernandes e Luciano Alvarez sobre as razões dessa omissão mas não obtivera resposta.

Quanto ao facto de não se ter contactado o visado para a produção da notícia, como preconiza o Livro de Estilo do PÚBLICO (“qualquer informação desfavorável a uma pessoa ou entidade obriga a que se oiça sempre ‘o outro lado’ em pé de igualdade e com franqueza e lealdade”), respondeu Luciano Alvarez ao provedor: “Ao fim do dia da elaboração da notícia, eu próprio liguei para Presidência do Conselho de Ministros, para tentar uma reacção de Rui Paulo Figueiredo, mas ninguém atendeu. Cometi um erro, pois deveria ter, de facto, ligado para São Bento, pois sabia bem que era aí que Rui Paulo Figueiredo habitualmente trabalhava, já que uma vez lhe tinha telefonado para São Bento para elaboração de outra notícia”.

Numa matéria desta consequência, em que se tornaria crucial ouvir o principal protagonista, o provedor regista a aparente escassa vontade de encontrar Rui Paulo Figueiredo, telefonando-se ao fim do dia (em que presumivelmente já não estaria a trabalhar) e para o local que o jornalista sabia ser errado. A atitude faz lembrar os métodos seguidos num antigo semanário dirigido por um dos actuais líderes políticos (que por ironia tinha por objectivo destruir politicamente Cavaco Silva, então primeiro-ministro), mas não se coaduna com a seriedade e o rigor de que deve revestir-se uma boa investigação jornalística. Se o jornal já possuía a informação há ano e meio, porquê telefonar à figura central pouco antes do envio da edição para a tipografia? É um facto que Rui Paulo Figueiredo, segundo afirmou ao provedor, estava então de férias, mas isso não desculpa a insignificância do esforço feito para o localizar.

Também José Manuel Fernandes reconheceu ao provedor “o erro de tentar encontrar Rui Paulo Figueiredo na Presidência do Conselho de Ministros e não directamente na residência oficial do primeiro-ministro”, acrescentando porém: “Tudo o mais seguiu todas as regras, e só lamentamos que os recados deixados a Rui Paulo Figueiredo não se tenham traduzido numa resposta aos nossos jornalistas, que teria sido noticiada de imediato, antes no envio de uma queixa ao Provedor – a resposta não impediria que se queixasse na mesma, mas impediu-nos de noticiar a sua posição e de lhe fazer mais perguntas”.

O provedor considera porém que nem “tudo o mais seguiu todas as regras”. As notícias do PÚBLICO abalaram os meios políticos nacionais, e o próprio primeiro-ministro as comentou considerando o seu conteúdo “disparates de Verão”. O assunto era pois suficientemente grave para o PÚBLICO, como o jornal que lançou a história, confrontar a sua fonte em Belém com uma alternativa: ou produzia meios de prova mais concretos acerca da suposta vigilância de que a Presidência da República era vítima (que nunca surgiram) ou teria de se concluir que tudo não passava de um golpe de baixa política destinado a pôr São Bento em xeque. Não tendo havido qualquer remodelação entre os assessores do Presidente da República nem um desmentido de Belém, era aliás legítimo deduzir que o próprio Cavaco Silva dava cobertura ao que um dos seus colaboradores dissera ao PÚBLICO. Mais significativo ainda, o PÚBLICO teria indícios de que essa fonte não actuava por iniciativa própria, mas sim a mando do próprio Presidente – e essa era uma hipótese que, pelo menos jornalisticamente, não poderia ser descartada. Afinal de contas, o jornal até podia ter um Watergate debaixo do nariz, mas não no sentido que os seus responsáveis calculavam.

No prosseguimento da cobertura do caso, o passo seguinte do PÚBLICO deveria, logicamente, consistir em confrontar o próprio Presidente da República com as suas responsabilidades políticas na matéria. Tendo o provedor inquirido das razões dessa inacção, respondeu José Manuel Fernandes: “O PÚBLICO tratou de obter um comentário do próprio Presidente, mas isso só foi possível quando este, no dia 28 [de Agosto], compareceu num evento em Querença previamente agendado, ao qual enviámos o nosso correspondente no Algarve. Refira-se que, quando percebemos que não conseguiríamos falar directamente com o Presidente para a sua residência de férias, verificámos a sua agenda para perceber quando ia aparecer em público, tendo notado que a notícia saíra da Casa Civil exactamente antes de um período relativamente longo em que o Presidente não tinha agenda pública”.

Em Querença, Cacaco Silva limitou-se porém a invocar “os problemas do país” e a apelar para “não tentarem desviar as atenções desses problemas”, tendo faltado a pergunta essencial: como pode o Presidente fazer declarações altruístas sobre a situação nacional e ao mesmo tempo caucionar (se não mesmo instigar) ataques abaixo da cintura lançados de Belém sobre São Bento? E, como qualquer jornalista político sabe, havia muitas maneiras de confrontar a Presidência da República com a questão e comunicar ao público a resposta (ou falta dela), não apenas andando atrás do inquilino de Belém.

Do comportamento do PÚBLICO, o provedor conclui que resultou uma atitude objectiva de protecção da Presidência da República, fonte das notícias, quanto aos efeitos políticos que as manchetes de 18 e 19 de Agosto acabaram por vir a ter. E isto, independentemente da acumulação de graves erros jornalísticos praticados em todo este processo (entre eles, além dos já antes referidos, permitir que o guião da investigação do PÚBLICO fosse ditado pela fonte de Belém), leva à questão mais preocupante, que não pode deixar de se colocar: haverá uma agenda política oculta na actuação deste jornal?

Noutras crónicas, o provedor suscitou já diversas observações sobre procedimentos de que resulta sempre o benefício de determinada área política em detrimento de outra – não importando quais são elas, pois o contrário seria igualmente preocupante. Julga o provedor que não é essa a matriz do PÚBLICO, não corresponde ao seu estatuto editorial e não faz parte do contrato existente com os leitores. É pois sobre isso que a direcção deveria dar sinais claros e inequívocos. Não por palavras (pois a coisa mais fácil é pronunciar eloquentes declarações de isenção), mas sim por actos.

Publicada em 20 de Setembro de 2009
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Mensagem por BUFFA General Aladeen Dom Set 20, 2009 9:49 am

Dúvidas no ‘caso das escutas’

por Joaquim Fidalgo


Setembro 20, 2009

O “caso das escutas”, para além das sérias implicações políticas que obviamente tem (mas que não são chamadas a este espaço), suscita um conjunto complexo de questões no plano jornalístico — seja ao nível das práticas profissionais, seja ao nível ético e deontológico. Entendo que é algo simplista reduzir a questão ao facto (grave) de o DN ter publicado correspondência privada entre jornalistas e denunciado uma fonte de informação do PÚBLICO. Há, para além desta, outras questões que merecem reflexão ética, pois talvez nos ajudem a entender melhor certos descaminhos da informação jornalística que têm contribuído para a sua crise de credibilidade. A este respeito, será útil ler o que tem sido publicado nos diversos jornais, incluindo aí, obrigatoriamente, as duas últimas crónicas do Provedor do Leitor do PÚBLICO.

Para além das interrogações que continuo a colocar-me quanto a este “caso”, uma certeza tenho pelo menos: ninguém sai muito bem de toda esta história.

O DN não sai bem por três motivos essenciais:

1) Parece hoje claro que a sua forte manchete da passada sexta-feira, 18/9, não resultou propriamente de uma aturada investigação jornalística própria, mas da simples aceitação de um e-mail interno do PÚBLICO que lhe foi oferecido por uma fonte confidencial. O mesmo e-mail foi, tanto quanto se sabe, oferecido pelo menos a mais um jornal (o Expresso), que entendeu não o divulgar nos termos ou no timing desejado pela fonte. E o timing é um ponto relevantíssimo: se interessava tanto à fonte que tal e-mail fosse divulgado precisamente agora, em meio da campanha eleitoral (quando é certo que ele datava já de Abril de 2008…), o jornal devia interrogar-se sobre isso e questionar-se sobre se não estaria, porventura, a ser instrumentlizado por alguém com intenções não jornalísticas. O timing, portanto, não foi definido pelo jornal — mas pela fonte que lhe passou os documentos. E dizer que as notícias não podem esperar (sobretudo quando são notícias que nos são ‘dadas’ por alguém num momento muito espécífico) releva de uma ingenuidade que não tem lugar neste mundo complexo…

2) Da leitura do trabalho do DN, parece poder inferir-se que o jornal não fez praticamente nenhuma investigação suplementar em torno do assunto, limitando-se a reproduzir (ou a apresentar com a aparência gráfica de um e-mail verdadeiro…) o que lhe foi passado pela fonte. Confirmar o carácter genuíno de informações facultadas por terceiros, apurar a veracidade de imputações, dar a todos os acusados a possibilidade de se pronunciarem, etc., são procedimentos essenciais do jornalismo que poderão ali ter sido seguidos, ao que parece, de forma bastante apressada. Até porque também se sabe hoje, por informações entretanto vindas a público, que o jornal terá tido pouquíssimo tempo (um dia?…dois?…) entre a altura em que lhe foram dados os documentos e a decisão de os publicar.

3) O DN revelou publicamente uma troca de correspondência privada e expôs publicamente a fonte de informação de um jornalista. Estes são actos de uma enorme gravidade, que, no plano ético, só se justificam muito excepcionalmente, quando está em causa um inquestionável interesse público e – sublinho este ponto – quando não há outras maneiras de servir esse interesse público. Já houve um ou dois casos, em Portugal, em que jornalistas revelaram as suas fontes de informação, devidamente autorizados pelo seu Conselho Deontológico, face à enorme gravidade das situações. Pergunto-me se, no caso em apreço, o mesmo se justificava. Pergunto-me se o interesse público (ou político?…) o exigiria de facto. E pergunto-me, sobretudo, se o jornal não teria outros modos de tratar o assunto sem expor publicamente correspondência privada com nomes (sabendo que com isso estava a denunciar uma fonte confidencial de um outro jornalista). Ao fazer o que fez, deixa a dúvida se não cedeu também a uma ‘agenda’ que nada tem de jornalística: dar uma ‘ferroada’ a um jornal concorrente e associá-lo a determinados processos políticos. Claro que ir por outro caminho dava mais trabalho, implicava mais investigação própria e levava mais tempo. Mas são as exigências do métier…

Dito isto, também entendo que o PÚBLICO não sai muito bem desta história:

1) Parece hoje claro que a notícia sobre a existência de eventuais “escutas” em Belém não tem, até ao momento, nenhum dado concreto para além da suspeita de um elemento (não identificado) do ’staff’ de Cavaco Silva de que talvez haja ”escutas” em Belém… Diz uma velha máxima do jornalismo que “as suspeitas não se publicam; investigam-se”. E foi isso, aparentemente, o que o PÚBLICO fez: investigou o único elemento concreto que lhe foi apontado como estando na base dessas suspeitas, ou seja, o alegado comportamento estranho de um assessor de José Sócrates durante uma visita de Cavaco Silva à Madeira, em 2008. Concluída a investigação (com envolvimento do correspondente do jornal na Madeira), o PÚBLICO concluiu que as suspeitas não se confirmavam. E por isso deixou cair o assunto. Ora, se assim foi, e se não surgiu um único elemento de prova novo (para além da renovada suspeita genérica de um membro do “staff” de Belém), por que decidiu avançar com a notícia em Agosto de 2009? Se decidiu não publicar a mera suspeita em Abril de 2008, por a ter investigado e não a ter confirmado, por que decidiu publicar essa mesma suspeita em Agosto de 2009, quando nada de novo encontrara? Esta decisão, aparentemente pouco suportada em critérios jornalísticos, não autorizará a dúvida de que haveria aqui uma ‘agenda’ política oculta– como sugere o próprio Provedor do Leitor?

2) Um jornalista do PÚBLICO pode queixar-se de não ter sido tratado correctamente pela sua Direcção e/ou pelos seus colegas de Redacção: o correspondente da Madeira. Foi ele que, em Abril de 2008, recebeu a incumbência de investigar as suspeitas de Belém relativamente ao tal assessor de Sócrates. Das conclusões a que chegou (ou seja: que nada se confirmava) deu conta aos seus colegas do PÚBLICO. Mas agora, em Agosto de 2009, o episódio do assessor de Sócrates na Madeira foi recuperado, e contado como se o correspondente da Madeira nada tivesse feito… Não seria lógico que o PÚBLICO, ao evocar o episódio, fosse também recuperar as conclusões da investigação jornalística feita pelo seu correspondente no Funchal? Ao esquecer esse ‘detalhe’, não estará a ter também um comportamento eticamente reprovável, fazendo de conta que as suspeitas continuavam a merecer algum crédito, quando já sabia que elas não mereciam crédito nenhum?

3) O conhecimento de alguns pormenores da negociação entre um jornalista e a sua fonte de Belém, lido agora à luz do que foi publicado como consequência desse contacto, sugere que se pode ter ido longe de mais — e que o resultado terá sido exactamente aquele que interessava à fonte, mas não aquele que interessava a um jornalismo investigativo sério, cuidadoso e desenvolvido com autonomia de critérios. Se daquela negociação nada tivesse resultado (como sucedeu num primeiro momento, em Abril de 2008), tudo estaria bem: a fonte tentou levar ‘a água ao seu moinho’, como tem todo o direito de fazer, os jornalistas tomaram devida nota mas fizeram o trabalho complementar que lhes competia e, nada se tendo provado, nada se publicou. Mas, mais de um ano depois, e continuando a nada se provar, lá se publicaram as suspeitas que a fonte transmitira… Assim, parece que, mesmo sem quaisquer provas, a fonte sempre conseguiu levar a água ao seu moinho, com a aparente cumplicidade (activa ou passiva) dos jornalistas.

Em resumo:

De tudo isto decorre que podemos não estar apenas perante uma situação em que um jornal expõe publicamente uma fonte confidencial de um jornal seu concorrente, mas também perante uma situação em que um jornal expõe publicamente uma (ou uma tentativa de) manobra de manipulação de informação, de motivações claramente políticas, feita por Belém com a conivência de outro jornal. E se a primeira é grave, a segunda não o é menos. Ambas nos suscitam sérias reflexões sobre os modos como o jornalismo, sobretudo na sua relação com o mundo da política, pode perder a sua autonomia e a sua lógica específica, deixando-se (mais ou menos voluntariamente) capturar por interesses e agendas que não são as suas — e que ele, aliás, se devia preocupar em denunciar. Se denuncia episódios semelhantes quando envolvem apenas os políticos ou outros responsáveis de instituições públicas, não pode fechar os olhos ou desculpar quando alguns dos actores são jornalistas.

Neste momento, como é de praxe, anda toda a gente muito mais preocupada com os mensageiros do que com as mensagens (quem deu?… quem passou?… quem enviou?… quem disse?…). Isso importa, sem dúvida, até para que certos comportamentos eticamente reprováveis não fiquem impunes. E importa igualmente para perceber as reais motivações dos diferentes protagonistas de todo este imbróglio. Mas importa também que a preocupação quanto aos ‘mensageiros’ não nos faça esquecer o conteúdo das próprias ’mensagens’ — e que este episódio sirva para uma reflexão aprofundada, com a necessária dose de auto-crítica, sobre alguns descaminhos do nosso jornalismo. Elementos de reflexão não faltam na história.

P.S. É evidente que, olhando para o assunto mais no plano político, também Cavaco Silva sai muitíssimo mal deste ensarilhado caso. Enquanto ele não se dignar explicar aos cidadãos portugueses o que há de sério ou de infundado nestas histórias todas, assumindo as responsabilidades que tem ou esclarecendo-nos sobre o uso indevido do seu nome, teremos toda a legitimidade para pensar que ele, por acção ou por omissão, de algum modo se intrometeu nas disputas político-partidárias. Precisamente aquilo que ele sempre diz que não quer fazer… Os silêncios também falam.



http://mediascopio.wordpress.com/2009/09/20/duvidas-no-caso-das-escutas/
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