Estamos a ouvi-lo(a)
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Estamos a ouvi-lo(a)
Relembrando a primeira mensagem :
"O primeiro-ministro é um general perdido no seu labirinto"
por JOÃO MARCELINO (DN) e PAULO BALDAIA (TSF)
Hoje
O líder do Bloco de Esquerda defende que a Comissão de Inquérito ao caso TVI não é para julgar ou fragilizar Sócrates, nem pode servir como uma "instância de recurso para decisões da própria justiça". Francisco Louçã garante que só conhece um membro do BE que já declarou apoio ao "monárquico" Fernando Nobre, candidato a Belém.
O Bloco de Esquerda (BE) é um dos partidos proponentes da Comissão de Inquérito ao frustrado negócio PT/TVI. Está convencido de que José Sócrates mentiu ao Parlamento sobre o seu conhecimento da operação?
A Comissão de Inquérito ainda não começou a funcionar. Quando a propus, os partidos todos mantiveram reserva, para rapidamente se perceber que era a única solução. O Parlamento tem uma obrigação de fiscalizar a actividade do Governo. E uma grande intervenção na comunicação social, eventualmente para a condicionar, como foi toda a operação da PT ou da Ongoing sobre a TVI, exige um esclarecimento de transparência absoluta. O primeiro-ministro apresentou esta iniciativa sob vários ângulos diferentes. A Comissão de Inquérito quer saber factos. Não tiro conclusões antes de ela fazer as suas audições. Não estamos a julgar o primeiro-ministro, estamos a apurar a verdade dos factos sobre como o Governo terá agido ou não no contexto da sua relação com a PT e com a TVI.
A questão não é saber, na sua opinião, se mentiu ou se não mentiu, se tinha conhecimento ou não, mas se interferiu no negócio.
Esse é o objectivo da Comissão de Inquérito: saber que tipo de interferência houve ou não do Governo na operação da PT para comprar a TVI e se, face a isso, o primeiro-ministro deu informações verdadeiras ou não ao Parlamento quando disse que não conhecia o negócio. Se assim se concluir, assim os factos o dirão. Por outro lado, também devo dizer-lhe que não concordo de forma nenhuma com qualquer jogo político sobre a Comissão. A Comissão foi usada por candidatos do PSD como instrumento da sua luta interna para as suas eleições - isto é indignificar o Parlamento. Isto significa reduzir a política à sua expressão mais demagógica. E já vi mesmo o PSD pedir a vinda do procurador-geral da República ou documentos judiciais. Ora, o Parlamento não é, não quer ser, não vai ser instância de recurso para decisões da própria justiça.
Mas a verdade é que o PSD e o Bloco coincidiram na proposta desta Comissão de Inquérito. Há aqui uma iniciativa comum. Depois, é óbvio que esta Comissão terá sempre um âmbito político, terá sempre conclusões que serão interpretadas politicamente.
Com certeza.
Se a "verdade dos factos" viesse a apontar no sentido de uma eventual mentira do primeiro-ministro ao Parlamento, que conclusões políticas tiraria o BE?
O BE fez esta proposta, o PSD depois apoiou-a e os outros partidos da oposição, todos, apoiaram-na, porque houve um acordo geral sobre esta obrigação do Parlamento de obter o esclarecimento completo. E este é nosso dever perante o País. A Comissão de Inquérito não é um alvo pessoal. Estamos a fazer um levantamento político de como o Governo actuou no contexto da PT. E percebemos já enormes contradições. Tudo isto é um mar de confusão. E o que o País exige, simplesmente, é o rigor dos factos e a informação concreta. Perante ela tiraremos todas as conclusões políticas. Mas se o que quer perguntar-me é se é isto que fragiliza o Governo, isto exige esclarecimento. O Governo hoje está fragilizado por razões muito mais profundas.
Pode ficar mais fragilizado?
Veremos as conclusões. São as conclusões concretas que têm de dizer como deve o Parlamento actuar.
Esta Comissão vai estar a trabalhar cerca de dois meses.
Espero até que menos.
Mas essa vai ser a janela de oportunidade para haver eleições em Portugal este ano. Isso vai condicionar ou não os trabalhos, a conclusão e o relatório?
De forma nenhuma! A Comissão tem de fazer o seu trabalho sério. Mas não há nenhuma relação entre esta Comissão e qualquer jogo político de eleições antecipadas. Sei que o primeiro-ministro é hoje um general perdido no seu labirinto e não quer outra coisa senão repetir o episódio Cavaco Silva de 1983 e provocar eleições com qualquer crise artificial. Quem quer que faça da política um jogo de poder está condenado perante a democracia. Nós agora temos de ter toda a responsabilidade - é por isso que a Comissão de Inquérito tem o seu lugar. O debate sobre o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) é o debate essencial do País.
Se diz que o Governo já está fragilizado e, portanto, não é precisa esta Comissão de Inquérito para o fragilizar…
Mas não é esse o objectivo da Comissão de Inquérito; é saber a verdade!
Mas diz que o Governo já está fragilizado. O que falta para que um partido da oposição apresente uma moção de censura a este Governo, minoritário no Parlamento?
Quem tem procurado provocar crises artificiais é o PS, por um jogo político. O PS não aceita, José Sócrates em particular não aceita, governar sem maioria absoluta. E por isso o jogo dele não é responder ao País. É, pelo contrário, usar qualquer pretexto para precipitar eleições. Foi o que fez a propósito da Lei das Finanças Regionais. Acho espantoso que, quando o Presidente da República promulgou a Lei das Finanças Regionais, que introduzia critérios mais rigorosos que os do passado - que foram laxistas, desastrosos, desorçamentais e prejudiciais ao País no facilitismo em relação à Madeira, do qual, aliás, este Governo de José Sócrates foi um dos grandes promotores -, o primeiro partido que veio registar essa decisão do Presidente foi o PS, e veio felicitar o Presidente! Ora, há três meses, esta lei provocaria eleições antecipadas.
Sendo os partidos da oposição tão críticos com este Governo - e no caso do Bloco, que diz que o futuro do País está a ser posto em causa com este tipo de políticas -, como se explica isso e ao mesmo tempo se deixa que seja o PS e José Sócrates a continuar a governar?
Mas José Sócrates tem neste momento o apoio do PSD e do CDS no Orçamento. E o Orçamento e o PEC são as discussões sobre a política do País. As moções de censura que o BE já apresentou são a rejeição do Orçamento e a resolução para rejeitar o PEC, em que tivemos o cuidado detalhado de apresentar alternativas sobre a política social e económica. O PS sabe que tem do seu lado os partidos da direita. E a discussão que importa aos portugueses é sempre sobre alternativas, e é isso que vai disputar-se. E vai disputar-se intensamente: saber se há ou não outra forma de consolidação orçamental - e eu digo que existe, acho que é possível reduzir o desperdício e cortar três mil milhões de euros no desperdício, na extravagância, nas mordomias e nas benesses já este ano. É possível fazer um ajustamento orçamental de mais de 2%, ao contrário dos objectivos medíocres do Governo. Bastava retirar mil e tal milhões de euros que se pagam no offshore da Madeira - nós pagamos todos, todos os contribuintes. Bastava reavaliar ou renegociar os contratos militares cujas contrapartidas não foram pagas a Portugal. Quem fez negócios connosco está em falta.
Podia rasgar-se esse contrato?
Não, tem de se renegociar, foi o que eu utilizei. Nós comprámos equipamento militar em três mil milhões de euros e havia contrapartidas de três mil milhões de euros. Neste momento…
O próprio ministro já disse isso.
Porque reconheceu a nossa razão a esse respeito! Agora, se os vendedores não executaram a sua parte do contrato, temos de lhes bater à porta e dizer: "Meus amigos, nós comprámos a um preço mais alto que o preço verdadeiro porque nos garantiram contrapartidas." Devem-nos 2300 milhões de euros! Mais que 1% do produto…
E, já agora, como é que chegava a essa poupança dos três mil milhões?
Mil milhões de euros nos offshores, renegociar os contratos militares, vender os submarinos - são mil milhões de euros -, renegociar as parcerias público-privadas, porque elas implicam 45 mil milhões de euros durante os próximos 30 anos. E basta dizer aos construtores das auto-estradas, que ganham por tráfego que não existe, ou a quem está a construir os hospitais para os gerir e para lucrar com eles durante 30 anos, que agora é tempo de repartir sacrifícios.
É professor de Economia. Que preço pagaria o País por essa política anticapitalista?
Isto é, em primeiro lugar, uma política decente. Isto é uma política de negociação contratual.
No caso do offshore da Madeira, só será possível quando houver um acordo, pelo menos a nível europeu, para tratar dos offshores.
Sabe que isso não é verdade...
Dizem muitos economistas.
Pois dizem!
E, digo eu, haverá menos economistas a dizer o contrário.
Mas isto não é uma questão de voto. Digo-lhe simplesmente o seguinte: em Espanha, qualquer transferência para o offshore das Canárias paga à partida 25%. Extraordinário que os espanhóis são capazes de fazer isso e em Portugal não é capaz de se fazer! Há uma lei que determina que o Banco de Portugal tem de ter o registo de todas as transferências para offshores. Sabe que essa lei não está a ser aplicada? Sabe que não há nenhum registo? E sabe quanto houve o ano passado, o recorde em Portugal? Dezoito mil milhões, ou seja, 10% do produto, dez euros em cada cem do que é produzido em Portugal foi transferido para os offshores para não pagar imposto. Se tivessem pago os 25% de IRC - que é o que paga uma mercearia ou uma tabacaria, o que pagam os donos da TSF e do DN como imposto normal -, nós tínhamos pago este ano metade do ajuste orçamental para o défice de que precisamos, 4500 milhões de euros.
O PEC também prevê novas privatizações. De que sectores acha que o Estado não deve abdicar, de onde não deveria sair?
Este PEC propõe algumas privatizações que são dramáticas, que são, aliás, as que têm provocado uma resposta directa de Manuel Alegre, ou de Mário Soares, ou de João Cravinho, e creio que têm razão. Dou-lhe três exemplos: Correios e Caminhos-de-Ferro são dois serviços públicos essenciais para o conjunto do território nacional. Poucos países europeus privatizaram os Correios. Não tem sentido entregar empresas de distribuição de serviço pelo território a empresas que possam utilizá-lo com um princípio de lucro, o que quer dizer que muitas das estações de correios no interior do País vão fechar. Em segundo lugar, este Governo, pela primeira vez, atreveu-se a privatizar uma parte da Caixa Geral de Depósitos (CGD), que é uma parte importantíssima, um terço do sector segurador do País. Lembro-me quando Durão Barroso e Paulo Portas formaram o Governo; chegou a falar-se nessa campanha de privatizar a CGD e imediatamente recuaram, e estabeleceu-se um tabu em Portugal - não se mexe na CGD.
E um bom tabu.
Correctíssimo! Provou-se, aliás, nesta crise que ter um banco público que pode ter confiança, gestão pública, que pode ter um princípio de utilização do crédito como um instrumento para a política económica num momento de crise, de seriedade, é importantíssimo. Agora, pela primeira vez, vai ser privatizado. Mas, digo--lhe também, as redes de alta tensão: não há concorrência nas redes de alta tensão! Como é possível vender as redes de alta tensão a uma empresa privada! Aliás, os privados já têm 49%, o primeiro-ministro garantiu-me num debate que nunca ia privatizar os 51% da REN - cá está, vai privatizá-los agora. O primeiro-ministro tem pouca preocupação com a palavra.
Deve o Estado manter a golden share na PT, que tantas polémicas tem criado ao longo dos tempos?
Acho que sim. Deve manter a golden share ou a capacidade de intervenção estratégica em empresas estratégicas: comunicações, energia são sectores estratégicos do ponto de vista do desenvolvimento do País e da criação da sua capacidade, da infra-estrutura tecnológica moderna.
Essa golden share, se fosse primeiro-ministro, equivaleria a dizer que teria de ser informado de um negócio de aquisição?
Absolutamente! Se é Rui Pedro Soares que vai a Madrid de jacto privado com um documento na mão, tendo ele sido nomeado pelo Estado para a PT…
O senhor primeiro-ministro teria de saber?
Com certeza que teria de saber.
Quando se define que um banco deve ser público, deve ou não clarificar-se em nome da transparência em que empresas e sectores este pode vir a estar interessado, e ter posições? Acha aceitável que um banco como a Caixa, público, tenha posições em empresas privadas?
Acho aceitável que tenha posições em empresas privadas. É evidente que tudo isso obriga à total transparência do mercado, porque se trata numa parte de empresas cotadas na bolsa. Tem de ser público qual é a componente de capital que corresponde a cada um dos accionistas. E a acção da Caixa deve ser absolutamente transparente, a Caixa não pode ser um instrumento de jogo de poder do Governo para nomear um administrador da Cimpor, por exemplo, ou para arranjar uma reforma dourada para ex-ministros. Tem de ter uma capacidade de actuação estratégica. Se os cimentos interessam do ponto de vista da actuação económica para ajudar a uma construção civil, que é uma parte importante da economia do País, deve ser em nome dessa actuação económica que a Caixa deve agir.
E acha que a Caixa esteve bem no caso da Cimpor?
Acho que fez muitíssimo mal. Contestei na altura, tive discussões acaloradas com o ministro das Finanças, porque a Caixa comprou uma parte de Manuel Fino dando--lhe opção de recompra sem risco uns anos depois por 25% acima do valor de mercado. Perdeu 62 milhões de euros - 62 milhões de euros! Não se brinca com o dinheiro dos contribuintes! A Caixa agiu mal nesse negócio, já vi até Manuel Fino vir dizer que queria agora recuperar os direitos de voto da Caixa, coisa absolutamente espantosa.
E, agora, a Caixa esteve bem na guerra entre brasileiros pelo controlo da Cimpor?
Não se deveria ter facilitado o controlo da Cimpor por um jogo de concorrência entre duas empresas brasileiras para a sua internacionalização. É evidente que naquele mercado têm de seguir-se regras e essas não têm que ver com a nacionalidade do capital, mas com um objectivo estratégico. Há um sector importante de emprego cuja capacidade de produção tem de ser garantida que exista em Portugal e que sobreviva e se desenvolva.
Como vê o corte nas despesas sociais? O ministro da Economia, Vieira da Silva, já disse aqui que, apesar de tudo, em 2013 o Estado gastará mais em despesas sociais que em 2008. Como vê a polémica à volta desta questão?
O Governo falsifica as contas com uma sem-vergonha sem limites. O produto desceu ao longo do último ano, e o que pode recuperar este ano quer dizer que o produto português é mais pequeno em 2010 do que era em 2008. Jogar com pequenas diferenças de percentagem sobre um produto que é mais pequeno é, evidentemente, tentar lançar areia para os olhos das pessoas. O que o Governo faz é simplesmente dizer: "Retirámos 130 milhões de euros do rendimento social de inserção (RSI)" sem fazer qualquer investigação sobre fraudes, sem separar quem merece e quem não merece, simplesmente porque o dr. Paulo Portas pediu que se retirassem.
Foi uma condição para a viabilização do PEC?
Obviamente! Foi uma condição no jogo político entre o PS e o CDS, porque os números são exactamente esses: 130 milhões de euros, dizia Paulo Portas na campanha eleitoral, porque acha que é aos pobres que tem de se retirar dinheiro. E 130 milhões de euros cá está José Sócrates a retirar do RSI quando sabemos que os 300 mil desempregados que ainda recebem subsídio de desemprego agora e que já não vão receber daqui a três anos, quando acabar o PEC, só vão poder bater à porta do rendimento social. Portanto, não vão ter nada, nem aqueles 80 euros por família dados pelo RSI. Mas o Governo tira 600 milhões de euros também da dotação orçamental da Segurança Social. Portanto, vai reduzir, congelar, o que quer dizer retirar a inflação no conjunto das pensões, reduzir o conjunto das despesas sociais. Como dizia o Pedro Adão e Silva, isto é dramático: os mais pobres vão pagar o ajustamento orçamental. Sempre tem sido assim e é por isso que sinto uma revolta enorme, de muita gente que sente que o PS é hoje um partido vendido às políticas liberais mais agressivas. É o que acontece com o subsídio de desemprego também: a limitação do total do subsídio de desemprego e das prestações sociais leva o Governo a propor que se possa impor a uma pessoa que tem subsídio de desemprego a obrigação de ir trabalhar por um pouco mais do que o subsídio que recebia
http://dn.sapo.pt/inicio/opiniao/discursodirecto.aspx?content_id=1530515
In DN
"O primeiro-ministro é um general perdido no seu labirinto"
por JOÃO MARCELINO (DN) e PAULO BALDAIA (TSF)
Hoje
O líder do Bloco de Esquerda defende que a Comissão de Inquérito ao caso TVI não é para julgar ou fragilizar Sócrates, nem pode servir como uma "instância de recurso para decisões da própria justiça". Francisco Louçã garante que só conhece um membro do BE que já declarou apoio ao "monárquico" Fernando Nobre, candidato a Belém.
O Bloco de Esquerda (BE) é um dos partidos proponentes da Comissão de Inquérito ao frustrado negócio PT/TVI. Está convencido de que José Sócrates mentiu ao Parlamento sobre o seu conhecimento da operação?
A Comissão de Inquérito ainda não começou a funcionar. Quando a propus, os partidos todos mantiveram reserva, para rapidamente se perceber que era a única solução. O Parlamento tem uma obrigação de fiscalizar a actividade do Governo. E uma grande intervenção na comunicação social, eventualmente para a condicionar, como foi toda a operação da PT ou da Ongoing sobre a TVI, exige um esclarecimento de transparência absoluta. O primeiro-ministro apresentou esta iniciativa sob vários ângulos diferentes. A Comissão de Inquérito quer saber factos. Não tiro conclusões antes de ela fazer as suas audições. Não estamos a julgar o primeiro-ministro, estamos a apurar a verdade dos factos sobre como o Governo terá agido ou não no contexto da sua relação com a PT e com a TVI.
A questão não é saber, na sua opinião, se mentiu ou se não mentiu, se tinha conhecimento ou não, mas se interferiu no negócio.
Esse é o objectivo da Comissão de Inquérito: saber que tipo de interferência houve ou não do Governo na operação da PT para comprar a TVI e se, face a isso, o primeiro-ministro deu informações verdadeiras ou não ao Parlamento quando disse que não conhecia o negócio. Se assim se concluir, assim os factos o dirão. Por outro lado, também devo dizer-lhe que não concordo de forma nenhuma com qualquer jogo político sobre a Comissão. A Comissão foi usada por candidatos do PSD como instrumento da sua luta interna para as suas eleições - isto é indignificar o Parlamento. Isto significa reduzir a política à sua expressão mais demagógica. E já vi mesmo o PSD pedir a vinda do procurador-geral da República ou documentos judiciais. Ora, o Parlamento não é, não quer ser, não vai ser instância de recurso para decisões da própria justiça.
Mas a verdade é que o PSD e o Bloco coincidiram na proposta desta Comissão de Inquérito. Há aqui uma iniciativa comum. Depois, é óbvio que esta Comissão terá sempre um âmbito político, terá sempre conclusões que serão interpretadas politicamente.
Com certeza.
Se a "verdade dos factos" viesse a apontar no sentido de uma eventual mentira do primeiro-ministro ao Parlamento, que conclusões políticas tiraria o BE?
O BE fez esta proposta, o PSD depois apoiou-a e os outros partidos da oposição, todos, apoiaram-na, porque houve um acordo geral sobre esta obrigação do Parlamento de obter o esclarecimento completo. E este é nosso dever perante o País. A Comissão de Inquérito não é um alvo pessoal. Estamos a fazer um levantamento político de como o Governo actuou no contexto da PT. E percebemos já enormes contradições. Tudo isto é um mar de confusão. E o que o País exige, simplesmente, é o rigor dos factos e a informação concreta. Perante ela tiraremos todas as conclusões políticas. Mas se o que quer perguntar-me é se é isto que fragiliza o Governo, isto exige esclarecimento. O Governo hoje está fragilizado por razões muito mais profundas.
Pode ficar mais fragilizado?
Veremos as conclusões. São as conclusões concretas que têm de dizer como deve o Parlamento actuar.
Esta Comissão vai estar a trabalhar cerca de dois meses.
Espero até que menos.
Mas essa vai ser a janela de oportunidade para haver eleições em Portugal este ano. Isso vai condicionar ou não os trabalhos, a conclusão e o relatório?
De forma nenhuma! A Comissão tem de fazer o seu trabalho sério. Mas não há nenhuma relação entre esta Comissão e qualquer jogo político de eleições antecipadas. Sei que o primeiro-ministro é hoje um general perdido no seu labirinto e não quer outra coisa senão repetir o episódio Cavaco Silva de 1983 e provocar eleições com qualquer crise artificial. Quem quer que faça da política um jogo de poder está condenado perante a democracia. Nós agora temos de ter toda a responsabilidade - é por isso que a Comissão de Inquérito tem o seu lugar. O debate sobre o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) é o debate essencial do País.
Se diz que o Governo já está fragilizado e, portanto, não é precisa esta Comissão de Inquérito para o fragilizar…
Mas não é esse o objectivo da Comissão de Inquérito; é saber a verdade!
Mas diz que o Governo já está fragilizado. O que falta para que um partido da oposição apresente uma moção de censura a este Governo, minoritário no Parlamento?
Quem tem procurado provocar crises artificiais é o PS, por um jogo político. O PS não aceita, José Sócrates em particular não aceita, governar sem maioria absoluta. E por isso o jogo dele não é responder ao País. É, pelo contrário, usar qualquer pretexto para precipitar eleições. Foi o que fez a propósito da Lei das Finanças Regionais. Acho espantoso que, quando o Presidente da República promulgou a Lei das Finanças Regionais, que introduzia critérios mais rigorosos que os do passado - que foram laxistas, desastrosos, desorçamentais e prejudiciais ao País no facilitismo em relação à Madeira, do qual, aliás, este Governo de José Sócrates foi um dos grandes promotores -, o primeiro partido que veio registar essa decisão do Presidente foi o PS, e veio felicitar o Presidente! Ora, há três meses, esta lei provocaria eleições antecipadas.
Sendo os partidos da oposição tão críticos com este Governo - e no caso do Bloco, que diz que o futuro do País está a ser posto em causa com este tipo de políticas -, como se explica isso e ao mesmo tempo se deixa que seja o PS e José Sócrates a continuar a governar?
Mas José Sócrates tem neste momento o apoio do PSD e do CDS no Orçamento. E o Orçamento e o PEC são as discussões sobre a política do País. As moções de censura que o BE já apresentou são a rejeição do Orçamento e a resolução para rejeitar o PEC, em que tivemos o cuidado detalhado de apresentar alternativas sobre a política social e económica. O PS sabe que tem do seu lado os partidos da direita. E a discussão que importa aos portugueses é sempre sobre alternativas, e é isso que vai disputar-se. E vai disputar-se intensamente: saber se há ou não outra forma de consolidação orçamental - e eu digo que existe, acho que é possível reduzir o desperdício e cortar três mil milhões de euros no desperdício, na extravagância, nas mordomias e nas benesses já este ano. É possível fazer um ajustamento orçamental de mais de 2%, ao contrário dos objectivos medíocres do Governo. Bastava retirar mil e tal milhões de euros que se pagam no offshore da Madeira - nós pagamos todos, todos os contribuintes. Bastava reavaliar ou renegociar os contratos militares cujas contrapartidas não foram pagas a Portugal. Quem fez negócios connosco está em falta.
Podia rasgar-se esse contrato?
Não, tem de se renegociar, foi o que eu utilizei. Nós comprámos equipamento militar em três mil milhões de euros e havia contrapartidas de três mil milhões de euros. Neste momento…
O próprio ministro já disse isso.
Porque reconheceu a nossa razão a esse respeito! Agora, se os vendedores não executaram a sua parte do contrato, temos de lhes bater à porta e dizer: "Meus amigos, nós comprámos a um preço mais alto que o preço verdadeiro porque nos garantiram contrapartidas." Devem-nos 2300 milhões de euros! Mais que 1% do produto…
E, já agora, como é que chegava a essa poupança dos três mil milhões?
Mil milhões de euros nos offshores, renegociar os contratos militares, vender os submarinos - são mil milhões de euros -, renegociar as parcerias público-privadas, porque elas implicam 45 mil milhões de euros durante os próximos 30 anos. E basta dizer aos construtores das auto-estradas, que ganham por tráfego que não existe, ou a quem está a construir os hospitais para os gerir e para lucrar com eles durante 30 anos, que agora é tempo de repartir sacrifícios.
É professor de Economia. Que preço pagaria o País por essa política anticapitalista?
Isto é, em primeiro lugar, uma política decente. Isto é uma política de negociação contratual.
No caso do offshore da Madeira, só será possível quando houver um acordo, pelo menos a nível europeu, para tratar dos offshores.
Sabe que isso não é verdade...
Dizem muitos economistas.
Pois dizem!
E, digo eu, haverá menos economistas a dizer o contrário.
Mas isto não é uma questão de voto. Digo-lhe simplesmente o seguinte: em Espanha, qualquer transferência para o offshore das Canárias paga à partida 25%. Extraordinário que os espanhóis são capazes de fazer isso e em Portugal não é capaz de se fazer! Há uma lei que determina que o Banco de Portugal tem de ter o registo de todas as transferências para offshores. Sabe que essa lei não está a ser aplicada? Sabe que não há nenhum registo? E sabe quanto houve o ano passado, o recorde em Portugal? Dezoito mil milhões, ou seja, 10% do produto, dez euros em cada cem do que é produzido em Portugal foi transferido para os offshores para não pagar imposto. Se tivessem pago os 25% de IRC - que é o que paga uma mercearia ou uma tabacaria, o que pagam os donos da TSF e do DN como imposto normal -, nós tínhamos pago este ano metade do ajuste orçamental para o défice de que precisamos, 4500 milhões de euros.
O PEC também prevê novas privatizações. De que sectores acha que o Estado não deve abdicar, de onde não deveria sair?
Este PEC propõe algumas privatizações que são dramáticas, que são, aliás, as que têm provocado uma resposta directa de Manuel Alegre, ou de Mário Soares, ou de João Cravinho, e creio que têm razão. Dou-lhe três exemplos: Correios e Caminhos-de-Ferro são dois serviços públicos essenciais para o conjunto do território nacional. Poucos países europeus privatizaram os Correios. Não tem sentido entregar empresas de distribuição de serviço pelo território a empresas que possam utilizá-lo com um princípio de lucro, o que quer dizer que muitas das estações de correios no interior do País vão fechar. Em segundo lugar, este Governo, pela primeira vez, atreveu-se a privatizar uma parte da Caixa Geral de Depósitos (CGD), que é uma parte importantíssima, um terço do sector segurador do País. Lembro-me quando Durão Barroso e Paulo Portas formaram o Governo; chegou a falar-se nessa campanha de privatizar a CGD e imediatamente recuaram, e estabeleceu-se um tabu em Portugal - não se mexe na CGD.
E um bom tabu.
Correctíssimo! Provou-se, aliás, nesta crise que ter um banco público que pode ter confiança, gestão pública, que pode ter um princípio de utilização do crédito como um instrumento para a política económica num momento de crise, de seriedade, é importantíssimo. Agora, pela primeira vez, vai ser privatizado. Mas, digo--lhe também, as redes de alta tensão: não há concorrência nas redes de alta tensão! Como é possível vender as redes de alta tensão a uma empresa privada! Aliás, os privados já têm 49%, o primeiro-ministro garantiu-me num debate que nunca ia privatizar os 51% da REN - cá está, vai privatizá-los agora. O primeiro-ministro tem pouca preocupação com a palavra.
Deve o Estado manter a golden share na PT, que tantas polémicas tem criado ao longo dos tempos?
Acho que sim. Deve manter a golden share ou a capacidade de intervenção estratégica em empresas estratégicas: comunicações, energia são sectores estratégicos do ponto de vista do desenvolvimento do País e da criação da sua capacidade, da infra-estrutura tecnológica moderna.
Essa golden share, se fosse primeiro-ministro, equivaleria a dizer que teria de ser informado de um negócio de aquisição?
Absolutamente! Se é Rui Pedro Soares que vai a Madrid de jacto privado com um documento na mão, tendo ele sido nomeado pelo Estado para a PT…
O senhor primeiro-ministro teria de saber?
Com certeza que teria de saber.
Quando se define que um banco deve ser público, deve ou não clarificar-se em nome da transparência em que empresas e sectores este pode vir a estar interessado, e ter posições? Acha aceitável que um banco como a Caixa, público, tenha posições em empresas privadas?
Acho aceitável que tenha posições em empresas privadas. É evidente que tudo isso obriga à total transparência do mercado, porque se trata numa parte de empresas cotadas na bolsa. Tem de ser público qual é a componente de capital que corresponde a cada um dos accionistas. E a acção da Caixa deve ser absolutamente transparente, a Caixa não pode ser um instrumento de jogo de poder do Governo para nomear um administrador da Cimpor, por exemplo, ou para arranjar uma reforma dourada para ex-ministros. Tem de ter uma capacidade de actuação estratégica. Se os cimentos interessam do ponto de vista da actuação económica para ajudar a uma construção civil, que é uma parte importante da economia do País, deve ser em nome dessa actuação económica que a Caixa deve agir.
E acha que a Caixa esteve bem no caso da Cimpor?
Acho que fez muitíssimo mal. Contestei na altura, tive discussões acaloradas com o ministro das Finanças, porque a Caixa comprou uma parte de Manuel Fino dando--lhe opção de recompra sem risco uns anos depois por 25% acima do valor de mercado. Perdeu 62 milhões de euros - 62 milhões de euros! Não se brinca com o dinheiro dos contribuintes! A Caixa agiu mal nesse negócio, já vi até Manuel Fino vir dizer que queria agora recuperar os direitos de voto da Caixa, coisa absolutamente espantosa.
E, agora, a Caixa esteve bem na guerra entre brasileiros pelo controlo da Cimpor?
Não se deveria ter facilitado o controlo da Cimpor por um jogo de concorrência entre duas empresas brasileiras para a sua internacionalização. É evidente que naquele mercado têm de seguir-se regras e essas não têm que ver com a nacionalidade do capital, mas com um objectivo estratégico. Há um sector importante de emprego cuja capacidade de produção tem de ser garantida que exista em Portugal e que sobreviva e se desenvolva.
Como vê o corte nas despesas sociais? O ministro da Economia, Vieira da Silva, já disse aqui que, apesar de tudo, em 2013 o Estado gastará mais em despesas sociais que em 2008. Como vê a polémica à volta desta questão?
O Governo falsifica as contas com uma sem-vergonha sem limites. O produto desceu ao longo do último ano, e o que pode recuperar este ano quer dizer que o produto português é mais pequeno em 2010 do que era em 2008. Jogar com pequenas diferenças de percentagem sobre um produto que é mais pequeno é, evidentemente, tentar lançar areia para os olhos das pessoas. O que o Governo faz é simplesmente dizer: "Retirámos 130 milhões de euros do rendimento social de inserção (RSI)" sem fazer qualquer investigação sobre fraudes, sem separar quem merece e quem não merece, simplesmente porque o dr. Paulo Portas pediu que se retirassem.
Foi uma condição para a viabilização do PEC?
Obviamente! Foi uma condição no jogo político entre o PS e o CDS, porque os números são exactamente esses: 130 milhões de euros, dizia Paulo Portas na campanha eleitoral, porque acha que é aos pobres que tem de se retirar dinheiro. E 130 milhões de euros cá está José Sócrates a retirar do RSI quando sabemos que os 300 mil desempregados que ainda recebem subsídio de desemprego agora e que já não vão receber daqui a três anos, quando acabar o PEC, só vão poder bater à porta do rendimento social. Portanto, não vão ter nada, nem aqueles 80 euros por família dados pelo RSI. Mas o Governo tira 600 milhões de euros também da dotação orçamental da Segurança Social. Portanto, vai reduzir, congelar, o que quer dizer retirar a inflação no conjunto das pensões, reduzir o conjunto das despesas sociais. Como dizia o Pedro Adão e Silva, isto é dramático: os mais pobres vão pagar o ajustamento orçamental. Sempre tem sido assim e é por isso que sinto uma revolta enorme, de muita gente que sente que o PS é hoje um partido vendido às políticas liberais mais agressivas. É o que acontece com o subsídio de desemprego também: a limitação do total do subsídio de desemprego e das prestações sociais leva o Governo a propor que se possa impor a uma pessoa que tem subsídio de desemprego a obrigação de ir trabalhar por um pouco mais do que o subsídio que recebia
http://dn.sapo.pt/inicio/opiniao/discursodirecto.aspx?content_id=1530515
In DN
Última edição por João Ruiz em Sex maio 07, 2010 9:13 am, editado 1 vez(es)
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Você, portuguesinho, filho de barrosões, está a explicar desse modo o que grandes filósofos pensam diferente!..."
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"Você, portuguesinho, filho de barrosões, está a explicar desse modo o que grandes filósofos pensam diferente!..."
por CÉU E SILVA (texto), GUSTAVO BOM (foto)
Hoje
Memória. É fácil conversar com o pintor e perder o norte à entrevista porque Nadir Afonso tem muitas histórias para contar. Entusiasma-se facilmente quando as perguntas o fazem recordar situações da vida e desvia a atenção do guião. Vendeu o primeiro quadro aos 18 anos e desde então não mais parou de pintar, mesmo que para tal tivesse abandonado o curso de Arquitectura que um contínuo das Belas Artes do Porto o convenceu a fazer em vez do de Pintura.
Há quem interprete a personalidade de uma pessoa lendo a palma das mãos. Acha que consegue ser lido através da sua pintura?
Não acredito nisso e penso que não é possível. A meu ver, a obra de arte tem leis próprias e imanentes à matemática, e o temperamento do artista não é mais do que apreender essas leis que estão na natureza. O papel do artista é ser mais ou menos sensível a essas leis, e quando vêm com essa conversa "eu exprimo na obra de arte o meu mundo interior e a linguagem da alma", isso não rima com coisa nenhuma.
Há pintores a quem isso possa acontecer?
Só se quiserem acreditar nisso! Mas o verdadeiro artista emprega as matemáticas através de faculdades inconscientes. Entra com o factor matemático mesmo que o próprio não se aperceba, e isso é que é interessante. Quando se fala com um artista genial e se pergunta "olha lá, tu empregas matemática?", a resposta é sempre: "Não, não emprego matemática. Eu emprego o espírito, algo tornado sensível." É que o próprio artista não se apercebe de que emprega as matemáticas, e isso é que é interessante, porque, sendo apreendida de uma maneira intuitiva, escapa ao próprio artista.
É dos poucos pintores que, ao longo da sua vida, fez questão de teorizar a arte?
Eu faço questão de teorizar e até escrevi um livro com uma síntese sobre o que penso da arte.
Síntese que prova que o artista não consegue fugir a essas leis da matemática?
Não consegue fugir porque as leis existem, mesmo que não eleve ao nível do raciocínio os seus impulsos intuitivos. Geralmente, define-se que o artista é intuitivo e que trabalha sem nunca se dar ao cuidado de racionalizar esses impulsos intuitivos.
Não será o seu caso?
Toda a minha vida me perguntei porque faço assim e não faço assado. Sou um pouco diferente - suponho - dos artistas que foram puramente inconscientes naquilo que fizeram.
Como aconteceu com o pintor Van Gogh?
O Van Gogh nunca compreendeu muito bem o mecanismo da criação. Nem ele nem a maior parte dos pintores, porque não se apercebem das leis e jogam com elas de uma maneira intuitiva.
Com Picasso também?
Com o Picasso também.
Mas nem ele se apercebeu?
Não se apercebeu. Peço desculpa por ser um bocado radical, mas eu devo ser dos raros indivíduos que teve o cuidado de elevar ao nível do raciocínio os seus impulsos intuitivos. E mais. Tenho lido muito crítico de arte e muito esteta, e eles nunca falam da essência de uma obra de arte: a matemática. Não falam nisso mas sim da perfeição do objecto, da originalidade ou da evocação... Sobre o que é específico numa obra de arte, que é a matemática, é que eles nunca falam.
E nunca se sentiu um pouco isolado no mundo da arte?
Sinto-me absolutamente isolado, e é uma coisa estranha ser eu o único a pensar assim, no que vi e li até agora - com quase 90 anos -, e não encontrar um único esteta que concorde comigo.
No tempo de Van Gogh, era normal não se teorizar muito a própria pintura. Mas sobre Picasso há muita investigação. O que se passa?
O que os estudiosos fazem é relacionar a arte com a Sociologia ou com a Psicologia, mas quanto à essência, peço desculpa mas sou o único homem - mesmo que possa parecer egocentrismo - que se ocupou dela.
Estudou matemática?
Nunca estudei Matemática porque a matemática do artista não é racionalizada. Isso é fácil de perceber. Se perguntarmos a um homem inteligente onde está o ponto C, equidistante num segmento de recta que vai de A a B, ele pode fazer um tratado de 200 páginas a explicar a situação. Mas se eu lhe disser "mostre onde é que está o ponto C", dificilmente me o indicará. Se fizer a pergunta a um analfabeto, ele aponta-o logo. Isto é para dizer que com a obra de arte acontece exactamente o mes- mo. Só há uma relação entre as distâncias A a C e C a B, ao passo que a obra de arte tem relações não mensuráveis.
A sua relação com os críticos de arte deve ser complicada...
É o diabo, é! Geralmente, o crítico actual assume a sua posição - acredita na magia, no sobrenatural e nas qualidades da natureza -, mas pelo facto de eu ter uma concepção diferente, é, por vezes, injusto comigo. Eu digo "não é nada disso" sem ter intenção de os ofender pessoalmente, mas como estou em contradição com eles, atacam-me.
E o cidadão normal entende as suas teses?
Há muitas pessoas com quem falo directamente que dizem "realmente tem razão, percebe-se perfeitamente". Mas, de uma maneira geral, quem não convive comigo acredita mais nos estetas, e o que é normal é darem-lhes razão. "Então você, portuguesinho, natural de Chaves, transmontano, filho de barrosões, está a querer explicar uma coisa que os grandes filósofos alemães pensam de um modo diferente!..."
Nem mesmo Marx tem outra visão crítica da arte?
É a mesma coisa. O Marx compreendeu que há qualquer coi- sa de perpétuo e de imutável na obra de arte mas fê-lo de uma maneira negativa. E há! São as raízes matemáticas - o quadrado do Pitágoras de há milhares de anos é o mesmo hoje -, porque as leis imanentes à obra de arte são eternas e constantes. Marx dizia: "Não percebo como é que uma obra de arte pintada há 200 ou 300 anos ainda hoje nos procura satisfações estéticas." Marx apercebeu-se de que há qualquer coisa que não entende, só não soube compreender que a matemática é eterna. Mas, por outro lado, Marx compreendeu que havia qualquer coisa que escapava aos filósofos.
Leu o estudo de Álvaro Cunhal A Arte, o Artista e a Sociedade , em que ele teoriza sobre este tema?
Não li, mas posso acrescentar que para ele os bons pintores eram os do seu partido. O que não é lá muito correcto, mesmo que tenha sido um bom político. O erro do político é estar a juntar a arte e a política; nestes casos não há mistura. Se bem que em Portugal seja muito corrente ver-se o político ser um bom artista quando é da mesma cor... Eu sou contra esta situação desde sempre.
Atravessou quase todo o século xx. Como conseguiu manter-se fora da influência da política?
Também fui político - até era mais das esquerdas do que das direitas -, mas não misturei as coisas.
Teve actividade política nestes quase 90 anos de vida?
Eu nunca tive uma actividade política. No entanto, parecia-me que havia coisas no comunismo que estavam correctas. Agora não acredito tanto nisso porque li mais algumas coisas, tal como os livros do filósofo Karl Popper, que me mostraram muitas erros nessa ideologia. No entanto, enquanto estava em Paris, fui muito interessado pelas esquerdas.
E em Portugal? Qual foi o seu posicionamento político?
Fui acompanhando as várias realidades, mas hoje sinto que já não sou político.
A política não faz lei dentro da sua arte?
Não faz, nunca fez. Nunca acreditei que a política pudesse interferir na obra de arte ou que a arte se intrometesse na política. Se bem que sinto isso em muitos políticos e artistas em Portugal, onde há muita confusão.
Ao pintar, nunca sente uma componente política?
Nunca, nunca!
Como nasce a obra?
Ora aí está uma pergunta correcta! Eu tenho-a feito a mim próprio muitas vezes porque insisto que a criação é-nos dada por faculdades inconscientes: a intuição. Quando um indivíduo começa a pintar, ele próprio pode racionalizar "vou pintar mulheres". Mas quando lança o primeiro traço, é este que vai chamar os outros. Depois, começa um jogo de factores puramente matemáticos, e a evolução da obra já nada tem a ver com o tema, porque as formas nascem de uma relação matemática.
Nunca se sente obrigado a contrariar a sua intuição?
Não. O político pode pensar "eu vou pintar uns pobrezinhos", mas se é artista não poderá fugir às leis. Se não é hipersensível, empenha-se na perfeição e fica pela perfeição de um rosto que, evidentemente, cria emoção mas não a originalidade.
E é um artista menor por causa disso?
É menor se não justapõe as formas que emprega dentro de leis matemáticas. O verdadeiro artista terá a mesma vontade de pintar casas ou figuras, mas dá-lhe uma estrutura matemática. O truque do verdadeiro artista é justapor as formas dentro de leis matemáticas não tendo consciência disto.
Também teorizou sobre as leis do universo e critica Stephen Hawking e Einstein...
Isso já é outra coisa... É que eu penso que o factor tempo não existe...
Nem existe o passado, o presente ou o futuro?
Não existem. Mas isto é uma situação extremamente subtil e difícil de apreender. No entanto, eu tenho essa sensação.
Como é que enquadra a sua ausência de tempo numa vida com quase décadas?
O que há é o espaço e a velocidade. Se chamarmos ao tempo a relação entre espaço e velocidade e ficarmos por aí, então está muito bem. O que evolui é a velocidade. Porque os corpos evoluem dentro de relações com o espaço. Mas vamos supor que o corpo que evolui no espaço pára! Aí a relação é nula, e os que acreditam no tempo vão dizer "o tempo continua", enquanto eu direi "não, o tempo não continua", porque para um corpo imóvel não existe o tempo. Claro que tenho este meu pensamento bem arquitectado, mas em palavras mais concisas pode-se dizer que é isto.
A sua relação com a pintura já passou por várias fases. A que se devem tais períodos?
Mais uma vez digo que é intuitivo e natural. A primeira reacção é racional: vou pintar figuras estranhas que nunca vi, por exemplo. Depois, a elaboração da obra passa a ser condicionada pela justaposição matemática das formas. Sei muito bem que posso fazer surrealismo ou pintura barroca por decisão mental. Eu comecei o barroco quando cheguei ao Porto, e fiquei muito impressionado com o barroquismo existente na Igreja dos Grilos. Tentei aproximar-me daquele barroquismo por uma decisão puramente racional, mas ao trabalhar as formas o homem é trabalhado por elas e sensível às leis. Por conseguinte, o tema desaparece e só ficam as leis a orientar o homem.
Foi através do pintor brasileiro Cândido Portinari que obteve a bolsa para ir para Paris. A volumetria da sua pintura impressionou-o muito?
Sim, ele é um bom pintor, mesmo sem haver qualquer composição nos seus quadros .
Vai para Paris ainda com estatuto de arquitecto. Porque desiste dessa profissão?
Vou como arquitecto, mas o que me atraiu a Paris foi mais a vontade de ver ao vivo as pinturas dos grandes mestres e, ao chegar lá, as obras de outros artistas que desconhecia, como foi o caso do Vasarely. Mas lá está, sempre com a mesma convicção de que, quer seja o surrealismo, o abstraccionismo ou o tema barroco, todos obedecem às mesmas leis. Ao pintor de vanguarda acontece-lhe a mesma coisa que ao pintor dos séculos xvi ou xvii.
Seja os pintores tão diferentes como o são Vasarely ou Van Gogh?
Convivi com o Vasarely e tenho um exemplo curioso sobre este meu pensamento. Estava lá na minha águas-furtadas a pintar e decidi mostrar ao Vasarely, que era já meu amigo, a minha pintura. Ele vira alguns trabalhos meus e quis ver mais. Quando ele disse que vinha à minha casa eu estava a pintar um quadro e não havia meio de ajustar as formas. Se bem que eu não as compreendesse racionalmente, estava a sentir as leis e tinha a sensação de que havia um canto do quadro onde as formas reagiam mal e não se acordavam. Eu andava naquilo há uma série de tempo, e quando ele tocou à campainha, a primeira reacção que tive foi não lhe mostrar esse quadro que me fugia à compreensão. Virei-o do avesso e encostei-o à parede para passar despercebido. Vasarely entrou, estivemos a ver várias pinturas e depois ficámos à conversa. E ele veio com a história de que a arte é subjectiva e justificava-o assim: "o que te agrada a ti não me agrada a mim". E eu pensei: "se é assim e se aquele quadro que deixei contra a parede está errado, quando ele vem com esta conversa de que a arte é subjectiva só me resta mostrar-lhe". Agarrei nele e exibi-o. E ele, com aquela experiência de longos anos, viu o quadro, sorriu e disse: "aqui neste canto ainda não encontraste a forma". Então, disse--lhe logo "eu tenho razão: por isso é que a pintura não é subjectiva, e a prova disso é que eu sinto que este quadro está errado".
Como é que desempataram as opiniões?
Eu propus-lhe fazer uma coisa. Dei-lhe o estudo que sempre costumo fazer - que geralmente é exactamente igual ao futuro quadro - e desafiei-o a procurar o que faltava naquele canto do quadro. E ele levou--o consigo para tentar encontrar a forma exacta da pintura. Logo no dia seguinte, encontrei-o e ele exclamou "o quadro está difícil". Andámos naquilo uns tempos, até que um dia ele me disse: "Encontrei a forma que se ajusta à composição!" E eu, que ainda não tinha encontrado o que lhe fazia falta, fiquei um pouco humilhado. Redobrei os meus esforços e tanta volta dei que a dada altura encontrei a composição que eu considerava justa. Para espanto dele, tínhamos chegado à mesma conclusão sobre o que faltava. Nesse momento, eu disse-lhe: "isto é a prova de que tem leis e não é subjectivo". Mais tarde, no Brasil, eu contei isto ao Óscar Niemeyer, e quando lhe disse que chegáramos à mesma conclusão, o Niemeyer, que é uma óptima pessoa mas meio disparatado, disse imediatamente: "Isso é bobagem!"
Mais uma vez sozinho.
O que fiz quando ele respondeu "Isso é bobagem!" foi dizer-lhe: "então vamos fazer uma coisa: estamos no Rio de Janeiro e não sei o que estão a fazer em Paris, mas como recebem cá a revista Artes Hoje, mutilem um quadro que venha na revista que eu refaço igual". Pus uma condição: "Que seja um quadro de Herbin, Vasarely ou Mortensen, que são quadros de uma matemática irrepreensível." O desafio era: "alteram o quadro e eu dir-vos-ei onde é que está o retoque ou a mutilação". Foi uma jogada forte a minha, e eles assim fizeram. Em vez de um quadrado puseram um círculo em determinado sítio da tela e, com muito cuidado, retocaram o quadro e puseram-no a três metros de distância. Olhei e tive sorte, pois podia não ter apanhado a emenda: "Está ali o retoque." O Niemeyer e os outros ficaram com uma cachola!
Era difícil lidar com arquitectos como Niemeyer ou Le Corbusier?
Era muito difícil. Eles eram óptimas pessoas, mas quando se tratava de arte... Le Corbusier, quando sentia que não conhecíamos a sua obra, ficava fulo; queria que conhecêssemos a obra melhor do que ele próprio: "Então tu não sabes qual é a solução que está na obra tal..."
Trabalhou no atelier de Le Corbusier?
Trabalhei muito tempo, sim.
Dizem que ele até lhe deu as manhãs para poder pintar. É verdade?
Foi, sim. Mas passei maus bocados com ele, porque era orgulhoso e egocêntrico como artista. Ele é que era o verdadeiro artista! Lembro-me que um dia apareci no atelier com seis quadros com guaches para mostrar à malta, e o chefe do atelier disse-me que Le Corbusier os deveria ver. Ele estava numa dependência muito pequenina, que não tinha luz eléctrica - era uma mania dele trabalhar num cubículo -, e eu enchi-me de coragem e fui bater à porta. "Dá licença, mestre?" E entrei. "O que é que queres?" Queria-lhe mostrar os meus trabalhos. "Estou ocupado, mas mostra lá." Depois dizia "agora não tenho tempo", mas logo de seguida "Mostra cá!" Entrou num jogo de tal modo bizarro que eu fiquei tão atrapalhado e lhe confessei "Inspirei-me nos seus trabalhos." E aí ele exaltou-se: "Isso é teu, não é meu!" A dado momento, eu já não sabia se havia de ir embora se devia ficar naquele cubículo.
A relação com os grandes artistas é sempre muito complicada...
Muito! Mas, à parte disso, era um bom homem. Lembro-me de um belo dia eu ter-lhe dito "vou a Portugal defender a tese" e de ele me ter levado ao andar onde vivia. Estávamos a conversar e vi que se encostou a um canteiro de flores, que ele próprio tratava, e que fez qualquer coisa. Eu não percebi o que era - nem porque estava com as mãos atrás das costas -, mas quando nos despedimos, entregou-me um girassol que tinha cortado do canteiro. E lá vim eu de girassol pelas ruas de Paris...
In DN
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"Você, portuguesinho, filho de barrosões, está a explicar desse modo o que grandes filósofos pensam diferente!..."
por CÉU E SILVA (texto), GUSTAVO BOM (foto)
Hoje
Memória. É fácil conversar com o pintor e perder o norte à entrevista porque Nadir Afonso tem muitas histórias para contar. Entusiasma-se facilmente quando as perguntas o fazem recordar situações da vida e desvia a atenção do guião. Vendeu o primeiro quadro aos 18 anos e desde então não mais parou de pintar, mesmo que para tal tivesse abandonado o curso de Arquitectura que um contínuo das Belas Artes do Porto o convenceu a fazer em vez do de Pintura.
Há quem interprete a personalidade de uma pessoa lendo a palma das mãos. Acha que consegue ser lido através da sua pintura?
Não acredito nisso e penso que não é possível. A meu ver, a obra de arte tem leis próprias e imanentes à matemática, e o temperamento do artista não é mais do que apreender essas leis que estão na natureza. O papel do artista é ser mais ou menos sensível a essas leis, e quando vêm com essa conversa "eu exprimo na obra de arte o meu mundo interior e a linguagem da alma", isso não rima com coisa nenhuma.
Há pintores a quem isso possa acontecer?
Só se quiserem acreditar nisso! Mas o verdadeiro artista emprega as matemáticas através de faculdades inconscientes. Entra com o factor matemático mesmo que o próprio não se aperceba, e isso é que é interessante. Quando se fala com um artista genial e se pergunta "olha lá, tu empregas matemática?", a resposta é sempre: "Não, não emprego matemática. Eu emprego o espírito, algo tornado sensível." É que o próprio artista não se apercebe de que emprega as matemáticas, e isso é que é interessante, porque, sendo apreendida de uma maneira intuitiva, escapa ao próprio artista.
É dos poucos pintores que, ao longo da sua vida, fez questão de teorizar a arte?
Eu faço questão de teorizar e até escrevi um livro com uma síntese sobre o que penso da arte.
Síntese que prova que o artista não consegue fugir a essas leis da matemática?
Não consegue fugir porque as leis existem, mesmo que não eleve ao nível do raciocínio os seus impulsos intuitivos. Geralmente, define-se que o artista é intuitivo e que trabalha sem nunca se dar ao cuidado de racionalizar esses impulsos intuitivos.
Não será o seu caso?
Toda a minha vida me perguntei porque faço assim e não faço assado. Sou um pouco diferente - suponho - dos artistas que foram puramente inconscientes naquilo que fizeram.
Como aconteceu com o pintor Van Gogh?
O Van Gogh nunca compreendeu muito bem o mecanismo da criação. Nem ele nem a maior parte dos pintores, porque não se apercebem das leis e jogam com elas de uma maneira intuitiva.
Com Picasso também?
Com o Picasso também.
Mas nem ele se apercebeu?
Não se apercebeu. Peço desculpa por ser um bocado radical, mas eu devo ser dos raros indivíduos que teve o cuidado de elevar ao nível do raciocínio os seus impulsos intuitivos. E mais. Tenho lido muito crítico de arte e muito esteta, e eles nunca falam da essência de uma obra de arte: a matemática. Não falam nisso mas sim da perfeição do objecto, da originalidade ou da evocação... Sobre o que é específico numa obra de arte, que é a matemática, é que eles nunca falam.
E nunca se sentiu um pouco isolado no mundo da arte?
Sinto-me absolutamente isolado, e é uma coisa estranha ser eu o único a pensar assim, no que vi e li até agora - com quase 90 anos -, e não encontrar um único esteta que concorde comigo.
No tempo de Van Gogh, era normal não se teorizar muito a própria pintura. Mas sobre Picasso há muita investigação. O que se passa?
O que os estudiosos fazem é relacionar a arte com a Sociologia ou com a Psicologia, mas quanto à essência, peço desculpa mas sou o único homem - mesmo que possa parecer egocentrismo - que se ocupou dela.
Estudou matemática?
Nunca estudei Matemática porque a matemática do artista não é racionalizada. Isso é fácil de perceber. Se perguntarmos a um homem inteligente onde está o ponto C, equidistante num segmento de recta que vai de A a B, ele pode fazer um tratado de 200 páginas a explicar a situação. Mas se eu lhe disser "mostre onde é que está o ponto C", dificilmente me o indicará. Se fizer a pergunta a um analfabeto, ele aponta-o logo. Isto é para dizer que com a obra de arte acontece exactamente o mes- mo. Só há uma relação entre as distâncias A a C e C a B, ao passo que a obra de arte tem relações não mensuráveis.
A sua relação com os críticos de arte deve ser complicada...
É o diabo, é! Geralmente, o crítico actual assume a sua posição - acredita na magia, no sobrenatural e nas qualidades da natureza -, mas pelo facto de eu ter uma concepção diferente, é, por vezes, injusto comigo. Eu digo "não é nada disso" sem ter intenção de os ofender pessoalmente, mas como estou em contradição com eles, atacam-me.
E o cidadão normal entende as suas teses?
Há muitas pessoas com quem falo directamente que dizem "realmente tem razão, percebe-se perfeitamente". Mas, de uma maneira geral, quem não convive comigo acredita mais nos estetas, e o que é normal é darem-lhes razão. "Então você, portuguesinho, natural de Chaves, transmontano, filho de barrosões, está a querer explicar uma coisa que os grandes filósofos alemães pensam de um modo diferente!..."
Nem mesmo Marx tem outra visão crítica da arte?
É a mesma coisa. O Marx compreendeu que há qualquer coi- sa de perpétuo e de imutável na obra de arte mas fê-lo de uma maneira negativa. E há! São as raízes matemáticas - o quadrado do Pitágoras de há milhares de anos é o mesmo hoje -, porque as leis imanentes à obra de arte são eternas e constantes. Marx dizia: "Não percebo como é que uma obra de arte pintada há 200 ou 300 anos ainda hoje nos procura satisfações estéticas." Marx apercebeu-se de que há qualquer coisa que não entende, só não soube compreender que a matemática é eterna. Mas, por outro lado, Marx compreendeu que havia qualquer coisa que escapava aos filósofos.
Leu o estudo de Álvaro Cunhal A Arte, o Artista e a Sociedade , em que ele teoriza sobre este tema?
Não li, mas posso acrescentar que para ele os bons pintores eram os do seu partido. O que não é lá muito correcto, mesmo que tenha sido um bom político. O erro do político é estar a juntar a arte e a política; nestes casos não há mistura. Se bem que em Portugal seja muito corrente ver-se o político ser um bom artista quando é da mesma cor... Eu sou contra esta situação desde sempre.
Atravessou quase todo o século xx. Como conseguiu manter-se fora da influência da política?
Também fui político - até era mais das esquerdas do que das direitas -, mas não misturei as coisas.
Teve actividade política nestes quase 90 anos de vida?
Eu nunca tive uma actividade política. No entanto, parecia-me que havia coisas no comunismo que estavam correctas. Agora não acredito tanto nisso porque li mais algumas coisas, tal como os livros do filósofo Karl Popper, que me mostraram muitas erros nessa ideologia. No entanto, enquanto estava em Paris, fui muito interessado pelas esquerdas.
E em Portugal? Qual foi o seu posicionamento político?
Fui acompanhando as várias realidades, mas hoje sinto que já não sou político.
A política não faz lei dentro da sua arte?
Não faz, nunca fez. Nunca acreditei que a política pudesse interferir na obra de arte ou que a arte se intrometesse na política. Se bem que sinto isso em muitos políticos e artistas em Portugal, onde há muita confusão.
Ao pintar, nunca sente uma componente política?
Nunca, nunca!
Como nasce a obra?
Ora aí está uma pergunta correcta! Eu tenho-a feito a mim próprio muitas vezes porque insisto que a criação é-nos dada por faculdades inconscientes: a intuição. Quando um indivíduo começa a pintar, ele próprio pode racionalizar "vou pintar mulheres". Mas quando lança o primeiro traço, é este que vai chamar os outros. Depois, começa um jogo de factores puramente matemáticos, e a evolução da obra já nada tem a ver com o tema, porque as formas nascem de uma relação matemática.
Nunca se sente obrigado a contrariar a sua intuição?
Não. O político pode pensar "eu vou pintar uns pobrezinhos", mas se é artista não poderá fugir às leis. Se não é hipersensível, empenha-se na perfeição e fica pela perfeição de um rosto que, evidentemente, cria emoção mas não a originalidade.
E é um artista menor por causa disso?
É menor se não justapõe as formas que emprega dentro de leis matemáticas. O verdadeiro artista terá a mesma vontade de pintar casas ou figuras, mas dá-lhe uma estrutura matemática. O truque do verdadeiro artista é justapor as formas dentro de leis matemáticas não tendo consciência disto.
Também teorizou sobre as leis do universo e critica Stephen Hawking e Einstein...
Isso já é outra coisa... É que eu penso que o factor tempo não existe...
Nem existe o passado, o presente ou o futuro?
Não existem. Mas isto é uma situação extremamente subtil e difícil de apreender. No entanto, eu tenho essa sensação.
Como é que enquadra a sua ausência de tempo numa vida com quase décadas?
O que há é o espaço e a velocidade. Se chamarmos ao tempo a relação entre espaço e velocidade e ficarmos por aí, então está muito bem. O que evolui é a velocidade. Porque os corpos evoluem dentro de relações com o espaço. Mas vamos supor que o corpo que evolui no espaço pára! Aí a relação é nula, e os que acreditam no tempo vão dizer "o tempo continua", enquanto eu direi "não, o tempo não continua", porque para um corpo imóvel não existe o tempo. Claro que tenho este meu pensamento bem arquitectado, mas em palavras mais concisas pode-se dizer que é isto.
A sua relação com a pintura já passou por várias fases. A que se devem tais períodos?
Mais uma vez digo que é intuitivo e natural. A primeira reacção é racional: vou pintar figuras estranhas que nunca vi, por exemplo. Depois, a elaboração da obra passa a ser condicionada pela justaposição matemática das formas. Sei muito bem que posso fazer surrealismo ou pintura barroca por decisão mental. Eu comecei o barroco quando cheguei ao Porto, e fiquei muito impressionado com o barroquismo existente na Igreja dos Grilos. Tentei aproximar-me daquele barroquismo por uma decisão puramente racional, mas ao trabalhar as formas o homem é trabalhado por elas e sensível às leis. Por conseguinte, o tema desaparece e só ficam as leis a orientar o homem.
Foi através do pintor brasileiro Cândido Portinari que obteve a bolsa para ir para Paris. A volumetria da sua pintura impressionou-o muito?
Sim, ele é um bom pintor, mesmo sem haver qualquer composição nos seus quadros .
Vai para Paris ainda com estatuto de arquitecto. Porque desiste dessa profissão?
Vou como arquitecto, mas o que me atraiu a Paris foi mais a vontade de ver ao vivo as pinturas dos grandes mestres e, ao chegar lá, as obras de outros artistas que desconhecia, como foi o caso do Vasarely. Mas lá está, sempre com a mesma convicção de que, quer seja o surrealismo, o abstraccionismo ou o tema barroco, todos obedecem às mesmas leis. Ao pintor de vanguarda acontece-lhe a mesma coisa que ao pintor dos séculos xvi ou xvii.
Seja os pintores tão diferentes como o são Vasarely ou Van Gogh?
Convivi com o Vasarely e tenho um exemplo curioso sobre este meu pensamento. Estava lá na minha águas-furtadas a pintar e decidi mostrar ao Vasarely, que era já meu amigo, a minha pintura. Ele vira alguns trabalhos meus e quis ver mais. Quando ele disse que vinha à minha casa eu estava a pintar um quadro e não havia meio de ajustar as formas. Se bem que eu não as compreendesse racionalmente, estava a sentir as leis e tinha a sensação de que havia um canto do quadro onde as formas reagiam mal e não se acordavam. Eu andava naquilo há uma série de tempo, e quando ele tocou à campainha, a primeira reacção que tive foi não lhe mostrar esse quadro que me fugia à compreensão. Virei-o do avesso e encostei-o à parede para passar despercebido. Vasarely entrou, estivemos a ver várias pinturas e depois ficámos à conversa. E ele veio com a história de que a arte é subjectiva e justificava-o assim: "o que te agrada a ti não me agrada a mim". E eu pensei: "se é assim e se aquele quadro que deixei contra a parede está errado, quando ele vem com esta conversa de que a arte é subjectiva só me resta mostrar-lhe". Agarrei nele e exibi-o. E ele, com aquela experiência de longos anos, viu o quadro, sorriu e disse: "aqui neste canto ainda não encontraste a forma". Então, disse--lhe logo "eu tenho razão: por isso é que a pintura não é subjectiva, e a prova disso é que eu sinto que este quadro está errado".
Como é que desempataram as opiniões?
Eu propus-lhe fazer uma coisa. Dei-lhe o estudo que sempre costumo fazer - que geralmente é exactamente igual ao futuro quadro - e desafiei-o a procurar o que faltava naquele canto do quadro. E ele levou--o consigo para tentar encontrar a forma exacta da pintura. Logo no dia seguinte, encontrei-o e ele exclamou "o quadro está difícil". Andámos naquilo uns tempos, até que um dia ele me disse: "Encontrei a forma que se ajusta à composição!" E eu, que ainda não tinha encontrado o que lhe fazia falta, fiquei um pouco humilhado. Redobrei os meus esforços e tanta volta dei que a dada altura encontrei a composição que eu considerava justa. Para espanto dele, tínhamos chegado à mesma conclusão sobre o que faltava. Nesse momento, eu disse-lhe: "isto é a prova de que tem leis e não é subjectivo". Mais tarde, no Brasil, eu contei isto ao Óscar Niemeyer, e quando lhe disse que chegáramos à mesma conclusão, o Niemeyer, que é uma óptima pessoa mas meio disparatado, disse imediatamente: "Isso é bobagem!"
Mais uma vez sozinho.
O que fiz quando ele respondeu "Isso é bobagem!" foi dizer-lhe: "então vamos fazer uma coisa: estamos no Rio de Janeiro e não sei o que estão a fazer em Paris, mas como recebem cá a revista Artes Hoje, mutilem um quadro que venha na revista que eu refaço igual". Pus uma condição: "Que seja um quadro de Herbin, Vasarely ou Mortensen, que são quadros de uma matemática irrepreensível." O desafio era: "alteram o quadro e eu dir-vos-ei onde é que está o retoque ou a mutilação". Foi uma jogada forte a minha, e eles assim fizeram. Em vez de um quadrado puseram um círculo em determinado sítio da tela e, com muito cuidado, retocaram o quadro e puseram-no a três metros de distância. Olhei e tive sorte, pois podia não ter apanhado a emenda: "Está ali o retoque." O Niemeyer e os outros ficaram com uma cachola!
Era difícil lidar com arquitectos como Niemeyer ou Le Corbusier?
Era muito difícil. Eles eram óptimas pessoas, mas quando se tratava de arte... Le Corbusier, quando sentia que não conhecíamos a sua obra, ficava fulo; queria que conhecêssemos a obra melhor do que ele próprio: "Então tu não sabes qual é a solução que está na obra tal..."
Trabalhou no atelier de Le Corbusier?
Trabalhei muito tempo, sim.
Dizem que ele até lhe deu as manhãs para poder pintar. É verdade?
Foi, sim. Mas passei maus bocados com ele, porque era orgulhoso e egocêntrico como artista. Ele é que era o verdadeiro artista! Lembro-me que um dia apareci no atelier com seis quadros com guaches para mostrar à malta, e o chefe do atelier disse-me que Le Corbusier os deveria ver. Ele estava numa dependência muito pequenina, que não tinha luz eléctrica - era uma mania dele trabalhar num cubículo -, e eu enchi-me de coragem e fui bater à porta. "Dá licença, mestre?" E entrei. "O que é que queres?" Queria-lhe mostrar os meus trabalhos. "Estou ocupado, mas mostra lá." Depois dizia "agora não tenho tempo", mas logo de seguida "Mostra cá!" Entrou num jogo de tal modo bizarro que eu fiquei tão atrapalhado e lhe confessei "Inspirei-me nos seus trabalhos." E aí ele exaltou-se: "Isso é teu, não é meu!" A dado momento, eu já não sabia se havia de ir embora se devia ficar naquele cubículo.
A relação com os grandes artistas é sempre muito complicada...
Muito! Mas, à parte disso, era um bom homem. Lembro-me de um belo dia eu ter-lhe dito "vou a Portugal defender a tese" e de ele me ter levado ao andar onde vivia. Estávamos a conversar e vi que se encostou a um canteiro de flores, que ele próprio tratava, e que fez qualquer coisa. Eu não percebi o que era - nem porque estava com as mãos atrás das costas -, mas quando nos despedimos, entregou-me um girassol que tinha cortado do canteiro. E lá vim eu de girassol pelas ruas de Paris...
In DN
[i]
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Se me oferecerem um milhão de euros eu saio" da TVI
.
"Se me oferecerem um milhão de euros eu saio" da TVI
por SOFIA FONSECA
Hoje
Manuela Moura Guedes diz que nunca foi contactada pela administração da estação de Queluz para rescindir, que vale mais que os 600 mil euros de que falava a 'TV Guia' de ontem, e que, quando voltar, fará um jornalismo diferente. Para ela, Júlio Magalhães é um 'entertainer'
É verdade que está a negociar com a administração a sua saída da TVI, como afirma a TV Guia?
Estou abismada. Acabei de comprar a revista e ainda não vi o texto lá dentro, mas desmenti aquilo.
Desmente o quê? As negociações, os 600 mil euros?
Eles gostam é de fazer títulos. Estas revistas auto-apelidam-se de jornalismo. É asqueroso.
Mas está ou não a negociar com a administração?
Eu sei lá.
Não sabe? Já falou ou não com alguém da TVI para rescindir?
Nunca. Claro que se me oferecerem uma quantia de dinheiro que seja justa, vou pensar nisso. Neste momento não há nada disto.
A revista diz que as negociações deverão terminar em Dezembro.
Deve ser um presente de Natal...
E que a discussão começou em um milhão de euros...
Se me oferecerem um milhão de euros, eu saio. Você não saía? Toda a gente saía.
No início do Verão, disse que, se a saúde o permitisse, voltaria à TVI em Setembro. Mantém?
Não quero falar disso. Depende daquilo que acabou de falar.
Da opinião do médico?
Sim. Tenho de me sentir bem para voltar ao "local do crime".
E sente-se bem?
Claro que me sinto muito melhor, mas tenho de ter a certeza de quem me acompanha.
E tem vontade de voltar?
O que me faz pena é ver a informação da TVI chegar onde chegou. Ver o trabalho todo que tivemos e ver esse trabalho perdido. Na sexta-feira passada, e a sexta-feira é emblemática, tiveram 13 por cento de share. Não me lembro, a não ser nos anos 90, de a TVI ter esses resultados.
A que se deve essas audiências?
É a factura que estão a pagar da falta de credibilidade. A informação da TVI anda praticamente sempre em terceiro. É uma coisa que mete dó. Quando pegámos naquilo, a informação da TVI não tinha credibilidade, e agora está a voltar ao abandono. Foi a pouco e pouco. Há estudos sobre isso: nós éramos a informação que dava mais economia, que mais aprofundava os assuntos. Eu nunca dei crime no jornal de sexta. Nunca fomos para assuntos fáceis.
Acha que agora estão a ir?
É muito triste. Não tem credibilidade, é feita de fait-divers. No outro dia, estava a ver um blogue, um dos sérios, que estava a comentar que, com meia hora, o jornal já estava a dar uma peça sobre swing e depois uma outra sobre gelados. Eu vi isso e meti as mãos à cabeça. Ao fim de meia hora de noticiário...
Isso não poderá estar relacionado com a habitual falta de notícias durante o Verão?
Não tem a ver com o Verão. Tem a ver com a filosofia. Estão sistematicamente a fugir aos assuntos que fazem parte da realidade do País.
Uma vez mais, critica o Júlio Magalhães, director de Informação da TVI.
O Júlio Magalhães é um óptimo entertainer. Não é jornalista.
Concluiu isso agora ou já tinha essa opinião quando era subdirectora e ele mero jornalista?
Fui formando essa opinião à medida que fui trabalhando com ele. Ele está mais à vontade a fazer coisas no entretenimento do que na informação. Outra coisa que não resultou foi a dupla Júlio Magalhães/Marcelo Rebelo de Sousa. Até agora, se não me engano, ganharam no primeiro dia e, mais uma vez, há duas ou três semanas. E por pouco. O jornal de domingo tem sido um derrotado sistemático, e isto apesar do investimento feito no Marcelo. Foi um desastre. Nem isso funciona, tal a descredibilização que tem a TVI.
E isso deve-se a quê?
À mudança radical na filosofia da informação.
A ERC deliberou, no final de Julho, que a decisão da administração da TVI de suspender o seu jornal não se deveu a interferências do poder político. Nunca comentou esta deliberação.
Não vou falar sobre isso. A ERC não disse textualmente que o Governo interferiu, mas acabou por dizê-lo indirectamente quando disse que a administração foi sensível às críticas, que tinha querido agradar às pessoas do Governo. Houve uma coisa que aprendi ao longo des- te último ano.
Que foi...
Pode parecer um pouco pretensioso, mas sempre carreguei nos ombros a responsabilidade e a angústia de alertar as pessoas. Mas, a partir do momento em que escolhem o seu destino estando alertadas...
Está a falar de quem?
Do povo português. As pessoas estão mal, mas querem continuar dessa forma. Fiquei surpreendida, mas ao mesmo tempo aliviada. Eles sabem, já não tenho de ser responsável por eles. Isso tirou-me um pouco o fascínio do jornalismo mas deu-me paz de espírito. Já sinto algum distanciamento. A minha forma de fazer jornalismo mudou com isso.
Quer dizer que voltará de uma forma diferente?
Se calhar. Já conheço melhor os destinatários. É um povo mais complicado, menos reactivo, conformado. Por isso, sim, seria naturalmente diferente. Muito menos inquieta porque não carrego esse peso, essa inquietação. O meu jornalismo seria diferente. Aliás, será diferente. Tenho alguma esperança de que não tenha morrido. A minha "morte" foi francamente exagerada na avaliação financeira.
Acha que não vale os 600 mil euros de que fala a TV Guia?
Eu valho muito mais do que isso. Mas para já está a zeros.
Quanto vale?
Há uma decisão da ERC que considera ilegal o acto de a administração suspender o jornal de sexta. Além disso, foram proferidas afirmações de todo o género a meu respeito, o que implica complicações várias no mercado de trabalho, e eu só tenho o meu nome. Em termos judicias, num processo negocial, vale muito dinheiro.
Então 600 mil euros é pouco?
Claro que é.
Há pouco falámos do milhão de euros. É esse o valor?
É uma coisa mais aceitável.
E a SIC já a sondou?
É melhor perguntar à SIC. Mesmo que fosse verdade, nunca falaria sobre isso
In DN
"Se me oferecerem um milhão de euros eu saio" da TVI
por SOFIA FONSECA
Hoje
Manuela Moura Guedes diz que nunca foi contactada pela administração da estação de Queluz para rescindir, que vale mais que os 600 mil euros de que falava a 'TV Guia' de ontem, e que, quando voltar, fará um jornalismo diferente. Para ela, Júlio Magalhães é um 'entertainer'
É verdade que está a negociar com a administração a sua saída da TVI, como afirma a TV Guia?
Estou abismada. Acabei de comprar a revista e ainda não vi o texto lá dentro, mas desmenti aquilo.
Desmente o quê? As negociações, os 600 mil euros?
Eles gostam é de fazer títulos. Estas revistas auto-apelidam-se de jornalismo. É asqueroso.
Mas está ou não a negociar com a administração?
Eu sei lá.
Não sabe? Já falou ou não com alguém da TVI para rescindir?
Nunca. Claro que se me oferecerem uma quantia de dinheiro que seja justa, vou pensar nisso. Neste momento não há nada disto.
A revista diz que as negociações deverão terminar em Dezembro.
Deve ser um presente de Natal...
E que a discussão começou em um milhão de euros...
Se me oferecerem um milhão de euros, eu saio. Você não saía? Toda a gente saía.
No início do Verão, disse que, se a saúde o permitisse, voltaria à TVI em Setembro. Mantém?
Não quero falar disso. Depende daquilo que acabou de falar.
Da opinião do médico?
Sim. Tenho de me sentir bem para voltar ao "local do crime".
E sente-se bem?
Claro que me sinto muito melhor, mas tenho de ter a certeza de quem me acompanha.
E tem vontade de voltar?
O que me faz pena é ver a informação da TVI chegar onde chegou. Ver o trabalho todo que tivemos e ver esse trabalho perdido. Na sexta-feira passada, e a sexta-feira é emblemática, tiveram 13 por cento de share. Não me lembro, a não ser nos anos 90, de a TVI ter esses resultados.
A que se deve essas audiências?
É a factura que estão a pagar da falta de credibilidade. A informação da TVI anda praticamente sempre em terceiro. É uma coisa que mete dó. Quando pegámos naquilo, a informação da TVI não tinha credibilidade, e agora está a voltar ao abandono. Foi a pouco e pouco. Há estudos sobre isso: nós éramos a informação que dava mais economia, que mais aprofundava os assuntos. Eu nunca dei crime no jornal de sexta. Nunca fomos para assuntos fáceis.
Acha que agora estão a ir?
É muito triste. Não tem credibilidade, é feita de fait-divers. No outro dia, estava a ver um blogue, um dos sérios, que estava a comentar que, com meia hora, o jornal já estava a dar uma peça sobre swing e depois uma outra sobre gelados. Eu vi isso e meti as mãos à cabeça. Ao fim de meia hora de noticiário...
Isso não poderá estar relacionado com a habitual falta de notícias durante o Verão?
Não tem a ver com o Verão. Tem a ver com a filosofia. Estão sistematicamente a fugir aos assuntos que fazem parte da realidade do País.
Uma vez mais, critica o Júlio Magalhães, director de Informação da TVI.
O Júlio Magalhães é um óptimo entertainer. Não é jornalista.
Concluiu isso agora ou já tinha essa opinião quando era subdirectora e ele mero jornalista?
Fui formando essa opinião à medida que fui trabalhando com ele. Ele está mais à vontade a fazer coisas no entretenimento do que na informação. Outra coisa que não resultou foi a dupla Júlio Magalhães/Marcelo Rebelo de Sousa. Até agora, se não me engano, ganharam no primeiro dia e, mais uma vez, há duas ou três semanas. E por pouco. O jornal de domingo tem sido um derrotado sistemático, e isto apesar do investimento feito no Marcelo. Foi um desastre. Nem isso funciona, tal a descredibilização que tem a TVI.
E isso deve-se a quê?
À mudança radical na filosofia da informação.
A ERC deliberou, no final de Julho, que a decisão da administração da TVI de suspender o seu jornal não se deveu a interferências do poder político. Nunca comentou esta deliberação.
Não vou falar sobre isso. A ERC não disse textualmente que o Governo interferiu, mas acabou por dizê-lo indirectamente quando disse que a administração foi sensível às críticas, que tinha querido agradar às pessoas do Governo. Houve uma coisa que aprendi ao longo des- te último ano.
Que foi...
Pode parecer um pouco pretensioso, mas sempre carreguei nos ombros a responsabilidade e a angústia de alertar as pessoas. Mas, a partir do momento em que escolhem o seu destino estando alertadas...
Está a falar de quem?
Do povo português. As pessoas estão mal, mas querem continuar dessa forma. Fiquei surpreendida, mas ao mesmo tempo aliviada. Eles sabem, já não tenho de ser responsável por eles. Isso tirou-me um pouco o fascínio do jornalismo mas deu-me paz de espírito. Já sinto algum distanciamento. A minha forma de fazer jornalismo mudou com isso.
Quer dizer que voltará de uma forma diferente?
Se calhar. Já conheço melhor os destinatários. É um povo mais complicado, menos reactivo, conformado. Por isso, sim, seria naturalmente diferente. Muito menos inquieta porque não carrego esse peso, essa inquietação. O meu jornalismo seria diferente. Aliás, será diferente. Tenho alguma esperança de que não tenha morrido. A minha "morte" foi francamente exagerada na avaliação financeira.
Acha que não vale os 600 mil euros de que fala a TV Guia?
Eu valho muito mais do que isso. Mas para já está a zeros.
Quanto vale?
Há uma decisão da ERC que considera ilegal o acto de a administração suspender o jornal de sexta. Além disso, foram proferidas afirmações de todo o género a meu respeito, o que implica complicações várias no mercado de trabalho, e eu só tenho o meu nome. Em termos judicias, num processo negocial, vale muito dinheiro.
Então 600 mil euros é pouco?
Claro que é.
Há pouco falámos do milhão de euros. É esse o valor?
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E a SIC já a sondou?
É melhor perguntar à SIC. Mesmo que fosse verdade, nunca falaria sobre isso
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Re: Estamos a ouvi-lo(a)
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Coitada!
Presunção e água benta...
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"Banco de Portugal tem de ser mais proactivo na supervisão"
.
"Banco de Portugal tem de ser mais proactivo na supervisão"
por PAULA CORDEIRO
Hoje
É o rosto da denúncia de constantes abusos, por parte da banca, no que respeita à defesa do consumidor. Apesar de tudo, Jorge Morgado tem um discurso conciliador e reconhece que muito já foi feito, faltando essencialmente fiscalização à aplicação da legislação. Para o secretário-geral da Deco, continua a faltar transparência nos preçários dos bancos.
A legislação criada nos últimos anos, no âmbito da defesa do consumidor, em relação à banca e aos produtos bancários, parece não ter produzido grandes efeitos. Continuam as denúncias de abusos por parte da banca. A situação não melhorou?
A Deco esteve por detrás da maioria dessa legislação. Fomos a primeira entidade em Portugal a reivindicar algumas dessas leis, através dos testes que fizemos, dos estudos, inclusive através do documento reivindicativo que entregamos sempre aos diversos governos quando estes tomam posse. É gratificante verificar que muitas coisas foram feitas. Noutras não se chegou tão longe quanto queríamos, e outras nem sequer foram atendidas. Apesar de tudo, a legislação portuguesa protege o consumidor, por vezes melhor que a de alguns países da Europa comunitária. O que falta é o cumprimento dessa legislação, a interiorização por parte dos operadores económicos e a fiscalização.
As falhas que encontra são no acompanhamento da aplicação legislativa?
Na actividade bancária, é fundamental que o Banco de Portugal passe a exercer melhor uma supervisão comportamental, que seja mais proactivo.
Não tem exercido essa função?
Há muito a fazer nessa matéria, embora reconheçamos que o Banco de Portugal, e não só o Governo, tem tomado medidas interessantes. Mas os reguladores não actuam apenas para regular a actividade. Existem também para proteger a parte mais fraca, os consumidores.
O regulador devia acompanhar e analisar contratos?
Não basta que as entidades reguladoras se baseiem nas informações que lhe são fornecidas. É importante que elas próprias sejam proactivas relativamente à inspecção, que criem mecanismos de fiscalização e não estejam à espera das reclamações e das denúncias para actuarem.
É isso o que tem acontecido?
Sim, e aí a Deco tem tido um papel importante. Conseguimos, graças a muitos testes e estudos e também porque temos um contacto directo com consumidores.
Os vossos trabalhos partem de casos concretos de denúncias?
Os artigos e os testes que fazemos são muitas vezes espoletados por indicação dos consumidores e por inquéritos regulares que fazemos.
Mas será que os bancos abusam cada vez mais do seu poder?
Os bancos têm tido uma grande capacidade inventiva, uma grande criatividade para taxar serviços. Dantes, os bancos guardavam o nosso dinheiro e governavam-se com isso. Agora, o que interessa são os diferentes serviços que os bancos nos prestam e cobram. Temos taxas altas comparativamente a muitos países da Europa. A par desta criatividade, não há transparência na sua aplicação.
Mas essas taxas são anunciadas...
Sim, os bancos são obrigados a ter um preçário no balcão. Mas eu convidava os leitores a abrirem uma vez um preçário para verificarem que aquilo não é transparente. Muitas vezes - por falta de informação ou de formação do funcionário bancário, ou ainda porque o preçário está mal feito - permitem interpretações diferentes, de agência para agência. E esta é sempre a favor do banco, penalizando o consumidor.
No caso do preçário, a busca da transparência produziu um efeito contrário?
As leis são importantes, mas também o seu espírito é. O que verificamos é que a banca, o comércio e outros sectores (dependendo da sua capacidade organizativa) não ligam ao espírito da lei mas sim à forma de a contornar.
O Governo tem tido uma boa actuação na defesa do consumidor face aos produtos financeiros?
Houve algumas iniciativas, no âmbito da Secretaria de Estado da Defesa do Consumidor, que foram interessantes. Notámos, por vezes, descoordenação entre as entidades reguladoras e a legislação. Era bom que se acertasse o passo.
Qual a vossa relação com a banca quando preparam os estudos?
Os nossos estudos comparativos são sempre feitos de acordo com informação prestada pela banca e atestada pela própria. Se dizemos que há um determinado comportamento da banca é porque temos reclamações de clientes que o provam, ou porque a informação que recebemos nos mostra que é a prática seguida. Por vezes, as entidades tentam descodificar a informação que prestamos ou procuram justificativos para se colocarem numa situação de legalidade, negando o comportamento abusivo. Mas o que publicamos é sempre comprovado pela instituição.
O que há ainda por fazer, a nível legislativo, na defesa do consumidor bancário?
Para já, é necessário assegurar o quadro legislativo que está em vigor. É fundamental estabilizar a transparência da informação, que os bancos a cumpram, que as pessoas saibam que existe essa informação e a utilizem. É também importante que haja formação dos portugueses em relação a questões financeiras; ainda demonstram uma grande falta de preparação a este nível. O Estado, e não só, devia fazer acções nesse sentido. A Deco vai fazer. Com consumidores mais informados, teremos uma banca melhor.
Como é a vossa relação com o Banco de Portugal?
Temos uma relação de cooperação. Todos os meses enviamos cartas para as entidades reguladoras, com informações e reivindicações. Progressivamente, reconhecem a nossa actividade. Tanto que nos têm convidado a participar em órgãos consultivos e consultam-nos quando estão a preparar legislação. Esse caminho está a ser feito.
Qual o feedback que têm da banca, das cartas e reclamações que fazem junto dos supervisores?
A banca tem connosco uma situação de amor e ódio. Quando fica bem nos testes, felicita-nos e diz que é muito importante o nosso trabalho. Quando fica mal, é evidente que fica mais melindrada.
O segmento do crédito à habitação domina nos alegados abusos?
O crédito à habitação é talvez o maior negócio da banca. E para as pessoas, é a sua maior compra. A banca, fruto desta crise, tem procurado encontrar, com o espaço mais delimitado face à legislação que foi produzida, formas de aumentar os seus proveitos. Estes abusos que temos vindo a denunciar visam encontrar formas complementares de financiamento.
Julga que os seus técnicos ainda vão encontrar novas situações de abuso na banca?
Com o apoio dos consumidores, se elas existirem, vamos encontrá--las. Mas gostaríamos muito que não houvesse. A Deco gosta de pacificar as relações entre consumidores e prestadores de serviços.
In DN
"Banco de Portugal tem de ser mais proactivo na supervisão"
por PAULA CORDEIRO
Hoje
É o rosto da denúncia de constantes abusos, por parte da banca, no que respeita à defesa do consumidor. Apesar de tudo, Jorge Morgado tem um discurso conciliador e reconhece que muito já foi feito, faltando essencialmente fiscalização à aplicação da legislação. Para o secretário-geral da Deco, continua a faltar transparência nos preçários dos bancos.
A legislação criada nos últimos anos, no âmbito da defesa do consumidor, em relação à banca e aos produtos bancários, parece não ter produzido grandes efeitos. Continuam as denúncias de abusos por parte da banca. A situação não melhorou?
A Deco esteve por detrás da maioria dessa legislação. Fomos a primeira entidade em Portugal a reivindicar algumas dessas leis, através dos testes que fizemos, dos estudos, inclusive através do documento reivindicativo que entregamos sempre aos diversos governos quando estes tomam posse. É gratificante verificar que muitas coisas foram feitas. Noutras não se chegou tão longe quanto queríamos, e outras nem sequer foram atendidas. Apesar de tudo, a legislação portuguesa protege o consumidor, por vezes melhor que a de alguns países da Europa comunitária. O que falta é o cumprimento dessa legislação, a interiorização por parte dos operadores económicos e a fiscalização.
As falhas que encontra são no acompanhamento da aplicação legislativa?
Na actividade bancária, é fundamental que o Banco de Portugal passe a exercer melhor uma supervisão comportamental, que seja mais proactivo.
Não tem exercido essa função?
Há muito a fazer nessa matéria, embora reconheçamos que o Banco de Portugal, e não só o Governo, tem tomado medidas interessantes. Mas os reguladores não actuam apenas para regular a actividade. Existem também para proteger a parte mais fraca, os consumidores.
O regulador devia acompanhar e analisar contratos?
Não basta que as entidades reguladoras se baseiem nas informações que lhe são fornecidas. É importante que elas próprias sejam proactivas relativamente à inspecção, que criem mecanismos de fiscalização e não estejam à espera das reclamações e das denúncias para actuarem.
É isso o que tem acontecido?
Sim, e aí a Deco tem tido um papel importante. Conseguimos, graças a muitos testes e estudos e também porque temos um contacto directo com consumidores.
Os vossos trabalhos partem de casos concretos de denúncias?
Os artigos e os testes que fazemos são muitas vezes espoletados por indicação dos consumidores e por inquéritos regulares que fazemos.
Mas será que os bancos abusam cada vez mais do seu poder?
Os bancos têm tido uma grande capacidade inventiva, uma grande criatividade para taxar serviços. Dantes, os bancos guardavam o nosso dinheiro e governavam-se com isso. Agora, o que interessa são os diferentes serviços que os bancos nos prestam e cobram. Temos taxas altas comparativamente a muitos países da Europa. A par desta criatividade, não há transparência na sua aplicação.
Mas essas taxas são anunciadas...
Sim, os bancos são obrigados a ter um preçário no balcão. Mas eu convidava os leitores a abrirem uma vez um preçário para verificarem que aquilo não é transparente. Muitas vezes - por falta de informação ou de formação do funcionário bancário, ou ainda porque o preçário está mal feito - permitem interpretações diferentes, de agência para agência. E esta é sempre a favor do banco, penalizando o consumidor.
No caso do preçário, a busca da transparência produziu um efeito contrário?
As leis são importantes, mas também o seu espírito é. O que verificamos é que a banca, o comércio e outros sectores (dependendo da sua capacidade organizativa) não ligam ao espírito da lei mas sim à forma de a contornar.
O Governo tem tido uma boa actuação na defesa do consumidor face aos produtos financeiros?
Houve algumas iniciativas, no âmbito da Secretaria de Estado da Defesa do Consumidor, que foram interessantes. Notámos, por vezes, descoordenação entre as entidades reguladoras e a legislação. Era bom que se acertasse o passo.
Qual a vossa relação com a banca quando preparam os estudos?
Os nossos estudos comparativos são sempre feitos de acordo com informação prestada pela banca e atestada pela própria. Se dizemos que há um determinado comportamento da banca é porque temos reclamações de clientes que o provam, ou porque a informação que recebemos nos mostra que é a prática seguida. Por vezes, as entidades tentam descodificar a informação que prestamos ou procuram justificativos para se colocarem numa situação de legalidade, negando o comportamento abusivo. Mas o que publicamos é sempre comprovado pela instituição.
O que há ainda por fazer, a nível legislativo, na defesa do consumidor bancário?
Para já, é necessário assegurar o quadro legislativo que está em vigor. É fundamental estabilizar a transparência da informação, que os bancos a cumpram, que as pessoas saibam que existe essa informação e a utilizem. É também importante que haja formação dos portugueses em relação a questões financeiras; ainda demonstram uma grande falta de preparação a este nível. O Estado, e não só, devia fazer acções nesse sentido. A Deco vai fazer. Com consumidores mais informados, teremos uma banca melhor.
Como é a vossa relação com o Banco de Portugal?
Temos uma relação de cooperação. Todos os meses enviamos cartas para as entidades reguladoras, com informações e reivindicações. Progressivamente, reconhecem a nossa actividade. Tanto que nos têm convidado a participar em órgãos consultivos e consultam-nos quando estão a preparar legislação. Esse caminho está a ser feito.
Qual o feedback que têm da banca, das cartas e reclamações que fazem junto dos supervisores?
A banca tem connosco uma situação de amor e ódio. Quando fica bem nos testes, felicita-nos e diz que é muito importante o nosso trabalho. Quando fica mal, é evidente que fica mais melindrada.
O segmento do crédito à habitação domina nos alegados abusos?
O crédito à habitação é talvez o maior negócio da banca. E para as pessoas, é a sua maior compra. A banca, fruto desta crise, tem procurado encontrar, com o espaço mais delimitado face à legislação que foi produzida, formas de aumentar os seus proveitos. Estes abusos que temos vindo a denunciar visam encontrar formas complementares de financiamento.
Julga que os seus técnicos ainda vão encontrar novas situações de abuso na banca?
Com o apoio dos consumidores, se elas existirem, vamos encontrá--las. Mas gostaríamos muito que não houvesse. A Deco gosta de pacificar as relações entre consumidores e prestadores de serviços.
In DN
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"Moniz tem sido uma decepção profunda"
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"Moniz tem sido uma decepção profunda"
Hoje
Há um ano à frente da Informação da TVI, o jornalista reage às críticas de Manuela Moura Guedes e José Eduardo Moniz. Confessa que teve vontade de desistir na altura das comissões de inquérito do caso PT/TVI
Que balanço faz deste ano à frente da informação da TVI?
É óptimo. A TVI continua a liderar. Foi provavelmente o ano mais difícil de sempre da TVI. E chegamos ao fim do ano e, afinal de contas, a TVI continua líder de audiências. A concorrência melhorou imenso, está a fazer um belíssimo trabalho, e nós estamos a fazer o nosso: competente, sério. Perdemos, ganhamos, como tudo na vida, e temos consciência que não tivemos só que fazer o nosso trabalho este ano. Tivemos que resistir, resistir, resistir às dezenas de investidas que foram feitas na TVI e sobre a TVI.
Ou seja?
As comissões de inquérito [relativas ao caso PT/TVI]. A TVI foi notícia quase todos os dias. A direcção de informação foi atacada quase semanalmente e fomos resistindo. Fomos fazendo o nosso trabalho, é para isso que estamos lá, foi para isso que nos escolheram, sempre na perspectiva de que aquele é um lugar efémero. Enquanto a administração confiar, lá estarei.
Houve algum momento durante este ano em que tenha tido vontade de se ir embora?
Sim, houve momentos em que me apeteceu fazer isso.
Quando?
No momento da comissão de inquérito, foi esse provavelmente o mais difícil. Assistimos a cenas lamentáveis. Nunca pensei que se chegasse a tanto. As pessoas podem ter divergências, podem ficar desoladas com a vida, mas chegar ao ataque pessoal e à denúncia de conversas privadas era algo de que não estava à espera.
A comissão de inquérito acabou por ser fogo-fátuo?
Olhando para trás, parece que foi, mas não foi. A redacção da TVI passou momentos muito difíceis porque não houve dia nenhum em que não fossemos notícia. Não houve dia nenhum em que, sistematicamente, não andassem pessoas a minar e a estilhaçar completamente a direcção de informação e a informação da TVI.
Essa tentativa de minar vinha de dentro?
(pausa) Sabe como é...Sinceramente, também senti isso.
E como é que, dentro de uma redacção, se gerem egos, expectativas e frustrações?
Infelizmente, ao longo deste ano foi esse o trabalho mais difícil que tive. E digo infelizmente porque muitas vezes queríamos concentrar-nos no nosso trabalho, no que queríamos fazer na TVI e não podíamos porque tínhamos de estar a gerir frustrações, egos, intrigas... enfim, houve coisas que aconteceram que nunca pensei que pudessem acontecer.
Por exemplo?
Houve muita gente que, ao longo do ano, não percebeu que as coisas tinham mudado. Nem de dentro nem de fora. Há muita gente em Lisboa que não vive do seu próprio trabalho. Vive normalmente “pendurada” naquilo que acha que é e não é, “pendurada” noutras pessoas. E isso é triste.
Refere-se a alguém em particular?
Algumas pessoas, evidentemente que não vou dizer quem, mas senti, ao longo deste ano, que há muita gente que sabe que não tem grande qualidade, ou que sozinha não consegue atingir aquilo que pretende e depois acha que o faz estando dependente de alguém. Foi isso que mais me desiludiu, ver pessoas terem esse tipo de atitude e, sobretudo, terem relações de conveniência, que é uma coisa que me entristece bastante. Vi pessoas que se zangam para a vida e depois voltam a ser amigas porque lhes convém. Pessoas que dizem muito mal umas das outras e, de repente, vejo-as todas juntas em festas. Isso foi o que me apercebi durante o ano inteiro, que observei e registei também, embora não seja pessoa de vinganças nem de tratar mal os outros.
Fica para um futuro próximo?
Vai ficando para memória futura. Não quero dizer com isto que foi um ano horrível. Não. Foi uma experiência fantástica e é como lhe digo: a TVI é um projecto colectivo, não é um projecto individual. Não sou daqueles que, quando ganhamos, diz ?somos os melhores do mundo? e ?eu ganhei? e, quando perdemos, que as coisas correram mal. O que interessa é que, como projecto colectivo, a TVI mantém a liderança. E isso é indiscutível.
Em entrevista ao DN de 26 de Agosto, Manuela Moura Guedes disse, e cito: “O Júlio Magalhães é um óptimo entertainer. Não é jornalista”. O que achou destas palavras?
Não li, estava de férias. Contaram-me qualquer coisa e eu nem quis saber, porque em férias não devemos falar de coisas que são lamentáveis e que, enfim... As pessoas já se habituaram a esse tipo de declarações. Nem devemos valorizar isso.
A Manuela disse também que se lhe oferecessem 1 milhão de euros, saía da TVI. É um valor razoável para uma rescisão de contrato?
Não tenho nada que achar. A guerra não é comigo, é com a administração. São eles que têm que resolver esses assuntos. Sou director de informação, estou lá para fazer o trabalho que eu acho que deve ser feito, de forma séria, competente e honesta. De resto, as pessoas façam o que quiserem, ganhem o dinheiro que quiserem. Em Lisboa movimentam-se muitos milhões de euros. Eu tenho visto como é que, em Lisboa, se desperdiçam milhões de euros.
Essa dicotomia com Lisboa é em relação ao Porto?
Não, é ao resto do país. Vive-se em Lisboa de uma forma que não se vive no resto do país. Tenho assistido a coisas que não pensem existirem. Vive-se de milhões de euros, de jantaradas, de almoçaradas, de grandes festas e, sobretudo, de grandes negociatas. Vivemos num país demasiado centralista e demasiado centralizado.
Isso é um discurso céptico, para não dizer pessimista.
Mas as pessoas estão mesmo desoladas! Quem sair de Lisboa percebe que o país está mesmo desolado. E não é ser céptico, é ser realista. Já me apercebia disso e agora apercebo-me um pouco mais. Mas acho que, depois desta crise que estamos a viver, já não vai ser a mesma coisa.
É uma pessoa permeável a essas relações de conveniência de que fala?
Sou um mero jornalista, portanto não sou uma pessoa importante para ser assediada. Não entro nesse jogo porque nem sequer faço parte dele. E também não tenho interesse para essas pessoas. Faço só o meu trabalho, quando quiserem querem, quando não quiserem... acho que essa tem sido a minha grande vantagem e aquilo que me sustenta neste cargo e na TVI. Volto a dizer: estou director, não sou director.
Se hipoteticamente a Manuela voltasse à redacção da TVI, ia ser difícil para si voltar a trabalhar com ela?
Não comento cenários. Há um problema que tem que ser resolvido pela administração da TVI, não por mim. Tenho muitas coisas com que me preocupar na TVI.
A administração da TVI dá-lhe feedback sobre o seu trabalho?
Temos uma comunicação diária, nunca houve nenhum atrito. Agora, o ano tem sido tão difícil para a informação como para a administração e para toda a gente que trabalha na TVI. Até agora, não obtive nenhuma manifestação por parte da administração de que não estão a gostar do trabalho que estamos a fazer. No dia em que tiver, muda-se. A vida é assim mesmo, uns entram, outros saem.
Um dos momentos marcantes deste ano foi o regresso de Marcelo Rebelo de Sousa à TVI.
Foi um dos. O futebol foi outro. Não mudámos nada na TVI. Os coordenadores são os mesmos, os jornalistas são os mesmos. Mas é claro que o regresso do professor Marcelo foi importante. Era uma aposta nossa.
Mas as audiências não têm sido tão boas como há cinco anos.
Não, não! Têm sido óptimas. Só por maldade é que se tem dito que têm sido más. O professor entrou numa altura em que começou o campeonato do mundo de futebol. A seguir apanhou o Verão. Se os críticos não fossem tão preguiçosos, percebiam que no momento em que o professor entra no ar, o jornal dispara. O professor tem sido prejudicado pela média do Jornal [Nacional]. Os fins-de-semana foram sempre muito difíceis na TVI. É evidente que não podemos dizer que a TVI está com grandes números na informação. Mas, por onde ando, toda a gente fala do regresso do professor Marcelo. Estamos satisfeitos. Umas vezes perdemos, outras ganhamos e temos de reconhecer que o Telejornal, da RTP, e o Jornal da Noite, da SIC, são óptimos produtos informativos e, sendo assim, correm o risco de conseguirem bons números e nós não. Estamos menos preocupados com as audiências do que muita gente que está fora da TVI e que anda ao milímetro a ver as peças e os números da TVI. E fica na mesma o recado: quando quiserem o lugar está à disposição.
Quando fala dos críticos que analisam audiências está também a referir-se à crónica que José Eduardo Moniz escreveu no Diário Económico de 17 de Agosto, onde manifestou preocupação com os resultados da TVI?
Não li, mas já vi vários comentários dele sobre os resultados da TVI. É uma opinião dele.
Fica triste?
Fico, claro. Tem sido uma decepção profunda. Deixa-me triste, tem sido decepcionante. São opiniões, o trabalho continua. E, sinceramente, há coisas que eu não consigo perceber.
Acha que há um “fantasma” de José Eduardo Moniz a pairar sobre a TVI?
Na TVI não. Fora da TVI, sim. Acho que a comunicação social tem colaborado para a manutenção desse “fantasma”.
Porquê?
Não sei, faço o meu trabalho e ponto final.
A TVI comprou a transmissão dos jogos da Liga Zon Sagres e tem mais dois espaços de informação desportiva, mas os resultados dos jogos têm ficado aquém do esperado. O público da TVI não gosta de ver futebol?
Acha que sim? Está enganada. Há dois anos, quando o futebol saiu da TVI para a RTP, perdeu 200 mil espectadores. Como é que explica que a 15 de Agosto, um Benfica-Académica não tenha feito a audiência que se esperava e que, no sábado passado, o Benfica-Vitória de Setúbal tenha sido líder? Durante o Verão as pessoas estão na praia, o consumo é muito menor, não é preciso ser um especialista para perceber como é que as audiências funcionam nestas alturas.
Vai começar um novo reality show. Imagina, como aconteceu há 10 anos, o Jornal Nacional a abrir com um episódio semelhante ao pontapé do Marco?
Tudo o que for notícia é informação e, provavelmente, corremos esse risco, como há 10 anos foi um grande acontecimento e foi notícia, e assumiu-se na estação que ia ser assim. Como sempre, estávamos de corpo e alma na TVI e estávamos com aquilo que o director-geral decidia que era preciso fazer. E ao longo de anos foi o que fizemos. Ser solidários com tudo o que era decidido fazer. Se acontecer o mesmo este ano, a TVI corre esse risco.
In DN
"Moniz tem sido uma decepção profunda"
Hoje
Há um ano à frente da Informação da TVI, o jornalista reage às críticas de Manuela Moura Guedes e José Eduardo Moniz. Confessa que teve vontade de desistir na altura das comissões de inquérito do caso PT/TVI
Que balanço faz deste ano à frente da informação da TVI?
É óptimo. A TVI continua a liderar. Foi provavelmente o ano mais difícil de sempre da TVI. E chegamos ao fim do ano e, afinal de contas, a TVI continua líder de audiências. A concorrência melhorou imenso, está a fazer um belíssimo trabalho, e nós estamos a fazer o nosso: competente, sério. Perdemos, ganhamos, como tudo na vida, e temos consciência que não tivemos só que fazer o nosso trabalho este ano. Tivemos que resistir, resistir, resistir às dezenas de investidas que foram feitas na TVI e sobre a TVI.
Ou seja?
As comissões de inquérito [relativas ao caso PT/TVI]. A TVI foi notícia quase todos os dias. A direcção de informação foi atacada quase semanalmente e fomos resistindo. Fomos fazendo o nosso trabalho, é para isso que estamos lá, foi para isso que nos escolheram, sempre na perspectiva de que aquele é um lugar efémero. Enquanto a administração confiar, lá estarei.
Houve algum momento durante este ano em que tenha tido vontade de se ir embora?
Sim, houve momentos em que me apeteceu fazer isso.
Quando?
No momento da comissão de inquérito, foi esse provavelmente o mais difícil. Assistimos a cenas lamentáveis. Nunca pensei que se chegasse a tanto. As pessoas podem ter divergências, podem ficar desoladas com a vida, mas chegar ao ataque pessoal e à denúncia de conversas privadas era algo de que não estava à espera.
A comissão de inquérito acabou por ser fogo-fátuo?
Olhando para trás, parece que foi, mas não foi. A redacção da TVI passou momentos muito difíceis porque não houve dia nenhum em que não fossemos notícia. Não houve dia nenhum em que, sistematicamente, não andassem pessoas a minar e a estilhaçar completamente a direcção de informação e a informação da TVI.
Essa tentativa de minar vinha de dentro?
(pausa) Sabe como é...Sinceramente, também senti isso.
E como é que, dentro de uma redacção, se gerem egos, expectativas e frustrações?
Infelizmente, ao longo deste ano foi esse o trabalho mais difícil que tive. E digo infelizmente porque muitas vezes queríamos concentrar-nos no nosso trabalho, no que queríamos fazer na TVI e não podíamos porque tínhamos de estar a gerir frustrações, egos, intrigas... enfim, houve coisas que aconteceram que nunca pensei que pudessem acontecer.
Por exemplo?
Houve muita gente que, ao longo do ano, não percebeu que as coisas tinham mudado. Nem de dentro nem de fora. Há muita gente em Lisboa que não vive do seu próprio trabalho. Vive normalmente “pendurada” naquilo que acha que é e não é, “pendurada” noutras pessoas. E isso é triste.
Refere-se a alguém em particular?
Algumas pessoas, evidentemente que não vou dizer quem, mas senti, ao longo deste ano, que há muita gente que sabe que não tem grande qualidade, ou que sozinha não consegue atingir aquilo que pretende e depois acha que o faz estando dependente de alguém. Foi isso que mais me desiludiu, ver pessoas terem esse tipo de atitude e, sobretudo, terem relações de conveniência, que é uma coisa que me entristece bastante. Vi pessoas que se zangam para a vida e depois voltam a ser amigas porque lhes convém. Pessoas que dizem muito mal umas das outras e, de repente, vejo-as todas juntas em festas. Isso foi o que me apercebi durante o ano inteiro, que observei e registei também, embora não seja pessoa de vinganças nem de tratar mal os outros.
Fica para um futuro próximo?
Vai ficando para memória futura. Não quero dizer com isto que foi um ano horrível. Não. Foi uma experiência fantástica e é como lhe digo: a TVI é um projecto colectivo, não é um projecto individual. Não sou daqueles que, quando ganhamos, diz ?somos os melhores do mundo? e ?eu ganhei? e, quando perdemos, que as coisas correram mal. O que interessa é que, como projecto colectivo, a TVI mantém a liderança. E isso é indiscutível.
Em entrevista ao DN de 26 de Agosto, Manuela Moura Guedes disse, e cito: “O Júlio Magalhães é um óptimo entertainer. Não é jornalista”. O que achou destas palavras?
Não li, estava de férias. Contaram-me qualquer coisa e eu nem quis saber, porque em férias não devemos falar de coisas que são lamentáveis e que, enfim... As pessoas já se habituaram a esse tipo de declarações. Nem devemos valorizar isso.
A Manuela disse também que se lhe oferecessem 1 milhão de euros, saía da TVI. É um valor razoável para uma rescisão de contrato?
Não tenho nada que achar. A guerra não é comigo, é com a administração. São eles que têm que resolver esses assuntos. Sou director de informação, estou lá para fazer o trabalho que eu acho que deve ser feito, de forma séria, competente e honesta. De resto, as pessoas façam o que quiserem, ganhem o dinheiro que quiserem. Em Lisboa movimentam-se muitos milhões de euros. Eu tenho visto como é que, em Lisboa, se desperdiçam milhões de euros.
Essa dicotomia com Lisboa é em relação ao Porto?
Não, é ao resto do país. Vive-se em Lisboa de uma forma que não se vive no resto do país. Tenho assistido a coisas que não pensem existirem. Vive-se de milhões de euros, de jantaradas, de almoçaradas, de grandes festas e, sobretudo, de grandes negociatas. Vivemos num país demasiado centralista e demasiado centralizado.
Isso é um discurso céptico, para não dizer pessimista.
Mas as pessoas estão mesmo desoladas! Quem sair de Lisboa percebe que o país está mesmo desolado. E não é ser céptico, é ser realista. Já me apercebia disso e agora apercebo-me um pouco mais. Mas acho que, depois desta crise que estamos a viver, já não vai ser a mesma coisa.
É uma pessoa permeável a essas relações de conveniência de que fala?
Sou um mero jornalista, portanto não sou uma pessoa importante para ser assediada. Não entro nesse jogo porque nem sequer faço parte dele. E também não tenho interesse para essas pessoas. Faço só o meu trabalho, quando quiserem querem, quando não quiserem... acho que essa tem sido a minha grande vantagem e aquilo que me sustenta neste cargo e na TVI. Volto a dizer: estou director, não sou director.
Se hipoteticamente a Manuela voltasse à redacção da TVI, ia ser difícil para si voltar a trabalhar com ela?
Não comento cenários. Há um problema que tem que ser resolvido pela administração da TVI, não por mim. Tenho muitas coisas com que me preocupar na TVI.
A administração da TVI dá-lhe feedback sobre o seu trabalho?
Temos uma comunicação diária, nunca houve nenhum atrito. Agora, o ano tem sido tão difícil para a informação como para a administração e para toda a gente que trabalha na TVI. Até agora, não obtive nenhuma manifestação por parte da administração de que não estão a gostar do trabalho que estamos a fazer. No dia em que tiver, muda-se. A vida é assim mesmo, uns entram, outros saem.
Um dos momentos marcantes deste ano foi o regresso de Marcelo Rebelo de Sousa à TVI.
Foi um dos. O futebol foi outro. Não mudámos nada na TVI. Os coordenadores são os mesmos, os jornalistas são os mesmos. Mas é claro que o regresso do professor Marcelo foi importante. Era uma aposta nossa.
Mas as audiências não têm sido tão boas como há cinco anos.
Não, não! Têm sido óptimas. Só por maldade é que se tem dito que têm sido más. O professor entrou numa altura em que começou o campeonato do mundo de futebol. A seguir apanhou o Verão. Se os críticos não fossem tão preguiçosos, percebiam que no momento em que o professor entra no ar, o jornal dispara. O professor tem sido prejudicado pela média do Jornal [Nacional]. Os fins-de-semana foram sempre muito difíceis na TVI. É evidente que não podemos dizer que a TVI está com grandes números na informação. Mas, por onde ando, toda a gente fala do regresso do professor Marcelo. Estamos satisfeitos. Umas vezes perdemos, outras ganhamos e temos de reconhecer que o Telejornal, da RTP, e o Jornal da Noite, da SIC, são óptimos produtos informativos e, sendo assim, correm o risco de conseguirem bons números e nós não. Estamos menos preocupados com as audiências do que muita gente que está fora da TVI e que anda ao milímetro a ver as peças e os números da TVI. E fica na mesma o recado: quando quiserem o lugar está à disposição.
Quando fala dos críticos que analisam audiências está também a referir-se à crónica que José Eduardo Moniz escreveu no Diário Económico de 17 de Agosto, onde manifestou preocupação com os resultados da TVI?
Não li, mas já vi vários comentários dele sobre os resultados da TVI. É uma opinião dele.
Fica triste?
Fico, claro. Tem sido uma decepção profunda. Deixa-me triste, tem sido decepcionante. São opiniões, o trabalho continua. E, sinceramente, há coisas que eu não consigo perceber.
Acha que há um “fantasma” de José Eduardo Moniz a pairar sobre a TVI?
Na TVI não. Fora da TVI, sim. Acho que a comunicação social tem colaborado para a manutenção desse “fantasma”.
Porquê?
Não sei, faço o meu trabalho e ponto final.
A TVI comprou a transmissão dos jogos da Liga Zon Sagres e tem mais dois espaços de informação desportiva, mas os resultados dos jogos têm ficado aquém do esperado. O público da TVI não gosta de ver futebol?
Acha que sim? Está enganada. Há dois anos, quando o futebol saiu da TVI para a RTP, perdeu 200 mil espectadores. Como é que explica que a 15 de Agosto, um Benfica-Académica não tenha feito a audiência que se esperava e que, no sábado passado, o Benfica-Vitória de Setúbal tenha sido líder? Durante o Verão as pessoas estão na praia, o consumo é muito menor, não é preciso ser um especialista para perceber como é que as audiências funcionam nestas alturas.
Vai começar um novo reality show. Imagina, como aconteceu há 10 anos, o Jornal Nacional a abrir com um episódio semelhante ao pontapé do Marco?
Tudo o que for notícia é informação e, provavelmente, corremos esse risco, como há 10 anos foi um grande acontecimento e foi notícia, e assumiu-se na estação que ia ser assim. Como sempre, estávamos de corpo e alma na TVI e estávamos com aquilo que o director-geral decidia que era preciso fazer. E ao longo de anos foi o que fizemos. Ser solidários com tudo o que era decidido fazer. Se acontecer o mesmo este ano, a TVI corre esse risco.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
O melhor contributo do Governo para a economia é consolidar as contas públicas"
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O melhor contributo do Governo para a economia é consolidar as contas públicas"
por João Céu e Silva
Hoje
É o presidente da mais prestigiada fundação que tem sede em Portugal. Pouco receptivo a entrevistas, o ex-ministro não gosta de comentar o lado político da vida nacional, mas aceitou opinar sobre questões económicas. Certos de que preferia que a entrevista fosse eminentemente sobre a instituição que lidera, tentou-se contrariar o rumo para se dar a conhecê-lo
O presidente da Gulbenkian ainda sente a responsabilidade de ser o ministro-sombra da Cultura e da Educação, tal é o papel da Fundação nestes sectores?
Não, sinto-me como presidente de uma grande instituição privada, com uma grande responsabilidade na sociedade portuguesa, mas baseada nos princípios da filantropia. A associação da Fundação Gulbenkian a um "Ministério da Cultura" é uma imagem que se colou à instituição durante os primeiros anos porque representou o preenchimento de funções que normalmente caberiam ao Estado.
Até substituindo-se ao Estado?
Hoje, a situação é totalmente diferente, e a Fundação olha-se a si própria como uma instituição interveniente, mas da sociedade civil, e que alarga a intervenção muito para além da própria sociedade portuguesa, visto que cada vez mais intervimos fora de Portugal.
Portugal ainda vive hoje muito à sombra das bolsas, de financiamento e das exposições da Gulbenkian?
A Fundação tem um grande papel na área cultural, quanto mais não seja por ter dois museus que procuramos que sejam dois exemplos de excelência; por ter uma orquestra a que queremos dar standards internacionais; por possuir a melhor biblioteca de arte do País; e por ter programas de apoios a artistas.
Mas adaptou-se aos tempos actuais?
A Fundação teve de reorientar a intervenção tendo em conta as enormes mudanças que se produziram no País. Podemos marcar duas grandes etapas: a primeira, a democracia; e depois a integração europeia, em que o papel do Estado se libertou dos constrangimentos do regime autoritário e passou a ter meios financeiros que não existiam.
Sente pressão dos governos para reorientar o rumo da Gulbenkian?
Não. Nós agimos segundo uma estratégia própria e não fazemos ajustamentos segundo os ciclos políticos. Aliás, a grande vantagem das fundações como instituições independentes é estarem simultaneamente livres dos ciclos políticos e, em certa medida, dos económicos. Podemos projectar a intervenção a mais longo prazo, que não é a lógica da política, porque está submetida aos ciclos eleitorais.
A crise financeira e económica também alterou o rumo da Gulbenkian?
É evidente que não está imune ao que aconteceu, porque tem os seus investimentos no petróleo e no gás nos mercados internacionais, e, por isso, em 2008 tivemos uma redução da ordem dos 12% no valor dos activos que obrigou a medidas de contenção. Procurámos que fossem sobretudo nos custos de funcionamento e não se repercutissem em subsídios, bolsas e actividades.
Ao dar 110 milhões ao mecenato em 2009, quer dizer que está de boa saúde financeira?
Considero que sim, o que não quer dizer que não estejamos preocupados com a situação da economia mundial e, sobretudo, com o grau de baixíssima previsibilidade dos mercados.
Como presidente do Centro Europeu de Fundações, pediu criatividade. É a forma de superar esta crise?
Sugeri a criatividade para que com recursos escassos sejamos mais eficazes na acção, mas, relativamente à situação geral, penso que vivemos um momento de grande perplexidade. Se relermos o comunicado da última reunião do G20, há num parágrafo o apelo à austeridade e no seguinte um outro aos estímulos à economia. Essa perplexidade traduz-se na ambivalência de que a generalidade das políticas sofre neste momento nos planos teórico e doutrinal, porque não dispomos de ferramentas que respondam à situação que estamos a viver.
Não dispomos, quem?
O sistema económico! O Presiden-te Obama acaba de propor uma medida de carácter keynesiano - 50 biliões de dólares para investimentos em infra-estruturas - e o presidente da Comissão Europeia no discurso do estado da União propôs a emissão de obrigações europeias para financiar investimentos em infra-estruturas. Não há, diga--se, muita inovação nessas propostas no ataque à crise.
Porquê essa falta de inspiração?
Esta crise é o fim de um ciclo que se iniciou no final dos anos 70 com uma política de estabilização salarial, baixa inflação, valorização de activos bolsistas e imobiliários e, principalmente, um grande endividamento que foi propulsionado pelas políticas Reagan/Thatcher. O Verão de 2007 é a implosão de um sistema que não tinha lógica nem sustentabilidade. Qual é a resposta neste momento? Aí penso que faltam ideias, rumo e coerência.
Que é o caso da União Europeia, em que a Comissão de Durão Barroso não consegue dar resposta efectiva?
Penso que ele não é o único que sofre do que considero falta das ferramentas para enfrentar a situação. Recorde-se que o Japão viveu dez anos de deflação e talvez não tenhamos aproveitado suficientemente o facto para tirar ensinamento da situação. Hoje, temos uma dificuldade adicional porque as economias emergentes nos ultrapassam em muitos domínios com o seu dinamismo. Não tenho a veleidade de fazer propostas, mas acho necessário reflectir e, muitas vezes, parece-me que não damos tempo suficiente a uma reflexão nem a um debate sereno porque se cede à pressão, designadamente a mediática, de dar respostas sem suficiente estudo.
Basta ver o caso de Portugal, em que se estimulou o défice num ano e no outro foi penalizado...
É a tal ambivalência de austeridade e estímulo. Em Julho, o Financial Times publicou na mesma semana e página dois artigos sobre a economia - um a favor da austeridade e o outro dos estímulos - que traduzia muito bem este dilema.
É o reflexo da euforia "liberal" da economia?
É um conjunto de causas que podem ser sintetizadas na formula de "gastar mais do que se tem", situações muito complexas que até podem ser expressas sob uma forma que qualquer economia familiar compreende muito bem.
Entendo que não critica Durão Barroso pela não recuperação!
Penso que o presidente da Comis-são está a enfrentar um período de extrema dificuldade e uma nova arquitectura institucional que o colocou numa posição diferente da tradicional. Hoje, há um presidente do Conselho que se tem vindo a afirmar; uma vice-presidente com responsabilidades e competências específicas na política externa e um parlamento com mais poderes. As consequências institucionais do Tratado de Lisboa implicam que o equilíbrio de poderes esteja numa fase de ajustamento e ainda não se encontrou o novo equilíbrio que permita que Durão Barroso volte a ter o anterior protagonismo.
Acredita que o possa voltar a ter?
Penso que tem as qualidades pessoais para isso. Se haverá condicionalismo institucional para tal...
Está demasiado manietado pelo eixo franco-alemão e a Inglaterra?
Penso que o problema se pode colocar de outra maneira: faltam hoje lideranças políticas nacionais como as que permitiram criar a Jacques Delors um ambiente para ser um presidente da Comissão com um forte impulso e dinamismo. O presidente da Comissão não pode ser isolado da envolvente que é o conjunto das lideranças, sobretudo dos maiores países europeus, que neste momento passam dificuldades na ordem interna. A conjugação tradicional franco-alemã praticamente desapareceu, e o Reino Unido está muito virado para os seus problemas e com um Governo que está no começo. A situação é muito diferente da do passado.
Choca-o que em Portugal quase não se ouça falar de Durão Barroso, sendo ele um português e estando num dos cargos mais poderosos?
A pergunta devia ser a própria comunicação social a colocar mas não é caso exclusivamente português.
O que achou do discurso do estado da União de Durão Barroso?
Não escapou a ninguém as ausências do presidente Rompuy, da vice--presidente Ashton e de bastantes parlamentares. Há um problema geral na Europa de alguma anemia.
É o naufrágio do projecto europeu?
Não. Acredito que o projecto europeu é tão importante que ultrapassará esta fase, como o fez noutras alturas no passado. É preciso ter uma visão de muito curto prazo e esquecer tudo aquilo que são as enormes conquistas do projecto europeu para podermos pô-lo em cau-sa. A ambição que representou o tratado constitucional foi talvez excessiva para as condições económicas e políticas que estamos a viver e, por outro lado, há também um problema geracional. Refira-se que o impulso inicial da Europa foi feito por quem tinha a experiência e a memória da guerra, enquanto hoje vivemos numa sociedade em que o acesso às benesses sociais é dado por adquirido. Esses são ingredientes a ter em conta para esta relativa crise do projecto europeu.
Foi ministro da Economia no II e III governos provisórios, uma altura muito complexa...
Extremamente complexa!
... O que o faz a pessoa indicada para analisar a actual crise económica nacional. Portugal está a tomar as medidas suficientes para acompanhar a recuperação europeia?
O período de que tive experiência é radicalmente diferente deste.
Há três meses falava-se de intervenção do FMI e na saída do euro. Previsões tão drásticas como as que teve na altura em que foi ministro!
Hoje não há inflação e existe uma estabilidade social totalmente diferente da que se experimentou nessa altura, quando se sofria défices da balança de pagamentos. Actualmente, há a necessidade de caminharmos para o reequilíbrio das contas públicas. Se os 3% mágicos de Maastricht são um número exacto ou não - penso que é uma discussão teórica que poderemos ter -, é certo que défices de 7, 6 ou 5% nas contas públicas não são desejáveis em qualquer circunstância. Portanto, o esforço de consolidação das contas públicas tem de ser uma linha para qualquer governo. O relançar da economia portuguesa depende cada vez mais das atitudes dos empresários e dos cidadãos como aforradores e consumidores e cada vez menos dos governos.
E também dos partidos políticos?
Sim, porque numa economia assente no mercado a intervenção do Estado é muito reduzida porque não há instrumento monetário, não há instrumento cambial e não há instrumento preços, mas continua--se a olhar demasiado para os governos como regentes da economia, quando o seu principal papel é criar um ambiente favorável às decisões correctas dos empresários e dos cidadãos. O Governo, pelos instrumentos de que dispõe, tem uma pequena intervenção na economia, e o melhor contributo que pode dar para a economia portuguesa é a consolidação das contas públicas e o repor duma situação saudável em termos orçamentais.
O que se observa quando se prepara a aprovação do próximo Orçamento do Estado é uma conflitualidade entre o Governo e o PSD. É aceitável?
Isso é o jogo político.
O jogo político será ultrapassável?
O jogo político faz parte do funcionamento das democracias parlamentares, mas acredito que o bom senso e o interesse nacional irão prevalecer e que se encontrará uma solução. Nessa parte, subscrevo inteiramente o apelo do senhor Presidente da República.
Que aliás teve uma posição muito definidora. Obrigará o Governo e o PSD a firmar um pacto para aprovar o Orçamento do Estado?
Acho que a controvérsia em democracia pode ajudar a boas soluções. O que não podemos é ficar na controvérsia pela controvérsia, ela tem de conduzir a resultados porque pode ser estimulante e criadora de boas soluções. O debate é uma das virtudes da democracia, só não podemos é reduzir a vida política a um debate em que não há momentos em que se tomam decisões.
É este o caso?
Vamos a ver...
Também foi deputado num Governo de minoria. São viáveis?
São uma realidade absolutamente normal num sistema democrático pluripartidário como é o nosso. Na Bélgica, há meses que não se consegue formar um governo, e na Holanda, três meses depois de eleições, estão novamente com uma crise, e na Inglaterra, depois de muitos anos de governos monocolor, há uma coligação. Em Portugal, já experimentámos as várias fórmulas e temos de viver com elas.
Em Portugal, os partidos inibem-se no fazer de coligações. O futuro vai por aí?
Já houve coligação PS/CDS, PSD//CDS e bloco central. Já fizemos quase todas as experiências.
As posições estão mais extremadas. Será a vez do PSD e CDS, que estão mais próximos ideologicamente?
Às vezes a proximidade é mais inibidora da associação do que quando as diferenças são mais visíveis. Mas, estando afastado da vida política há muitos anos, não sou perito nessa matéria.
Deve manter-se o sistema de alternância PS/PSD, ou os governos minoritários têm de procurar alianças com outros partidos?
Respondo de uma maneira muito simples: como cidadão, tenho de respeitar as opções dos meus concidadãos expressas através do voto.
Como vê a eleição presidencial. Vai ser muito renhida?
Não me substituo às sondagens.
Considera que Cavaco Silva irá ser eleito à primeira volta?
Não faço nenhuma previsão.
Seria importante a segunda volta?
Nem considero importante nem não importante. Acredito muito no funcionamento da democracia.
Acredita na recandidatura de Cavaco Silva?
Não acredito nem desacredito. Respeitarei a decisão que ele tomar.
Não deixará de votar?
Vou votar. Sempre votei.
Deixemos a política. A Gulbenkian foi "A Fundação" durante muitos anos. Com o aparecimento de milhares de outras, este género de instituições sai descredibilizado?
Não, é até um sinal de modernização e positivo na sociedade portuguesa quando mais gente devolve à sociedade a riqueza que construiu ao longo da vida. Naturalmente que há fundações maiores e outras mais pequenas, mas, como presidente do Centro Português de Fundações, pretende-se que assumam cada vez mais os deveres de independência, de prestação de contas e de transparência de modo a prestigiar a figura fundacional.
A Gulbenkian ressente-se da rivalidade com outras fundações a nível de presença cultural?
A nossa lógica não é a da competição, mas de cooperação. Só me congratulo por haver mais fundações.
Mas não perde um pouco do brilho?
Não me preocupo com o brilho, mas com os resultados da nossa intervenção e com a sua avaliação. O nosso campeonato é o dos problemas das sociedades contemporâneas e é aí que temos de usar os recursos da melhor maneira.
Há críticas à apatia das actividades do Centro de Arte Moderna. Isso não aconteceria se não existisse Serralves, Joe Berardo em Belém...
Cada instituição faz as suas opções. Creio que o Centro de Arte Moderna tem vindo a apresentar exposições temporárias do maior interesse e continua a ser a única mostra do século XX português no nosso país. Esse é um papel insubstituível e nenhuma outra instituição o consegue realizar por nós.
A Fundação está a adaptar-se aos novos tempos da Internet na divulgação do conhecimento?
O número das visitas ao site, dos participantes no Facebook, no Twitter e os visitantes da nossa newsletter electrónica mostram que estamos a conseguir penetrar e utilizar esses instrumentos de uma maneira muito eficaz.
A Fundação tem alertado para a dificuldade do diálogo intercultural e religioso e os problemas dos imigrantes. É uma nova vocação?
Nós participamos em projectos com outras fundações europeias no que respeita à tradição de este ser um continente de liberdade e de acolhimento. Do ponto de vista do equilíbrio demográfico, a Europa terá necessidade de continuar a ter o influxo refrescador do imigrante.
Tem dito que Portugal é um país de emigrantes mas que não está preparado para receber imigrantes.
Este é um fenómeno novo, pois durante séculos fomos emigrantes e só na última década e meia é que passámos a acolher comunidades muito diferentes. A sociedade portuguesa não estava - nem podia estar - preparada para encarar esse fenómeno, mas as avaliações internacionais têm sido altamente favoráveis ao modo como a sociedade portuguesa tem sabido lidar com esse fenómeno. O último índex é altamente favorável para Portugal.
Acha que em Portugal podem acontecer situações como a dos ciganos que Sarkozy expulsou de França?
Penso que não, porque a sociedade portuguesa tem uma atitude diferente e o respeito por valores humanísticos será assegurado.
Se a Gulbenkian fosse em França, a Fundação pronunciava-se?
A Fundação normalmente não toma posições de carácter político, porque não está abrangido pelos nossos estatutos. Mas a Fundação não é neutra e rege-se por um quadro de valores em que o respeito pela dignidade da pessoa humana é um valor primordial.
A imigração traz conflitos religiosos. Como reagir à diferença?
Esse é um dos grandes contrapontos das sociedades modernas em que há um enorme influxo do racionalismo proporcionado pelo progresso científico e tecnológico e, simultaneamente, como contraponto, um reavivar da religiosidade e da prática religiosa. O conflito religioso é muitas vez o culminar de outros conflitos culturais, sociais e económicos que ganham expressão na visibilidade que a simbologia da prática religiosa implica. Por outro lado, resulta de um enorme desconhecimento do outro e da reacção em estereótipos em vez de um conhecimento fundamentado. É muito fácil reagir por caricatura, estereótipo ou por frase ou ideia feita, por isso a ideia da multiculturalidade está a ser substituída por uma abordagem operacional diferente, a interculturalidade, em que haverá cada vez maior diálogo entre as pessoas de diferentes culturas e não a mera justaposição ou o esquecer de que há diferenças.
Cumprem-se nove anos sobre o 11 de Setembro. Não é a confirmação de um diálogo impossível?
O 11 de Setembro foi a expressão de um radicalismo que não pode ser conotado com a religião, porque os que cometeram esses actos terroristas não eram, à luz dos fundamentos da religião muçulmana, bons muçulmanos. O problema de haver atentados suicidas e actos terroristas como os que assistimos no Iraque ou no Paquistão não pode imputar-se à religião porque não respeitam os próprios fundamentos da religião.
O abandono do Iraque pelas tropas dos Estados Unidos vai alterar o equilíbrio dos interesses da Fun-dação Gulbenkian na região?
Com a invasão do Iraque abriu-se uma caixa de Pandora que ainda não se fechou. Quem conhecer a história da região sabe das conflitualidades que sempre aí existiram e a que se continua a assistir. O Iraque é uma região onde o diálogo entre várias culturas muçulmanas é extremamente difícil, e os responsáveis de outros países do golfo Pérsico estão preocupados com essa instabilidade, tal como com os problemas internos do Irão e o conflito israelo-palestino. É uma zona onde há muitos focos de conflitualidade mas onde também existem muitos governos preocupados em fazer evoluir as suas sociedades para um espírito de abertura e de tolerância. É um jogo, um xadrez de muitas peças e com regras certamente mais complexas que as do xadrez, que já não é um jogo fácil.
In DN
O melhor contributo do Governo para a economia é consolidar as contas públicas"
por João Céu e Silva
Hoje
É o presidente da mais prestigiada fundação que tem sede em Portugal. Pouco receptivo a entrevistas, o ex-ministro não gosta de comentar o lado político da vida nacional, mas aceitou opinar sobre questões económicas. Certos de que preferia que a entrevista fosse eminentemente sobre a instituição que lidera, tentou-se contrariar o rumo para se dar a conhecê-lo
O presidente da Gulbenkian ainda sente a responsabilidade de ser o ministro-sombra da Cultura e da Educação, tal é o papel da Fundação nestes sectores?
Não, sinto-me como presidente de uma grande instituição privada, com uma grande responsabilidade na sociedade portuguesa, mas baseada nos princípios da filantropia. A associação da Fundação Gulbenkian a um "Ministério da Cultura" é uma imagem que se colou à instituição durante os primeiros anos porque representou o preenchimento de funções que normalmente caberiam ao Estado.
Até substituindo-se ao Estado?
Hoje, a situação é totalmente diferente, e a Fundação olha-se a si própria como uma instituição interveniente, mas da sociedade civil, e que alarga a intervenção muito para além da própria sociedade portuguesa, visto que cada vez mais intervimos fora de Portugal.
Portugal ainda vive hoje muito à sombra das bolsas, de financiamento e das exposições da Gulbenkian?
A Fundação tem um grande papel na área cultural, quanto mais não seja por ter dois museus que procuramos que sejam dois exemplos de excelência; por ter uma orquestra a que queremos dar standards internacionais; por possuir a melhor biblioteca de arte do País; e por ter programas de apoios a artistas.
Mas adaptou-se aos tempos actuais?
A Fundação teve de reorientar a intervenção tendo em conta as enormes mudanças que se produziram no País. Podemos marcar duas grandes etapas: a primeira, a democracia; e depois a integração europeia, em que o papel do Estado se libertou dos constrangimentos do regime autoritário e passou a ter meios financeiros que não existiam.
Sente pressão dos governos para reorientar o rumo da Gulbenkian?
Não. Nós agimos segundo uma estratégia própria e não fazemos ajustamentos segundo os ciclos políticos. Aliás, a grande vantagem das fundações como instituições independentes é estarem simultaneamente livres dos ciclos políticos e, em certa medida, dos económicos. Podemos projectar a intervenção a mais longo prazo, que não é a lógica da política, porque está submetida aos ciclos eleitorais.
A crise financeira e económica também alterou o rumo da Gulbenkian?
É evidente que não está imune ao que aconteceu, porque tem os seus investimentos no petróleo e no gás nos mercados internacionais, e, por isso, em 2008 tivemos uma redução da ordem dos 12% no valor dos activos que obrigou a medidas de contenção. Procurámos que fossem sobretudo nos custos de funcionamento e não se repercutissem em subsídios, bolsas e actividades.
Ao dar 110 milhões ao mecenato em 2009, quer dizer que está de boa saúde financeira?
Considero que sim, o que não quer dizer que não estejamos preocupados com a situação da economia mundial e, sobretudo, com o grau de baixíssima previsibilidade dos mercados.
Como presidente do Centro Europeu de Fundações, pediu criatividade. É a forma de superar esta crise?
Sugeri a criatividade para que com recursos escassos sejamos mais eficazes na acção, mas, relativamente à situação geral, penso que vivemos um momento de grande perplexidade. Se relermos o comunicado da última reunião do G20, há num parágrafo o apelo à austeridade e no seguinte um outro aos estímulos à economia. Essa perplexidade traduz-se na ambivalência de que a generalidade das políticas sofre neste momento nos planos teórico e doutrinal, porque não dispomos de ferramentas que respondam à situação que estamos a viver.
Não dispomos, quem?
O sistema económico! O Presiden-te Obama acaba de propor uma medida de carácter keynesiano - 50 biliões de dólares para investimentos em infra-estruturas - e o presidente da Comissão Europeia no discurso do estado da União propôs a emissão de obrigações europeias para financiar investimentos em infra-estruturas. Não há, diga--se, muita inovação nessas propostas no ataque à crise.
Porquê essa falta de inspiração?
Esta crise é o fim de um ciclo que se iniciou no final dos anos 70 com uma política de estabilização salarial, baixa inflação, valorização de activos bolsistas e imobiliários e, principalmente, um grande endividamento que foi propulsionado pelas políticas Reagan/Thatcher. O Verão de 2007 é a implosão de um sistema que não tinha lógica nem sustentabilidade. Qual é a resposta neste momento? Aí penso que faltam ideias, rumo e coerência.
Que é o caso da União Europeia, em que a Comissão de Durão Barroso não consegue dar resposta efectiva?
Penso que ele não é o único que sofre do que considero falta das ferramentas para enfrentar a situação. Recorde-se que o Japão viveu dez anos de deflação e talvez não tenhamos aproveitado suficientemente o facto para tirar ensinamento da situação. Hoje, temos uma dificuldade adicional porque as economias emergentes nos ultrapassam em muitos domínios com o seu dinamismo. Não tenho a veleidade de fazer propostas, mas acho necessário reflectir e, muitas vezes, parece-me que não damos tempo suficiente a uma reflexão nem a um debate sereno porque se cede à pressão, designadamente a mediática, de dar respostas sem suficiente estudo.
Basta ver o caso de Portugal, em que se estimulou o défice num ano e no outro foi penalizado...
É a tal ambivalência de austeridade e estímulo. Em Julho, o Financial Times publicou na mesma semana e página dois artigos sobre a economia - um a favor da austeridade e o outro dos estímulos - que traduzia muito bem este dilema.
É o reflexo da euforia "liberal" da economia?
É um conjunto de causas que podem ser sintetizadas na formula de "gastar mais do que se tem", situações muito complexas que até podem ser expressas sob uma forma que qualquer economia familiar compreende muito bem.
Entendo que não critica Durão Barroso pela não recuperação!
Penso que o presidente da Comis-são está a enfrentar um período de extrema dificuldade e uma nova arquitectura institucional que o colocou numa posição diferente da tradicional. Hoje, há um presidente do Conselho que se tem vindo a afirmar; uma vice-presidente com responsabilidades e competências específicas na política externa e um parlamento com mais poderes. As consequências institucionais do Tratado de Lisboa implicam que o equilíbrio de poderes esteja numa fase de ajustamento e ainda não se encontrou o novo equilíbrio que permita que Durão Barroso volte a ter o anterior protagonismo.
Acredita que o possa voltar a ter?
Penso que tem as qualidades pessoais para isso. Se haverá condicionalismo institucional para tal...
Está demasiado manietado pelo eixo franco-alemão e a Inglaterra?
Penso que o problema se pode colocar de outra maneira: faltam hoje lideranças políticas nacionais como as que permitiram criar a Jacques Delors um ambiente para ser um presidente da Comissão com um forte impulso e dinamismo. O presidente da Comissão não pode ser isolado da envolvente que é o conjunto das lideranças, sobretudo dos maiores países europeus, que neste momento passam dificuldades na ordem interna. A conjugação tradicional franco-alemã praticamente desapareceu, e o Reino Unido está muito virado para os seus problemas e com um Governo que está no começo. A situação é muito diferente da do passado.
Choca-o que em Portugal quase não se ouça falar de Durão Barroso, sendo ele um português e estando num dos cargos mais poderosos?
A pergunta devia ser a própria comunicação social a colocar mas não é caso exclusivamente português.
O que achou do discurso do estado da União de Durão Barroso?
Não escapou a ninguém as ausências do presidente Rompuy, da vice--presidente Ashton e de bastantes parlamentares. Há um problema geral na Europa de alguma anemia.
É o naufrágio do projecto europeu?
Não. Acredito que o projecto europeu é tão importante que ultrapassará esta fase, como o fez noutras alturas no passado. É preciso ter uma visão de muito curto prazo e esquecer tudo aquilo que são as enormes conquistas do projecto europeu para podermos pô-lo em cau-sa. A ambição que representou o tratado constitucional foi talvez excessiva para as condições económicas e políticas que estamos a viver e, por outro lado, há também um problema geracional. Refira-se que o impulso inicial da Europa foi feito por quem tinha a experiência e a memória da guerra, enquanto hoje vivemos numa sociedade em que o acesso às benesses sociais é dado por adquirido. Esses são ingredientes a ter em conta para esta relativa crise do projecto europeu.
Foi ministro da Economia no II e III governos provisórios, uma altura muito complexa...
Extremamente complexa!
... O que o faz a pessoa indicada para analisar a actual crise económica nacional. Portugal está a tomar as medidas suficientes para acompanhar a recuperação europeia?
O período de que tive experiência é radicalmente diferente deste.
Há três meses falava-se de intervenção do FMI e na saída do euro. Previsões tão drásticas como as que teve na altura em que foi ministro!
Hoje não há inflação e existe uma estabilidade social totalmente diferente da que se experimentou nessa altura, quando se sofria défices da balança de pagamentos. Actualmente, há a necessidade de caminharmos para o reequilíbrio das contas públicas. Se os 3% mágicos de Maastricht são um número exacto ou não - penso que é uma discussão teórica que poderemos ter -, é certo que défices de 7, 6 ou 5% nas contas públicas não são desejáveis em qualquer circunstância. Portanto, o esforço de consolidação das contas públicas tem de ser uma linha para qualquer governo. O relançar da economia portuguesa depende cada vez mais das atitudes dos empresários e dos cidadãos como aforradores e consumidores e cada vez menos dos governos.
E também dos partidos políticos?
Sim, porque numa economia assente no mercado a intervenção do Estado é muito reduzida porque não há instrumento monetário, não há instrumento cambial e não há instrumento preços, mas continua--se a olhar demasiado para os governos como regentes da economia, quando o seu principal papel é criar um ambiente favorável às decisões correctas dos empresários e dos cidadãos. O Governo, pelos instrumentos de que dispõe, tem uma pequena intervenção na economia, e o melhor contributo que pode dar para a economia portuguesa é a consolidação das contas públicas e o repor duma situação saudável em termos orçamentais.
O que se observa quando se prepara a aprovação do próximo Orçamento do Estado é uma conflitualidade entre o Governo e o PSD. É aceitável?
Isso é o jogo político.
O jogo político será ultrapassável?
O jogo político faz parte do funcionamento das democracias parlamentares, mas acredito que o bom senso e o interesse nacional irão prevalecer e que se encontrará uma solução. Nessa parte, subscrevo inteiramente o apelo do senhor Presidente da República.
Que aliás teve uma posição muito definidora. Obrigará o Governo e o PSD a firmar um pacto para aprovar o Orçamento do Estado?
Acho que a controvérsia em democracia pode ajudar a boas soluções. O que não podemos é ficar na controvérsia pela controvérsia, ela tem de conduzir a resultados porque pode ser estimulante e criadora de boas soluções. O debate é uma das virtudes da democracia, só não podemos é reduzir a vida política a um debate em que não há momentos em que se tomam decisões.
É este o caso?
Vamos a ver...
Também foi deputado num Governo de minoria. São viáveis?
São uma realidade absolutamente normal num sistema democrático pluripartidário como é o nosso. Na Bélgica, há meses que não se consegue formar um governo, e na Holanda, três meses depois de eleições, estão novamente com uma crise, e na Inglaterra, depois de muitos anos de governos monocolor, há uma coligação. Em Portugal, já experimentámos as várias fórmulas e temos de viver com elas.
Em Portugal, os partidos inibem-se no fazer de coligações. O futuro vai por aí?
Já houve coligação PS/CDS, PSD//CDS e bloco central. Já fizemos quase todas as experiências.
As posições estão mais extremadas. Será a vez do PSD e CDS, que estão mais próximos ideologicamente?
Às vezes a proximidade é mais inibidora da associação do que quando as diferenças são mais visíveis. Mas, estando afastado da vida política há muitos anos, não sou perito nessa matéria.
Deve manter-se o sistema de alternância PS/PSD, ou os governos minoritários têm de procurar alianças com outros partidos?
Respondo de uma maneira muito simples: como cidadão, tenho de respeitar as opções dos meus concidadãos expressas através do voto.
Como vê a eleição presidencial. Vai ser muito renhida?
Não me substituo às sondagens.
Considera que Cavaco Silva irá ser eleito à primeira volta?
Não faço nenhuma previsão.
Seria importante a segunda volta?
Nem considero importante nem não importante. Acredito muito no funcionamento da democracia.
Acredita na recandidatura de Cavaco Silva?
Não acredito nem desacredito. Respeitarei a decisão que ele tomar.
Não deixará de votar?
Vou votar. Sempre votei.
Deixemos a política. A Gulbenkian foi "A Fundação" durante muitos anos. Com o aparecimento de milhares de outras, este género de instituições sai descredibilizado?
Não, é até um sinal de modernização e positivo na sociedade portuguesa quando mais gente devolve à sociedade a riqueza que construiu ao longo da vida. Naturalmente que há fundações maiores e outras mais pequenas, mas, como presidente do Centro Português de Fundações, pretende-se que assumam cada vez mais os deveres de independência, de prestação de contas e de transparência de modo a prestigiar a figura fundacional.
A Gulbenkian ressente-se da rivalidade com outras fundações a nível de presença cultural?
A nossa lógica não é a da competição, mas de cooperação. Só me congratulo por haver mais fundações.
Mas não perde um pouco do brilho?
Não me preocupo com o brilho, mas com os resultados da nossa intervenção e com a sua avaliação. O nosso campeonato é o dos problemas das sociedades contemporâneas e é aí que temos de usar os recursos da melhor maneira.
Há críticas à apatia das actividades do Centro de Arte Moderna. Isso não aconteceria se não existisse Serralves, Joe Berardo em Belém...
Cada instituição faz as suas opções. Creio que o Centro de Arte Moderna tem vindo a apresentar exposições temporárias do maior interesse e continua a ser a única mostra do século XX português no nosso país. Esse é um papel insubstituível e nenhuma outra instituição o consegue realizar por nós.
A Fundação está a adaptar-se aos novos tempos da Internet na divulgação do conhecimento?
O número das visitas ao site, dos participantes no Facebook, no Twitter e os visitantes da nossa newsletter electrónica mostram que estamos a conseguir penetrar e utilizar esses instrumentos de uma maneira muito eficaz.
A Fundação tem alertado para a dificuldade do diálogo intercultural e religioso e os problemas dos imigrantes. É uma nova vocação?
Nós participamos em projectos com outras fundações europeias no que respeita à tradição de este ser um continente de liberdade e de acolhimento. Do ponto de vista do equilíbrio demográfico, a Europa terá necessidade de continuar a ter o influxo refrescador do imigrante.
Tem dito que Portugal é um país de emigrantes mas que não está preparado para receber imigrantes.
Este é um fenómeno novo, pois durante séculos fomos emigrantes e só na última década e meia é que passámos a acolher comunidades muito diferentes. A sociedade portuguesa não estava - nem podia estar - preparada para encarar esse fenómeno, mas as avaliações internacionais têm sido altamente favoráveis ao modo como a sociedade portuguesa tem sabido lidar com esse fenómeno. O último índex é altamente favorável para Portugal.
Acha que em Portugal podem acontecer situações como a dos ciganos que Sarkozy expulsou de França?
Penso que não, porque a sociedade portuguesa tem uma atitude diferente e o respeito por valores humanísticos será assegurado.
Se a Gulbenkian fosse em França, a Fundação pronunciava-se?
A Fundação normalmente não toma posições de carácter político, porque não está abrangido pelos nossos estatutos. Mas a Fundação não é neutra e rege-se por um quadro de valores em que o respeito pela dignidade da pessoa humana é um valor primordial.
A imigração traz conflitos religiosos. Como reagir à diferença?
Esse é um dos grandes contrapontos das sociedades modernas em que há um enorme influxo do racionalismo proporcionado pelo progresso científico e tecnológico e, simultaneamente, como contraponto, um reavivar da religiosidade e da prática religiosa. O conflito religioso é muitas vez o culminar de outros conflitos culturais, sociais e económicos que ganham expressão na visibilidade que a simbologia da prática religiosa implica. Por outro lado, resulta de um enorme desconhecimento do outro e da reacção em estereótipos em vez de um conhecimento fundamentado. É muito fácil reagir por caricatura, estereótipo ou por frase ou ideia feita, por isso a ideia da multiculturalidade está a ser substituída por uma abordagem operacional diferente, a interculturalidade, em que haverá cada vez maior diálogo entre as pessoas de diferentes culturas e não a mera justaposição ou o esquecer de que há diferenças.
Cumprem-se nove anos sobre o 11 de Setembro. Não é a confirmação de um diálogo impossível?
O 11 de Setembro foi a expressão de um radicalismo que não pode ser conotado com a religião, porque os que cometeram esses actos terroristas não eram, à luz dos fundamentos da religião muçulmana, bons muçulmanos. O problema de haver atentados suicidas e actos terroristas como os que assistimos no Iraque ou no Paquistão não pode imputar-se à religião porque não respeitam os próprios fundamentos da religião.
O abandono do Iraque pelas tropas dos Estados Unidos vai alterar o equilíbrio dos interesses da Fun-dação Gulbenkian na região?
Com a invasão do Iraque abriu-se uma caixa de Pandora que ainda não se fechou. Quem conhecer a história da região sabe das conflitualidades que sempre aí existiram e a que se continua a assistir. O Iraque é uma região onde o diálogo entre várias culturas muçulmanas é extremamente difícil, e os responsáveis de outros países do golfo Pérsico estão preocupados com essa instabilidade, tal como com os problemas internos do Irão e o conflito israelo-palestino. É uma zona onde há muitos focos de conflitualidade mas onde também existem muitos governos preocupados em fazer evoluir as suas sociedades para um espírito de abertura e de tolerância. É um jogo, um xadrez de muitas peças e com regras certamente mais complexas que as do xadrez, que já não é um jogo fácil.
In DN
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Re: Estamos a ouvi-lo(a)
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"O Brasil continua a crescer e já não volta para trás"
por RICARDO J. RODRIGUES
Hoje
Lula da Silva, Presidente do Brasil, explicou ao DN que jamais teria conseguido transformar o país, ao longo dos seus oito anos de mandato, se não se tivesse livrado do FMI. Só não esclareceu se em 2014 tenciona regressar ao Palácio do Planalto.
Foi um corre-corre. O Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, aterrou às dez da manhã no aeroporto de Salvador da Baía e foi logo visitar uma refinaria nos arredores da cidade. Almoçou com o governador do Estado, Jaques Wagner - seu correligionário do Partido dos Trabalhadores - e partiu ao início da tarde para a rótula do Abacaxi, a intersecção mais congestionada da cidade.
Ali, inaugurou três viadutos, prometeu túneis e melhorias de estradas e anunciou uma nova linha ferroviária que percorresse o país de norte a sul. Falou a espaços com a imprensa, sem nunca tocar no tema das eleições.
Bem vistas as coisas, esta entrevista não se fez, foi-se fazendo ao longo do dia - no meio da multidão, no meio dos jornalistas, no meio dos assessores e até no palco onde Lula discursou.
O Presidente subiu ao púlpito rindo, disse que Salvador era "uma cidade tão especial que o próprio Cabral quis achar o Brasil aqui". Despediu-se assumindo que "noutra encarnação deve ter sido baiano", tantas as vezes que já visitou o Nordeste. O povo aplaudiu. Mais do que isso: delirou.
Com uma taxa de aprovação de 85% não será injusto dizer que Lula é hoje uma figura consensual no Brasil. Qual é afinal o seu legado?
Olha, aquilo que eu sinto é que o povo começou a acreditar em si mesmo. Os brasileiros estão com auto-estima, andam de cabeça levantada. Nós mostrámos que era possível fazer as coisas. Por exemplo, nos últimos 25 anos, este país só investia mil milhões de reais por ano em obras públicas. Neste momento nós investimos 1,6 mil milhões por mês. Isso faz o povo acreditar.
E foi só nestes oito anos que o povo aprendeu a levantar a cabeça?
Há oito anos ninguém imaginava que os brasileiros tivessem a maior renda salarial de sempre, a menor taxa de desemprego de sempre, que a agricultura e a indústria batessem recordes todos o dias, que o salário mínimo aumentasse 84%. Ninguém imaginava que isso fosse possível, mas nós arrumámos o Brasil.
Os governos anteriores tiveram falta de ousadia para investir?
Não só. Quando eu cheguei ao Governo, percebi que havia uma coisa que tinha de acabar: a nossa dependência do Fundo Monetário Internacional. Aí eu reuni-me com o presidente do FMI e disse que queria pagar os 16 mil milhões que o Brasil devia. Já tinha passado tempo suficiente com gente de fora dizendo como nós devíamos investir, quem manda no nosso país somos nós. Podemos errar, bater com a cabeça na parede, mas hoje estamos seguindo o nosso rumo. E a verdade é que o Brasil continua a crescer a um ritmo que já não volta atrás.
O Brasil está a investir mais do que pode?
Sou casado há 36 anos e nunca comprei nada que não pudesse pagar a prestação. Quando eu e a minha mulher éramos jovens, morávamos num quarto e cozinha que não tinha sequer pia para lavar a roupa. O aluguer custava cem reais por mês. Lembro-me de que era uma nota meio avermelhada, que já saiu de circulação. Eu tinha um medo terrível de chegar ao fim do mês e não ter a vermelhinha no bolso. Essa experiência eu levei para o Governo. Só gastamos o que podemos.
Mas está a gastar o que pode ou está a poupar?
Nesse ano nós já guardámos 271 mil milhões de reais na reserva federal. Até ao fim do ano ficamos com 300 mil milhões de reserva.
Daqui a três meses termina o seu mandato. Quais são os seus planos?
Vou continuar a percorrer o Brasil, desde o Rio Grande do Sul até ao Pará. Só tem um jeito de fazer isso: ouvindo o povo, e nunca podemos esquecer-nos de saber ouvi-lo com o coração. Quero seguir ajudando a levar esse país para a frente.
Isso significa que vai voltar a candidatar-se à presidência daqui a quatro anos?
In DN
"O Brasil continua a crescer e já não volta para trás"
por RICARDO J. RODRIGUES
Hoje
Lula da Silva, Presidente do Brasil, explicou ao DN que jamais teria conseguido transformar o país, ao longo dos seus oito anos de mandato, se não se tivesse livrado do FMI. Só não esclareceu se em 2014 tenciona regressar ao Palácio do Planalto.
Foi um corre-corre. O Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, aterrou às dez da manhã no aeroporto de Salvador da Baía e foi logo visitar uma refinaria nos arredores da cidade. Almoçou com o governador do Estado, Jaques Wagner - seu correligionário do Partido dos Trabalhadores - e partiu ao início da tarde para a rótula do Abacaxi, a intersecção mais congestionada da cidade.
Ali, inaugurou três viadutos, prometeu túneis e melhorias de estradas e anunciou uma nova linha ferroviária que percorresse o país de norte a sul. Falou a espaços com a imprensa, sem nunca tocar no tema das eleições.
Bem vistas as coisas, esta entrevista não se fez, foi-se fazendo ao longo do dia - no meio da multidão, no meio dos jornalistas, no meio dos assessores e até no palco onde Lula discursou.
O Presidente subiu ao púlpito rindo, disse que Salvador era "uma cidade tão especial que o próprio Cabral quis achar o Brasil aqui". Despediu-se assumindo que "noutra encarnação deve ter sido baiano", tantas as vezes que já visitou o Nordeste. O povo aplaudiu. Mais do que isso: delirou.
Com uma taxa de aprovação de 85% não será injusto dizer que Lula é hoje uma figura consensual no Brasil. Qual é afinal o seu legado?
Olha, aquilo que eu sinto é que o povo começou a acreditar em si mesmo. Os brasileiros estão com auto-estima, andam de cabeça levantada. Nós mostrámos que era possível fazer as coisas. Por exemplo, nos últimos 25 anos, este país só investia mil milhões de reais por ano em obras públicas. Neste momento nós investimos 1,6 mil milhões por mês. Isso faz o povo acreditar.
E foi só nestes oito anos que o povo aprendeu a levantar a cabeça?
Há oito anos ninguém imaginava que os brasileiros tivessem a maior renda salarial de sempre, a menor taxa de desemprego de sempre, que a agricultura e a indústria batessem recordes todos o dias, que o salário mínimo aumentasse 84%. Ninguém imaginava que isso fosse possível, mas nós arrumámos o Brasil.
Os governos anteriores tiveram falta de ousadia para investir?
Não só. Quando eu cheguei ao Governo, percebi que havia uma coisa que tinha de acabar: a nossa dependência do Fundo Monetário Internacional. Aí eu reuni-me com o presidente do FMI e disse que queria pagar os 16 mil milhões que o Brasil devia. Já tinha passado tempo suficiente com gente de fora dizendo como nós devíamos investir, quem manda no nosso país somos nós. Podemos errar, bater com a cabeça na parede, mas hoje estamos seguindo o nosso rumo. E a verdade é que o Brasil continua a crescer a um ritmo que já não volta atrás.
O Brasil está a investir mais do que pode?
Sou casado há 36 anos e nunca comprei nada que não pudesse pagar a prestação. Quando eu e a minha mulher éramos jovens, morávamos num quarto e cozinha que não tinha sequer pia para lavar a roupa. O aluguer custava cem reais por mês. Lembro-me de que era uma nota meio avermelhada, que já saiu de circulação. Eu tinha um medo terrível de chegar ao fim do mês e não ter a vermelhinha no bolso. Essa experiência eu levei para o Governo. Só gastamos o que podemos.
Mas está a gastar o que pode ou está a poupar?
Nesse ano nós já guardámos 271 mil milhões de reais na reserva federal. Até ao fim do ano ficamos com 300 mil milhões de reserva.
Daqui a três meses termina o seu mandato. Quais são os seus planos?
Vou continuar a percorrer o Brasil, desde o Rio Grande do Sul até ao Pará. Só tem um jeito de fazer isso: ouvindo o povo, e nunca podemos esquecer-nos de saber ouvi-lo com o coração. Quero seguir ajudando a levar esse país para a frente.
Isso significa que vai voltar a candidatar-se à presidência daqui a quatro anos?
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Há um entendimento entre o PS, o PSD e o Presidente"
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"Há um entendimento entre o PS, o PSD e o Presidente"
por JOÃO MARCELINO
Hoje
"O processo político em Portugal está centrado nisto: um esforço enorme do centrão político para prosseguir na sua presença no poder. E, portanto, os interesses económicos e sociais inerentes à sustentação desse centrão - com mais inclinação para o PS, com mais inclinação para o PSD - é que jogam neste processo. Estamos desafiados a encontrar alternativas. (...) A esquerda tem um grande desafio, que é o de passar de uma posição de denúncia e afrontamento pontual para uma posição de desenvolvimento de estratégias que mobilizem a sociedade portuguesa"
Na semana em que o Governo anunciou ao País o mais grave pacote de austeridade dos últimos anos e a CGTP, a comemorar o seu 40.º aniversário, reagiu marcando uma greve geral para 24 de Novembro, o secretário-geral da intersindical - cargo que ocupa desde Dezembro de 99, tendo sido seu coordenador desde Junho de 86 - analisa o momento que se vive na sociedade portuguesa e critica que as medidas agora tomadas atinjam apenas os mais pobres. À beira de completar 62 anos, o filho de agricultores cuja formação-base é o Curso Industrial de Montador Electricista, entretanto reforçado com um curso superior, que tem como referências de vida Lula da Silva, Álvaro Cunhal e Nelson Mandela, reconhece que está na altura de a Esquerda começar a envolver-se nas grandes decisões da governação.
A greve geral [marcada para 24 de Novembro] já estava decidida ou foi determinada pelas medidas que foram conhecidas esta semana e que o Governo pretende inscrever no Orçamento Geral do Estado de 2011?
Eu posso fazer uma confissão. A decisão desta greve geral é uma construção muito complicada, trabalhosa. Foi sendo feita aos bocadinhos, conforme se foi reflectindo sobre a situação em que se encontram os trabalhadores e sobre aquilo que se perspectiva para o futuro, do ponto de vista das medidas que têm incidência fortíssima nas condições de vida dos trabalhadores, dos reformados, dos desempregados.
Desde quando?
A reflexão para a possibilidade de avançarmos para uma greve geral surgiu antes das férias. Quando, em Maio/Junho, se debatia a possibilidade de uma luta conjunta a nível europeu - que se realizou agora a 29 de Setembro -, fomos dos que defenderam que se deveria mesmo equacionar declarar greve em todos os países...
Mas só agora foi conhecida essa decisão, depois de José Sócrates ter anunciado as medidas [a inscrever na proposta de Orçamento]… Foi determinante o anúncio destas medidas para a CGTP dizer "vamos fazer uma greve"?
Este foi um "clique" último que reforçou a dinâmica que vinha sendo construída.
Havia [na CGTP] divergências quanto a essa decisão?
Havia divergências quanto a tempos, quanto a formas. E múltiplas! O que levou à convergência foi um debate profundo em que este aspecto entrou, mas entraram muitos outros. Do ponto de vista nacional e do ponto de vista europeu.
O senhor e a CGTP estavam à espera de um apertar de cinto desta dimensão?
Infelizmente, nós sabemos que o País caminha no sentido de se afundar. Portanto, quando caminha num sentido destes e quando a sociedade manifesta sinais de pressão para uma harmonização no retrocesso - que é uma falsa harmonização, nunca se consegue igualdade nesse caminho -, as coisas podem ser muito duras. Agora, o que foi anunciado não é o mais grave do problema. O mais grave é que estas medidas provocam recessão, provocam directamente mais desemprego. E com recessão económica não há possibilidade de se criar emprego, diminuem as contribuições para o Estado, diminuem os impostos.
Portanto, poderá ter de haver um outro pacote adicional a este em 2011?
Tem de haver um sacudir desta [política]. O grande problema é que nós vivemos num sistema político muito concreto, e neste sistema sabemos que há coisas a que temos de responder. Estamos prisioneiros da dívida externa.
E também do défice…
E do défice! Mas também de uma falta de estratégia de desenvolvimento. Esta terceira componente de olhar o futuro, de ver como se há-de dinamizar a economia, de como se há-de melhorar a capacidade do poder de compra dos portugueses que vivem pior...
Mas a montante não tem de estar sempre o resolver destes problemas pontuais?
Não. Tem de ser resolvido em simultâneo! Essa é uma visão que nós não aceitamos.
O que falta, então, nesta visão do Governo?
Em fases de grande crise nas sociedades ou nos países, o segredo para sair dessas situações de bloqueio está sempre em dois ou três aspectos fundamentais. Um é haver uma concepção estratégica que faça convergir dimensões de reforma com dimensões de ruptura. Temos esses bloqueios da dívida, do défice, temos de responder a eles, temos de encontrar reformas. Mas temos de encontrar, também, as dimensões de ruptura. Temos de sacudir a submissão de Portugal a este processo de agiotagem que está a aprisionar a Europa, em particular os países mais débeis. O segundo aspecto é apresentar projectos que tenham credibilidade, falar a verdade. Não é possível mobilizar a sociedade dizendo que o pacote X vai resolver tudo e, passadas umas semanas, dizer que já não é esse pacote, que tem de ser outro. Tem de haver a capacidade de sensibilizar e mobilizar os portugueses, porque há uma coisa que o povo tem mais do que adquirida perante os problemas: a necessidade de fazer sacrifício.
Neste processo encontra mentiras de líderes políticos?
Mentiras claras. Quando um primeiro-ministro ou um ministro diz "com este pacote estão resolvidos todos os problemas", por exemplo, e depois chega-se a outra edição e "não, não estão. Afinal, agora tem de se ir fazer isto, porque isto era o submarino de que nos esquecemos...", isto não é verdade! Mas há aspectos piores. O ministro das Finanças tornou-se inimigo do povo e inimigo da economia. Acho que é patético um ministro das Finanças quase apelar ao sector privado para reduzir salários! Então ele não quer mais impostos?! Então ele não quer os portugueses a contribuírem para a Segurança Social? Então ele não quer mais emprego? Que concepção é esta?! Como se, alguma vez na história, os patrões tivessem cometido o erro de pagar salários acima daquilo que podem pagar. Isto é uma aberração do ponto de vista objectivo de um actor político! O ministro das Finanças - tenho todo o respeito por ele enquanto tecnocrata, enquanto académico - pode saber muito, mas não sabe interpretar esse conhecimento para o pôr ao serviço do povo.
Qual destas medidas o surpreendeu mais?
Não queria responder a isso. Há uma que é a continuação da pior surpresa: tudo o que é sacrifícios para o mundo do trabalho e para o povo é quantificado. Aquilo que diz respeito aos sacrifícios do sector financeiro é enunciado, podendo a montanha vir a parir um rato.
Mas foi anunciado um novo imposto para o sector financeiro.
Viu alguma descrição de como vai ser aplicado? Quais as amplitudes disso? Em regra, estas medidas em direcção aos poderosos… no fim são como a montanha que pare um rato.
Há especialistas que já dizem que este pacote não vai chegar e que provavelmente ainda vêm aí medidas adicionais em 2011. Também é essa a sua opinião?
Eu coloco é a outra questão. Acima de tudo, estas medidas não resolvem o fundamental, porque fundamental é arranjar caminhos para haver crescimento económico e haver criação de emprego!
O que pensa da incorporação de fundos da PT no Estado para resolver o problema do défice em 2010?
Por falta de tempo, ainda não tive oportunidade de falar com o presidente da PT. Desejo ouvir directamente dele o que diz sobre isto. Do que se vai conhecendo, esta colocação dos fundos permite uma transferência que resolve o problema do défice em relação a 2010, mas no futuro compra encargos para o Estado. E alguém vai pagar. Falta saber uma coisa: se aquilo não tem nenhum buraco. Porque há muita gente que diz que é capaz de já vir com um buraco de algumas centenas de milhares de euros.
Sim ou não? Acha que vai ser possível um entendimento entre o PS e o PSD com base nestas medidas que foram conhecidas?
Acho que desde o início há um entendimento entre o PS, o PSD e o Presidente da República. E esse é o drama, designadamente quando estamos às portas de umas eleições presidenciais, em que parece que vamos ter umas eleições que não são em democracia. É uma espécie de colocação do indivíduo que serve o entendimento e o compromisso, sendo que o entendimento e o compromisso são sobre uma actuação e sobre a execução de políticas que colocam povo a sofrer. Veja-se isto: no Brasil estamos em tempo de eleições presidenciais. O Lula não pode ser candidato, tem uma candidata que apoia, e Lula tem o apoio de cerca de 80% da população brasileira. Essa possibilidade de manipulação do poder, que é real para um indivíduo que tem 80%, não o inibiu de ir ao debate político para a sociedade. É uma coisa que vale a pena ver! Nós aqui andamos à espera de nomear um presidente em nome de um entendimento e de um compromisso. Azar dos diabos, entendimento e compromisso que estão cheios de malfeitorias para o povo.
Já percebemos em quem não vota. Em quem vai votar nas próximas eleições presidenciais?
Quando chegar ao dia, decido.
Temos visto crescer a dramatização em torno da aprovação, ou não, do Orçamento do Estado. O senhor e a CGTP consideram importante que o País tenha um Orçamento aprovado na Assembleia?
É importante e indispensável para o País ter governação, ter Orçamento do Estado e ter Orçamento do Estado apresentado com clareza, com rigor e com transparência. E que haja uma assunção muito objectiva dos conteúdos e dos compromissos inerentes a esse Orçamento do Estado.
E, segundo a sua perspectiva, isso não está no horizonte?
Temos andado numa situação em que o Governo tem grandes dificuldades em avançar com as propostas que acha que devem avançar - porque não quer assumir essa clareza e essa transparência, tem medo das implicações, dos custos que isso tem na sua credibilidade perante a sociedade e da sua projecção para o futuro. Entretanto, formou-se aqui um jogo de chutar responsabilidades de um lado para o outro. Ou seja, o Governo, que tem a convergência do PSD e o apoio do PSD em tudo que são medidas sociais de aperto do cinto ao povo, quer também que o PSD assuma alguma responsabilidade noutras matérias menos simpáticas e de mais custos para outros sectores da sociedade portuguesa. E o PSD, com a sua ambição de ser alternativa, sente que não deve fazer isto, e andam aqui a ver quem é que fica com a responsabilidade da coisa. Há uma convergência objectiva quanto à linha política que pretendem seguir - continuação e aprofundamento da matriz que vem de trás. E o Presidente da República gosta disto, é defensor do centrão e do compromisso para a continuidade. E este jogo até lhe está a dar jeito, porque vai fazendo campanha eleitoral sem estar em campanha eleitoral. Ou melhor, vai ganhando posições eleitorais sem estar formalmente em campanha eleitoral.
Na análise política que faz desta situação não se referiu aos partidos de esquerda, o Partido Comunista e o Bloco que normalmente estão à margem destas questões da governação. Não acha que isso tem de mudar para que a sociedade portuguesa não fique refém das negociações entre PS e PSD?
Acho que é útil e muito importante que mude. Mas o facto é que, neste momento, o processo político em Portugal está centrado nisto: um esforço enorme do centrão político para prosseguir na sua presença no poder. E, portanto, os interesses económicos e sociais inerentes à sustentação desse centrão - com mais inclinação para o PS, com mais inclinação para o PSD - é que jogam neste processo. Isso continua a marcar. Agora... nós estamos desafiados a encontrar alternativas. E acho que a esquerda tem um grande desafio, que é o de passar de uma posição de denúncia e afrontamento pontual para uma posição de desenvolvimento de estratégias que obriguem perante a percepção e a mobilização da sociedade portuguesa.
José Sócrates garante que vai defender o chamado Estado social e diz que prefere subir impostos a cortar na saúde e na educação. O PSD já veio dizer que não aceitará qualquer aumento da carga fiscal. Como acha que se vai resolver esse impasse e, faço já outra pergunta associada a esta, até quando estão os contribuintes portugueses dispostos a aguentar mais impostos em nome do despesismo do Estado?
Primeiro: quem são os contribuintes portugueses? É que há uma parte significativa da riqueza que não contribui para o Orçamento do Estado.
Está a falar de que sectores?
Estou a falar, por exemplo, da dimensão da economia clandestina, da economia paralela. Bem mais de 20% do volume da nossa economia. Estamos a falar de muitos milhares de milhões de euros. Depois, é necessário um efectivo combate à fraude e à evasão fiscal. Há que ir aonde a riqueza está concentrada! E em Portugal criou-se uma barreira. Quando se fala em pôr a riqueza a pagar mais, resumem isto a uma camada, às vezes média/alta, ligada ao trabalho, e não querem ver a dimensão concreta da riqueza.
Mas acha que, por outro lado, também é preciso combater o despesismo do Estado?
É indiscutível. Nós temos três grandes problemas: aumentar as receitas é indispensável, diminuir as despesas - evitar os desperdícios, os descarrilamentos -, mas, simultaneamente, tratar do desenvolvimento do País, e disto quase não se fala!
Não acha que é preciso cortar nas despesas do Estado, nos gastos das famílias...
Claro! Mas, atenção, os três grandes problemas são estes: dívida pública, que é preciso baixar senão andamos a pagar juros. Mas esta dívida resulta, em grande parte, da desvalorização do sector produtivo; uma das teses de modernização neste País é que era natural o desaparecimento do sector produtivo, e não há nenhum país que se desenvolva, veja-se aliás a estratégia dos países que estão a sair da crise...
Está a falar dos cortes que Portugal fez durante muitos anos na agricultura, nas pescas...?
Na agricultura, nas pescas, nos transportes marítimos, na indústria metalomecânica, em sectores da indústria pesada...
Vamos ter de fazer de novo o caminho inverso?
Claro que temos de fazer um caminho inverso! Pode não ser com as mesmas actividades, porque entretanto a sociedade desenvolveu-se. Outra questão é o défice. Nós temos um défice que é preciso combater. Mas o défice agravou- -se não por aumento das pensões e da melhoria do sistema de saúde mas porque se foi buscar dinheiro ao Orçamento para ir em socorro da economia privada em nome da crise! E o terceiro aspecto que é preocupante é uma acumulação de falsos sentidos de modernidade. Portugal engoliu em pleno a ideia de que o consumo a qualquer custo é sinónimo de modernidade.
Há pouco pareceu-me depreender das suas palavras que não considerou muito importante a acção do Presidente da República de chamar os partidos a Belém antes de se começar a discutir o Orçamento na Assembleia...
Ele tem de os chamar. Até já devia ter chamado [antes]! Há aqui um retardamento em função de um jogo eleitoral, também protagonizado pelo Presidente da República, que é um acrescento negativo a tudo o que lhe disse sobre esta situação que estamos a viver no plano político. Há um retardamento claro!
Para ficar muito claro, acha que o PS e o PSD vão entender-se quanto ao Orçamento?
Não há dúvida quanto a isso! Primeiro, naquilo que diz respeito ao apertar do cinto do povo entendem-se. Aliás, uma das questões que colocamos no momento presente é esta: o País está limitado por uma ignóbil campanha de pedidos de sacrifícios a uma parte da sociedade muito grande, que é cerca de metade da sociedade portuguesa, que vive em limites baixos. As pessoas têm pouco e foram convencidas de que os subsídios de desemprego, que os salários mínimos, que as pensões sociais e as prestações já são benesses e, "cuidado, porque vocês são uns malandros"! Mais de metade, talvez mais de cinco milhões de portugueses, é esta sociedade. Não têm organizações próprias muito vivas, não têm uma dinâmica social e estão debaixo desta pressão, da inevitabilidade dos sacrifícios. Isto é uma perda enorme para se encontrar saídas, e é a isto, também, que uma central sindical tem de dar resposta.
Se o Governo avançar com a penalização total ou em parte dos funcionários públicos no que respeita ao décimo terceiro mês, qual será a posição da CGTP?
Não tem sentido, não pode ser! Há muito onde cortar antes disso. Não aceitamos! Uma coisa que dizemos, e não dizemos levianamente, é que é um imperativo nacional aumentar os salários.
Isso não pode estar em causa se, por acaso, o salário mínimo ficar congelado?
Não tem sentido! Os dois factores que evitaram que a pobreza em Portugal se agravasse profundamente na última década, e que ainda criam aqui alguns tampões de segurança, são o efeito de um aumento progressivo e significativo do salário mínimo nos últimos anos, desde 2006, e duas ou três medidas significativas adoptadas: uma primeira pelo eng.º Guterres e mais uma ou duas que criaram alguns tampões e protecção a camadas da população muito desprotegidas. Se isso não acontecesse, era um desastre.
Para encerrarmos esta questão, se por acaso não houvesse entendimento e se Portugal tivesse de partir para 2011 a viver em duodécimos, isso seria mau para o País?
É mau para o País! É um prejuízo para o País não ter um Orçamento claro e com responsabilidades identificadas. Uma situação que leve a uma diluição das responsabilidades no plano político é um agravamento da situação política, que terá de imediato reflexos do ponto de vista económico e do ponto de vista social. Essa é a minha convicção, estou a dizê-lo em nome pessoal, não fizemos ainda um debate sobre essa hipótese. Agora, o que é verdade e me parece inquestionável, é isto: nós precisamos das coisas claras e da responsabilização assumida para que se possa fazer penalizações, mas também de escolhas e questionamentos sérios na sociedade.
In DN
"Há um entendimento entre o PS, o PSD e o Presidente"
por JOÃO MARCELINO
Hoje
"O processo político em Portugal está centrado nisto: um esforço enorme do centrão político para prosseguir na sua presença no poder. E, portanto, os interesses económicos e sociais inerentes à sustentação desse centrão - com mais inclinação para o PS, com mais inclinação para o PSD - é que jogam neste processo. Estamos desafiados a encontrar alternativas. (...) A esquerda tem um grande desafio, que é o de passar de uma posição de denúncia e afrontamento pontual para uma posição de desenvolvimento de estratégias que mobilizem a sociedade portuguesa"
Na semana em que o Governo anunciou ao País o mais grave pacote de austeridade dos últimos anos e a CGTP, a comemorar o seu 40.º aniversário, reagiu marcando uma greve geral para 24 de Novembro, o secretário-geral da intersindical - cargo que ocupa desde Dezembro de 99, tendo sido seu coordenador desde Junho de 86 - analisa o momento que se vive na sociedade portuguesa e critica que as medidas agora tomadas atinjam apenas os mais pobres. À beira de completar 62 anos, o filho de agricultores cuja formação-base é o Curso Industrial de Montador Electricista, entretanto reforçado com um curso superior, que tem como referências de vida Lula da Silva, Álvaro Cunhal e Nelson Mandela, reconhece que está na altura de a Esquerda começar a envolver-se nas grandes decisões da governação.
A greve geral [marcada para 24 de Novembro] já estava decidida ou foi determinada pelas medidas que foram conhecidas esta semana e que o Governo pretende inscrever no Orçamento Geral do Estado de 2011?
Eu posso fazer uma confissão. A decisão desta greve geral é uma construção muito complicada, trabalhosa. Foi sendo feita aos bocadinhos, conforme se foi reflectindo sobre a situação em que se encontram os trabalhadores e sobre aquilo que se perspectiva para o futuro, do ponto de vista das medidas que têm incidência fortíssima nas condições de vida dos trabalhadores, dos reformados, dos desempregados.
Desde quando?
A reflexão para a possibilidade de avançarmos para uma greve geral surgiu antes das férias. Quando, em Maio/Junho, se debatia a possibilidade de uma luta conjunta a nível europeu - que se realizou agora a 29 de Setembro -, fomos dos que defenderam que se deveria mesmo equacionar declarar greve em todos os países...
Mas só agora foi conhecida essa decisão, depois de José Sócrates ter anunciado as medidas [a inscrever na proposta de Orçamento]… Foi determinante o anúncio destas medidas para a CGTP dizer "vamos fazer uma greve"?
Este foi um "clique" último que reforçou a dinâmica que vinha sendo construída.
Havia [na CGTP] divergências quanto a essa decisão?
Havia divergências quanto a tempos, quanto a formas. E múltiplas! O que levou à convergência foi um debate profundo em que este aspecto entrou, mas entraram muitos outros. Do ponto de vista nacional e do ponto de vista europeu.
O senhor e a CGTP estavam à espera de um apertar de cinto desta dimensão?
Infelizmente, nós sabemos que o País caminha no sentido de se afundar. Portanto, quando caminha num sentido destes e quando a sociedade manifesta sinais de pressão para uma harmonização no retrocesso - que é uma falsa harmonização, nunca se consegue igualdade nesse caminho -, as coisas podem ser muito duras. Agora, o que foi anunciado não é o mais grave do problema. O mais grave é que estas medidas provocam recessão, provocam directamente mais desemprego. E com recessão económica não há possibilidade de se criar emprego, diminuem as contribuições para o Estado, diminuem os impostos.
Portanto, poderá ter de haver um outro pacote adicional a este em 2011?
Tem de haver um sacudir desta [política]. O grande problema é que nós vivemos num sistema político muito concreto, e neste sistema sabemos que há coisas a que temos de responder. Estamos prisioneiros da dívida externa.
E também do défice…
E do défice! Mas também de uma falta de estratégia de desenvolvimento. Esta terceira componente de olhar o futuro, de ver como se há-de dinamizar a economia, de como se há-de melhorar a capacidade do poder de compra dos portugueses que vivem pior...
Mas a montante não tem de estar sempre o resolver destes problemas pontuais?
Não. Tem de ser resolvido em simultâneo! Essa é uma visão que nós não aceitamos.
O que falta, então, nesta visão do Governo?
Em fases de grande crise nas sociedades ou nos países, o segredo para sair dessas situações de bloqueio está sempre em dois ou três aspectos fundamentais. Um é haver uma concepção estratégica que faça convergir dimensões de reforma com dimensões de ruptura. Temos esses bloqueios da dívida, do défice, temos de responder a eles, temos de encontrar reformas. Mas temos de encontrar, também, as dimensões de ruptura. Temos de sacudir a submissão de Portugal a este processo de agiotagem que está a aprisionar a Europa, em particular os países mais débeis. O segundo aspecto é apresentar projectos que tenham credibilidade, falar a verdade. Não é possível mobilizar a sociedade dizendo que o pacote X vai resolver tudo e, passadas umas semanas, dizer que já não é esse pacote, que tem de ser outro. Tem de haver a capacidade de sensibilizar e mobilizar os portugueses, porque há uma coisa que o povo tem mais do que adquirida perante os problemas: a necessidade de fazer sacrifício.
Neste processo encontra mentiras de líderes políticos?
Mentiras claras. Quando um primeiro-ministro ou um ministro diz "com este pacote estão resolvidos todos os problemas", por exemplo, e depois chega-se a outra edição e "não, não estão. Afinal, agora tem de se ir fazer isto, porque isto era o submarino de que nos esquecemos...", isto não é verdade! Mas há aspectos piores. O ministro das Finanças tornou-se inimigo do povo e inimigo da economia. Acho que é patético um ministro das Finanças quase apelar ao sector privado para reduzir salários! Então ele não quer mais impostos?! Então ele não quer os portugueses a contribuírem para a Segurança Social? Então ele não quer mais emprego? Que concepção é esta?! Como se, alguma vez na história, os patrões tivessem cometido o erro de pagar salários acima daquilo que podem pagar. Isto é uma aberração do ponto de vista objectivo de um actor político! O ministro das Finanças - tenho todo o respeito por ele enquanto tecnocrata, enquanto académico - pode saber muito, mas não sabe interpretar esse conhecimento para o pôr ao serviço do povo.
Qual destas medidas o surpreendeu mais?
Não queria responder a isso. Há uma que é a continuação da pior surpresa: tudo o que é sacrifícios para o mundo do trabalho e para o povo é quantificado. Aquilo que diz respeito aos sacrifícios do sector financeiro é enunciado, podendo a montanha vir a parir um rato.
Mas foi anunciado um novo imposto para o sector financeiro.
Viu alguma descrição de como vai ser aplicado? Quais as amplitudes disso? Em regra, estas medidas em direcção aos poderosos… no fim são como a montanha que pare um rato.
Há especialistas que já dizem que este pacote não vai chegar e que provavelmente ainda vêm aí medidas adicionais em 2011. Também é essa a sua opinião?
Eu coloco é a outra questão. Acima de tudo, estas medidas não resolvem o fundamental, porque fundamental é arranjar caminhos para haver crescimento económico e haver criação de emprego!
O que pensa da incorporação de fundos da PT no Estado para resolver o problema do défice em 2010?
Por falta de tempo, ainda não tive oportunidade de falar com o presidente da PT. Desejo ouvir directamente dele o que diz sobre isto. Do que se vai conhecendo, esta colocação dos fundos permite uma transferência que resolve o problema do défice em relação a 2010, mas no futuro compra encargos para o Estado. E alguém vai pagar. Falta saber uma coisa: se aquilo não tem nenhum buraco. Porque há muita gente que diz que é capaz de já vir com um buraco de algumas centenas de milhares de euros.
Sim ou não? Acha que vai ser possível um entendimento entre o PS e o PSD com base nestas medidas que foram conhecidas?
Acho que desde o início há um entendimento entre o PS, o PSD e o Presidente da República. E esse é o drama, designadamente quando estamos às portas de umas eleições presidenciais, em que parece que vamos ter umas eleições que não são em democracia. É uma espécie de colocação do indivíduo que serve o entendimento e o compromisso, sendo que o entendimento e o compromisso são sobre uma actuação e sobre a execução de políticas que colocam povo a sofrer. Veja-se isto: no Brasil estamos em tempo de eleições presidenciais. O Lula não pode ser candidato, tem uma candidata que apoia, e Lula tem o apoio de cerca de 80% da população brasileira. Essa possibilidade de manipulação do poder, que é real para um indivíduo que tem 80%, não o inibiu de ir ao debate político para a sociedade. É uma coisa que vale a pena ver! Nós aqui andamos à espera de nomear um presidente em nome de um entendimento e de um compromisso. Azar dos diabos, entendimento e compromisso que estão cheios de malfeitorias para o povo.
Já percebemos em quem não vota. Em quem vai votar nas próximas eleições presidenciais?
Quando chegar ao dia, decido.
Temos visto crescer a dramatização em torno da aprovação, ou não, do Orçamento do Estado. O senhor e a CGTP consideram importante que o País tenha um Orçamento aprovado na Assembleia?
É importante e indispensável para o País ter governação, ter Orçamento do Estado e ter Orçamento do Estado apresentado com clareza, com rigor e com transparência. E que haja uma assunção muito objectiva dos conteúdos e dos compromissos inerentes a esse Orçamento do Estado.
E, segundo a sua perspectiva, isso não está no horizonte?
Temos andado numa situação em que o Governo tem grandes dificuldades em avançar com as propostas que acha que devem avançar - porque não quer assumir essa clareza e essa transparência, tem medo das implicações, dos custos que isso tem na sua credibilidade perante a sociedade e da sua projecção para o futuro. Entretanto, formou-se aqui um jogo de chutar responsabilidades de um lado para o outro. Ou seja, o Governo, que tem a convergência do PSD e o apoio do PSD em tudo que são medidas sociais de aperto do cinto ao povo, quer também que o PSD assuma alguma responsabilidade noutras matérias menos simpáticas e de mais custos para outros sectores da sociedade portuguesa. E o PSD, com a sua ambição de ser alternativa, sente que não deve fazer isto, e andam aqui a ver quem é que fica com a responsabilidade da coisa. Há uma convergência objectiva quanto à linha política que pretendem seguir - continuação e aprofundamento da matriz que vem de trás. E o Presidente da República gosta disto, é defensor do centrão e do compromisso para a continuidade. E este jogo até lhe está a dar jeito, porque vai fazendo campanha eleitoral sem estar em campanha eleitoral. Ou melhor, vai ganhando posições eleitorais sem estar formalmente em campanha eleitoral.
Na análise política que faz desta situação não se referiu aos partidos de esquerda, o Partido Comunista e o Bloco que normalmente estão à margem destas questões da governação. Não acha que isso tem de mudar para que a sociedade portuguesa não fique refém das negociações entre PS e PSD?
Acho que é útil e muito importante que mude. Mas o facto é que, neste momento, o processo político em Portugal está centrado nisto: um esforço enorme do centrão político para prosseguir na sua presença no poder. E, portanto, os interesses económicos e sociais inerentes à sustentação desse centrão - com mais inclinação para o PS, com mais inclinação para o PSD - é que jogam neste processo. Isso continua a marcar. Agora... nós estamos desafiados a encontrar alternativas. E acho que a esquerda tem um grande desafio, que é o de passar de uma posição de denúncia e afrontamento pontual para uma posição de desenvolvimento de estratégias que obriguem perante a percepção e a mobilização da sociedade portuguesa.
José Sócrates garante que vai defender o chamado Estado social e diz que prefere subir impostos a cortar na saúde e na educação. O PSD já veio dizer que não aceitará qualquer aumento da carga fiscal. Como acha que se vai resolver esse impasse e, faço já outra pergunta associada a esta, até quando estão os contribuintes portugueses dispostos a aguentar mais impostos em nome do despesismo do Estado?
Primeiro: quem são os contribuintes portugueses? É que há uma parte significativa da riqueza que não contribui para o Orçamento do Estado.
Está a falar de que sectores?
Estou a falar, por exemplo, da dimensão da economia clandestina, da economia paralela. Bem mais de 20% do volume da nossa economia. Estamos a falar de muitos milhares de milhões de euros. Depois, é necessário um efectivo combate à fraude e à evasão fiscal. Há que ir aonde a riqueza está concentrada! E em Portugal criou-se uma barreira. Quando se fala em pôr a riqueza a pagar mais, resumem isto a uma camada, às vezes média/alta, ligada ao trabalho, e não querem ver a dimensão concreta da riqueza.
Mas acha que, por outro lado, também é preciso combater o despesismo do Estado?
É indiscutível. Nós temos três grandes problemas: aumentar as receitas é indispensável, diminuir as despesas - evitar os desperdícios, os descarrilamentos -, mas, simultaneamente, tratar do desenvolvimento do País, e disto quase não se fala!
Não acha que é preciso cortar nas despesas do Estado, nos gastos das famílias...
Claro! Mas, atenção, os três grandes problemas são estes: dívida pública, que é preciso baixar senão andamos a pagar juros. Mas esta dívida resulta, em grande parte, da desvalorização do sector produtivo; uma das teses de modernização neste País é que era natural o desaparecimento do sector produtivo, e não há nenhum país que se desenvolva, veja-se aliás a estratégia dos países que estão a sair da crise...
Está a falar dos cortes que Portugal fez durante muitos anos na agricultura, nas pescas...?
Na agricultura, nas pescas, nos transportes marítimos, na indústria metalomecânica, em sectores da indústria pesada...
Vamos ter de fazer de novo o caminho inverso?
Claro que temos de fazer um caminho inverso! Pode não ser com as mesmas actividades, porque entretanto a sociedade desenvolveu-se. Outra questão é o défice. Nós temos um défice que é preciso combater. Mas o défice agravou- -se não por aumento das pensões e da melhoria do sistema de saúde mas porque se foi buscar dinheiro ao Orçamento para ir em socorro da economia privada em nome da crise! E o terceiro aspecto que é preocupante é uma acumulação de falsos sentidos de modernidade. Portugal engoliu em pleno a ideia de que o consumo a qualquer custo é sinónimo de modernidade.
Há pouco pareceu-me depreender das suas palavras que não considerou muito importante a acção do Presidente da República de chamar os partidos a Belém antes de se começar a discutir o Orçamento na Assembleia...
Ele tem de os chamar. Até já devia ter chamado [antes]! Há aqui um retardamento em função de um jogo eleitoral, também protagonizado pelo Presidente da República, que é um acrescento negativo a tudo o que lhe disse sobre esta situação que estamos a viver no plano político. Há um retardamento claro!
Para ficar muito claro, acha que o PS e o PSD vão entender-se quanto ao Orçamento?
Não há dúvida quanto a isso! Primeiro, naquilo que diz respeito ao apertar do cinto do povo entendem-se. Aliás, uma das questões que colocamos no momento presente é esta: o País está limitado por uma ignóbil campanha de pedidos de sacrifícios a uma parte da sociedade muito grande, que é cerca de metade da sociedade portuguesa, que vive em limites baixos. As pessoas têm pouco e foram convencidas de que os subsídios de desemprego, que os salários mínimos, que as pensões sociais e as prestações já são benesses e, "cuidado, porque vocês são uns malandros"! Mais de metade, talvez mais de cinco milhões de portugueses, é esta sociedade. Não têm organizações próprias muito vivas, não têm uma dinâmica social e estão debaixo desta pressão, da inevitabilidade dos sacrifícios. Isto é uma perda enorme para se encontrar saídas, e é a isto, também, que uma central sindical tem de dar resposta.
Se o Governo avançar com a penalização total ou em parte dos funcionários públicos no que respeita ao décimo terceiro mês, qual será a posição da CGTP?
Não tem sentido, não pode ser! Há muito onde cortar antes disso. Não aceitamos! Uma coisa que dizemos, e não dizemos levianamente, é que é um imperativo nacional aumentar os salários.
Isso não pode estar em causa se, por acaso, o salário mínimo ficar congelado?
Não tem sentido! Os dois factores que evitaram que a pobreza em Portugal se agravasse profundamente na última década, e que ainda criam aqui alguns tampões de segurança, são o efeito de um aumento progressivo e significativo do salário mínimo nos últimos anos, desde 2006, e duas ou três medidas significativas adoptadas: uma primeira pelo eng.º Guterres e mais uma ou duas que criaram alguns tampões e protecção a camadas da população muito desprotegidas. Se isso não acontecesse, era um desastre.
Para encerrarmos esta questão, se por acaso não houvesse entendimento e se Portugal tivesse de partir para 2011 a viver em duodécimos, isso seria mau para o País?
É mau para o País! É um prejuízo para o País não ter um Orçamento claro e com responsabilidades identificadas. Uma situação que leve a uma diluição das responsabilidades no plano político é um agravamento da situação política, que terá de imediato reflexos do ponto de vista económico e do ponto de vista social. Essa é a minha convicção, estou a dizê-lo em nome pessoal, não fizemos ainda um debate sobre essa hipótese. Agora, o que é verdade e me parece inquestionável, é isto: nós precisamos das coisas claras e da responsabilização assumida para que se possa fazer penalizações, mas também de escolhas e questionamentos sérios na sociedade.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"O Ministério das Finanças já não merece crédito"
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"O Ministério das Finanças já não merece crédito"
por JOÃO MARCELINO
Hoje
(COM VÍDEO) Gente Que Conta - entrevista com Henrique Medina Carreira. Apesar de considerar que Sócrates "não tem crédito" e que "o Governo merecia uma sapatada", o ex-ministro diz que não há outro remédio senão deixar passar o OE de 2011, para acalmar os mercados. Mandatário de Cavaco nas últimas presidenciais, não apoiará agora nenhum candidato porque, diz, o Presidente "não fez o que devia".
Medina Carreira foi ministro das Finanças há mais de 30 anos, num Governo de Mário Soares, mas ganhou notoriedade pública mais recentemente, fazendo a denúncia do crescente endividamento do País. Durante muito tempo foi apontado como um "catastrofista", alguém que se esgotava em alertas sem sentido. O tempo, no entanto, deu razão a este português de 79 anos, que nesta entrevista defende - apesar das sempre contundentes críticas ao Governo de José Sócrates - a importância de o País ter um Orçamento aprovado para acalmar os mercados que nos emprestam dinheiro. Passos Coelho deve abster-se explicando as razões ao País, afirma, ao mesmo tempo que revela que desta vez não vai apoiar nenhum candidato às presidenciais. Porquê? Porque este ex-militante do PS, ex--mandatário de Cavaco Silva, acha que o Presidente podia ter feito mais pelo esclarecimento dos cidadãos. "E não fez."
Em que altura decidiu partir para esta missão de alerta à sociedade? Foi um acto pensado de cidadania, ou foi aparecendo na sequência das suas intervenções políticas?
Há 15 anos, perante a queda da economia, que vem desde os anos 60, com outros amigos, fundámos o chamado Fórum Social, exactamente para chamar a atenção da sociedade e dos governos em geral. A seguir a isso, porque dava muito trabalho, e era eu que tratava de organizar tudo, deixei de realizar sessões do Fórum Social e passei a escrever, quando tinha paciência, a chamar a atenção para uma realidade que tem surpreendido muita gente. Tínhamos uma economia em enfraquecimento progressivo e um Estado a necessitar cada vez de mais impostos. Haveria de chegar o momento em que a economia não produziria receitas para o Estado. E foi isso que aconteceu.
Aconteceu quando? É capaz de datar esse momento?
Não é fácil, porque os governos variam nas políticas, pedem mais emprestado, menos emprestado, adiam despesas... Portanto, fomos vivendo num prelúdio de tragédia que foi acelerada pela crise internacional. Isto viria a acontecer, se não houvesse a crise de 2008, num momento mais tardio. Mas iria acontecer porque, como lhe digo, a economia caía e o Estado crescia.
Foi ministro das Finanças no Executivo de Mário Soares, quando foi necessário negociar pela primeira vez com o FMI, em 1977. Encontra algum paralelo com a situação de hoje?
Não, não há paralelo, porque nem foi por necessidade extrema na primeira vinda! O que aconteceu foi que nós obtínhamos financiamentos externos através da Alemanha, das boas relações de Mário Soares e, enquanto lá esteve, de Salgado Zenha. E com esse dinheiro fomos conseguindo aguentar os excessos revolucionários anteriores. Entretanto, esse dinheiro acabou, e o Governo americano propôs o chamado "grande empréstimo". Mas para fazer esse grande empréstimo, que era de mil e quinhentos milhões de dólares, fazia uma exigência: vir cá o FMI.
Como fiador?
Sim, vale a pena dar sempre uma vista de olhos pela casa do devedor. Quando veio mais tarde, com Ernâni Lopes, já foi numa crise muito grave.
Estamos aqui numa crise gravíssima de ruptura entre a riqueza que produzimos e o dinheiro que necessitamos. O espectro de intervenção do FMI neste momento em Portugal está ultrapassado em função das medidas que o Governo anuncio que ia inscrever no OE?
Digamos que está um pouco adiado e pode eventualmente nem vir. Nós temos, no chamado Estado social, qualquer coisa como seis milhões de portugueses. Tocar em salários, pensões, subsídios de doença ou de desemprego é uma tragédia, porque são seis milhões de portugueses que se põem de pé. Portanto, não há partido nenhum que consiga fazê-lo. Não era o PS, não era o PSD. Só haveria se o Governo apanhasse os dois, se fosse um Governo de coligação, como foi com Mota Pinto e Mário Soares em 83/84. Não havia maneira nenhuma de se resolver isto sem o FMI. Este último pacote... Não sei de quem foi exigência, se da senhora Merkel ou não, mas o Governo terá agido também sob uma pressão muito forte, senão não teria ido aos salários.
Não vê que haja aqui, da parte do Governo, uma estratégia económico-financeira?
Não, não há estratégia nenhuma! O primeiro-ministro não tem estratégia nenhuma na cabeça senão andar a fazer espectáculo e ir conciliando as circunstâncias para ver se vai durando. Aliás, este primeiro-ministro foi realmente uma desgraça para o País: nem tocou nos aspectos financeiros, nem tocou nos aspectos económicos. Qualquer solução financeira estável depende da economia. Mesmo essa consolidação que se diz que foi feita é uma coisa verdadeiramente...
No primeiro Governo de José Sócrates?
Exacto, de 2005 a 2008. Para ter uma noção da magreza desta consolidação, ela foi feita da pior maneira: a despesa corrente caiu 0,7, a despesa de capitais caiu 1,7 do produto. Quer dizer, cortou-se nas despesas capitais, foi o grande corte. Fazendo o quê? Tirando os investimentos para as parcerias público-privadas, Estradas de Portugal, para não aparecer no Orçamento. E os impostos cresceram 0,8. Foi à custa de impostos e de despesas de capital. Os impostos têm um tecto, as despesas de capital não podem baixar mais que zero. Isto só serviria se se tivesse mexido na despesa corrente - pessoal, prestações sociais, subsídios -, mas aí não mexeram! Isto ficou preso pelas costuras. A chamada consolidação de que o ministro Teixeira dos Santos e o primeiro-ministro falam - "já fizemos uma, podemos fazer duas ou três" - não tem assento nenhum na realidade.
José Sócrates continua a acreditar que a economia vai resistir às medidas anunciadas, mas a Standard&Poor's, uma das agências de rating internacionais, prevê uma contracção de 1,8 no crescimento do próximo ano, e o FMI diz mesmo que o desemprego deve subir até quase aos 11%. Quem tem razão?
Aparentemente, e em princípio, é o FMI, porque estas medidas são as ditas medidas contraccionistas. Havendo menos rendimento, porque os salários baixam e os impostos aumentam, a população vai consumir menos. É a evolução natural. Só há uma alternativa, que não depende de nós: exportarmos muito mais.
As pessoas perguntam: quantos anos pode levar a crise até ser ultrapassada?
Ninguém pode imaginar... Ao nível a que chegou o nosso endividamento externo - o peso dos juros e o estado da economia... A nossa economia foi-se abrindo quando entrámos para a CEE [Comunidade Económica Europeia, agora União Europeia]. Entrámos para 12, vamos em 27; por conseguinte, um primeiro factor que tornou difícil o crescimento da nossa economia foram os 27. Há muitas deslocalizações daqui para lá, por razões salariais, por razões de organização do Estado, etc. Saímos de uma economia fechada para uma economia sujeita a todas as ventanias externas e não nos preparámos para ser competitivos. E não sendo competitivos, não podemos ter exportações suficientes.
Portugal é mesmo, como o FMI disse esta semana, num relatório, uma ameaça à manutenção da Zona Euro? Ou também é catastrofista?
Portugal só, creio que é algum exagero. Mas há aqui uma posição com que se tem de contar, que é o que os alemães pensam disto. Imagine que nós não acompanhamos esta rearrumação financeira que a Europa impõe. Se formos só nós, não me admiro que nos deixem pelo caminho. Se a Grécia se equilibrar, se a Espanha se equilibrar, e a Irlanda, se ficarmos, digamos, o tinhoso único, não me admiro que nos baldeiem.
Pelo que depreendo das suas palavras, depois deste pacote, serão necessárias medidas adicionais em 2011 para que as finanças voltem a entrar no bom caminho? Ou seja, haverá um PEC III, um PEC IV...
Ou o PEC XXV! Seria bom que fosse assim, mas o problema não é esse: é que, quando chegarmos a 2013, saem as Scut e começam a entrar as par- cerias público-privadas no Orçamento. Mil milhões, mil e seiscentos milhões, mil e quinhentos milhões todos os anos! Depois de termos isto arrumado, aparece a desarrumação. Nessa altura, é quase com certeza necessário outras medidas.
Se fosse ministro das Finanças, quais seriam os vectores principais das suas políticas? Reduzir o Estado?
A primeira coisa se quisesse começar pela financeira, que é aflitiva, mas não é o real problema. O real problema é a economia. Não temos justiça que funcione, a nossa educação é uma miséria, a burocracia é um inferno, a corrupção...
Não houve Simplex?
O Simplex foi importante, mas o meu amigo faz uma sociedade em 50 minutos e depois espera seis meses para lhe darem uma autorização para pôr um toldo ou para abrir a porta. Não há uma visão global. Este Governo é um Governo de fogachos. O Simplex é muito bom. E o resto?!
Voltando às suas medidas.
Começando pelo fundo. Começaria pela arrumação do Estado em todos estes aspectos: educação, justiça, impostos. Os impostos são um sistema legal deplorável, os tribunais não funcionam. O que melhorou nos impostos? Foi a administração fiscal com a passagem de Paulo Macedo, realmente uma lança em África o que ele fez - com excessos, deficiências, com tudo o que é humano. Isso melhorou, mas o sistema legal é de fugir e o sistema judiciário também não funciona. Temos de mexer em seis ou sete coisas essenciais que são as chamadas reformas de fundo. Tenho um método para atacá-las que tenho tentado impingir, passe a expressão, mas ninguém dá dinheiro para fazer isso. É fazer um estudo comparativo com os países da Europa do Leste sobre aquilo em que estamos desfavoráveis - leis do trabalho - e em que aspectos. Nas discussões do trabalho, como tem presenciado, nunca ninguém se entende! "Isto precisa de ser mais flexível!" Os empregados dizem: "Não, isto já é flexível de mais!" A conversa morre sempre aí. Ao passo que, se se trouxer uma descrição sobre o que é o regime laboral nos países com que temos de competir, é diferente a discussão!
Isso no âmbito da economia. E nas finanças?
Nas finanças, temos de fazer um estudo das despesas muito pormenorizado e sossegado. Não é ir aos salários, isto ou aquilo. É ver despesa a despesa. Por exemplo, o mapa autárquico de mil oitocentos e tal não presta. Temos 30% de municípios com menos de dez mil habitantes... O que pagam de impostos não dá para o presidente da câmara, o chauffeur e a secretária!
Temos de reorganizar o País?
Tem de se reorganizar o mapa autárquico. 4500 freguesias é um disparate! E, no mapa autárquico, sabe porque não se mexe? Porque há presidentes de câmara que têm de ir tratar da vida para outro sítio. Não se faz nada que mexa em interesses! Empresas municipais - suprimir aí a eito.
Empresas que não fazem falta ao País?
Essas empresas? Então a gente viveu sem elas até há cinco anos! O que houve foi um esperto que descobriu que aquilo era maneira de fugir com o dinheiro às contas. Endividam-se pelas empresas municipais, e não se endividam pelas câmaras. Se estivesse nas finanças, no dia em que aparecesse a primeira, não deixava andar nem mais uma! Acabar com piscinas, redondéis, coisas onde se gasta dinheiro. Dizem: "Mas isso fez parte do meu programa." "Ai fez? E ganhou? Vá pedir aos seus votantes que lhe dêem dinheiro para fazer isso!" Porque eles querem cumprir os programas assumindo dinheiros que não têm.
E ao nível do Estado social - saúde, ensino... como mexeria?
Também temos de fazer uma análise a ver o que dói menos e a quem dói menos. Não preconizo que se mexa no Estado Social, em pessoas com 300 euros de reforma, que já são uma desgraça. Mas é acabar com as despesas inúteis todas... Há coisas que deve ser o ministro das Finanças a autorizar. Os carros devem ser modelo médio para ministros, e têm de durar cinco ou seis anos. Quando fui ministro, tinha um carro recuperado da sucata da alfândega de Lisboa.
O Estado social, tal qual o conhecemos, vai terminar?
Não. As minhas contas valem o que valem, mas entre 2015 e 2020 vai ter de se mexer.
E com coragem política?
A coragem não é difícil. Agora, trabalhar assim de qualquer maneira... Este pacote que saiu por aí deve ter sido feito em 48 horas. Isto foi alguém que foi a Bruxelas e trouxe um envelopezinho a dizer "mudem já!" Nenhum Governo ia ao pessoal sem pressão externa.
Se fosse trabalhador da PT, estaria apreensivo com a transferência do fundo de pensões ?
Essa pergunta é embaraçosa porque creio que dentro de alguns anos também a PT não vai ser a PT. Não sei se vai valer mais do que o Estado. Se for obrigada a praticar preços por chamada que tenham em conta o nível de vida dos portugueses, a PT não vale aquilo que vale. A PT põe os preços que quer, a energia são os preços que quer, a Galp faz aquilo que quer...
A PT não é uma empresa que está só no mercado português, tem também outras fontes de financiamento.
Está bem, tem essas fontes de financiamento. Mas não é possível termos comunicações caríssimas, taxas de aeroporto caríssimas - mais caras do que em Espanha.
Mas em relação à passagem do fundo de pensões para o Estado, no sentido de amenizar o desempenho orçamental deste ano...
Deve haver outros já na calha para o ano a seguir. Manuela Ferreira Leite fez isto, com grande indignação. E agora está-se a ver que estas habilidades têm de se fazer.
Tinha a noção de que a execução orçamental estava a falhar?
Há uns dois anos que não acredito naquilo que o Ministério das Finanças diz.
Carlos Costa, o governador do Banco de Portugal...
[interrompendo]... sugeriu uma agência, que eu estava para sugerir um dia destes!
Portanto, faz todo o sentido?
Para mim faz todo o sentido, o Ministério das Finanças não merece crédito! E o Ministério das Finanças era das coisas rigorosas que havia no País. Aquilo já é considerado uma barraca de farturas.
O BPN é actualmente a maior incógnita do próximo ano para as contas nacionais. Há quem diga que está em risco de acontecer o mesmo que na Irlanda, onde o défice passou de 10% para 32%...
[interrompendo] 32%, não, isso é um exagero; no [nosso caso] máximo, 4%!
... Mas no caso português... Acha que isso é uma espada que está sobre o Orçamento?
É. Pelos valores de que se fala, aquilo vai dar grande sarilho. Agora, o BPN: sejamos sérios. Estava a dar uma entrevista ao Rádio Clube quando foi nacionalizado, e concordei. Ainda concordo! Acho que foi das coisas bem feitas pelo Governo.
Mas não tinha ideia da dimensão do buraco?
Ninguém tinha! Mas há uma ideia que uma pessoa sensata tinha: é que se se deixasse haver uma corrida à caixa do BPN...
Tinha de se defender o sistema financeiro?
Exactamente! Não é [era] o BPP.
Portanto, este era um preço que...
[interrompendo] Assim, vão ser três ou quatro mil milhões. O outro preço, não sei qual seria. Um levantamento generalizado da banca era uma tragédia.
É das poucas coisas em que concorda com o Governo?
Estou, estou de acordo. E também estou noutras. A política de energias, das barragens, completamente.
Foi uma das pessoas que impulsionaram, em Maio, um encontro do Presidente da República com nove ex-ministros das Finanças.
Eram os que estavam aqui e quiseram ir. Mas não pondero repetir. Era um momento diferente. Hoje, a consciência da situação é muitíssimo mais nítida. Naquela altura, pensei: o que é que a gente pode fazer? Ir para as ruas berrar, não vale a pena. Talvez, simbolicamente, nove ex-ministros das Finanças é muita experiência acumulada em vários anos, várias situações, pessoas com propensões ideológicas diferentes, era um capital de conhecimento.
Essa reunião também visava um alerta público. Resultou?
Era um alerta público. Não faço ideia se resultou, vocês [comunicação social] é que podem ter uma ideia. Era o que podíamos fazer; enfim, sem um golpe de Estado, era isso.
http://dn.sapo.pt/galerias/videos/?content_id=1682195&seccao=Portugal
In DN
"O Ministério das Finanças já não merece crédito"
por JOÃO MARCELINO
Hoje
(COM VÍDEO) Gente Que Conta - entrevista com Henrique Medina Carreira. Apesar de considerar que Sócrates "não tem crédito" e que "o Governo merecia uma sapatada", o ex-ministro diz que não há outro remédio senão deixar passar o OE de 2011, para acalmar os mercados. Mandatário de Cavaco nas últimas presidenciais, não apoiará agora nenhum candidato porque, diz, o Presidente "não fez o que devia".
Medina Carreira foi ministro das Finanças há mais de 30 anos, num Governo de Mário Soares, mas ganhou notoriedade pública mais recentemente, fazendo a denúncia do crescente endividamento do País. Durante muito tempo foi apontado como um "catastrofista", alguém que se esgotava em alertas sem sentido. O tempo, no entanto, deu razão a este português de 79 anos, que nesta entrevista defende - apesar das sempre contundentes críticas ao Governo de José Sócrates - a importância de o País ter um Orçamento aprovado para acalmar os mercados que nos emprestam dinheiro. Passos Coelho deve abster-se explicando as razões ao País, afirma, ao mesmo tempo que revela que desta vez não vai apoiar nenhum candidato às presidenciais. Porquê? Porque este ex-militante do PS, ex--mandatário de Cavaco Silva, acha que o Presidente podia ter feito mais pelo esclarecimento dos cidadãos. "E não fez."
Em que altura decidiu partir para esta missão de alerta à sociedade? Foi um acto pensado de cidadania, ou foi aparecendo na sequência das suas intervenções políticas?
Há 15 anos, perante a queda da economia, que vem desde os anos 60, com outros amigos, fundámos o chamado Fórum Social, exactamente para chamar a atenção da sociedade e dos governos em geral. A seguir a isso, porque dava muito trabalho, e era eu que tratava de organizar tudo, deixei de realizar sessões do Fórum Social e passei a escrever, quando tinha paciência, a chamar a atenção para uma realidade que tem surpreendido muita gente. Tínhamos uma economia em enfraquecimento progressivo e um Estado a necessitar cada vez de mais impostos. Haveria de chegar o momento em que a economia não produziria receitas para o Estado. E foi isso que aconteceu.
Aconteceu quando? É capaz de datar esse momento?
Não é fácil, porque os governos variam nas políticas, pedem mais emprestado, menos emprestado, adiam despesas... Portanto, fomos vivendo num prelúdio de tragédia que foi acelerada pela crise internacional. Isto viria a acontecer, se não houvesse a crise de 2008, num momento mais tardio. Mas iria acontecer porque, como lhe digo, a economia caía e o Estado crescia.
Foi ministro das Finanças no Executivo de Mário Soares, quando foi necessário negociar pela primeira vez com o FMI, em 1977. Encontra algum paralelo com a situação de hoje?
Não, não há paralelo, porque nem foi por necessidade extrema na primeira vinda! O que aconteceu foi que nós obtínhamos financiamentos externos através da Alemanha, das boas relações de Mário Soares e, enquanto lá esteve, de Salgado Zenha. E com esse dinheiro fomos conseguindo aguentar os excessos revolucionários anteriores. Entretanto, esse dinheiro acabou, e o Governo americano propôs o chamado "grande empréstimo". Mas para fazer esse grande empréstimo, que era de mil e quinhentos milhões de dólares, fazia uma exigência: vir cá o FMI.
Como fiador?
Sim, vale a pena dar sempre uma vista de olhos pela casa do devedor. Quando veio mais tarde, com Ernâni Lopes, já foi numa crise muito grave.
Estamos aqui numa crise gravíssima de ruptura entre a riqueza que produzimos e o dinheiro que necessitamos. O espectro de intervenção do FMI neste momento em Portugal está ultrapassado em função das medidas que o Governo anuncio que ia inscrever no OE?
Digamos que está um pouco adiado e pode eventualmente nem vir. Nós temos, no chamado Estado social, qualquer coisa como seis milhões de portugueses. Tocar em salários, pensões, subsídios de doença ou de desemprego é uma tragédia, porque são seis milhões de portugueses que se põem de pé. Portanto, não há partido nenhum que consiga fazê-lo. Não era o PS, não era o PSD. Só haveria se o Governo apanhasse os dois, se fosse um Governo de coligação, como foi com Mota Pinto e Mário Soares em 83/84. Não havia maneira nenhuma de se resolver isto sem o FMI. Este último pacote... Não sei de quem foi exigência, se da senhora Merkel ou não, mas o Governo terá agido também sob uma pressão muito forte, senão não teria ido aos salários.
Não vê que haja aqui, da parte do Governo, uma estratégia económico-financeira?
Não, não há estratégia nenhuma! O primeiro-ministro não tem estratégia nenhuma na cabeça senão andar a fazer espectáculo e ir conciliando as circunstâncias para ver se vai durando. Aliás, este primeiro-ministro foi realmente uma desgraça para o País: nem tocou nos aspectos financeiros, nem tocou nos aspectos económicos. Qualquer solução financeira estável depende da economia. Mesmo essa consolidação que se diz que foi feita é uma coisa verdadeiramente...
No primeiro Governo de José Sócrates?
Exacto, de 2005 a 2008. Para ter uma noção da magreza desta consolidação, ela foi feita da pior maneira: a despesa corrente caiu 0,7, a despesa de capitais caiu 1,7 do produto. Quer dizer, cortou-se nas despesas capitais, foi o grande corte. Fazendo o quê? Tirando os investimentos para as parcerias público-privadas, Estradas de Portugal, para não aparecer no Orçamento. E os impostos cresceram 0,8. Foi à custa de impostos e de despesas de capital. Os impostos têm um tecto, as despesas de capital não podem baixar mais que zero. Isto só serviria se se tivesse mexido na despesa corrente - pessoal, prestações sociais, subsídios -, mas aí não mexeram! Isto ficou preso pelas costuras. A chamada consolidação de que o ministro Teixeira dos Santos e o primeiro-ministro falam - "já fizemos uma, podemos fazer duas ou três" - não tem assento nenhum na realidade.
José Sócrates continua a acreditar que a economia vai resistir às medidas anunciadas, mas a Standard&Poor's, uma das agências de rating internacionais, prevê uma contracção de 1,8 no crescimento do próximo ano, e o FMI diz mesmo que o desemprego deve subir até quase aos 11%. Quem tem razão?
Aparentemente, e em princípio, é o FMI, porque estas medidas são as ditas medidas contraccionistas. Havendo menos rendimento, porque os salários baixam e os impostos aumentam, a população vai consumir menos. É a evolução natural. Só há uma alternativa, que não depende de nós: exportarmos muito mais.
As pessoas perguntam: quantos anos pode levar a crise até ser ultrapassada?
Ninguém pode imaginar... Ao nível a que chegou o nosso endividamento externo - o peso dos juros e o estado da economia... A nossa economia foi-se abrindo quando entrámos para a CEE [Comunidade Económica Europeia, agora União Europeia]. Entrámos para 12, vamos em 27; por conseguinte, um primeiro factor que tornou difícil o crescimento da nossa economia foram os 27. Há muitas deslocalizações daqui para lá, por razões salariais, por razões de organização do Estado, etc. Saímos de uma economia fechada para uma economia sujeita a todas as ventanias externas e não nos preparámos para ser competitivos. E não sendo competitivos, não podemos ter exportações suficientes.
Portugal é mesmo, como o FMI disse esta semana, num relatório, uma ameaça à manutenção da Zona Euro? Ou também é catastrofista?
Portugal só, creio que é algum exagero. Mas há aqui uma posição com que se tem de contar, que é o que os alemães pensam disto. Imagine que nós não acompanhamos esta rearrumação financeira que a Europa impõe. Se formos só nós, não me admiro que nos deixem pelo caminho. Se a Grécia se equilibrar, se a Espanha se equilibrar, e a Irlanda, se ficarmos, digamos, o tinhoso único, não me admiro que nos baldeiem.
Pelo que depreendo das suas palavras, depois deste pacote, serão necessárias medidas adicionais em 2011 para que as finanças voltem a entrar no bom caminho? Ou seja, haverá um PEC III, um PEC IV...
Ou o PEC XXV! Seria bom que fosse assim, mas o problema não é esse: é que, quando chegarmos a 2013, saem as Scut e começam a entrar as par- cerias público-privadas no Orçamento. Mil milhões, mil e seiscentos milhões, mil e quinhentos milhões todos os anos! Depois de termos isto arrumado, aparece a desarrumação. Nessa altura, é quase com certeza necessário outras medidas.
Se fosse ministro das Finanças, quais seriam os vectores principais das suas políticas? Reduzir o Estado?
A primeira coisa se quisesse começar pela financeira, que é aflitiva, mas não é o real problema. O real problema é a economia. Não temos justiça que funcione, a nossa educação é uma miséria, a burocracia é um inferno, a corrupção...
Não houve Simplex?
O Simplex foi importante, mas o meu amigo faz uma sociedade em 50 minutos e depois espera seis meses para lhe darem uma autorização para pôr um toldo ou para abrir a porta. Não há uma visão global. Este Governo é um Governo de fogachos. O Simplex é muito bom. E o resto?!
Voltando às suas medidas.
Começando pelo fundo. Começaria pela arrumação do Estado em todos estes aspectos: educação, justiça, impostos. Os impostos são um sistema legal deplorável, os tribunais não funcionam. O que melhorou nos impostos? Foi a administração fiscal com a passagem de Paulo Macedo, realmente uma lança em África o que ele fez - com excessos, deficiências, com tudo o que é humano. Isso melhorou, mas o sistema legal é de fugir e o sistema judiciário também não funciona. Temos de mexer em seis ou sete coisas essenciais que são as chamadas reformas de fundo. Tenho um método para atacá-las que tenho tentado impingir, passe a expressão, mas ninguém dá dinheiro para fazer isso. É fazer um estudo comparativo com os países da Europa do Leste sobre aquilo em que estamos desfavoráveis - leis do trabalho - e em que aspectos. Nas discussões do trabalho, como tem presenciado, nunca ninguém se entende! "Isto precisa de ser mais flexível!" Os empregados dizem: "Não, isto já é flexível de mais!" A conversa morre sempre aí. Ao passo que, se se trouxer uma descrição sobre o que é o regime laboral nos países com que temos de competir, é diferente a discussão!
Isso no âmbito da economia. E nas finanças?
Nas finanças, temos de fazer um estudo das despesas muito pormenorizado e sossegado. Não é ir aos salários, isto ou aquilo. É ver despesa a despesa. Por exemplo, o mapa autárquico de mil oitocentos e tal não presta. Temos 30% de municípios com menos de dez mil habitantes... O que pagam de impostos não dá para o presidente da câmara, o chauffeur e a secretária!
Temos de reorganizar o País?
Tem de se reorganizar o mapa autárquico. 4500 freguesias é um disparate! E, no mapa autárquico, sabe porque não se mexe? Porque há presidentes de câmara que têm de ir tratar da vida para outro sítio. Não se faz nada que mexa em interesses! Empresas municipais - suprimir aí a eito.
Empresas que não fazem falta ao País?
Essas empresas? Então a gente viveu sem elas até há cinco anos! O que houve foi um esperto que descobriu que aquilo era maneira de fugir com o dinheiro às contas. Endividam-se pelas empresas municipais, e não se endividam pelas câmaras. Se estivesse nas finanças, no dia em que aparecesse a primeira, não deixava andar nem mais uma! Acabar com piscinas, redondéis, coisas onde se gasta dinheiro. Dizem: "Mas isso fez parte do meu programa." "Ai fez? E ganhou? Vá pedir aos seus votantes que lhe dêem dinheiro para fazer isso!" Porque eles querem cumprir os programas assumindo dinheiros que não têm.
E ao nível do Estado social - saúde, ensino... como mexeria?
Também temos de fazer uma análise a ver o que dói menos e a quem dói menos. Não preconizo que se mexa no Estado Social, em pessoas com 300 euros de reforma, que já são uma desgraça. Mas é acabar com as despesas inúteis todas... Há coisas que deve ser o ministro das Finanças a autorizar. Os carros devem ser modelo médio para ministros, e têm de durar cinco ou seis anos. Quando fui ministro, tinha um carro recuperado da sucata da alfândega de Lisboa.
O Estado social, tal qual o conhecemos, vai terminar?
Não. As minhas contas valem o que valem, mas entre 2015 e 2020 vai ter de se mexer.
E com coragem política?
A coragem não é difícil. Agora, trabalhar assim de qualquer maneira... Este pacote que saiu por aí deve ter sido feito em 48 horas. Isto foi alguém que foi a Bruxelas e trouxe um envelopezinho a dizer "mudem já!" Nenhum Governo ia ao pessoal sem pressão externa.
Se fosse trabalhador da PT, estaria apreensivo com a transferência do fundo de pensões ?
Essa pergunta é embaraçosa porque creio que dentro de alguns anos também a PT não vai ser a PT. Não sei se vai valer mais do que o Estado. Se for obrigada a praticar preços por chamada que tenham em conta o nível de vida dos portugueses, a PT não vale aquilo que vale. A PT põe os preços que quer, a energia são os preços que quer, a Galp faz aquilo que quer...
A PT não é uma empresa que está só no mercado português, tem também outras fontes de financiamento.
Está bem, tem essas fontes de financiamento. Mas não é possível termos comunicações caríssimas, taxas de aeroporto caríssimas - mais caras do que em Espanha.
Mas em relação à passagem do fundo de pensões para o Estado, no sentido de amenizar o desempenho orçamental deste ano...
Deve haver outros já na calha para o ano a seguir. Manuela Ferreira Leite fez isto, com grande indignação. E agora está-se a ver que estas habilidades têm de se fazer.
Tinha a noção de que a execução orçamental estava a falhar?
Há uns dois anos que não acredito naquilo que o Ministério das Finanças diz.
Carlos Costa, o governador do Banco de Portugal...
[interrompendo]... sugeriu uma agência, que eu estava para sugerir um dia destes!
Portanto, faz todo o sentido?
Para mim faz todo o sentido, o Ministério das Finanças não merece crédito! E o Ministério das Finanças era das coisas rigorosas que havia no País. Aquilo já é considerado uma barraca de farturas.
O BPN é actualmente a maior incógnita do próximo ano para as contas nacionais. Há quem diga que está em risco de acontecer o mesmo que na Irlanda, onde o défice passou de 10% para 32%...
[interrompendo] 32%, não, isso é um exagero; no [nosso caso] máximo, 4%!
... Mas no caso português... Acha que isso é uma espada que está sobre o Orçamento?
É. Pelos valores de que se fala, aquilo vai dar grande sarilho. Agora, o BPN: sejamos sérios. Estava a dar uma entrevista ao Rádio Clube quando foi nacionalizado, e concordei. Ainda concordo! Acho que foi das coisas bem feitas pelo Governo.
Mas não tinha ideia da dimensão do buraco?
Ninguém tinha! Mas há uma ideia que uma pessoa sensata tinha: é que se se deixasse haver uma corrida à caixa do BPN...
Tinha de se defender o sistema financeiro?
Exactamente! Não é [era] o BPP.
Portanto, este era um preço que...
[interrompendo] Assim, vão ser três ou quatro mil milhões. O outro preço, não sei qual seria. Um levantamento generalizado da banca era uma tragédia.
É das poucas coisas em que concorda com o Governo?
Estou, estou de acordo. E também estou noutras. A política de energias, das barragens, completamente.
Foi uma das pessoas que impulsionaram, em Maio, um encontro do Presidente da República com nove ex-ministros das Finanças.
Eram os que estavam aqui e quiseram ir. Mas não pondero repetir. Era um momento diferente. Hoje, a consciência da situação é muitíssimo mais nítida. Naquela altura, pensei: o que é que a gente pode fazer? Ir para as ruas berrar, não vale a pena. Talvez, simbolicamente, nove ex-ministros das Finanças é muita experiência acumulada em vários anos, várias situações, pessoas com propensões ideológicas diferentes, era um capital de conhecimento.
Essa reunião também visava um alerta público. Resultou?
Era um alerta público. Não faço ideia se resultou, vocês [comunicação social] é que podem ter uma ideia. Era o que podíamos fazer; enfim, sem um golpe de Estado, era isso.
http://dn.sapo.pt/galerias/videos/?content_id=1682195&seccao=Portugal
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
«Sou um transmontano nascido em Lisboa»
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Entrevista a Durão Barroso
«Sou um transmontano nascido em Lisboa»
Ele nasceu em Lisboa, mas os pais e os avós nasceram em Trás-os-Montes. E, por isso, é um transmontano dos quatro costados. Porque «o que conta não é onde se nasce, mas onde se tem as raízes». No prato, é transmontano, mas pouco. Azeite, vinho e castanha são «dos melhores do mundo», mas a comida…leva muita gordura. Excepção/contradição: os pastéis de Chaves. São uma «bomba em calorias», mas “muito bons”. Durão Barroso, ex-primeiro-ministro e actual presidente da Comissão Europeia falou ao Transmontanos de Gema. Da sua relação com a terra dos pais. De Portugal, não quis falar. De Trás-os-Montes, disse que o preocupa a desertificação.
Semanário TRANSMONTANO: Já foi ministro dos Negócios Estrangeiros, primeiro-ministro de Portugal, actualmente é presidente da Comissão Europeia. E transmontano de gema é, ou nem por isso?
Durão Barroso: Eu sou transmontano e alto duriense, do lado da minha mãe, do lado do meu pai, dos meus avós maternos e dos paternos. Eu nasci em Lisboa. Bem, também tenho um filho que nasceu em Geneve, na Suíça, mas é Português. O que conta não é tanto onde se nasce, mas onde estão as nossas origens e nesse sentido posso dizer que sou um transmontano, não de dois costados, nem de três, mas dos quatro costados. Do lado de pai e mãe, dos meus avós maternos e paternos. Todos eles são de Trás-os-Montes.
ST: Na era da globalização ainda faz sentido falar em bairrismos, dizer eu sou transmontano, eu sou beirão…
DB: Não é bairrismo. É amor às nossas raízes, é a nossa ligação à terra, é não perder a referência. Eu acho que é possível e desejável que a pessoa goste da sua terra, ame o seu país e, ao mesmo tempo, seja cidadão europeu e até cidadão do mundo. Olhe que há muitos transmontanos por esse mundo fora. No Brasil, os transmontanos fizeram coisas notáveis e não deixam de ser transmontanos por causa disso. Por isso, eu acho que não há contradição entre a ligação à terra, ou até o nosso patriotismo, e uma certa visão cosmopolita.
ST: Quando teve responsabilidades governativas tomou alguma medida em que tenha pesado o facto de ser transmontano?
DB: Não quero agora falar de política portuguesa, por razões óbvias. Portugal vive um momento sensível e, por isso, não vou agora entrar na análise do que fiz quando era governo. O que posso dizer é que uma coisa que eu aprendi em Trás-os-Montes, e que me parece que é óbvia, é que uma pessoa nunca deve viver acima dos meios que tem e que o valor fundamental está no trabalho. Isso é transmontano, é uma maneira de viver transmontana. Os transmontanos sabem perfeitamente que é com trabalho que se conseguem resultados e, por isso, posso dizer que essa ética do trabalho, essa ideia de que para ter alguns lucros ou vantagens se tem que trabalhar esteve sempre presente quando estive no governo de Portugal e também hoje que estou na Comissão Europeia.
ST: Voltando à sua condição de transmontano, apesar de ter nascido em Lisboa, faz questão de o frisar?
DB: Eu sou um transmontano nascido em Lisboa. Acho que é perfeitamente possível, já disse há pouco. O meu filho mais velho, o Luís, nasceu em Geneve, mas não é suíço é português. Da mesma forma, eu sou um transmontano nascido em Lisboa.
ST: Que ligação mantém aqui a Trás-os-Montes?
DB: Tenho uma ligação, se quiser uma nota mais pessoal, que este ano me levou duas vezes à minha terra [Veiga de Lila, Valpaços]. A primeira, ao enterro da minha mãe e a segunda, há duas semanas, ao enterro do meu tio e padrinho. Eu acho que estas são as ligações mais fortes, que é quando morre alguém onde é que nos vamos despedir dessas pessoas. Foi aí que reencontrei a minha família. Foi um momento penoso, mas profundo.
ST: E quando se reformar, pensa regressar?
DB: Bom espero regressar antes dessa ocasião. Agora numa nota mais feliz, eu regresso cá muitas vezes, mas venho privadamente.
ST: O que faz quando vai à aldeia?
DB: Bom, não vou agora entrar nos detalhes. Faço visitas privadas. A minha casa que herdei dos meus pais não está em condições, neste momento, de se lá viver. Quando venho cá fico em Chaves em casa de uma prima minha. Tenho primos em Chaves, em Carrazedo de Montenegro, na Régua, em Lamego. Venho cá muitas vezes.
ST: E no prato, é transmontano?
DB: Nem por isso. Gosto do vinho transmontano, mas da comida…Sabe, eu não gosto muito de excesso de gordura na comida e acho que aqui em Trás-os- Montes se faz com muita gordura.
ST: Muito azeite?
DB: Não, o azeite é do melhor do mundo. A minha família, o meu avô, tinha um lagar, diziam que foi o primeiro lagar mecânico daquela região. Eu, em miúdo brinquei, muito no largar mecânico, com os meus irmãos e os meus primos. Mas havia também uma adega de vinho. Eu pisei muitas vezes o vinho da quinta de Valpaços. Por isso, vinho e azeite são óptimos, a castanha excelente. Os produtos naturais são muito bons! Agora há coisas que devo dizer, quero ser muito sincero convosco, não vou dizer tudo bem! Eu não gosto de comida com muita gordura e, às vezes, no fumeiro e no modo de preparação, põem-se muitas gorduras. Isso, a meu ver, não é bom para a saúde. Esse é um dos pontos que me leva a comer menos.
ST: Também já disse que vem muitas vezes a Chaves?
DB: Bom, agora que fala em Chaves, há um problema. É que estava a falar contra a gordura e adoro os pastéis de Chaves. E os pastéis de Chaves são uma bomba em termos de calorias. Mas são bons, muito bons!
ST: Já perdeu o sotaque?
DB: Como lhe dizia, eu nasci em Lisboa, fiz os meus estudos em Lisboa. É verdade, não escondo. E Lisboa também é uma cidade linda, é a capital do nosso país. Eu cultivo o amor à terra, e às raízes, mas não numa base de antagonismo em relação aos outros. Acho que isso é mau, definir a nossa identidade contra a identidade dos outros. E, por isso, talvez o meu sotaque não seja transmontano. Mas sabe uma coisa engraçada? Quando eu ia a Trás-os-Montes, quando era miúdo, e estava lá três meses, nas férias grandes, e depois voltava para Lisboa, os meus colegas de escola e de Liceu gozavam comigo, porque diziam que eu estava a falar à Norte, à Trás-os-Montes. Porque mal vou a Trás-os-Montes começo a falar um bocado com aquela entoação. É mais uma questão de entoação do que de pronúncia. É a entoação, o ritmo.
ST: Como olha para o interior, gosta do que vê?
DB: Fico triste. Acho que o Interior de Portugal não está bem.
ST: O que é que faz falta?
DB: Acho que ele não está bem. Ainda agora, quando estive na aldeia, estava um dia de sol, a aldeia estava bonita, mas só vi pessoas muito velhas. A aldeia está desertificada. Isso é de facto um problema, não só de Trás-os-Montes. Houve um fenómeno de desertificação que é preocupante, mas não é só de Portugal, mas eu acho que Portugal atingiu uma dimensão mais preocupante que noutras partes da Europa.
ST: Para rematar, a pergunta da praxe, a sua definição de um transmontano de gema…
DB: Para mim, transmontano de gema é antes quebrar que torcer, passado de trabalho e espírito de sacrifício.
* A entrevista foi concedida ao Transmontanos de Gema, uma parceria do Semanário TRANSMONO e da Rádio Larouco, na Casa de Mateus, em Vila Real, onde Durão Barroso esteve na sexta-feira da semana passada, a propósito da entrega do Prémio D. Dinis. Na Rádio Larouco (93.5), a entrevista será transmitida hoje, sexta-feira, às 10h30.
Margarida Luzio, Semanário Transmontano, 2010-10-15
In DTM
Entrevista a Durão Barroso
«Sou um transmontano nascido em Lisboa»
Ele nasceu em Lisboa, mas os pais e os avós nasceram em Trás-os-Montes. E, por isso, é um transmontano dos quatro costados. Porque «o que conta não é onde se nasce, mas onde se tem as raízes». No prato, é transmontano, mas pouco. Azeite, vinho e castanha são «dos melhores do mundo», mas a comida…leva muita gordura. Excepção/contradição: os pastéis de Chaves. São uma «bomba em calorias», mas “muito bons”. Durão Barroso, ex-primeiro-ministro e actual presidente da Comissão Europeia falou ao Transmontanos de Gema. Da sua relação com a terra dos pais. De Portugal, não quis falar. De Trás-os-Montes, disse que o preocupa a desertificação.
Semanário TRANSMONTANO: Já foi ministro dos Negócios Estrangeiros, primeiro-ministro de Portugal, actualmente é presidente da Comissão Europeia. E transmontano de gema é, ou nem por isso?
Durão Barroso: Eu sou transmontano e alto duriense, do lado da minha mãe, do lado do meu pai, dos meus avós maternos e dos paternos. Eu nasci em Lisboa. Bem, também tenho um filho que nasceu em Geneve, na Suíça, mas é Português. O que conta não é tanto onde se nasce, mas onde estão as nossas origens e nesse sentido posso dizer que sou um transmontano, não de dois costados, nem de três, mas dos quatro costados. Do lado de pai e mãe, dos meus avós maternos e paternos. Todos eles são de Trás-os-Montes.
ST: Na era da globalização ainda faz sentido falar em bairrismos, dizer eu sou transmontano, eu sou beirão…
DB: Não é bairrismo. É amor às nossas raízes, é a nossa ligação à terra, é não perder a referência. Eu acho que é possível e desejável que a pessoa goste da sua terra, ame o seu país e, ao mesmo tempo, seja cidadão europeu e até cidadão do mundo. Olhe que há muitos transmontanos por esse mundo fora. No Brasil, os transmontanos fizeram coisas notáveis e não deixam de ser transmontanos por causa disso. Por isso, eu acho que não há contradição entre a ligação à terra, ou até o nosso patriotismo, e uma certa visão cosmopolita.
ST: Quando teve responsabilidades governativas tomou alguma medida em que tenha pesado o facto de ser transmontano?
DB: Não quero agora falar de política portuguesa, por razões óbvias. Portugal vive um momento sensível e, por isso, não vou agora entrar na análise do que fiz quando era governo. O que posso dizer é que uma coisa que eu aprendi em Trás-os-Montes, e que me parece que é óbvia, é que uma pessoa nunca deve viver acima dos meios que tem e que o valor fundamental está no trabalho. Isso é transmontano, é uma maneira de viver transmontana. Os transmontanos sabem perfeitamente que é com trabalho que se conseguem resultados e, por isso, posso dizer que essa ética do trabalho, essa ideia de que para ter alguns lucros ou vantagens se tem que trabalhar esteve sempre presente quando estive no governo de Portugal e também hoje que estou na Comissão Europeia.
ST: Voltando à sua condição de transmontano, apesar de ter nascido em Lisboa, faz questão de o frisar?
DB: Eu sou um transmontano nascido em Lisboa. Acho que é perfeitamente possível, já disse há pouco. O meu filho mais velho, o Luís, nasceu em Geneve, mas não é suíço é português. Da mesma forma, eu sou um transmontano nascido em Lisboa.
ST: Que ligação mantém aqui a Trás-os-Montes?
DB: Tenho uma ligação, se quiser uma nota mais pessoal, que este ano me levou duas vezes à minha terra [Veiga de Lila, Valpaços]. A primeira, ao enterro da minha mãe e a segunda, há duas semanas, ao enterro do meu tio e padrinho. Eu acho que estas são as ligações mais fortes, que é quando morre alguém onde é que nos vamos despedir dessas pessoas. Foi aí que reencontrei a minha família. Foi um momento penoso, mas profundo.
ST: E quando se reformar, pensa regressar?
DB: Bom espero regressar antes dessa ocasião. Agora numa nota mais feliz, eu regresso cá muitas vezes, mas venho privadamente.
ST: O que faz quando vai à aldeia?
DB: Bom, não vou agora entrar nos detalhes. Faço visitas privadas. A minha casa que herdei dos meus pais não está em condições, neste momento, de se lá viver. Quando venho cá fico em Chaves em casa de uma prima minha. Tenho primos em Chaves, em Carrazedo de Montenegro, na Régua, em Lamego. Venho cá muitas vezes.
ST: E no prato, é transmontano?
DB: Nem por isso. Gosto do vinho transmontano, mas da comida…Sabe, eu não gosto muito de excesso de gordura na comida e acho que aqui em Trás-os- Montes se faz com muita gordura.
ST: Muito azeite?
DB: Não, o azeite é do melhor do mundo. A minha família, o meu avô, tinha um lagar, diziam que foi o primeiro lagar mecânico daquela região. Eu, em miúdo brinquei, muito no largar mecânico, com os meus irmãos e os meus primos. Mas havia também uma adega de vinho. Eu pisei muitas vezes o vinho da quinta de Valpaços. Por isso, vinho e azeite são óptimos, a castanha excelente. Os produtos naturais são muito bons! Agora há coisas que devo dizer, quero ser muito sincero convosco, não vou dizer tudo bem! Eu não gosto de comida com muita gordura e, às vezes, no fumeiro e no modo de preparação, põem-se muitas gorduras. Isso, a meu ver, não é bom para a saúde. Esse é um dos pontos que me leva a comer menos.
ST: Também já disse que vem muitas vezes a Chaves?
DB: Bom, agora que fala em Chaves, há um problema. É que estava a falar contra a gordura e adoro os pastéis de Chaves. E os pastéis de Chaves são uma bomba em termos de calorias. Mas são bons, muito bons!
ST: Já perdeu o sotaque?
DB: Como lhe dizia, eu nasci em Lisboa, fiz os meus estudos em Lisboa. É verdade, não escondo. E Lisboa também é uma cidade linda, é a capital do nosso país. Eu cultivo o amor à terra, e às raízes, mas não numa base de antagonismo em relação aos outros. Acho que isso é mau, definir a nossa identidade contra a identidade dos outros. E, por isso, talvez o meu sotaque não seja transmontano. Mas sabe uma coisa engraçada? Quando eu ia a Trás-os-Montes, quando era miúdo, e estava lá três meses, nas férias grandes, e depois voltava para Lisboa, os meus colegas de escola e de Liceu gozavam comigo, porque diziam que eu estava a falar à Norte, à Trás-os-Montes. Porque mal vou a Trás-os-Montes começo a falar um bocado com aquela entoação. É mais uma questão de entoação do que de pronúncia. É a entoação, o ritmo.
ST: Como olha para o interior, gosta do que vê?
DB: Fico triste. Acho que o Interior de Portugal não está bem.
ST: O que é que faz falta?
DB: Acho que ele não está bem. Ainda agora, quando estive na aldeia, estava um dia de sol, a aldeia estava bonita, mas só vi pessoas muito velhas. A aldeia está desertificada. Isso é de facto um problema, não só de Trás-os-Montes. Houve um fenómeno de desertificação que é preocupante, mas não é só de Portugal, mas eu acho que Portugal atingiu uma dimensão mais preocupante que noutras partes da Europa.
ST: Para rematar, a pergunta da praxe, a sua definição de um transmontano de gema…
DB: Para mim, transmontano de gema é antes quebrar que torcer, passado de trabalho e espírito de sacrifício.
* A entrevista foi concedida ao Transmontanos de Gema, uma parceria do Semanário TRANSMONO e da Rádio Larouco, na Casa de Mateus, em Vila Real, onde Durão Barroso esteve na sexta-feira da semana passada, a propósito da entrega do Prémio D. Dinis. Na Rádio Larouco (93.5), a entrevista será transmitida hoje, sexta-feira, às 10h30.
Margarida Luzio, Semanário Transmontano, 2010-10-15
In DTM
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Se um dia escrever um livro de memórias talvez conte porque saí do FC Porto"
.
"Se um dia escrever um livro de memórias talvez conte porque saí do FC Porto"
por JOÃO MARCELINO
Hoje
"Houve situações de alguma preocupação, nomeadamente na fase em que os clubes tiveram de apresentar os pressupostos financeiros para disputarem as competições profissionais. Foram momentos de envolvimento e de ajuda para resolver problemas na Segurança Social e no Ministério das Finanças. Houve alguma tensão e dificuldade para que todos pudessem participar nessas competições. Nestes quatro meses, creio que foi talvez o momento mais difícil"
A entrevista "explica" porque é que este economista de 58 anos, que trabalhou durante uma década na SAD do FC Porto com Pinto da Costa, foi também apoiado pelo Benfica e pelo Sporting para presidente da Liga, cargo que ocupa há quatro meses: Fernando Gomes pesa todas as palavras e não corre um risco! Só diz o que quer - e o que quer é afirmar-se perante os clubes do futebol profissional como um representante de todos eles, até na FPF, estrutura em que, sendo o primeiro vice-presidente, reserva a sua posição quanto a uma eventual recandidatura de Gilberto Madaíl. Dele, há a esperar um trabalho rigoroso e sério, de homem que conhece o negócio como poucos, mas nunca declarações bombásticas. Nisso, ele destaca-se e é um elemento atípico, por substantivo, no palavroso futebol português.
Como se consegue passar de colaborador directo do presidente do FC Porto para a Liga, apoiado por Benfica e Sporting, num ambiente de consenso? É mais de diplomata do que de economista...
Ao longo da minha vida, sempre procurei gerar consensos. Quando tomei a decisão de sair, foi uma decisão própria, tomada de forma ponderada, mas longe de pensar que poderia vir, passados quatro meses, a assumir o cargo de presidente da Liga. Na sequência da minha saída do FC Porto gerou-se um movimento de algum consenso dentro dos clubes profissionais.
Isso só é possível com o desenvolvimento de relações, que, durante anos, devem ter sido boas. Esse consenso do Benfica e do Sporting apareceu como?
Sempre norteei a forma de estar na vida no sentido do respeito pelas pessoas, tendo conta as minhas origens, uma pessoa que veio daquilo que se pode dizer "de baixo". Comecei a trabalhar aos 18 anos, fiz os estudos da universidade a trabalhar, sempre tive a preocupação de estabelecer com as pessoas uma relação de muito consenso. Quando saí do FC Porto podia dizer que tinha grande aceitação junto dos clubes e dos dirigentes.
Porque saiu do FC Porto?
As razões que me levaram a sair do FC Porto transmiti-as a quem tinha de as transmitir - ao senhor presidente Jorge Nuno Pinto da Costa. Não as vou divulgar. Ficam para mim e para essas pessoas. Talvez mais tarde as conte, se um dia vier a escrever o livro das minhas memórias. Neste momento, mantenho-as para mim e para a minha família, que sabe desde a primeira hora o que me levou a tomar tal decisão. Quanto à sua outra pergunta, o que posso dizer é que, ao longo dos tempos, enquanto dirigente do FC Porto, sempre procurei manter um relacionamento de proximidade com os dirigentes dos clubes. Aliás, são conhecidas reuniões conjuntas, nomeadamente com o Benfica e com o Sporting, em organismos estatais, na procura de sponsors. Sempre me preocupei em criar esse tipo de consensos, o que, naturalmente, depois de ter tomado a decisão de poder vir a ser presidente da Liga, foi extremamente útil. As pessoas sabiam que o Fernando Gomes era uma pessoa geradora de consensos e com quem se poderia traçar objectivos, ideias, discutir opiniões e, acima de tudo, encontrar as vias para resolver os problemas que a Liga tem.
Nos primeiros quatro meses que leva de presidente da Liga, já passou por algumas situações difíceis?
Sim, houve situações de alguma preocupação, nomeadamente na fase em que os clubes tiveram de apresentar os pressupostos financeiros para disputarem as competições profissionais. Foram momentos de envolvimento e de ajuda para resolver problemas na Segurança Social e no Ministério das Finanças. Houve tensão e dificuldade para que todos pudessem participar nessas provas. Nestes quatro meses, creio que foi talvez o momento mais difícil.
Mas o mais mediático foi a recente contestação do Benfica à arbitragem depois do jogo com o V. Guimarães?
Sim. Nomeadamente o comunicado que os órgãos sociais do Benfica produziram. Foi um momento de tensão, pela exposição pública.
Foi. Já não é? A tensão foi ultrapassada?
Não, a tensão existe, subsiste. Os recentes desenvolvimentos demonstram isso. Mas, na defesa da competição que lideramos e organizamos, temos de acautelar e eliminar eventuais focos de tensão.
Como reage o presidente da Liga quando vê o presidente de um clube, da organização que dirige, a apelar a que os adeptos - do Benfica, neste caso - não assistam aos jogos que se realizem noutros estádios que não o do Benfica?
Não é neste fórum que tenho de responder a isto, não vou comentar discursos de qualquer presidente. O que tinha de dizer ao presidente do Benfica, fi-lo pessoalmente, em sede própria, e não vou divulgar o que lhe disse. Posso acrescentar que essa conversa ocorreu exactamente há um mês, a 14 de Setembro. Expressei-lhe o meu entendimento sobre o que estava expresso no comunicado dos órgãos do Benfica e é a ele, só a ele, que o faço. Se ele entender que deve divulgar o que lhe transmiti, sem qualquer tipo de problemas. Mas fica exactamente nessa sede, quer com o presidente do Benfica, quer com qualquer outro presidente.
Face à polémica dos últimos dias, a Liga vai ter cuidados especiais na organização do FC Porto-Benfica de 7 de Novembro?
A Liga, no que respeita à organização do espectáculo, tem e terá todas as preocupações adstritas à sua área de responsabilidade. Tudo o que diga respeito à ordem pública, obviamente, não é da nossa competência.
Esse foi um tema abordado na recente reunião que juntou os presidentes de todos os clubes portugueses?
Não, porque não fazia parte da agenda que foi feita 15 dias antes da reunião. De qualquer forma, essa preocupação existe. Há sempre actuações e jogos... os mind games, à volta de determinado jogo. Procuraremos acautelar, articulando com as autoridades.
Tem prevista alguma démarche especial - falar pessoalmente com os presidentes dos dois clubes - para acautelar e pedir algum bom senso?
O que temos de fazer, já fizemos. Já lhe disse - há cerca de um mês tive uma conversa com o presidente do Benfica, sobre o que entendemos dever ser a nossa actuação. Fá-lo-emos também com outros presidentes, como já fizemos sobre outras matérias, noutros fóruns, noutras sedes. Se entender oportuno ter essa conversa para chamar a atenção ou de apelar a algum bom senso, não deixarei de o fazer.
Porque saiu a Taça da Liga do Algarve para Coimbra? Para ficar mais perto ou mais equidistante do Benfica e do FC Porto?
Não, não teve que ver com isso. Independentemente do apoio que durante três anos as autarquias do Algarve deram à realização da prova, houve um conjunto de matérias que não foram devidamente acauteladas. Dou-lhe só um, a título de exemplo: na época passada, a Liga teve de assumir o custo da remoção e instalação de uma parte significativa do relvado. Entendemos que, naquele local, a Liga já tinha feito e desenvolvido todos os esforços para promover uma região. Também sentimos que da parte das entidades - não as autárquicas, ou as do desenvolvimento turístico, porque essas sempre tentaram dar o melhor - não tivemos apoio suficiente para ali manter a prova. Procurámos por isso um espaço, noutra localização, que desse garantias de aproximação a uma faixa etária de espectadores que nós queremos chamar para os espectáculos que têm sido a Taça da Liga.
Quais os grandes projectos que tem para a Liga a curto prazo?
Nós definimos, no nosso programa, que uma das grandes preocupações era a sustentabilidade do futebol profissional. Essa sustentabilidade passa por criar condições económicas e financeiras aos clubes para que evitem problemas de cumprimento das suas obrigações e, a partir daí, dotá-los de melhores recursos para serem mais competitivos.
Como se consegue isso?
Pelo incremento de receitas. Nós tivemos, nestes quatro meses, oportunidade de criar condições de sustentabilidade, com a sponsorização das competições. Aumentando, por exemplo, na questão da Bwin Cup, essas receitas em aproximadamente 20%. E, a partir do modelo estabelecido de distribuição de receitas por essa via, aumentar os pecúlios a que os próprios clubes vão ter direito pela sua participação.
Portanto, patrocínios centralizados?
No caso concreto da Taça da Liga, permito-me dizer que é um bom modelo de funcionamento de uma receita centralizada, que permite potenciar essa receita. E, através do esquema de repartição, haver alguma solidariedade relativamente a todos os clubes.
Deveriam também os direitos televisivos ser um dia centralizados?
A centralização dos direitos é uma questão de difícil entendimento, porque vários clubes têm contactos para um período relativamente longo. Mas como presidente da Liga preocupa-me mais estabelecer mecanismos de solidariedade que não têm um valor tão significativo de direitos televisivos.
Portanto, uma receita mínima garantida?
Basicamente. Ou então - como existe por essa Europa fora - haver um percentual da receita global que será alocada ou distribuída ao abrigo de um mecanismo de solidariedade pelos clubes que não têm capacidade de gerar receita.
Porque têm os clubes grandes - que têm adeptos e geram maiores audiências televisivas - de subsidiar os pequenos?
Não digo que tenham de subsidiar. Digo é que a competição é global: os clubes grandes, apesar de terem muitos adeptos, não podem jogar uma competição se não existirem os clubes mais pequenos e os médios. Dentro deste princípio de solidariedade e complementaridade, os clubes pequenos que participam numa competição e que lhe dão corpo também têm de ser ressarcidos dessa participação. Preocupa-me mais uma justa repartição dos valores dos direitos.
Já está a trabalhar nisso?
Já estou e já estamos.
Está preocupado com a situação financeira de algum clube em particular?
Estou preocupado com a situação financeira global e, de uma forma mais específica, com a dos clubes da Liga Orangina. Os clubes da primeira liga, da Liga Zon Sagres - em função do conjunto de receitas que têm -, não fossem algumas situações herdadas do passado, teriam a sua situação equilibrada. Clubes como o Beira-Mar, o V. Setúbal ou o Portimonense, só para citar alguns exemplos, não estão perfeitamente equilibrados. Na Liga Orangina, há uma preocupação maior, fruto de situações do passado e de algum desequilíbrio que existe entre receitas e despesas.
Reuniu-se esta semana com a Comissão Interministerial para propor legislação ao enquadramento das apostas desportivas online em Portugal. Como correu a reunião? Houve avanços?
Desde a primeira hora que manifestámos a intenção de exigir ao Governo que legislasse sobre este tema. Esta actividade não é regulada em Portugal e há perdas de receitas brutais. Ao longo destes quatro meses, se calhar foi a área de mais intensidade na nossa actuação. Desde o ministro da Economia, a secretários de Estado do Desporto, do Trabalho, da Segurança Social e do Turismo, à própria Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, tivemos reuniões para alertar para a necessidade de regular esta actividade, que gera receitas significativas, e da qual o Estado nada aproveita. Nas actuais circunstâncias em que vivemos não é desejável que exista uma actividade que pode gerar receitas, não só para o Ministério das Finanças, mas também para os clubes, sem acautelar o seu enquadramento e controlo. Quer para os clubes - naquilo que são os direitos das competições profissionais que são objecto dessas apostas - quer para o Governo, que vê esfumar uma parte significativa de montante decorrente dessa actividade.
É o primeiro presidente profissional da Liga. É esse um estatuto imprescindível para estar à frente do futebol português?
Não conseguia antever à frente de uma liga profissional, que pudesse haver uma gestão, uma liderança e uma presidência sem serem profissionalmente exercidas
http://dn.sapo.pt/desporto/interior.aspx?content_id=1688382
In DN
"Se um dia escrever um livro de memórias talvez conte porque saí do FC Porto"
por JOÃO MARCELINO
Hoje
"Houve situações de alguma preocupação, nomeadamente na fase em que os clubes tiveram de apresentar os pressupostos financeiros para disputarem as competições profissionais. Foram momentos de envolvimento e de ajuda para resolver problemas na Segurança Social e no Ministério das Finanças. Houve alguma tensão e dificuldade para que todos pudessem participar nessas competições. Nestes quatro meses, creio que foi talvez o momento mais difícil"
A entrevista "explica" porque é que este economista de 58 anos, que trabalhou durante uma década na SAD do FC Porto com Pinto da Costa, foi também apoiado pelo Benfica e pelo Sporting para presidente da Liga, cargo que ocupa há quatro meses: Fernando Gomes pesa todas as palavras e não corre um risco! Só diz o que quer - e o que quer é afirmar-se perante os clubes do futebol profissional como um representante de todos eles, até na FPF, estrutura em que, sendo o primeiro vice-presidente, reserva a sua posição quanto a uma eventual recandidatura de Gilberto Madaíl. Dele, há a esperar um trabalho rigoroso e sério, de homem que conhece o negócio como poucos, mas nunca declarações bombásticas. Nisso, ele destaca-se e é um elemento atípico, por substantivo, no palavroso futebol português.
Como se consegue passar de colaborador directo do presidente do FC Porto para a Liga, apoiado por Benfica e Sporting, num ambiente de consenso? É mais de diplomata do que de economista...
Ao longo da minha vida, sempre procurei gerar consensos. Quando tomei a decisão de sair, foi uma decisão própria, tomada de forma ponderada, mas longe de pensar que poderia vir, passados quatro meses, a assumir o cargo de presidente da Liga. Na sequência da minha saída do FC Porto gerou-se um movimento de algum consenso dentro dos clubes profissionais.
Isso só é possível com o desenvolvimento de relações, que, durante anos, devem ter sido boas. Esse consenso do Benfica e do Sporting apareceu como?
Sempre norteei a forma de estar na vida no sentido do respeito pelas pessoas, tendo conta as minhas origens, uma pessoa que veio daquilo que se pode dizer "de baixo". Comecei a trabalhar aos 18 anos, fiz os estudos da universidade a trabalhar, sempre tive a preocupação de estabelecer com as pessoas uma relação de muito consenso. Quando saí do FC Porto podia dizer que tinha grande aceitação junto dos clubes e dos dirigentes.
Porque saiu do FC Porto?
As razões que me levaram a sair do FC Porto transmiti-as a quem tinha de as transmitir - ao senhor presidente Jorge Nuno Pinto da Costa. Não as vou divulgar. Ficam para mim e para essas pessoas. Talvez mais tarde as conte, se um dia vier a escrever o livro das minhas memórias. Neste momento, mantenho-as para mim e para a minha família, que sabe desde a primeira hora o que me levou a tomar tal decisão. Quanto à sua outra pergunta, o que posso dizer é que, ao longo dos tempos, enquanto dirigente do FC Porto, sempre procurei manter um relacionamento de proximidade com os dirigentes dos clubes. Aliás, são conhecidas reuniões conjuntas, nomeadamente com o Benfica e com o Sporting, em organismos estatais, na procura de sponsors. Sempre me preocupei em criar esse tipo de consensos, o que, naturalmente, depois de ter tomado a decisão de poder vir a ser presidente da Liga, foi extremamente útil. As pessoas sabiam que o Fernando Gomes era uma pessoa geradora de consensos e com quem se poderia traçar objectivos, ideias, discutir opiniões e, acima de tudo, encontrar as vias para resolver os problemas que a Liga tem.
Nos primeiros quatro meses que leva de presidente da Liga, já passou por algumas situações difíceis?
Sim, houve situações de alguma preocupação, nomeadamente na fase em que os clubes tiveram de apresentar os pressupostos financeiros para disputarem as competições profissionais. Foram momentos de envolvimento e de ajuda para resolver problemas na Segurança Social e no Ministério das Finanças. Houve tensão e dificuldade para que todos pudessem participar nessas provas. Nestes quatro meses, creio que foi talvez o momento mais difícil.
Mas o mais mediático foi a recente contestação do Benfica à arbitragem depois do jogo com o V. Guimarães?
Sim. Nomeadamente o comunicado que os órgãos sociais do Benfica produziram. Foi um momento de tensão, pela exposição pública.
Foi. Já não é? A tensão foi ultrapassada?
Não, a tensão existe, subsiste. Os recentes desenvolvimentos demonstram isso. Mas, na defesa da competição que lideramos e organizamos, temos de acautelar e eliminar eventuais focos de tensão.
Como reage o presidente da Liga quando vê o presidente de um clube, da organização que dirige, a apelar a que os adeptos - do Benfica, neste caso - não assistam aos jogos que se realizem noutros estádios que não o do Benfica?
Não é neste fórum que tenho de responder a isto, não vou comentar discursos de qualquer presidente. O que tinha de dizer ao presidente do Benfica, fi-lo pessoalmente, em sede própria, e não vou divulgar o que lhe disse. Posso acrescentar que essa conversa ocorreu exactamente há um mês, a 14 de Setembro. Expressei-lhe o meu entendimento sobre o que estava expresso no comunicado dos órgãos do Benfica e é a ele, só a ele, que o faço. Se ele entender que deve divulgar o que lhe transmiti, sem qualquer tipo de problemas. Mas fica exactamente nessa sede, quer com o presidente do Benfica, quer com qualquer outro presidente.
Face à polémica dos últimos dias, a Liga vai ter cuidados especiais na organização do FC Porto-Benfica de 7 de Novembro?
A Liga, no que respeita à organização do espectáculo, tem e terá todas as preocupações adstritas à sua área de responsabilidade. Tudo o que diga respeito à ordem pública, obviamente, não é da nossa competência.
Esse foi um tema abordado na recente reunião que juntou os presidentes de todos os clubes portugueses?
Não, porque não fazia parte da agenda que foi feita 15 dias antes da reunião. De qualquer forma, essa preocupação existe. Há sempre actuações e jogos... os mind games, à volta de determinado jogo. Procuraremos acautelar, articulando com as autoridades.
Tem prevista alguma démarche especial - falar pessoalmente com os presidentes dos dois clubes - para acautelar e pedir algum bom senso?
O que temos de fazer, já fizemos. Já lhe disse - há cerca de um mês tive uma conversa com o presidente do Benfica, sobre o que entendemos dever ser a nossa actuação. Fá-lo-emos também com outros presidentes, como já fizemos sobre outras matérias, noutros fóruns, noutras sedes. Se entender oportuno ter essa conversa para chamar a atenção ou de apelar a algum bom senso, não deixarei de o fazer.
Porque saiu a Taça da Liga do Algarve para Coimbra? Para ficar mais perto ou mais equidistante do Benfica e do FC Porto?
Não, não teve que ver com isso. Independentemente do apoio que durante três anos as autarquias do Algarve deram à realização da prova, houve um conjunto de matérias que não foram devidamente acauteladas. Dou-lhe só um, a título de exemplo: na época passada, a Liga teve de assumir o custo da remoção e instalação de uma parte significativa do relvado. Entendemos que, naquele local, a Liga já tinha feito e desenvolvido todos os esforços para promover uma região. Também sentimos que da parte das entidades - não as autárquicas, ou as do desenvolvimento turístico, porque essas sempre tentaram dar o melhor - não tivemos apoio suficiente para ali manter a prova. Procurámos por isso um espaço, noutra localização, que desse garantias de aproximação a uma faixa etária de espectadores que nós queremos chamar para os espectáculos que têm sido a Taça da Liga.
Quais os grandes projectos que tem para a Liga a curto prazo?
Nós definimos, no nosso programa, que uma das grandes preocupações era a sustentabilidade do futebol profissional. Essa sustentabilidade passa por criar condições económicas e financeiras aos clubes para que evitem problemas de cumprimento das suas obrigações e, a partir daí, dotá-los de melhores recursos para serem mais competitivos.
Como se consegue isso?
Pelo incremento de receitas. Nós tivemos, nestes quatro meses, oportunidade de criar condições de sustentabilidade, com a sponsorização das competições. Aumentando, por exemplo, na questão da Bwin Cup, essas receitas em aproximadamente 20%. E, a partir do modelo estabelecido de distribuição de receitas por essa via, aumentar os pecúlios a que os próprios clubes vão ter direito pela sua participação.
Portanto, patrocínios centralizados?
No caso concreto da Taça da Liga, permito-me dizer que é um bom modelo de funcionamento de uma receita centralizada, que permite potenciar essa receita. E, através do esquema de repartição, haver alguma solidariedade relativamente a todos os clubes.
Deveriam também os direitos televisivos ser um dia centralizados?
A centralização dos direitos é uma questão de difícil entendimento, porque vários clubes têm contactos para um período relativamente longo. Mas como presidente da Liga preocupa-me mais estabelecer mecanismos de solidariedade que não têm um valor tão significativo de direitos televisivos.
Portanto, uma receita mínima garantida?
Basicamente. Ou então - como existe por essa Europa fora - haver um percentual da receita global que será alocada ou distribuída ao abrigo de um mecanismo de solidariedade pelos clubes que não têm capacidade de gerar receita.
Porque têm os clubes grandes - que têm adeptos e geram maiores audiências televisivas - de subsidiar os pequenos?
Não digo que tenham de subsidiar. Digo é que a competição é global: os clubes grandes, apesar de terem muitos adeptos, não podem jogar uma competição se não existirem os clubes mais pequenos e os médios. Dentro deste princípio de solidariedade e complementaridade, os clubes pequenos que participam numa competição e que lhe dão corpo também têm de ser ressarcidos dessa participação. Preocupa-me mais uma justa repartição dos valores dos direitos.
Já está a trabalhar nisso?
Já estou e já estamos.
Está preocupado com a situação financeira de algum clube em particular?
Estou preocupado com a situação financeira global e, de uma forma mais específica, com a dos clubes da Liga Orangina. Os clubes da primeira liga, da Liga Zon Sagres - em função do conjunto de receitas que têm -, não fossem algumas situações herdadas do passado, teriam a sua situação equilibrada. Clubes como o Beira-Mar, o V. Setúbal ou o Portimonense, só para citar alguns exemplos, não estão perfeitamente equilibrados. Na Liga Orangina, há uma preocupação maior, fruto de situações do passado e de algum desequilíbrio que existe entre receitas e despesas.
Reuniu-se esta semana com a Comissão Interministerial para propor legislação ao enquadramento das apostas desportivas online em Portugal. Como correu a reunião? Houve avanços?
Desde a primeira hora que manifestámos a intenção de exigir ao Governo que legislasse sobre este tema. Esta actividade não é regulada em Portugal e há perdas de receitas brutais. Ao longo destes quatro meses, se calhar foi a área de mais intensidade na nossa actuação. Desde o ministro da Economia, a secretários de Estado do Desporto, do Trabalho, da Segurança Social e do Turismo, à própria Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, tivemos reuniões para alertar para a necessidade de regular esta actividade, que gera receitas significativas, e da qual o Estado nada aproveita. Nas actuais circunstâncias em que vivemos não é desejável que exista uma actividade que pode gerar receitas, não só para o Ministério das Finanças, mas também para os clubes, sem acautelar o seu enquadramento e controlo. Quer para os clubes - naquilo que são os direitos das competições profissionais que são objecto dessas apostas - quer para o Governo, que vê esfumar uma parte significativa de montante decorrente dessa actividade.
É o primeiro presidente profissional da Liga. É esse um estatuto imprescindível para estar à frente do futebol português?
Não conseguia antever à frente de uma liga profissional, que pudesse haver uma gestão, uma liderança e uma presidência sem serem profissionalmente exercidas
http://dn.sapo.pt/desporto/interior.aspx?content_id=1688382
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
'Passos vai ser primeiro-ministro só não sabe é quando'[/size][/color]
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'Passos vai ser primeiro-ministro só não sabe é quando'
por JOÃO MARCELINO
Hoje
A entrevista com Mota Amaral foi gravada (quinta-feira ao final do dia) ainda antes do acordo a que chegaram o PS e o PSD sobre o Orçamento do Estado, mas as respostas mantêm toda a actualidade, porque este homem, magro e austero, também despe as frases e as ideias de tudo aquilo que é acessório. Nele, a discrição, a educação e a simplicidade estão presentes em todos os movimentos, até no gesto de se despedir individualmente de todos os trabalhadores que deram corpo à entrevista
Actualmente deputado, ex-presidente do Governo Regional dos Açores durante quase 20 anos, até 1995 (e nessa data o cidadão português com o maior número de anos consecutivos no exercício de um cargo governativo previsto na Constituição), Mota Amaral, um dos fundadores do PPD, agora PSD, e ex-presidente da Assembleia da República, segunda figura do Estado, fala de todos os assuntos sem tabus, até da sua ligação, de 50 anos, ao Opus Dei.
Qual é a sua convicção: vamos ou não ter um Orçamento do Estado viabilizado no Parlamento?
O meu desejo é que tal aconteça e que o Orçamento seja viabilizado, não com o voto favorável do PSD, que efectivamente não pode nunca rever-se nas políticas propostas pelo Governo do PS, mas através da abstenção do maior partido da oposição. Não sei é se isso vai acontecer, porque o modo como as negociações têm corrido, e sobretudo a atitude fechada da parte do Governo nesta negociação, pode colocar em perigo um objectivo estimável, desejável, de interesse nacional.
Mas acredita que neste momento o PSD ainda está a pesar a possibilidade de um voto negativo?
Julgo que sim, a deduzir das declarações feitas até agora pela sua liderança. É certo que Pedro Passos Coelho tem a possibilidade de apresentar as suas diligências com o empenho por minorar os sacrifícios exigidos aos portugueses pela proposta de Orçamento apresentada pelo Governo. E pode vir a declarar que, pondo à frente dos interesses partidários o interesse nacional, viabiliza o Orçamento através da abstenção do partido.
Essa, aliás, foi a posição que defendeu também já há uns dias. Disse publicamente que o PSD deveria abster-se na generalidade e depois discutir na especialidade, ponto por ponto. Se isso acontecer, acha que é possível o PS aceitar governar com um Orçamento definido pela oposição? Se depois na especialidade muito do clausulado do Orçamento do Estado vier a ser rectificado?
O PSD já apresentou as suas propostas e julgo que a aprovação delas, até a aceitação delas, não iria descaracterizar o Orçamento, iria, sim, repito, minorar os sacrifícios pedidos às famílias portuguesas. Agora, a atitude do PS é que tem sido uma atitude fechada. O PS prepara um cenário de ruptura relativamente ao Orçamento. Mas é preciso ver com toda a atenção o que é que dispõe a nossa Constituição nesse domínio. Se o Governo pensa que vai dizer ao País que uma vez que o Orçamento não foi viabilizado ou que eventualmente foi alterado na especialidade se demite... Ele não pode fazer isso! O Governo foi empossado legitimamente, o Governo foi viabilizado na Assembleia da República, foi investido pelo Parlamento, o primeiro-ministro não pode simplesmente sair cantando e rindo pela porta fora como se nada fosse com ele! Tem de assumir as suas responsabilidades e levá-las até ao fim.
Mas poderia apresentar ao Presidente da República a sua vontade de sair.
Sim, e o Presidente da República não devia aceitar esse pedido de demissão. Isso não é assim, não é o Governo que toma por sua iniciativa o desejo de sair e sai. Não, não! Isso tem de ser passado pelo crivo do Presidente da República e se eu fosse o Presidente da República não daria a demissão! Remeteria o Governo ao Parlamento para que apresentasse perante o Parlamento uma moção de confiança. E, adianto mesmo, numa moção de confiança o PSD deve abster-se.
Ter um cavaquista como Eduardo Catroga a negociar o Orçamento foi um sinal de que o Presidente da República esteve atento ao problema e que exerceu a sua magistratura de influência sobre este processo?
A presença do dr. Eduardo Catroga, antigo ministro das Finanças, na liderança da delegação do PSD foi lida pela opinião pública como uma atenção pela parte do PSD à influência do Presidente da República.
E por si?
Por mim também, obviamente. Não significa que o Presidente da República estivesse envolvido nessa negociação, não estaria, com certeza, nem pode estar. A responsabilidade da decisão dessa negociação cabe em exclusivo ao líder do PSD, o dr. Pedro Passos Coelho. E com ele, com certeza, o dr. Eduardo Catroga terá acertado os termos concretos em que iria apresentar as posições do PSD e as cedências possíveis para se encontrar uma plataforma de entendimento com o Governo.
É deputado do PSD, já se percebeu qual é a sua sensibilidade em relação a esta questão, mas o seu sentido de voto será aquele que vier também da orientação da direcção do partido?
Não tenho estados de alma relativamente à aprovação do Orçamento. Sei perfeitamente quais são as regras do jogo no nosso sistema político-partidário, a definição da posição cabe à comissão política nacional e conformarei o meu voto com a orientação estabelecida pela comissão política nacional. Não deixarei de formular a minha declaração de voto se porventura o voto fosse pela negativa, mas mantenho a esperança de que o voto será um voto de abstenção, porque isto poupa ao País mais tempo de incerteza e, sobretudo, amarra o Governo do primeiro-ministro, José Sócrates, às responsabilidades gravíssimas que tem pela situação calamitosa a que conduziu o País.
Para além desse voto, a acontecer nesse sentido, o PSD deve preparar-se desde já para a governação próxima?
Acho que um partido de oposição com aspiração de Governo, como é manifestamente o PSD, a nossa posição não é - no sistema político - servir de muleta ao Governo do PS, é ser a alternativa ao Governo do PS e é preciso que os portugueses vejam o PSD neste registo. Por isso, o PSD deve estar sempre preparado para apresentar as suas alternativas e eventualmente, se para isso for mandatado pelos portugueses, assumir as responsabilidades da governação.
Mas, a acreditar na fiabilidade dos últimos estudos de opinião, o PSD está muito perto disto: esta semana foram conhecidas duas sondagens, uma da Universidade Católica para o DN, JN, RTP e Antena 1, e outra da Marktest para a TSF e Diário Económico, e ambas colocam o PSD entre os 40% e os 42% e o PS entre os 25% e 26%, que, aliás, é dos mais baixos números de sempre. Esse movimento da opinião pública está a acontecer. Acha que esta legislatura pode chegar ao fim com o sentir dos portugueses a manifestar-se desta forma?
Há aqui que examinar o nosso quadro político e constitucional. Já o disse, o Governo foi investido, é um Governo legítimo. Foi investido pelo Presidente da República, foi investido pelo Parlamento, ganhou as eleições de 2009.
Mas governa de forma minoritária...
Governa mal de forma minoritária, porque um Governo que não tem maioria no Parlamento tem de se habituar a negociar no Parlamento a viabilização das suas leis mais importantes, nomeadamente a do Orçamento do Estado. E, acerca desse ponto, é preciso sempre sublinhar que a responsabilidade de que o Estado e o País tenham um Orçamento cabe ao Governo e ao partido que o apoia, antes de mais nada, e não aos partidos da oposição. Acho que tem havido aqui uma tentativa de inverter o ónus desta responsabilidade, mas é claríssimo que é o Governo e o PS que têm de diligenciar de todas as maneiras e feitios para conseguir que haja um Orçamento viabilizado no Parlamento e que esse Orçamento corresponda às necessidades do País.
Voltando à apreciação das sondagens.
Essas sondagens...
... Levam o PSD a preparar-se mais aceleradamente para a possibilidade de esta legislatura não chegar ao fim e ser chamado à governação mais cedo?
A possibilidade de esta legislatura não chegar ao fim existe. O PSD deve estar preparado para, na altura própria, haver eleições. Mas, atenção, o PSD respeita o funcionamento da nossa democracia e, portanto, não vai com certeza desestabilizar o nosso sistema político. Se, porventura, o Governo estiver a governar mal, é natural que o PSD apresente uma moção de censura, aliás, isso já foi dito por Pedro Passos Coelho. E, se assim acontecer, a responsabilidade passa para o Parlamento, de julgar se há ou não melhores oportunidades de governabilidade do País com outra fórmula de Governo. Na realidade, se porventura uma moção de censura do PSD não passar no Parlamento, eu tenho certas dúvidas de que venha a passar, a chave da continuidade desta legislatura está na mão do presidente da República que venha a ser eleito nas eleições marcadas para 23 de Janeiro. O senhor presidente da República é que pode dissolver o Parlamento. Mas se porventura Cavaco Silva vier a ser reeleito, não tenho qualquer dúvida de que só dissolverá o Parlamento quando houver sinais claros de que o povo português pretende uma solução diferente e com melhores condições de governabilidade que aquela que neste momento existe. As sondagens destes últimos dias dão um sinal que não pode de forma alguma ser desprezado por nenhuma das partes, nomeadamente deviam ser consideradas pelo Governo e pelo PS, tendo em conta a viabilização do Orçamento.
Nas últimas eleições internas do PSD apoiou José Pedro Aguiar-Branco. Como é que avalia hoje a actuação política de Pedro Passos Coelho?
Pedro Passos Coelho começou bem, criou óptimas expectativas. Teve alguns momentos, quanto a mim, menos felizes, nomeadamente o modo como foi apresentada a questão da revisão constitucional. Mas não há dúvida de que - tiro-lhe aí o chapéu à sua intuição política - o modo como conduziu o partido nestes últimos tempos relativamente à questão do Orçamento o prestigiaram perante a opinião pública e reforçaram a sua posição. Os sinais que podem retirar-se, pelo menos de estudos fiáveis da opinião pública, são-lhe favoráveis.
Vê-o como um potencial bom primeiro-ministro de Portugal?
Sobre esse ponto não tenho qualquer dúvida. E julgo que ele poderá dizer, como disse Durão Barroso, que tem a certeza de que vai ser primeiro-ministro, não sabe é quando. Mas, de repente, pode acontecer até que seja mais breve do que se julga.
Que olhar tem sobre a candidatura do actual Presidente da República, o professor Cavaco Silva?
De apoio entusiástico. Acho que Portugal precisa de Aníbal Cavaco Silva por mais cinco anos à frente da Presidência da República como referencial de estabilidade, como uma pessoa de honestidade a toda a prova cuja sabedoria é indispensável para ajudar o nosso país a ultrapassar a crise em que se encontra e arrancar pelos caminhos do futuro. Apoio Aníbal Cavaco Silva nesta campanha eleitoral, como já apoiei na anterior, e espero que ele venha a obter uma boa vitória para continuar o seu serviço a Portugal. Julgo, de resto, que um dos maiores erros do primeiro-ministro, José Sócrates, foi não ter querido aceitar a oferta generosa, patriótica, de cooperação estratégica que lhe foi feita no início do mandato pelo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Tem mantido contactos regulares com o Presidente da República ao longo destes cinco anos?
Regulares, espaçados. Até pelo exercício de funções que com muita honra para mim ele me confiou, tendo a oportunidade de conversar com ele e de apreciar, também como deputado da oposição e como cidadão, o modo como ele tem desempenhado as suas funções de Presidente da República.
Até há pouco tempo falava-se na possibilidade do aparecimento de uma candidatura à direita, que acabou por não se verificar. Acha que isso não aconteceu porque houve entendimentos de bastidores porque tal podia vir a fragilizar as possibilidades de êxito da candidatura do professor Cavaco Silva?
É óbvio que uma candidatura apresentada à direita da do professor Cavaco Silva, que não é manifestamente uma candidatura à direita, ele sempre se situou no centro - e muitas vezes foi acusado de ser defensor de posições muito ao centro-esquerda, é preciso recordar isso do historial da sua governação -, foi apenas uma fantasia que não tinha qualquer viabilidade, mas que poderia vir a prejudicar o resultado eleitoral. Em boa hora, as pessoas que se movimentaram nessa área ou que se apresentaram ou que foram indicadas como putativos candidatos desistiram de tal. E hoje as forças políticas representativas desta área de direita e centro-direita manifestaram-se claramente a favor da candidatura do professor Cavaco Silva.
Admite o cenário de o professor Cavaco Silva não ganhar à primeira volta?
Julgo que ele vai ganhar à primeira volta, as condições estão para isto. Não equaciono a necessidade de uma segunda volta, seria prolongar os factores de incerteza. E julgo que neste momento o País precisa... A confirmação do professor Cavaco Silva como Presidente da República é um elemento importante de clarificação da situação política.
Manuel Alegre não o seria?
Manuel Alegre é uma pessoa estimabilíssima, sou amigo dele, tenho uma grande admiração por ele. Mas, na fase actual, julgo que não. O sinal que representaria a eleição de Manuel Alegre seria a maioria à esquerda, é claríssimo. Ele é apoiado pelo PS e pelo BE, até pelo BE antes de ser pelo PS, e o seu percurso político é todo nesta área. Ora já se verificou que não é por aí que vêm as soluções capazes para os problemas do País no enquadramento estratégico em que nos encontramos, como país membro da União Europeia.
In DN
'Passos vai ser primeiro-ministro só não sabe é quando'
por JOÃO MARCELINO
Hoje
A entrevista com Mota Amaral foi gravada (quinta-feira ao final do dia) ainda antes do acordo a que chegaram o PS e o PSD sobre o Orçamento do Estado, mas as respostas mantêm toda a actualidade, porque este homem, magro e austero, também despe as frases e as ideias de tudo aquilo que é acessório. Nele, a discrição, a educação e a simplicidade estão presentes em todos os movimentos, até no gesto de se despedir individualmente de todos os trabalhadores que deram corpo à entrevista
Actualmente deputado, ex-presidente do Governo Regional dos Açores durante quase 20 anos, até 1995 (e nessa data o cidadão português com o maior número de anos consecutivos no exercício de um cargo governativo previsto na Constituição), Mota Amaral, um dos fundadores do PPD, agora PSD, e ex-presidente da Assembleia da República, segunda figura do Estado, fala de todos os assuntos sem tabus, até da sua ligação, de 50 anos, ao Opus Dei.
Qual é a sua convicção: vamos ou não ter um Orçamento do Estado viabilizado no Parlamento?
O meu desejo é que tal aconteça e que o Orçamento seja viabilizado, não com o voto favorável do PSD, que efectivamente não pode nunca rever-se nas políticas propostas pelo Governo do PS, mas através da abstenção do maior partido da oposição. Não sei é se isso vai acontecer, porque o modo como as negociações têm corrido, e sobretudo a atitude fechada da parte do Governo nesta negociação, pode colocar em perigo um objectivo estimável, desejável, de interesse nacional.
Mas acredita que neste momento o PSD ainda está a pesar a possibilidade de um voto negativo?
Julgo que sim, a deduzir das declarações feitas até agora pela sua liderança. É certo que Pedro Passos Coelho tem a possibilidade de apresentar as suas diligências com o empenho por minorar os sacrifícios exigidos aos portugueses pela proposta de Orçamento apresentada pelo Governo. E pode vir a declarar que, pondo à frente dos interesses partidários o interesse nacional, viabiliza o Orçamento através da abstenção do partido.
Essa, aliás, foi a posição que defendeu também já há uns dias. Disse publicamente que o PSD deveria abster-se na generalidade e depois discutir na especialidade, ponto por ponto. Se isso acontecer, acha que é possível o PS aceitar governar com um Orçamento definido pela oposição? Se depois na especialidade muito do clausulado do Orçamento do Estado vier a ser rectificado?
O PSD já apresentou as suas propostas e julgo que a aprovação delas, até a aceitação delas, não iria descaracterizar o Orçamento, iria, sim, repito, minorar os sacrifícios pedidos às famílias portuguesas. Agora, a atitude do PS é que tem sido uma atitude fechada. O PS prepara um cenário de ruptura relativamente ao Orçamento. Mas é preciso ver com toda a atenção o que é que dispõe a nossa Constituição nesse domínio. Se o Governo pensa que vai dizer ao País que uma vez que o Orçamento não foi viabilizado ou que eventualmente foi alterado na especialidade se demite... Ele não pode fazer isso! O Governo foi empossado legitimamente, o Governo foi viabilizado na Assembleia da República, foi investido pelo Parlamento, o primeiro-ministro não pode simplesmente sair cantando e rindo pela porta fora como se nada fosse com ele! Tem de assumir as suas responsabilidades e levá-las até ao fim.
Mas poderia apresentar ao Presidente da República a sua vontade de sair.
Sim, e o Presidente da República não devia aceitar esse pedido de demissão. Isso não é assim, não é o Governo que toma por sua iniciativa o desejo de sair e sai. Não, não! Isso tem de ser passado pelo crivo do Presidente da República e se eu fosse o Presidente da República não daria a demissão! Remeteria o Governo ao Parlamento para que apresentasse perante o Parlamento uma moção de confiança. E, adianto mesmo, numa moção de confiança o PSD deve abster-se.
Ter um cavaquista como Eduardo Catroga a negociar o Orçamento foi um sinal de que o Presidente da República esteve atento ao problema e que exerceu a sua magistratura de influência sobre este processo?
A presença do dr. Eduardo Catroga, antigo ministro das Finanças, na liderança da delegação do PSD foi lida pela opinião pública como uma atenção pela parte do PSD à influência do Presidente da República.
E por si?
Por mim também, obviamente. Não significa que o Presidente da República estivesse envolvido nessa negociação, não estaria, com certeza, nem pode estar. A responsabilidade da decisão dessa negociação cabe em exclusivo ao líder do PSD, o dr. Pedro Passos Coelho. E com ele, com certeza, o dr. Eduardo Catroga terá acertado os termos concretos em que iria apresentar as posições do PSD e as cedências possíveis para se encontrar uma plataforma de entendimento com o Governo.
É deputado do PSD, já se percebeu qual é a sua sensibilidade em relação a esta questão, mas o seu sentido de voto será aquele que vier também da orientação da direcção do partido?
Não tenho estados de alma relativamente à aprovação do Orçamento. Sei perfeitamente quais são as regras do jogo no nosso sistema político-partidário, a definição da posição cabe à comissão política nacional e conformarei o meu voto com a orientação estabelecida pela comissão política nacional. Não deixarei de formular a minha declaração de voto se porventura o voto fosse pela negativa, mas mantenho a esperança de que o voto será um voto de abstenção, porque isto poupa ao País mais tempo de incerteza e, sobretudo, amarra o Governo do primeiro-ministro, José Sócrates, às responsabilidades gravíssimas que tem pela situação calamitosa a que conduziu o País.
Para além desse voto, a acontecer nesse sentido, o PSD deve preparar-se desde já para a governação próxima?
Acho que um partido de oposição com aspiração de Governo, como é manifestamente o PSD, a nossa posição não é - no sistema político - servir de muleta ao Governo do PS, é ser a alternativa ao Governo do PS e é preciso que os portugueses vejam o PSD neste registo. Por isso, o PSD deve estar sempre preparado para apresentar as suas alternativas e eventualmente, se para isso for mandatado pelos portugueses, assumir as responsabilidades da governação.
Mas, a acreditar na fiabilidade dos últimos estudos de opinião, o PSD está muito perto disto: esta semana foram conhecidas duas sondagens, uma da Universidade Católica para o DN, JN, RTP e Antena 1, e outra da Marktest para a TSF e Diário Económico, e ambas colocam o PSD entre os 40% e os 42% e o PS entre os 25% e 26%, que, aliás, é dos mais baixos números de sempre. Esse movimento da opinião pública está a acontecer. Acha que esta legislatura pode chegar ao fim com o sentir dos portugueses a manifestar-se desta forma?
Há aqui que examinar o nosso quadro político e constitucional. Já o disse, o Governo foi investido, é um Governo legítimo. Foi investido pelo Presidente da República, foi investido pelo Parlamento, ganhou as eleições de 2009.
Mas governa de forma minoritária...
Governa mal de forma minoritária, porque um Governo que não tem maioria no Parlamento tem de se habituar a negociar no Parlamento a viabilização das suas leis mais importantes, nomeadamente a do Orçamento do Estado. E, acerca desse ponto, é preciso sempre sublinhar que a responsabilidade de que o Estado e o País tenham um Orçamento cabe ao Governo e ao partido que o apoia, antes de mais nada, e não aos partidos da oposição. Acho que tem havido aqui uma tentativa de inverter o ónus desta responsabilidade, mas é claríssimo que é o Governo e o PS que têm de diligenciar de todas as maneiras e feitios para conseguir que haja um Orçamento viabilizado no Parlamento e que esse Orçamento corresponda às necessidades do País.
Voltando à apreciação das sondagens.
Essas sondagens...
... Levam o PSD a preparar-se mais aceleradamente para a possibilidade de esta legislatura não chegar ao fim e ser chamado à governação mais cedo?
A possibilidade de esta legislatura não chegar ao fim existe. O PSD deve estar preparado para, na altura própria, haver eleições. Mas, atenção, o PSD respeita o funcionamento da nossa democracia e, portanto, não vai com certeza desestabilizar o nosso sistema político. Se, porventura, o Governo estiver a governar mal, é natural que o PSD apresente uma moção de censura, aliás, isso já foi dito por Pedro Passos Coelho. E, se assim acontecer, a responsabilidade passa para o Parlamento, de julgar se há ou não melhores oportunidades de governabilidade do País com outra fórmula de Governo. Na realidade, se porventura uma moção de censura do PSD não passar no Parlamento, eu tenho certas dúvidas de que venha a passar, a chave da continuidade desta legislatura está na mão do presidente da República que venha a ser eleito nas eleições marcadas para 23 de Janeiro. O senhor presidente da República é que pode dissolver o Parlamento. Mas se porventura Cavaco Silva vier a ser reeleito, não tenho qualquer dúvida de que só dissolverá o Parlamento quando houver sinais claros de que o povo português pretende uma solução diferente e com melhores condições de governabilidade que aquela que neste momento existe. As sondagens destes últimos dias dão um sinal que não pode de forma alguma ser desprezado por nenhuma das partes, nomeadamente deviam ser consideradas pelo Governo e pelo PS, tendo em conta a viabilização do Orçamento.
Nas últimas eleições internas do PSD apoiou José Pedro Aguiar-Branco. Como é que avalia hoje a actuação política de Pedro Passos Coelho?
Pedro Passos Coelho começou bem, criou óptimas expectativas. Teve alguns momentos, quanto a mim, menos felizes, nomeadamente o modo como foi apresentada a questão da revisão constitucional. Mas não há dúvida de que - tiro-lhe aí o chapéu à sua intuição política - o modo como conduziu o partido nestes últimos tempos relativamente à questão do Orçamento o prestigiaram perante a opinião pública e reforçaram a sua posição. Os sinais que podem retirar-se, pelo menos de estudos fiáveis da opinião pública, são-lhe favoráveis.
Vê-o como um potencial bom primeiro-ministro de Portugal?
Sobre esse ponto não tenho qualquer dúvida. E julgo que ele poderá dizer, como disse Durão Barroso, que tem a certeza de que vai ser primeiro-ministro, não sabe é quando. Mas, de repente, pode acontecer até que seja mais breve do que se julga.
Que olhar tem sobre a candidatura do actual Presidente da República, o professor Cavaco Silva?
De apoio entusiástico. Acho que Portugal precisa de Aníbal Cavaco Silva por mais cinco anos à frente da Presidência da República como referencial de estabilidade, como uma pessoa de honestidade a toda a prova cuja sabedoria é indispensável para ajudar o nosso país a ultrapassar a crise em que se encontra e arrancar pelos caminhos do futuro. Apoio Aníbal Cavaco Silva nesta campanha eleitoral, como já apoiei na anterior, e espero que ele venha a obter uma boa vitória para continuar o seu serviço a Portugal. Julgo, de resto, que um dos maiores erros do primeiro-ministro, José Sócrates, foi não ter querido aceitar a oferta generosa, patriótica, de cooperação estratégica que lhe foi feita no início do mandato pelo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Tem mantido contactos regulares com o Presidente da República ao longo destes cinco anos?
Regulares, espaçados. Até pelo exercício de funções que com muita honra para mim ele me confiou, tendo a oportunidade de conversar com ele e de apreciar, também como deputado da oposição e como cidadão, o modo como ele tem desempenhado as suas funções de Presidente da República.
Até há pouco tempo falava-se na possibilidade do aparecimento de uma candidatura à direita, que acabou por não se verificar. Acha que isso não aconteceu porque houve entendimentos de bastidores porque tal podia vir a fragilizar as possibilidades de êxito da candidatura do professor Cavaco Silva?
É óbvio que uma candidatura apresentada à direita da do professor Cavaco Silva, que não é manifestamente uma candidatura à direita, ele sempre se situou no centro - e muitas vezes foi acusado de ser defensor de posições muito ao centro-esquerda, é preciso recordar isso do historial da sua governação -, foi apenas uma fantasia que não tinha qualquer viabilidade, mas que poderia vir a prejudicar o resultado eleitoral. Em boa hora, as pessoas que se movimentaram nessa área ou que se apresentaram ou que foram indicadas como putativos candidatos desistiram de tal. E hoje as forças políticas representativas desta área de direita e centro-direita manifestaram-se claramente a favor da candidatura do professor Cavaco Silva.
Admite o cenário de o professor Cavaco Silva não ganhar à primeira volta?
Julgo que ele vai ganhar à primeira volta, as condições estão para isto. Não equaciono a necessidade de uma segunda volta, seria prolongar os factores de incerteza. E julgo que neste momento o País precisa... A confirmação do professor Cavaco Silva como Presidente da República é um elemento importante de clarificação da situação política.
Manuel Alegre não o seria?
Manuel Alegre é uma pessoa estimabilíssima, sou amigo dele, tenho uma grande admiração por ele. Mas, na fase actual, julgo que não. O sinal que representaria a eleição de Manuel Alegre seria a maioria à esquerda, é claríssimo. Ele é apoiado pelo PS e pelo BE, até pelo BE antes de ser pelo PS, e o seu percurso político é todo nesta área. Ora já se verificou que não é por aí que vêm as soluções capazes para os problemas do País no enquadramento estratégico em que nos encontramos, como país membro da União Europeia.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Não é possível mobilizar o País com este primeiro-ministro"
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"Não é possível mobilizar o País com este primeiro-ministro"
por JOÃO MARCELINO
Hoje
(COM VÍDEO) Gente Que Conta - Entrevista com Paulo Portas. "Em Junho deste ano, quando ainda havia período de dissolução, quando ainda era possível apresentar moções de censura, lembra-se de que eu disse ao primeiro-ministro 'saia'? E disse: em alternativa devia formar-se um governo de salvação nacional, de regeneração nacional. Um governo pequeno, com poucos ministros, mas bons, formado pelo PS, pelo PSD e pelo CDS e que aguentasse durante três anos, que fizesse aquilo que é preciso fazer para o bem financeiro e económico do País".
Paulo Portas renova a mensagem que passou na Assembleia da República em Junho: Portugal precisa de um governo que junte PS, PSD e CDS para enfrentar a crise económico-financeira e que José Sócrates não faça parte dessa "coligação de salvação nacional". As declarações de Luís Amado ao Expresso, ontem, deram mais força à tese do presidente do CDS-PP (que o PSD para já parece rejeitar). Mas Portas insiste, assinala que um eventual recurso a ajuda externa teria de ser visto como o fim da linha para o Governo e confia que um segundo mandato de Cavaco Silva na Presidência da República possa abrir um novo ciclo político no País.
Se todos os partidos da oposição tivessem votado contra o Orçamento na generalidade, como fez o Partido Popular, teríamos juntado uma crise política a uma crise que é económica e financeira. Faria algum sentido se as eleições, mesmo que aconteçam o mais rápido possível, não podem ser efectivadas antes de meados do próximo ano?
Eu vou começar por discordar do fundamento da sua pergunta. Durante semanas, os portugueses ouviram dizer que a aprovação do Orçamento era essencial para garantir a queda dos juros da dívida pública e a segurança do rating da República. Passaram várias semanas da aprovação do Orçamento e os juros da dívida pública dispararam de 6,25% para mais de 7%, infelizmente. Portanto, esse argumento ad terrorem não era verdadeiro. Aquilo que os chamados mercados, ou as agências, ou as instituições, estavam a observar não era a fotografia do dr. Teixeira dos Santos com o professor Catroga. Estavam a observar a execução orçamental, que é má, o nível da nossa dívida pública, que é muito perigoso, e a ausência de crescimento neste Orçamento.
A minha pergunta ia no sentido em que teríamos juntado a tudo isto uma crise política - essa ainda não temos...
Não. Teríamos juntado uma coisa a meu ver francamente melhor: é que o Governo teria feito, como sucede em boa parte da Europa, um segundo Orçamento melhor, que não fosse tão recessivo do ponto de vista económico.
Mas provavelmente o FMI já estava a caminho.
Não vale a pena continuarmos com o "se" condicional passado porque ninguém sabe o que é que teria acontecido. A única coisa que se sabe é que quem disse que a aprovação do Orçamento garantia o rating e garantia a queda dos juros, de repente, está desaparecido em combate. Estão num silêncio de sepulcro. E todos os dias os portugueses percebem que a questão é estrutural e é muito mais funda. Sobretudo o grau de endividamento do País e a ausência de crescimento económico tornam extremamente débil a capacidade de resposta do nosso país neste momento, em termos económicos.
E o sentido de voto do CDS-PP na discussão na generalidade ia no sentido de antecipar a crise que aí vem?
As pessoas podem concordar ou discordar, mas, muito lucidamente, em Junho deste ano, quando ainda havia período de dissolução, quando ainda era possível apresentar moções de censura, lembra-se de que eu disse ao primeiro-ministro "saia"? Não é um capricho, é que eu acho que o primeiro-ministro que nós temos é autor de uma ilusão, essa ilusão terminou e não é possível mobilizar o País nem recredibilizar o Estado português com este primeiro-ministro. E disse: em alternativa devia formar-se um governo de salvação nacional, de regeneração nacional. Um governo pequeno, com poucos ministros, mas bons, formado pelo PS, pelo PSD e pelo CDS e que aguentasse durante três anos, que fizesse aquilo que é preciso fazer para o bem financeiro e económico do País.
Essa sua proposta ainda está em cima da mesa?
Eu mantenho-a, porque desde o Verão as coisas só se agravaram, com toda a franqueza. A nossa dívida pública está a chegar a 150 mil milhões de euros, os nossos juros já passaram a fronteira infelizmente traçada pelo ministro das Finanças dos 7%.
A banca...
O rating de quatro bancos relevantes foi cortado da forma que toda a gente conhece. A execução orçamental é muito má, ou seja, no período de poucos meses ficou à vista um buraco superior a dois mil milhões de euros. O Orçamento, mesmo para os que o defendem, é reconhecidamente mau ou péssimo. E o crescimento económico é muito pequeno, nulo, ou vamos a caminho de uma recessão. Ou seja, desde o Verão, desde o momento em que eu disse o "saia, venha um governo PS-PSD-CDS de salvação nacional e estejamos todos disponíveis para fazer o que é preciso". E até disse uma coisa mais: nesse governo devem estar pessoas exclusivamente obcecadas em fazer aquilo que é o bem comum e o que o País precisa em termos financeiros e económicos. Devem ser suficientemente livres e estar disponíveis para não serem essas pessoas a ir a votos no final desse mandato. Devem passar a pasta a outros para não estarem preocupados com os votos, estarem preocupados com o País apenas. É aquilo que eu acho, no estado de emergência em que o País se encontra, que nós precisávamos. A verdade é que o Verão foi consumido em querelas completamente inúteis, gastou-se energia, tempo e vagar numa querela sobre a revisão constitucional razoavelmente inútil, porque o País precisa de uma boa revisão constitucional, ela só pode fazer-se por acordo, não vale a pena tanta gritaria.
A coligação que defende foi também ontem proposta por Luís Amado numa entrevista ao jornal Expresso. Como é que comenta essa declaração do ministro?
Acho que é uma entrevista importante e revela o pensamento próprio do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros. Não é a primeira vez que sucede, recordo que já quanto à questão - provavelmente a mais séria que o País tem de enfrentar - do endividamento e da nossa dependência externa o discurso do dr. Luís Amado não coincidia com a linha geral do Governo. Devo aliás acrescentar que estes últimos dias mostraram vários sinais, vindos de ministros de Estado, de que a coordenação no Governo e a coesão no Governo já não é o que era. Lembro que o ministro das Finanças, a meu ver com imprudência, fez as afirmações que fez relativamente ao Fundo Monetário Internacional e agora o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, a meu ver com realismo, aponta para um governo de salvação nacional.
O PSD já se demarcou dessa proposta, diz que o Governo tem todas as condições para governar.
Começo por lembrar, e peço-lhe que me permita essa modéstia, que quando em Junho defendi que o primeiro-ministro devia sair, devia ter essa humildade e em alternativa - porque é preciso propor alternativas - devia haver um governo de salvação nacional, à época toda a gente chamou a isso um arranjinho. E agora há muito mais gente a observar e a ter consciência da gravidade da situação do País e da necessidade de uma resposta muito mais profunda.
Mas o PSD não quer esse "arranjinho"...
Observei as reacções à entrevista do dr. Luís Amado e vejo o seguinte: a reacção do primeiro-ministro mostra que ele está datado, porque vem dizer "eu há um ano convidei os partidos todos para irem para o Governo", como se fosse uma espécie de todos ao molho e fé em Deus, quando aquilo que aconteceu há um ano obviamente não foi uma negociação, foi muito mais uma encenação. E, por outro lado, não se dá conta de que precisamente por o País ter ganho consciência do que era a verdade em termos de endividamento, a verdade em termos orçamentais e a verdade do ponto de vista do défice nestes últimos doze meses é que a legitimidade do primeiro-ministro está seriamente em causa e o País precisa de soluções diferentes e novas. Por outro lado, a reacção do PSD também a achei um bocado defensiva. É difícil manter este discurso que o PSD parece ter. Por um lado, diz-se: o Orçamento é péssimo, mas deve ser aprovado. Agora diz-se: o Governo é mau, mas deve ser prolongado. Isto não é muito explicável, porque não é nem muito coerente nem muito consistente.
Mas quem é que podia ser o primeiro-ministro desse tal governo? Tinha de ser alguém do PS?
Mantenho-me fiel àquilo que disse em Junho. Defendi que o primeiro-ministro, José Sócrates, fazia parte do problema e não da solução, devia ter a humildade de sair e que devia ser formado um governo de salvação nacional, obviamente tendo à frente uma pessoa moderada e uma pessoa realista. Não me parece adequado estar a dizer mais do que disse nessa altura. Mantenho a mesma opinião.
O CDS, no final da discussão na especialidade do Orçamento do Estado, vai apresentar uma moção de censura?
Neste momento, está vedada a dissolução da Assembleia da República. Embora teoricamente seja possível uma moção de censura, a verdade é que o Presidente da República não pode convocar eleições e eu gosto de ser realista nas atitudes que tomo, e consequente nas decisões que tomo.
Acredita que o primeiro-ministro está a equacionar uma remodelação governamental?
E quem é que aceita entrar? Eu não sou fatalista, acho que a situação do País é muitíssimo preocupante, mas faço sempre uma distinção: Portugal é uma nação antiga, Portugal já viveu crises tremendas, já perdeu a sua independência, já foi à falência, olhe para o século XIX!
Várias vezes.
Várias vezes!
Mas o que é que quer dizer? Acredita ou não que está em curso na cabeça do primeiro-ministro a possibilidade de uma remodelação?
Espere aí, vai perceber o que eu estou a dizer-lhe: é que acho que o próprio primeiro-ministro tem de ser remodelado. Esse é que é o problema!
Acha que o Governo não chega ao fim da legislatura?
Sempre que o País viveu crises difíceis, momentos extremamente complicados, foi capaz de dar a volta. Portugal foi sempre capaz de dar a volta, com maior dificuldade, com menor dificuldade, Portugal foi sempre capaz de dar a volta. O que nunca foi é capaz de dar a volta entregando o projecto ao mesmo timoneiro, à mesma tripulação e à mesma rota de navegação que o levou ao problema! E isto é a minha convicção muito profunda!
O CDS-PP equaciona a possibilidade de votar uma moção de censura em conjunto com a esquerda para, num determinado ponto desta legislatura, acabar com o Governo de José Sócrates?
Acho que o primeiro-ministro já devia ter saído, que devia haver um governo de salvação nacional PS-PSD-CDS, para três anos. Um governo pequeno, com objectivos realistas, capaz de mobilizar pela seriedade o País.
Para o qual estaria pessoalmente disponível?
Em que o CDS faria aquilo que fosse de interesse nacional fazer. As questões pessoais são as menos importantes no estado de emergência em que o País está.
Nunca com José Sócrates?
Vamos ter a honestidade de ter alguma memória: há um ano, o País estava em eleições e este primeiro-ministro dizia que o défice era de 5,6%, dizia que o endividamento não era problema, que as contas estavam em dia!
Não acredita que esta legislatura chegue ao fim?
Não acredito!
E se Portugal vier a precisar mesmo de ajuda externa?
Se Portugal chegar ao estado de necessidade de ter de recorrer a ajuda externa - União Europeia ou FMI -, isso significaria o colapso absoluto da política de governo. A pergunta que me parece importante deixar é a seguinte: se isso acontecer, podemos ficar com o mesmo primeiro-ministro e a mesma forma de governo?
Alguma vez o CDS foi contactado pelo Governo para negociar?
Nunca. Com toda a franqueza, factualmente, a resposta é não. Aliás, não me pareceu que houvesse uma muito genuína vontade de procurar um compromisso sobre este Orçamento do Estado.
Está a dizer que o Governo gostaria de ter o Orçamento do Estado chumbado na generalidade?
Não tenho elementos para fazer uma teoria conspirativa nem gosto de teorias conspirativas. Sei é que a forma como o primeiro-ministro tratou quer o PSD quer o CDS não era de molde a procurar um espírito de compromisso. Seja como for, estando o País a caminhar para um precipício do ponto de vista do endividamento, que é a questão mais profunda, mais séria, a verdade é que o Orçamento acabou por ser negociado em cinco ou seis dias, uma negociação extremamente limitada quando durante semanas se perdeu um tempo infindo. Repare numa coisa: esta negociação entre o PS e o PSD permite aos contribuintes e aos cidadãos meditarem sobre os limites daqueles dois partidos, com todo o respeito.
O seu sentido de voto também tem essa intenção política de cavar caminho à direita do PSD?
Tem um sentido de coerência. Porque é que o PS e o PSD não conseguem tocar no sector empresarial do Estado? Ainda hoje...
Qual é a resposta?
Eu acho que o PS e o PSD não perderam um minuto a fazer negociações sobre o sector empresarial do Estado porque dependem do sector empresarial do Estado para o provimento das suas clientelas. É muito estranho que os dois partidos centrais do sistema tenham de reduzir despesa pública e negoceiem, abram uma agenda de negociações e não estejam lá as empresas públicas! Primeiro ponto. Depois, repare que os dois partidos não conseguem resolver a questão das Scut. Eu estou à vontade, nunca enganei ninguém sobre isso, disse em campanha eleitoral o mesmo que disse depois da campanha eleitoral: sou pelo princípio do utilizador/pagador. Para mim não faz sentido que quem use não pague e quem não use pague! Para mim não faz sentido continuar a penalizar o contribuinte com cerca de quinhentos milhões de euros, que é o preço da ilusão das Scut. E aqueles dois partidos não foram sequer capazes de encontrar uma solução racional própria do bem comum. Porquê? Porque é que o PS e o PSD não conseguem resolver a questão das Scut? Porque dependem muito do caciquismo local! E o caciquismo local é uma geografia eleitoral, não tem que ver com a geografia dos rendimentos nem com a geografia das necessidades sociais ou com as desigualdades territoriais.
Se não é possível ao regime regenerar-se por dentro, é inevitável a vinda do FMI?
Tem de saber regenerar-se! O terceiro ponto para que eu queria chamar a atenção, e não queria deixar de dizer isto... Aqui faz toda a diferença ser democrata-cristão ou não ser democrata-cristão: é que aqueles dois partidos sentam-se à mesa e a questão social está totalmente ausente da negociação. Aqueles dois partidos não perderam um segundo a discutir a questão da verdadeira pobreza, que está nos idosos, ou uma política familiar, caso do abono de família. Foi como se não existisse! E isso é matéria para meditação e para observação dos cidadãos.
Temos então o CDS-PP preocupado com o Estado social?
Sempre esteve! Há uma grande diferença entre um partido democrata-cristão e, se quiser, nessa matéria, um partido puramente liberal. A esquerda passou o Verão a falar no Estado social e neste Orçamento dá-lhe uma machadada que devia envergonhar o engenheiro Sócrates. Eu já o disse uma vez e repito-o: o engenheiro Sócrates prepara-se para tirar o abono de família a pessoas com 629 euros de rendimento. O abono de família foi criado em 1942 e até o dr. Salazar o pagava, veja bem onde chegámos! Há 750 mil pessoas que têm para viver todos os meses 240 euros ou menos - são os pensionistas. Foram congeladas essas pensões a eito! A única coisa inevitável é reduzir a despesa pública - como reduzir a despesa pública, aí é que há diferenças entre nós!
Vai fazer essa discussão na especialidade?
Com certeza! Uma coisa de que as pessoas podem ter a certeza absoluta: o CDS não agravará um cêntimo o défice!
E vai cortar onde? Já não pode cortar nos submarinos.
Posso cortar em inúmeros sítios, como vamos demonstrar. Vamos fazer propostas selectivas e as nossas três preocupações, por exemplo na área social, são: o IVA das instituições sociais para obras sociais, creches, lares, etc. Bom, isso vai a caminho... Apesar de tudo, o Governo começou a ceder - o CDS fez bem em levantar a questão. Permitir que as pensões mínimas, rurais e sociais, que são pensões de 246 euros, de 230 e de 189, não fiquem congeladas, tenham pelo menos uma actualização com a inflação, e a questão do abono de família pelo menos no quarto escalão, ou seja, de famílias de rendimentos baixos e modestos. O CDS identificou 14 rubricas em que, com esforço, profissionalismo e rigor, é possível reduzir a despesa. Dou-lhe um pequeno exemplo que toda a gente entende: o Estado prepara-se para gastar 47 milhões de euros em publicidade, que muitas vezes é propaganda. Prepara-se para gastar 33 milhões de euros em eventos e seminários e continua a ter uma despesa, apesar do esforço que já foi feito, consideravelmente alta em estadas e deslocações. Basta tocar nestas três rubricas e não precisa de congelar pensões mínimas, sociais ou rurais. Queria era que ficasse claro isto!
In DN
"Não é possível mobilizar o País com este primeiro-ministro"
por JOÃO MARCELINO
Hoje
(COM VÍDEO) Gente Que Conta - Entrevista com Paulo Portas. "Em Junho deste ano, quando ainda havia período de dissolução, quando ainda era possível apresentar moções de censura, lembra-se de que eu disse ao primeiro-ministro 'saia'? E disse: em alternativa devia formar-se um governo de salvação nacional, de regeneração nacional. Um governo pequeno, com poucos ministros, mas bons, formado pelo PS, pelo PSD e pelo CDS e que aguentasse durante três anos, que fizesse aquilo que é preciso fazer para o bem financeiro e económico do País".
Paulo Portas renova a mensagem que passou na Assembleia da República em Junho: Portugal precisa de um governo que junte PS, PSD e CDS para enfrentar a crise económico-financeira e que José Sócrates não faça parte dessa "coligação de salvação nacional". As declarações de Luís Amado ao Expresso, ontem, deram mais força à tese do presidente do CDS-PP (que o PSD para já parece rejeitar). Mas Portas insiste, assinala que um eventual recurso a ajuda externa teria de ser visto como o fim da linha para o Governo e confia que um segundo mandato de Cavaco Silva na Presidência da República possa abrir um novo ciclo político no País.
Se todos os partidos da oposição tivessem votado contra o Orçamento na generalidade, como fez o Partido Popular, teríamos juntado uma crise política a uma crise que é económica e financeira. Faria algum sentido se as eleições, mesmo que aconteçam o mais rápido possível, não podem ser efectivadas antes de meados do próximo ano?
Eu vou começar por discordar do fundamento da sua pergunta. Durante semanas, os portugueses ouviram dizer que a aprovação do Orçamento era essencial para garantir a queda dos juros da dívida pública e a segurança do rating da República. Passaram várias semanas da aprovação do Orçamento e os juros da dívida pública dispararam de 6,25% para mais de 7%, infelizmente. Portanto, esse argumento ad terrorem não era verdadeiro. Aquilo que os chamados mercados, ou as agências, ou as instituições, estavam a observar não era a fotografia do dr. Teixeira dos Santos com o professor Catroga. Estavam a observar a execução orçamental, que é má, o nível da nossa dívida pública, que é muito perigoso, e a ausência de crescimento neste Orçamento.
A minha pergunta ia no sentido em que teríamos juntado a tudo isto uma crise política - essa ainda não temos...
Não. Teríamos juntado uma coisa a meu ver francamente melhor: é que o Governo teria feito, como sucede em boa parte da Europa, um segundo Orçamento melhor, que não fosse tão recessivo do ponto de vista económico.
Mas provavelmente o FMI já estava a caminho.
Não vale a pena continuarmos com o "se" condicional passado porque ninguém sabe o que é que teria acontecido. A única coisa que se sabe é que quem disse que a aprovação do Orçamento garantia o rating e garantia a queda dos juros, de repente, está desaparecido em combate. Estão num silêncio de sepulcro. E todos os dias os portugueses percebem que a questão é estrutural e é muito mais funda. Sobretudo o grau de endividamento do País e a ausência de crescimento económico tornam extremamente débil a capacidade de resposta do nosso país neste momento, em termos económicos.
E o sentido de voto do CDS-PP na discussão na generalidade ia no sentido de antecipar a crise que aí vem?
As pessoas podem concordar ou discordar, mas, muito lucidamente, em Junho deste ano, quando ainda havia período de dissolução, quando ainda era possível apresentar moções de censura, lembra-se de que eu disse ao primeiro-ministro "saia"? Não é um capricho, é que eu acho que o primeiro-ministro que nós temos é autor de uma ilusão, essa ilusão terminou e não é possível mobilizar o País nem recredibilizar o Estado português com este primeiro-ministro. E disse: em alternativa devia formar-se um governo de salvação nacional, de regeneração nacional. Um governo pequeno, com poucos ministros, mas bons, formado pelo PS, pelo PSD e pelo CDS e que aguentasse durante três anos, que fizesse aquilo que é preciso fazer para o bem financeiro e económico do País.
Essa sua proposta ainda está em cima da mesa?
Eu mantenho-a, porque desde o Verão as coisas só se agravaram, com toda a franqueza. A nossa dívida pública está a chegar a 150 mil milhões de euros, os nossos juros já passaram a fronteira infelizmente traçada pelo ministro das Finanças dos 7%.
A banca...
O rating de quatro bancos relevantes foi cortado da forma que toda a gente conhece. A execução orçamental é muito má, ou seja, no período de poucos meses ficou à vista um buraco superior a dois mil milhões de euros. O Orçamento, mesmo para os que o defendem, é reconhecidamente mau ou péssimo. E o crescimento económico é muito pequeno, nulo, ou vamos a caminho de uma recessão. Ou seja, desde o Verão, desde o momento em que eu disse o "saia, venha um governo PS-PSD-CDS de salvação nacional e estejamos todos disponíveis para fazer o que é preciso". E até disse uma coisa mais: nesse governo devem estar pessoas exclusivamente obcecadas em fazer aquilo que é o bem comum e o que o País precisa em termos financeiros e económicos. Devem ser suficientemente livres e estar disponíveis para não serem essas pessoas a ir a votos no final desse mandato. Devem passar a pasta a outros para não estarem preocupados com os votos, estarem preocupados com o País apenas. É aquilo que eu acho, no estado de emergência em que o País se encontra, que nós precisávamos. A verdade é que o Verão foi consumido em querelas completamente inúteis, gastou-se energia, tempo e vagar numa querela sobre a revisão constitucional razoavelmente inútil, porque o País precisa de uma boa revisão constitucional, ela só pode fazer-se por acordo, não vale a pena tanta gritaria.
A coligação que defende foi também ontem proposta por Luís Amado numa entrevista ao jornal Expresso. Como é que comenta essa declaração do ministro?
Acho que é uma entrevista importante e revela o pensamento próprio do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros. Não é a primeira vez que sucede, recordo que já quanto à questão - provavelmente a mais séria que o País tem de enfrentar - do endividamento e da nossa dependência externa o discurso do dr. Luís Amado não coincidia com a linha geral do Governo. Devo aliás acrescentar que estes últimos dias mostraram vários sinais, vindos de ministros de Estado, de que a coordenação no Governo e a coesão no Governo já não é o que era. Lembro que o ministro das Finanças, a meu ver com imprudência, fez as afirmações que fez relativamente ao Fundo Monetário Internacional e agora o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, a meu ver com realismo, aponta para um governo de salvação nacional.
O PSD já se demarcou dessa proposta, diz que o Governo tem todas as condições para governar.
Começo por lembrar, e peço-lhe que me permita essa modéstia, que quando em Junho defendi que o primeiro-ministro devia sair, devia ter essa humildade e em alternativa - porque é preciso propor alternativas - devia haver um governo de salvação nacional, à época toda a gente chamou a isso um arranjinho. E agora há muito mais gente a observar e a ter consciência da gravidade da situação do País e da necessidade de uma resposta muito mais profunda.
Mas o PSD não quer esse "arranjinho"...
Observei as reacções à entrevista do dr. Luís Amado e vejo o seguinte: a reacção do primeiro-ministro mostra que ele está datado, porque vem dizer "eu há um ano convidei os partidos todos para irem para o Governo", como se fosse uma espécie de todos ao molho e fé em Deus, quando aquilo que aconteceu há um ano obviamente não foi uma negociação, foi muito mais uma encenação. E, por outro lado, não se dá conta de que precisamente por o País ter ganho consciência do que era a verdade em termos de endividamento, a verdade em termos orçamentais e a verdade do ponto de vista do défice nestes últimos doze meses é que a legitimidade do primeiro-ministro está seriamente em causa e o País precisa de soluções diferentes e novas. Por outro lado, a reacção do PSD também a achei um bocado defensiva. É difícil manter este discurso que o PSD parece ter. Por um lado, diz-se: o Orçamento é péssimo, mas deve ser aprovado. Agora diz-se: o Governo é mau, mas deve ser prolongado. Isto não é muito explicável, porque não é nem muito coerente nem muito consistente.
Mas quem é que podia ser o primeiro-ministro desse tal governo? Tinha de ser alguém do PS?
Mantenho-me fiel àquilo que disse em Junho. Defendi que o primeiro-ministro, José Sócrates, fazia parte do problema e não da solução, devia ter a humildade de sair e que devia ser formado um governo de salvação nacional, obviamente tendo à frente uma pessoa moderada e uma pessoa realista. Não me parece adequado estar a dizer mais do que disse nessa altura. Mantenho a mesma opinião.
O CDS, no final da discussão na especialidade do Orçamento do Estado, vai apresentar uma moção de censura?
Neste momento, está vedada a dissolução da Assembleia da República. Embora teoricamente seja possível uma moção de censura, a verdade é que o Presidente da República não pode convocar eleições e eu gosto de ser realista nas atitudes que tomo, e consequente nas decisões que tomo.
Acredita que o primeiro-ministro está a equacionar uma remodelação governamental?
E quem é que aceita entrar? Eu não sou fatalista, acho que a situação do País é muitíssimo preocupante, mas faço sempre uma distinção: Portugal é uma nação antiga, Portugal já viveu crises tremendas, já perdeu a sua independência, já foi à falência, olhe para o século XIX!
Várias vezes.
Várias vezes!
Mas o que é que quer dizer? Acredita ou não que está em curso na cabeça do primeiro-ministro a possibilidade de uma remodelação?
Espere aí, vai perceber o que eu estou a dizer-lhe: é que acho que o próprio primeiro-ministro tem de ser remodelado. Esse é que é o problema!
Acha que o Governo não chega ao fim da legislatura?
Sempre que o País viveu crises difíceis, momentos extremamente complicados, foi capaz de dar a volta. Portugal foi sempre capaz de dar a volta, com maior dificuldade, com menor dificuldade, Portugal foi sempre capaz de dar a volta. O que nunca foi é capaz de dar a volta entregando o projecto ao mesmo timoneiro, à mesma tripulação e à mesma rota de navegação que o levou ao problema! E isto é a minha convicção muito profunda!
O CDS-PP equaciona a possibilidade de votar uma moção de censura em conjunto com a esquerda para, num determinado ponto desta legislatura, acabar com o Governo de José Sócrates?
Acho que o primeiro-ministro já devia ter saído, que devia haver um governo de salvação nacional PS-PSD-CDS, para três anos. Um governo pequeno, com objectivos realistas, capaz de mobilizar pela seriedade o País.
Para o qual estaria pessoalmente disponível?
Em que o CDS faria aquilo que fosse de interesse nacional fazer. As questões pessoais são as menos importantes no estado de emergência em que o País está.
Nunca com José Sócrates?
Vamos ter a honestidade de ter alguma memória: há um ano, o País estava em eleições e este primeiro-ministro dizia que o défice era de 5,6%, dizia que o endividamento não era problema, que as contas estavam em dia!
Não acredita que esta legislatura chegue ao fim?
Não acredito!
E se Portugal vier a precisar mesmo de ajuda externa?
Se Portugal chegar ao estado de necessidade de ter de recorrer a ajuda externa - União Europeia ou FMI -, isso significaria o colapso absoluto da política de governo. A pergunta que me parece importante deixar é a seguinte: se isso acontecer, podemos ficar com o mesmo primeiro-ministro e a mesma forma de governo?
Alguma vez o CDS foi contactado pelo Governo para negociar?
Nunca. Com toda a franqueza, factualmente, a resposta é não. Aliás, não me pareceu que houvesse uma muito genuína vontade de procurar um compromisso sobre este Orçamento do Estado.
Está a dizer que o Governo gostaria de ter o Orçamento do Estado chumbado na generalidade?
Não tenho elementos para fazer uma teoria conspirativa nem gosto de teorias conspirativas. Sei é que a forma como o primeiro-ministro tratou quer o PSD quer o CDS não era de molde a procurar um espírito de compromisso. Seja como for, estando o País a caminhar para um precipício do ponto de vista do endividamento, que é a questão mais profunda, mais séria, a verdade é que o Orçamento acabou por ser negociado em cinco ou seis dias, uma negociação extremamente limitada quando durante semanas se perdeu um tempo infindo. Repare numa coisa: esta negociação entre o PS e o PSD permite aos contribuintes e aos cidadãos meditarem sobre os limites daqueles dois partidos, com todo o respeito.
O seu sentido de voto também tem essa intenção política de cavar caminho à direita do PSD?
Tem um sentido de coerência. Porque é que o PS e o PSD não conseguem tocar no sector empresarial do Estado? Ainda hoje...
Qual é a resposta?
Eu acho que o PS e o PSD não perderam um minuto a fazer negociações sobre o sector empresarial do Estado porque dependem do sector empresarial do Estado para o provimento das suas clientelas. É muito estranho que os dois partidos centrais do sistema tenham de reduzir despesa pública e negoceiem, abram uma agenda de negociações e não estejam lá as empresas públicas! Primeiro ponto. Depois, repare que os dois partidos não conseguem resolver a questão das Scut. Eu estou à vontade, nunca enganei ninguém sobre isso, disse em campanha eleitoral o mesmo que disse depois da campanha eleitoral: sou pelo princípio do utilizador/pagador. Para mim não faz sentido que quem use não pague e quem não use pague! Para mim não faz sentido continuar a penalizar o contribuinte com cerca de quinhentos milhões de euros, que é o preço da ilusão das Scut. E aqueles dois partidos não foram sequer capazes de encontrar uma solução racional própria do bem comum. Porquê? Porque é que o PS e o PSD não conseguem resolver a questão das Scut? Porque dependem muito do caciquismo local! E o caciquismo local é uma geografia eleitoral, não tem que ver com a geografia dos rendimentos nem com a geografia das necessidades sociais ou com as desigualdades territoriais.
Se não é possível ao regime regenerar-se por dentro, é inevitável a vinda do FMI?
Tem de saber regenerar-se! O terceiro ponto para que eu queria chamar a atenção, e não queria deixar de dizer isto... Aqui faz toda a diferença ser democrata-cristão ou não ser democrata-cristão: é que aqueles dois partidos sentam-se à mesa e a questão social está totalmente ausente da negociação. Aqueles dois partidos não perderam um segundo a discutir a questão da verdadeira pobreza, que está nos idosos, ou uma política familiar, caso do abono de família. Foi como se não existisse! E isso é matéria para meditação e para observação dos cidadãos.
Temos então o CDS-PP preocupado com o Estado social?
Sempre esteve! Há uma grande diferença entre um partido democrata-cristão e, se quiser, nessa matéria, um partido puramente liberal. A esquerda passou o Verão a falar no Estado social e neste Orçamento dá-lhe uma machadada que devia envergonhar o engenheiro Sócrates. Eu já o disse uma vez e repito-o: o engenheiro Sócrates prepara-se para tirar o abono de família a pessoas com 629 euros de rendimento. O abono de família foi criado em 1942 e até o dr. Salazar o pagava, veja bem onde chegámos! Há 750 mil pessoas que têm para viver todos os meses 240 euros ou menos - são os pensionistas. Foram congeladas essas pensões a eito! A única coisa inevitável é reduzir a despesa pública - como reduzir a despesa pública, aí é que há diferenças entre nós!
Vai fazer essa discussão na especialidade?
Com certeza! Uma coisa de que as pessoas podem ter a certeza absoluta: o CDS não agravará um cêntimo o défice!
E vai cortar onde? Já não pode cortar nos submarinos.
Posso cortar em inúmeros sítios, como vamos demonstrar. Vamos fazer propostas selectivas e as nossas três preocupações, por exemplo na área social, são: o IVA das instituições sociais para obras sociais, creches, lares, etc. Bom, isso vai a caminho... Apesar de tudo, o Governo começou a ceder - o CDS fez bem em levantar a questão. Permitir que as pensões mínimas, rurais e sociais, que são pensões de 246 euros, de 230 e de 189, não fiquem congeladas, tenham pelo menos uma actualização com a inflação, e a questão do abono de família pelo menos no quarto escalão, ou seja, de famílias de rendimentos baixos e modestos. O CDS identificou 14 rubricas em que, com esforço, profissionalismo e rigor, é possível reduzir a despesa. Dou-lhe um pequeno exemplo que toda a gente entende: o Estado prepara-se para gastar 47 milhões de euros em publicidade, que muitas vezes é propaganda. Prepara-se para gastar 33 milhões de euros em eventos e seminários e continua a ter uma despesa, apesar do esforço que já foi feito, consideravelmente alta em estadas e deslocações. Basta tocar nestas três rubricas e não precisa de congelar pensões mínimas, sociais ou rurais. Queria era que ficasse claro isto!
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"É preciso um governo de salvação nacional"
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"É preciso um governo de salvação nacional"
por JOÃO MARCELINO
Hoje
Os 35 anos do 25 de Novembro de 1975, que passam esta semana no dia seguinte à greve geral, são o pretexto para a conversa com Otelo Saraiva de Carvalho, que decorre na casa deste antigo capitão de Abril, hoje coronel na reserva. Apesar de já ter dobrado a casa dos 70, continua um homem enérgico. Tem um discurso em catadupa, no qual o "pá", de que o texto foi limpo, é usado com abundância. Uma entrevista que ajuda a perceber o romantismo de uma história ainda recente
Otelo, preocupado com a actual crise no País, ainda acredita na democracia directa, utopia que guarda desde Abril de 1974. Costuma abster-se nas eleições, por discordar da "democracia representativa burguesa", mas promete apoiar e pôr o seu voto em Manuel Alegre, nas próximas presidenciais. Soares convidou-o a aderir ao PS, lembra, e até o levaria a cabeça de lista nas legislativas. O militar, que diz só ter tido conhecimento do 25 de Novembro de madrugada, recusou o convite.
Alguma vez nestes anos, e face à qualidade da nossa vida colectiva actual, se arrependeu de ter ajudado Portugal a sair da ditadura provinciana de Salazar e Caetano?
Não, de forma alguma! Considero que o 25 de Abril permitiu derrubar uma ditadura, que começou militar e que o Sala-zar transformou em fascista de modelo mussoliniano. E o 25 de Abril, derrotando essa ditadura, que durou em Portugal durante 48 anos, abriu as portas para a liberdade e para a recuperação da dignidade do povo. Mais do que isso: travou a Guerra Colonial que durava em possessões portuguesas havia já 13 anos, permitindo a descolonização e, a partir daí, o desenvolvimento do País.
As dificuldades actuais do País não lhe causam nenhum problema nesse sentido? Não o desencantam?
As dificuldades do País resultam da implantação do sistema capitalista em Portugal, fazendo parte do arco ocidental das chamadas democracias parlamentaristas, ou democracias representativas. Foi exactamente por causa disso que, durante o chamado PREC [Processo Revolucionário em Curso], eu entrei em conflito de carácter ideológico, podemos dizer assim, com os meus camaradas do MFA que comigo partilhavam o Conselho da Revolução.
Portanto, o seu caminho era outro?
De início, eu, que não percebia nada de política, era um militar que perante as circunstâncias me vi compelido a fazer o que fiz, a preparar o plano de operações e a comandar o 25 de Abril, vi-me impelido a ter que também tomar parte na política. No decurso do processo, encarei outra hipótese de levar por diante a instauração de um regime político diferente.
Gostaria que Portugal tivesse seguido esse caminho?
Gostaria muito. Se bem que reconheça as tremendas dificuldades que iríamos encontrar pela frente para levar por diante esse projecto, de instauração de um regime de democracia directa. O Melo Antunes, por exemplo, que era o papa político do MFA, quando falei com ele sobre esse assunto...
Sucintamente, que regime seria este, essa democracia directa?
Não tenho isto bem escalpelizado, porque não existe esse regime em nenhum país do mundo. Encaro-o...
É por isso que eu lhe faço a pergunta.
E esse era o argumento dos meus camaradas - diziam: "Mas onde é que tu encontras em qualquer país do mundo esse regime?" Eu dizia: "Não encontro em nenhum, mas fazemos nós!"
Mas como é que explica isso?
Democracia, etimologicamente, é o poder do povo. Poder de povo que não existe numa democracia burguesa. A democracia burguesa resulta do poder da classe dominante. Desde 1789, com a Revolução Francesa, é assim.
Qual é o mais aproximado que encontra no mundo?
Não sei. Aquilo que poderia ter acontecido seria dentro de uma perspectiva luxemburguista, a criação de grandes assembleias, assembleias populares. Por exemplo, ao nível de freguesias, porque temos um país dividido administrativamente em freguesias, concelhos, etc...
Desculpe-me a crueza da pergunta, mas acredita nessa utopia ainda hoje?
Acredito profundamente. As pessoas têm tendência logo para dizer: "Então e querias o operário para ser primeiro-ministro?" Não! Podia ser o senhor doutor, professor, jubilado, um tipo óptimo que era escolhido pelo povo porque era o melhor! Os melhores de todos! Suponha uma área de freguesia com mil habitantes: desses mil habitantes, as pessoas conhecem-se, em assembleia podem reunir-se. Todas as pessoas que quiserem ir à assembleia vão à assembleia, discutem os problemas da comunidade e a certa altura começam a ser visíveis aquelas personalidades que, ou pela sua inteligência, pelo seu carácter...
E esse país teria um governo eleito de que forma?
De forma directa, a democracia directa! Temos de eleger uma assembleia de freguesia, de mil pessoas temos de reduzir a cinquenta, vamos a eleições!, e as pessoas lá punham o voto secreto e elegiam o fulano A, B ou C - não há partidos - para formarem a assembleia de freguesia, que passava a gerir os interesses dessa freguesia. Desses cinquenta escolhiam-se por eleição os dez melhores para uma assembleia municipal. E dentro da assembleia municipal escolher-se-ia para uma assembleia de distrito, ou nacional popular, da qual finalmente emergisse para um governo! Da base ao topo, era uma eleição directa.
Essa sua utopia não avançou, nunca avançou em nenhum país do mundo...
Mas podíamos ter nós implantado!
... A verdade é que 35 anos depois, organizámos agora esta reunião importante da NATO, por onde até passou o Presidente da Rússia. Va-mos assistir também esta semana a uma greve geral que protesta contra as condições de vida, temos 10,9% de desempregados, cerca de 600 mil pessoas. O País vive uma situação caótica, e eu repito a questão inicial: como é que olha esta realidade à luz dos ideais que o animaram nesses longínquos anos de 74 e 75?
De uma forma extremamente pessimista. Era aquilo que eu previa, dada a chantagem que os Estados Unidos e o arco ocidental europeu fizeram relativamente a Portugal na pessoa do Melo Antunes, enquanto ele era ministro dos Negócios Estrangeiros. Hoje há documentos desclassificados, os da CIA não estão todos, mas os do Gerald Ford estão, e podemos verificar que em Maio de 75 o Melo Antunes foi convocado para Munique, para uma conversação com o presidente dos EUA e com o Henry Kissinger, em que lhe foi imposta por chantagem condição de carácter decisivo para o futuro do País.
Essa chantagem foi exercida como?
O Gerald Ford e o Kissinger disseram ao Melo Antunes: "Se vocês continuarem em Portugal nessa perspectiva da revolução socialista, com o Partido Comunista, um partido ortodoxo ligado à União Soviética, já no poder, Portugal, na situação estratégica que tem face ao Atlântico, vai transformar-se num pólo da União Soviética. Nós não podemos permitir isso! Já conversámos com esta gente toda, desde o Reino Unido até à Espanha, passando pela Holanda, a França, Alemanha, etc. - exercemos sobre Portugal um boicote económico total. E vocês perdem as colónias..."
Isso foi-lhe dito pessoalmente por Melo Antunes?
Sim, sim! O Melo Antunes veio com esse recado! "Se vocês regressarem àquilo que foi o vosso programa político do MFA anunciado em Abril de 74 e implantarem a democracia representativa de modelo ocidental, têm todo o nosso apoio." E o Melo Antunes disse: "É uma responsabilidade tremenda."
É aí que nasce o 25 de Novembro?
Sim, está aí a origem do 25 de Novembro. Quando discuti com o Melo Antunes a questão de um poder de democracia directa ou um poder de democracia representativa burguesa, como aquela que existe hoje no País, segundo o modelo ocidental, o Melo Antunes disse-me: "Vamos lá ver. Talvez a gente consiga conciliar..."
Não encontra nenhuma virtualidade no caminho da democracia representativa que o País percorreu?
Este tipo de democracia representativa aqui em Portugal - e eu tinha essa sensibilidade -, criando partidos que não existiam, produziria o que se verifica hoje que é a partidocracia! O povo. A oposição está confortavelmente instalada - o BE e o PC, porque sabe que nunca serão poder, têm a situação cómoda de protestarem contra tudo! Os dois partidos que lutam pelo poder e que têm acesso a ele, com a achega do pequeno CDS, lutam pelo poder e, chegando a ele, tendem a distribuir as benesses.
Que saída vê para esse retrato que faz do País?
Nenhuma. A não ser por imposição de um presidente que tivesse a força, a moral e a capacidade de cortar aos partidos o poder se não é para ser exercido de forma a elevar - aquilo que era a grande perspectiva do 25 de Abril - o nível social, cultural, económico do povo.
E é isso que espera da candidatura que apoia de Manuel Alegre se fosse eleito?
Manuel Alegre vai ficar muito condicionado por uma falta de conhecimento profundo que tem da economia. Quando foi da ditadura militar após 1926, os militares que tomaram conta do poder não percebiam patavina de economia - foi por isso que tiveram a maior autoridade de então da economia e finanças em Portugal, Oliveira Salazar. E a partir daí tramaram o País. Eu julgo que Alegre não terá a bagagem de conhecimento e de capacidade de poder económico para poder gerir bem esta situação, que é dramática.
Cavaco Silva tem essa capacidade?
Cavaco é um tecnocrata, tem esse conhecimento e joga com ele. Mas falta ao Cavaco - ele está a procurar transformar-se, pelo menos aparentemente - aquilo que tem o Alegre, o humanismo!
Neste momento, precisávamos de um governo de salvação nacional?
Julgo que era fundamental. Se houvesse o milagre de os partidos, em conjunto, encontrarem um governo de salvação nacional que agarrasse o País...
Mas como é que isso é possível com o tal quadro político que tanto desvaloriza e critica?
É por isso que eu falo em milagre! Se houvesse um milagre que levasse os partidos a abdicar dos interesses partidários, e pensar na salvação do País.
Veja aqui o vídeo da entrevista a Otelo Saraiva de Carvalho:
In DN
"É preciso um governo de salvação nacional"
por JOÃO MARCELINO
Hoje
Os 35 anos do 25 de Novembro de 1975, que passam esta semana no dia seguinte à greve geral, são o pretexto para a conversa com Otelo Saraiva de Carvalho, que decorre na casa deste antigo capitão de Abril, hoje coronel na reserva. Apesar de já ter dobrado a casa dos 70, continua um homem enérgico. Tem um discurso em catadupa, no qual o "pá", de que o texto foi limpo, é usado com abundância. Uma entrevista que ajuda a perceber o romantismo de uma história ainda recente
Otelo, preocupado com a actual crise no País, ainda acredita na democracia directa, utopia que guarda desde Abril de 1974. Costuma abster-se nas eleições, por discordar da "democracia representativa burguesa", mas promete apoiar e pôr o seu voto em Manuel Alegre, nas próximas presidenciais. Soares convidou-o a aderir ao PS, lembra, e até o levaria a cabeça de lista nas legislativas. O militar, que diz só ter tido conhecimento do 25 de Novembro de madrugada, recusou o convite.
Alguma vez nestes anos, e face à qualidade da nossa vida colectiva actual, se arrependeu de ter ajudado Portugal a sair da ditadura provinciana de Salazar e Caetano?
Não, de forma alguma! Considero que o 25 de Abril permitiu derrubar uma ditadura, que começou militar e que o Sala-zar transformou em fascista de modelo mussoliniano. E o 25 de Abril, derrotando essa ditadura, que durou em Portugal durante 48 anos, abriu as portas para a liberdade e para a recuperação da dignidade do povo. Mais do que isso: travou a Guerra Colonial que durava em possessões portuguesas havia já 13 anos, permitindo a descolonização e, a partir daí, o desenvolvimento do País.
As dificuldades actuais do País não lhe causam nenhum problema nesse sentido? Não o desencantam?
As dificuldades do País resultam da implantação do sistema capitalista em Portugal, fazendo parte do arco ocidental das chamadas democracias parlamentaristas, ou democracias representativas. Foi exactamente por causa disso que, durante o chamado PREC [Processo Revolucionário em Curso], eu entrei em conflito de carácter ideológico, podemos dizer assim, com os meus camaradas do MFA que comigo partilhavam o Conselho da Revolução.
Portanto, o seu caminho era outro?
De início, eu, que não percebia nada de política, era um militar que perante as circunstâncias me vi compelido a fazer o que fiz, a preparar o plano de operações e a comandar o 25 de Abril, vi-me impelido a ter que também tomar parte na política. No decurso do processo, encarei outra hipótese de levar por diante a instauração de um regime político diferente.
Gostaria que Portugal tivesse seguido esse caminho?
Gostaria muito. Se bem que reconheça as tremendas dificuldades que iríamos encontrar pela frente para levar por diante esse projecto, de instauração de um regime de democracia directa. O Melo Antunes, por exemplo, que era o papa político do MFA, quando falei com ele sobre esse assunto...
Sucintamente, que regime seria este, essa democracia directa?
Não tenho isto bem escalpelizado, porque não existe esse regime em nenhum país do mundo. Encaro-o...
É por isso que eu lhe faço a pergunta.
E esse era o argumento dos meus camaradas - diziam: "Mas onde é que tu encontras em qualquer país do mundo esse regime?" Eu dizia: "Não encontro em nenhum, mas fazemos nós!"
Mas como é que explica isso?
Democracia, etimologicamente, é o poder do povo. Poder de povo que não existe numa democracia burguesa. A democracia burguesa resulta do poder da classe dominante. Desde 1789, com a Revolução Francesa, é assim.
Qual é o mais aproximado que encontra no mundo?
Não sei. Aquilo que poderia ter acontecido seria dentro de uma perspectiva luxemburguista, a criação de grandes assembleias, assembleias populares. Por exemplo, ao nível de freguesias, porque temos um país dividido administrativamente em freguesias, concelhos, etc...
Desculpe-me a crueza da pergunta, mas acredita nessa utopia ainda hoje?
Acredito profundamente. As pessoas têm tendência logo para dizer: "Então e querias o operário para ser primeiro-ministro?" Não! Podia ser o senhor doutor, professor, jubilado, um tipo óptimo que era escolhido pelo povo porque era o melhor! Os melhores de todos! Suponha uma área de freguesia com mil habitantes: desses mil habitantes, as pessoas conhecem-se, em assembleia podem reunir-se. Todas as pessoas que quiserem ir à assembleia vão à assembleia, discutem os problemas da comunidade e a certa altura começam a ser visíveis aquelas personalidades que, ou pela sua inteligência, pelo seu carácter...
E esse país teria um governo eleito de que forma?
De forma directa, a democracia directa! Temos de eleger uma assembleia de freguesia, de mil pessoas temos de reduzir a cinquenta, vamos a eleições!, e as pessoas lá punham o voto secreto e elegiam o fulano A, B ou C - não há partidos - para formarem a assembleia de freguesia, que passava a gerir os interesses dessa freguesia. Desses cinquenta escolhiam-se por eleição os dez melhores para uma assembleia municipal. E dentro da assembleia municipal escolher-se-ia para uma assembleia de distrito, ou nacional popular, da qual finalmente emergisse para um governo! Da base ao topo, era uma eleição directa.
Essa sua utopia não avançou, nunca avançou em nenhum país do mundo...
Mas podíamos ter nós implantado!
... A verdade é que 35 anos depois, organizámos agora esta reunião importante da NATO, por onde até passou o Presidente da Rússia. Va-mos assistir também esta semana a uma greve geral que protesta contra as condições de vida, temos 10,9% de desempregados, cerca de 600 mil pessoas. O País vive uma situação caótica, e eu repito a questão inicial: como é que olha esta realidade à luz dos ideais que o animaram nesses longínquos anos de 74 e 75?
De uma forma extremamente pessimista. Era aquilo que eu previa, dada a chantagem que os Estados Unidos e o arco ocidental europeu fizeram relativamente a Portugal na pessoa do Melo Antunes, enquanto ele era ministro dos Negócios Estrangeiros. Hoje há documentos desclassificados, os da CIA não estão todos, mas os do Gerald Ford estão, e podemos verificar que em Maio de 75 o Melo Antunes foi convocado para Munique, para uma conversação com o presidente dos EUA e com o Henry Kissinger, em que lhe foi imposta por chantagem condição de carácter decisivo para o futuro do País.
Essa chantagem foi exercida como?
O Gerald Ford e o Kissinger disseram ao Melo Antunes: "Se vocês continuarem em Portugal nessa perspectiva da revolução socialista, com o Partido Comunista, um partido ortodoxo ligado à União Soviética, já no poder, Portugal, na situação estratégica que tem face ao Atlântico, vai transformar-se num pólo da União Soviética. Nós não podemos permitir isso! Já conversámos com esta gente toda, desde o Reino Unido até à Espanha, passando pela Holanda, a França, Alemanha, etc. - exercemos sobre Portugal um boicote económico total. E vocês perdem as colónias..."
Isso foi-lhe dito pessoalmente por Melo Antunes?
Sim, sim! O Melo Antunes veio com esse recado! "Se vocês regressarem àquilo que foi o vosso programa político do MFA anunciado em Abril de 74 e implantarem a democracia representativa de modelo ocidental, têm todo o nosso apoio." E o Melo Antunes disse: "É uma responsabilidade tremenda."
É aí que nasce o 25 de Novembro?
Sim, está aí a origem do 25 de Novembro. Quando discuti com o Melo Antunes a questão de um poder de democracia directa ou um poder de democracia representativa burguesa, como aquela que existe hoje no País, segundo o modelo ocidental, o Melo Antunes disse-me: "Vamos lá ver. Talvez a gente consiga conciliar..."
Não encontra nenhuma virtualidade no caminho da democracia representativa que o País percorreu?
Este tipo de democracia representativa aqui em Portugal - e eu tinha essa sensibilidade -, criando partidos que não existiam, produziria o que se verifica hoje que é a partidocracia! O povo. A oposição está confortavelmente instalada - o BE e o PC, porque sabe que nunca serão poder, têm a situação cómoda de protestarem contra tudo! Os dois partidos que lutam pelo poder e que têm acesso a ele, com a achega do pequeno CDS, lutam pelo poder e, chegando a ele, tendem a distribuir as benesses.
Que saída vê para esse retrato que faz do País?
Nenhuma. A não ser por imposição de um presidente que tivesse a força, a moral e a capacidade de cortar aos partidos o poder se não é para ser exercido de forma a elevar - aquilo que era a grande perspectiva do 25 de Abril - o nível social, cultural, económico do povo.
E é isso que espera da candidatura que apoia de Manuel Alegre se fosse eleito?
Manuel Alegre vai ficar muito condicionado por uma falta de conhecimento profundo que tem da economia. Quando foi da ditadura militar após 1926, os militares que tomaram conta do poder não percebiam patavina de economia - foi por isso que tiveram a maior autoridade de então da economia e finanças em Portugal, Oliveira Salazar. E a partir daí tramaram o País. Eu julgo que Alegre não terá a bagagem de conhecimento e de capacidade de poder económico para poder gerir bem esta situação, que é dramática.
Cavaco Silva tem essa capacidade?
Cavaco é um tecnocrata, tem esse conhecimento e joga com ele. Mas falta ao Cavaco - ele está a procurar transformar-se, pelo menos aparentemente - aquilo que tem o Alegre, o humanismo!
Neste momento, precisávamos de um governo de salvação nacional?
Julgo que era fundamental. Se houvesse o milagre de os partidos, em conjunto, encontrarem um governo de salvação nacional que agarrasse o País...
Mas como é que isso é possível com o tal quadro político que tanto desvaloriza e critica?
É por isso que eu falo em milagre! Se houvesse um milagre que levasse os partidos a abdicar dos interesses partidários, e pensar na salvação do País.
Veja aqui o vídeo da entrevista a Otelo Saraiva de Carvalho:
In DN
_________________
Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Programa está em construção, ainda na fase das ideias"
.
"Programa está em construção, ainda na fase das ideias"
por CARLA BERNARDINO
Hoje
Regresso. "Quanto mais depressa melhor", diz Manuela Moura Guedes sobre a sua estreia no canal de Carnaxide. Admite que tem saudades da sua equipa na TVI e não teme os anticorpos que possa ter na redacção da SIC
Declarou recentemente, no Lado B, de Bruno Nogueira [RTP], que só voltaria ao ecrã se os "ventos mudassem". O que mudou para estar na SIC?
Não sei, não sou especialista em meteorologia [risos]. Mas pelos vistos eles [a SIC] têm interesse que eu vá para lá.
Em que é que consiste este programa original que vai ter?
Espero bem que seja original, mas não tenho muito para dizer. É um programa que tem de ser completo e sobre o qual eu e a SIC temos de estar de acordo e no qual eu me sinta confortável. Estamos na fase de decisão.
Regressa em Fevereiro...
Não sei, acho que quanto mais depressa melhor. Mas só começo quando as coisas estiverem totalmente definidas.
No meio televisivo, consta que o formato lembrará Raios e Coriscos [RTP, 1993] e Noite da Má- -Língua [SIC, 1994].
Não tem que ver com isso.
Mas é verdade que o projecto será de infoteinment [misto de informação e entretenimento]?
Não sei, mas digo já que embirro com essa designação, é uma estupidez porque a informação dos jornais também é entretenimento, no sentido em que as pessoas se entretêm a ler notícias. Informação pode ser feita sob a forma de entrevista, reportagem ou através da maneira como a própria pessoa a conduz. Misturar as duas coisas é impossível, são duas coisas completamente diferentes.
Então, como define o programa?
Não sei dizer, ainda é cedo para falar sobre o projecto.
Vai ter convidados?
O programa está em construção, andamos na fase das ideias.
Quais são os pressupostos para este projecto?
Há duas condições que eu preciso de ter no que faço: Tenho de me sentir bem e tenho de me divertir. Isto não quer dizer que seja um programa de humor.
Quer explicar melhor...
Sempre fiz informação com sentido crítico e humor. Ou de uma forma mais dura ou com recurso a formatos. Se não conseguir que estes dois ingredientes estejam presentes, então não consigo fazer os programas. Aliás, estão presentes no meu dia-a-dia e não consigo pensar, reflectir e tomar decisões sem eles. É isto que faz com que sinta que as coisas não são distantes, nem faz com que encolha os ombros e siga. É preciso passar a informação para o público de forma genuína, não tão pomposa e não tão cinzenta como tem sido passada. Mesmo a fazer jornais, divirto-me imenso. Vivi tempos fantásticos com a equipa do Jornal Nacional de 6ª [TVI], quase que choramos a recordar momentos altos.
Tem saudades da sua equipa?
Tenho.
Pode vir a trabalhar com eles?
Reunirmo-nos de novo? Era a coisa que mais gostava.
Vai trazê-los para o programa?
[Suspiro] Oh, eles estão todos lá, na redacção da TVI!
Este programa na SIC pressupõe posterior ida para a Informação?
Não sei. Não pergunte mais à frente do que a realidade. Aceito as coisas quando aparecem, a minha carreira tem sido feita à medida do que me tem acontecido. Não penso em mais nada para lá disso.
Receia os anticorpos que possa ter na Informação da SIC?
Não sei, não costumo tomar vacinas (risos). Já ouvi e passei por muita coisa. A minha fama precede-me, mas a minha presença é melhor do que quaisquer vacinas, é um vírus.
Como um vírus? Exemplifique.
É como a gripe A, é só um rumor e respondia a lóbis das indústrias. A minha fama? Sabe-se lá que lóbis a promovem... Não se percebe.
Há pessoas a tremer com o seu regresso à televisão?
Não sei, não acredito nisso.
Mário Crespo está contente pela sua chegada à SIC.
Fico muito satisfeita porque é um jornalista que respeito imenso, por quem tenho muita estima e é um dos grandes pivôs deste País, com uma base sólida. Trabalhei com ele no Telejornal [RTP] e, ao fim destes anos todos, fico satisfeita por ele dizer isso.
Já Miguel Sousa Tavares ressalva que não trabalha consigo.
Ai sim? Não tenho nada a dizer. Ele não me suscita qualquer tipo de comentários.
Ainda não negociou o salário?
[Risos] Vá, já falei muito...
Mas que valores estão em causa?
Não é consigo que vou falar de dinheiro.
In DN
"Programa está em construção, ainda na fase das ideias"
por CARLA BERNARDINO
Hoje
Regresso. "Quanto mais depressa melhor", diz Manuela Moura Guedes sobre a sua estreia no canal de Carnaxide. Admite que tem saudades da sua equipa na TVI e não teme os anticorpos que possa ter na redacção da SIC
Declarou recentemente, no Lado B, de Bruno Nogueira [RTP], que só voltaria ao ecrã se os "ventos mudassem". O que mudou para estar na SIC?
Não sei, não sou especialista em meteorologia [risos]. Mas pelos vistos eles [a SIC] têm interesse que eu vá para lá.
Em que é que consiste este programa original que vai ter?
Espero bem que seja original, mas não tenho muito para dizer. É um programa que tem de ser completo e sobre o qual eu e a SIC temos de estar de acordo e no qual eu me sinta confortável. Estamos na fase de decisão.
Regressa em Fevereiro...
Não sei, acho que quanto mais depressa melhor. Mas só começo quando as coisas estiverem totalmente definidas.
No meio televisivo, consta que o formato lembrará Raios e Coriscos [RTP, 1993] e Noite da Má- -Língua [SIC, 1994].
Não tem que ver com isso.
Mas é verdade que o projecto será de infoteinment [misto de informação e entretenimento]?
Não sei, mas digo já que embirro com essa designação, é uma estupidez porque a informação dos jornais também é entretenimento, no sentido em que as pessoas se entretêm a ler notícias. Informação pode ser feita sob a forma de entrevista, reportagem ou através da maneira como a própria pessoa a conduz. Misturar as duas coisas é impossível, são duas coisas completamente diferentes.
Então, como define o programa?
Não sei dizer, ainda é cedo para falar sobre o projecto.
Vai ter convidados?
O programa está em construção, andamos na fase das ideias.
Quais são os pressupostos para este projecto?
Há duas condições que eu preciso de ter no que faço: Tenho de me sentir bem e tenho de me divertir. Isto não quer dizer que seja um programa de humor.
Quer explicar melhor...
Sempre fiz informação com sentido crítico e humor. Ou de uma forma mais dura ou com recurso a formatos. Se não conseguir que estes dois ingredientes estejam presentes, então não consigo fazer os programas. Aliás, estão presentes no meu dia-a-dia e não consigo pensar, reflectir e tomar decisões sem eles. É isto que faz com que sinta que as coisas não são distantes, nem faz com que encolha os ombros e siga. É preciso passar a informação para o público de forma genuína, não tão pomposa e não tão cinzenta como tem sido passada. Mesmo a fazer jornais, divirto-me imenso. Vivi tempos fantásticos com a equipa do Jornal Nacional de 6ª [TVI], quase que choramos a recordar momentos altos.
Tem saudades da sua equipa?
Tenho.
Pode vir a trabalhar com eles?
Reunirmo-nos de novo? Era a coisa que mais gostava.
Vai trazê-los para o programa?
[Suspiro] Oh, eles estão todos lá, na redacção da TVI!
Este programa na SIC pressupõe posterior ida para a Informação?
Não sei. Não pergunte mais à frente do que a realidade. Aceito as coisas quando aparecem, a minha carreira tem sido feita à medida do que me tem acontecido. Não penso em mais nada para lá disso.
Receia os anticorpos que possa ter na Informação da SIC?
Não sei, não costumo tomar vacinas (risos). Já ouvi e passei por muita coisa. A minha fama precede-me, mas a minha presença é melhor do que quaisquer vacinas, é um vírus.
Como um vírus? Exemplifique.
É como a gripe A, é só um rumor e respondia a lóbis das indústrias. A minha fama? Sabe-se lá que lóbis a promovem... Não se percebe.
Há pessoas a tremer com o seu regresso à televisão?
Não sei, não acredito nisso.
Mário Crespo está contente pela sua chegada à SIC.
Fico muito satisfeita porque é um jornalista que respeito imenso, por quem tenho muita estima e é um dos grandes pivôs deste País, com uma base sólida. Trabalhei com ele no Telejornal [RTP] e, ao fim destes anos todos, fico satisfeita por ele dizer isso.
Já Miguel Sousa Tavares ressalva que não trabalha consigo.
Ai sim? Não tenho nada a dizer. Ele não me suscita qualquer tipo de comentários.
Ainda não negociou o salário?
[Risos] Vá, já falei muito...
Mas que valores estão em causa?
Não é consigo que vou falar de dinheiro.
In DN
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Valença Pinto quis poderes dos chefes dos ramos e do ministro
.
Valença Pinto quis poderes dos chefes dos ramos e do ministro
por MANUEL CARLOS FREIRE E JOÃO CÉU E SILVA
Hoje
Cinco anos depois de assumir funções como chefe do Estado-Maior da Armada, o almirante Melo Gomes assiste hoje à posse do seu sucessor. Num balanço final, garante que a realidade acabará por se impor aos modelos de reforma aprovados em 2009 e aos quais se opôs
Cessou no domingo funções como chefe do Estado-Maior da Armada. Que balanço faz?
O balanço é de muito trabalho e, alguns dizem, com uma pitada de inspiração e da sorte que nunca me desacompanhou. Julgo que esse trabalho possibilita uma Marinha mais preparada para defrontar o futuro com confiança e coesão, que é essencial, porque somos um corpo que necessita de ser coeso nos nossos princípios e de actuação. Afinal, temos uma longa história de nove séculos e espero que, daqui a outros nove séculos, se possa comemorar de novo.
Acredita que a Marinha esteja mesmo reorganizada em 2015?
Penso que a conceptualização da Marinha é bastante conseguida e tem tido tradução prática. Os nossos paradigmas de reorganização e estrutura - com uma Marinha optimizada, operacional, poupando recursos - e o nosso paradigma genético - uma Marinha equilibrada que possa responder às diversas necessidades que a multiplicidade das suas missões lhe põem - estão conseguidos e o caminho está aberto. Só que as coisas nunca acabam, têm sempre uma continuidade.
Na questão da Marinha de duplo uso, como compatibilizam os vossos meios com a política de austeridade (por vários anos) e as obrigações, nacionais e comunitárias, da GNR na protecção da fronteira marítima?
O duplo uso é isso mesmo, significa a rentabilização dos recursos e é o caminho que a Marinha tem que seguir. Com colaborações de outros actores que têm missões no mar e que se reúnem todos no Centro Nacional Coordenador Marítimo, que, julgo, foi uma conquista importante para a racionalização do nosso modelo estratégico, do modo de pensar a actuação no mar e onde se discutem os problemas. Agora, isso só é possível quando a GNR estiver verdadeiramente interessada na cooperação, porque esse é o caminho que devemos seguir como nação marítima que somos.
Uma das marcas deste mandato foi, no último ano, a Marinha não ter participado pela primeira vez em missões internacionais. Como é que isso se explica?
Não é completamente verdade que não tenhamos participado em missões internacionais. Os navios sim, designadamente, pela primeira vez em 40 anos, na força naval permanente da NATO. É uma realidade, foi uma decisão político-militar que eu, como chefe do Estado-Maior da Armada, tive oportunidade de, no recato de gabinetes, exprimir a minha opinião. Mas, como chefe militar, também me cabia cumprir essa decisão, lamentando que não tenha tido capacidade argumentativa.
Qual o efeito dos cortes financeiros previstos no Orçamento de Estado de 2011 para as Forças Armadas?
Vão afectar certamente a Marinha, mas não nos podemos eximir a esse esforço nacional de recuperar as finanças e a credibilidade dos mercados. Também devo dizer que a especificidade da condição militar tem que ser mantida e resguardada e que há um equilíbrio que não se deve quebrar. Certamente que o investimento diminuir em 40% não é uma questão irrelevante, mas creio que o orçamento de funcionamento, que ainda está [no dia da entrevista] em discussão na Assembleia da República, deverá contar com alguma diminuição que nos afectará.
Menos 40% no investimento é demasiado?
Não é ultrapassável pela própria gestão. Vamos ter de adiar programas, afinal são 40%
Onde é que vai cortar?
Temos uma noção clara sobre isso. Basicamente, em todos os novos programas e em alguns em curso, que serão renegociados.
Tal como o navio polivalente logístico?
É uma das prioridades essenciais da Marinha, que defendo desde 1998 mas que até agora não foi possível concretizar. Creio que será possível continuar com o programa do navio polivalente porque só irá ter repercussão financeira a partir de 2013, quando este PEC já não estiver em vigor.
Não teme que qualquer um dos ramos fique abaixo da operacionalidade?
Acho que essas questões têm que se estudar com cuidado. Eu conheço as minhas limitações, os outros chefes conhecem as limitações dos seus próprios ramos e, portanto, esses assuntos têm de ser deviamente ponderados e vistos e tomadas opções. Temos que cortar aqui, o que é que não podemos fazer....
A Armada fica abaixo da operacionalidade?
A operacionalidade é uma questão complexa. Se me disser que há missões que não vão poder ser feitas se se reduzir abaixo de um determinado patamar, direi-lhe-ei que, se isso acontecer, certamente terá consequências nas missões. A operacionalidade genérica de um ramo é uma coisa muito mais vasta que determinadas missões que têm que ser desempenhadas. Por exemplo, nós, Marinha, para além da acção militar, temos a acção não militar, que está aí no dia a dia: fiscalização, exercício da autoridade do Estado no mar, poluição, salvaguarda da vida humana... todas elas são missões que o Estado tem que continuar a cumprir.
Será a parte estritamente militar que será mais penalizada?
Não sei isso e não posso dizer que seja isso, porque o nosso paradigma operacional é a Marinha de duplo uso, ou seja, os meios militares e não militares concorrem para um determinado produto operacional. Agora, abaixo de um determinado patamar, certamente há missões que não conseguiremos executar. Quando não as conseguirmos executar, teremos de as prioritizar e depois o poder político decide.
A redução de cerca de 850 militares e de 1100 civis não afecta este ramo das Forças Armadas?
Há 15 anos que iniciámos a redução de efectivos para cerca de um terço, porque racionalizámos a Marinha, retirámos as gorduras, modernizámos o nosso modelo de actuação, dotámo-la com meios modernos de gestão e conseguimos cumprir as mesmas missões com menos recursos humanos. Mas tudo isto tem um limite e julgo que a Marinha, mais ou menos ajustamento, está na dimensão certa.
Não há mais gordura para retirar?
Acho que gordura não haverá. É sempre possível melhorar as coisas e, por isso, não posso dizer que no fim do meu mandato entrego uma Marinha perfeita. Mas estamos muito perto de atingirmos o desiderato que definimos para uma Marinha optimizada e que terá muito pouca gordura para tirar.
In DN
Valença Pinto quis poderes dos chefes dos ramos e do ministro
por MANUEL CARLOS FREIRE E JOÃO CÉU E SILVA
Hoje
Cinco anos depois de assumir funções como chefe do Estado-Maior da Armada, o almirante Melo Gomes assiste hoje à posse do seu sucessor. Num balanço final, garante que a realidade acabará por se impor aos modelos de reforma aprovados em 2009 e aos quais se opôs
Cessou no domingo funções como chefe do Estado-Maior da Armada. Que balanço faz?
O balanço é de muito trabalho e, alguns dizem, com uma pitada de inspiração e da sorte que nunca me desacompanhou. Julgo que esse trabalho possibilita uma Marinha mais preparada para defrontar o futuro com confiança e coesão, que é essencial, porque somos um corpo que necessita de ser coeso nos nossos princípios e de actuação. Afinal, temos uma longa história de nove séculos e espero que, daqui a outros nove séculos, se possa comemorar de novo.
Acredita que a Marinha esteja mesmo reorganizada em 2015?
Penso que a conceptualização da Marinha é bastante conseguida e tem tido tradução prática. Os nossos paradigmas de reorganização e estrutura - com uma Marinha optimizada, operacional, poupando recursos - e o nosso paradigma genético - uma Marinha equilibrada que possa responder às diversas necessidades que a multiplicidade das suas missões lhe põem - estão conseguidos e o caminho está aberto. Só que as coisas nunca acabam, têm sempre uma continuidade.
Na questão da Marinha de duplo uso, como compatibilizam os vossos meios com a política de austeridade (por vários anos) e as obrigações, nacionais e comunitárias, da GNR na protecção da fronteira marítima?
O duplo uso é isso mesmo, significa a rentabilização dos recursos e é o caminho que a Marinha tem que seguir. Com colaborações de outros actores que têm missões no mar e que se reúnem todos no Centro Nacional Coordenador Marítimo, que, julgo, foi uma conquista importante para a racionalização do nosso modelo estratégico, do modo de pensar a actuação no mar e onde se discutem os problemas. Agora, isso só é possível quando a GNR estiver verdadeiramente interessada na cooperação, porque esse é o caminho que devemos seguir como nação marítima que somos.
Uma das marcas deste mandato foi, no último ano, a Marinha não ter participado pela primeira vez em missões internacionais. Como é que isso se explica?
Não é completamente verdade que não tenhamos participado em missões internacionais. Os navios sim, designadamente, pela primeira vez em 40 anos, na força naval permanente da NATO. É uma realidade, foi uma decisão político-militar que eu, como chefe do Estado-Maior da Armada, tive oportunidade de, no recato de gabinetes, exprimir a minha opinião. Mas, como chefe militar, também me cabia cumprir essa decisão, lamentando que não tenha tido capacidade argumentativa.
Qual o efeito dos cortes financeiros previstos no Orçamento de Estado de 2011 para as Forças Armadas?
Vão afectar certamente a Marinha, mas não nos podemos eximir a esse esforço nacional de recuperar as finanças e a credibilidade dos mercados. Também devo dizer que a especificidade da condição militar tem que ser mantida e resguardada e que há um equilíbrio que não se deve quebrar. Certamente que o investimento diminuir em 40% não é uma questão irrelevante, mas creio que o orçamento de funcionamento, que ainda está [no dia da entrevista] em discussão na Assembleia da República, deverá contar com alguma diminuição que nos afectará.
Menos 40% no investimento é demasiado?
Não é ultrapassável pela própria gestão. Vamos ter de adiar programas, afinal são 40%
Onde é que vai cortar?
Temos uma noção clara sobre isso. Basicamente, em todos os novos programas e em alguns em curso, que serão renegociados.
Tal como o navio polivalente logístico?
É uma das prioridades essenciais da Marinha, que defendo desde 1998 mas que até agora não foi possível concretizar. Creio que será possível continuar com o programa do navio polivalente porque só irá ter repercussão financeira a partir de 2013, quando este PEC já não estiver em vigor.
Não teme que qualquer um dos ramos fique abaixo da operacionalidade?
Acho que essas questões têm que se estudar com cuidado. Eu conheço as minhas limitações, os outros chefes conhecem as limitações dos seus próprios ramos e, portanto, esses assuntos têm de ser deviamente ponderados e vistos e tomadas opções. Temos que cortar aqui, o que é que não podemos fazer....
A Armada fica abaixo da operacionalidade?
A operacionalidade é uma questão complexa. Se me disser que há missões que não vão poder ser feitas se se reduzir abaixo de um determinado patamar, direi-lhe-ei que, se isso acontecer, certamente terá consequências nas missões. A operacionalidade genérica de um ramo é uma coisa muito mais vasta que determinadas missões que têm que ser desempenhadas. Por exemplo, nós, Marinha, para além da acção militar, temos a acção não militar, que está aí no dia a dia: fiscalização, exercício da autoridade do Estado no mar, poluição, salvaguarda da vida humana... todas elas são missões que o Estado tem que continuar a cumprir.
Será a parte estritamente militar que será mais penalizada?
Não sei isso e não posso dizer que seja isso, porque o nosso paradigma operacional é a Marinha de duplo uso, ou seja, os meios militares e não militares concorrem para um determinado produto operacional. Agora, abaixo de um determinado patamar, certamente há missões que não conseguiremos executar. Quando não as conseguirmos executar, teremos de as prioritizar e depois o poder político decide.
A redução de cerca de 850 militares e de 1100 civis não afecta este ramo das Forças Armadas?
Há 15 anos que iniciámos a redução de efectivos para cerca de um terço, porque racionalizámos a Marinha, retirámos as gorduras, modernizámos o nosso modelo de actuação, dotámo-la com meios modernos de gestão e conseguimos cumprir as mesmas missões com menos recursos humanos. Mas tudo isto tem um limite e julgo que a Marinha, mais ou menos ajustamento, está na dimensão certa.
Não há mais gordura para retirar?
Acho que gordura não haverá. É sempre possível melhorar as coisas e, por isso, não posso dizer que no fim do meu mandato entrego uma Marinha perfeita. Mas estamos muito perto de atingirmos o desiderato que definimos para uma Marinha optimizada e que terá muito pouca gordura para tirar.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Empréstimo do Brasil seria sempre melhor que do FMI"
.
"Empréstimo do Brasil seria sempre melhor que do FMI"
por FERNANDO MADAÍL
Hoje
Crise. Na sua mensagem de 1º de Dezembro, D. Duarte lançou a ideia de uma Confede-ração de Estados Lusófonos, para servir de rede ao falhanço do projecto europeu. Ao DN, advoga que o Brasil pode vir a desempenhar na CPLP o papel que, hoje, a da Alemanha tem na UE
Na sua mensagem de 1º de Dezembro defendeu a ideia de uma futura Confederação de Estados Lusófonos. A CPLP pode ser aprofundada?
A CPLP deveria começar a evoluir para uma Confederação de Estados Lusófonos, que não é uma alternativa às alianças regionais (Mercosul, UE ou União Africana), mas um complemento - que, no caso de Portugal, iria conferir-nos uma posição muito mais forte dentro da UE, como a Inglaterra tem vantagens por causa da Common- wealth. Como se sabe, Isabel II [de Inglaterra] é rainha de mais uma dúzia de países: Austrália, Nova Zelândia, Canadá, várias ilhas nas Caraíbas e alguns Estados do Pacífico. Mas a Commonwealth não é só a chefia do Estado; é toda uma solidariedade entre esses países. Não sabemos o futuro. E pode acontecer - espero que não! - que as coisas corram muito mal na UE. Nesse caso, é bom termos uma alternativa.
E quais seriam as vantagens dessa confederação?
Há uma diferença muito importante entre a Confederação dos Países Lusófonos e a União Europeia. A UE tem uma certa unidade cultural - enquanto assumirmos que é, como diz o Papa Bento XVI, uma mistura entre a espiritualidade judaica, a lógica grega e o sentido de organização romano -, mas baseia-se sobretudo em interesses, enquanto a lusofonia é uma questão de afectividades. Apesar de todas as divergências e das guerras de independência, mantém-se uma afectividade e uma identidade cultural muito fortes. O que é que distingue um timorense de um indonésio? Aquele espírito cristão, de caridade e de respeito pelos outros que não existe na Indonésia. É também o que distingue um angolano de um zairense ou um moçambicano de um sul-africano.
E como imagina essa confederação, pois não existe uma monarca comum como na Commonwealth?
Claro que a Commonwealth tem essa grande vantagem de ter uma rainha que é o Chefe do Estado de todos os países, mas isso não é indispensável. Uma união de repúblicas independentes pode muito bem criar uma série de organismos que preparem o caminho para uma confederação. Há vários exemplos. A própria UE, no meu entender, devia ser uma confederação e nunca uma federação. Muitos dos fundadores da UE diziam que o modelo para a Europa do futuro devia ser a antiga Confederação Suíça, em que as diferenças eram respeitadas. Infelizmente, estão a tentar uniformizar tudo e a extingir as diferenças, a começar pela moeda comum, que, como era de prever, provocou aos pequenos países um desastre económico.
Há alguma resistência ao Brasil como a potência dominante na CPLP.
Cada um dos grandes países tem um contributo importante a dar. Angola poderá vir a ser, em breve, uma grande potência económica - e tem todas as condições para ser um Brasil em África, desde que consiga resolver os problemas de adaptação à democracia e garanta uma administração que funcione melhor. Portugal tem inegavelmente capacidades enormes do ponto de vista cultural e científico. Mas é óbvio que o Brasil tem a dimensão, o sucesso económico e o desenvolvimento humano que lhe permitirão ser a locomotiva e um grande esteio da confederação. Se o Brasil tem um potencial económico muito grande isso é benéfico para todos os outros membros. Neste momento, na UE, estamos todos pendurados na Alemanha. Os alemães estão fartos e dizem que já não estão para aturar os países que se governaram mal e, daqui a pouco, deixam-nos cair.
Na sua mensagem, sugere mes- mo que "muito nos beneficiaria negociar com o Brasil um empréstimo em melhores condições do que com o FMI ou a Europa". O Brasil poderia ser a nova Alemanha?
O Brasil tem capacidade para ser o motor do desenvolvimento económico de todos os países lusófonos. Veja-se esta curiosidade: o Estado de Minas Gerais, que é o terceiro mais importante do Brasil, só por si seria um país mais importante do que a Argentina, o Chile ou a Venezuela.
E que vantagens teria o Brasil, já representado no G20 e a reclamar um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU, com a confederação?
Um país que atinge certo nível de desenvolvimento económico começa a ter também interesses geo-estratégicos. Assim como os EUA estão muito interessados no que se passa no resto do mundo e têm a sua área de influência, o Brasil também estaria interessado em ter uma presença na Europa que lhe pode ser benéfica, do ponto de vista económico e também político, e uma presença em África aparentemente menos interessante, mas com futuro - e, já hoje, o Brasil investe muito em Angola.
Um conjunto de países unidos pela mesma língua teria hipóteses de aumentar a área de influência?
Neste momento, já há interesse da Guiné Equatorial (julgo que tenho alguma culpa na vontade manifestada pelo seu Governo em aderir à CPLP); das ilhas Maurícias, porque se querem associar a Moçambique; e do Senegal, que queria entrar só como observador.
E a Galiza.
A Galiza gostava de ser considerada uma região (não um Estado) dentro da CPLP. O Governo português fica sempre muito preocupado, não vá eventualmente ofender Madrid. Mas isso não faz sentido. Em primeiro lugar, porque os galegos é que têm de decidir. Depois, porque os castelhanos também nunca se preocuparam em não ofender a nossa sensibilidade quando os interesses deles estão em jogo, nomeadamente quando começaram a ensinar espanhol em Angola.
Ontem anunciou que pediu a nacionalidade timorense. Porquê?
Primeiro, a minha pátria é a língua portuguesa - e gostava de ter uma ligação com o mais recente país de língua portuguesa. Mas sobretudo devido à ligação que todos conhecem e que tenho mantido com Timor-Leste.
In DN
"Empréstimo do Brasil seria sempre melhor que do FMI"
por FERNANDO MADAÍL
Hoje
Crise. Na sua mensagem de 1º de Dezembro, D. Duarte lançou a ideia de uma Confede-ração de Estados Lusófonos, para servir de rede ao falhanço do projecto europeu. Ao DN, advoga que o Brasil pode vir a desempenhar na CPLP o papel que, hoje, a da Alemanha tem na UE
Na sua mensagem de 1º de Dezembro defendeu a ideia de uma futura Confederação de Estados Lusófonos. A CPLP pode ser aprofundada?
A CPLP deveria começar a evoluir para uma Confederação de Estados Lusófonos, que não é uma alternativa às alianças regionais (Mercosul, UE ou União Africana), mas um complemento - que, no caso de Portugal, iria conferir-nos uma posição muito mais forte dentro da UE, como a Inglaterra tem vantagens por causa da Common- wealth. Como se sabe, Isabel II [de Inglaterra] é rainha de mais uma dúzia de países: Austrália, Nova Zelândia, Canadá, várias ilhas nas Caraíbas e alguns Estados do Pacífico. Mas a Commonwealth não é só a chefia do Estado; é toda uma solidariedade entre esses países. Não sabemos o futuro. E pode acontecer - espero que não! - que as coisas corram muito mal na UE. Nesse caso, é bom termos uma alternativa.
E quais seriam as vantagens dessa confederação?
Há uma diferença muito importante entre a Confederação dos Países Lusófonos e a União Europeia. A UE tem uma certa unidade cultural - enquanto assumirmos que é, como diz o Papa Bento XVI, uma mistura entre a espiritualidade judaica, a lógica grega e o sentido de organização romano -, mas baseia-se sobretudo em interesses, enquanto a lusofonia é uma questão de afectividades. Apesar de todas as divergências e das guerras de independência, mantém-se uma afectividade e uma identidade cultural muito fortes. O que é que distingue um timorense de um indonésio? Aquele espírito cristão, de caridade e de respeito pelos outros que não existe na Indonésia. É também o que distingue um angolano de um zairense ou um moçambicano de um sul-africano.
E como imagina essa confederação, pois não existe uma monarca comum como na Commonwealth?
Claro que a Commonwealth tem essa grande vantagem de ter uma rainha que é o Chefe do Estado de todos os países, mas isso não é indispensável. Uma união de repúblicas independentes pode muito bem criar uma série de organismos que preparem o caminho para uma confederação. Há vários exemplos. A própria UE, no meu entender, devia ser uma confederação e nunca uma federação. Muitos dos fundadores da UE diziam que o modelo para a Europa do futuro devia ser a antiga Confederação Suíça, em que as diferenças eram respeitadas. Infelizmente, estão a tentar uniformizar tudo e a extingir as diferenças, a começar pela moeda comum, que, como era de prever, provocou aos pequenos países um desastre económico.
Há alguma resistência ao Brasil como a potência dominante na CPLP.
Cada um dos grandes países tem um contributo importante a dar. Angola poderá vir a ser, em breve, uma grande potência económica - e tem todas as condições para ser um Brasil em África, desde que consiga resolver os problemas de adaptação à democracia e garanta uma administração que funcione melhor. Portugal tem inegavelmente capacidades enormes do ponto de vista cultural e científico. Mas é óbvio que o Brasil tem a dimensão, o sucesso económico e o desenvolvimento humano que lhe permitirão ser a locomotiva e um grande esteio da confederação. Se o Brasil tem um potencial económico muito grande isso é benéfico para todos os outros membros. Neste momento, na UE, estamos todos pendurados na Alemanha. Os alemães estão fartos e dizem que já não estão para aturar os países que se governaram mal e, daqui a pouco, deixam-nos cair.
Na sua mensagem, sugere mes- mo que "muito nos beneficiaria negociar com o Brasil um empréstimo em melhores condições do que com o FMI ou a Europa". O Brasil poderia ser a nova Alemanha?
O Brasil tem capacidade para ser o motor do desenvolvimento económico de todos os países lusófonos. Veja-se esta curiosidade: o Estado de Minas Gerais, que é o terceiro mais importante do Brasil, só por si seria um país mais importante do que a Argentina, o Chile ou a Venezuela.
E que vantagens teria o Brasil, já representado no G20 e a reclamar um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU, com a confederação?
Um país que atinge certo nível de desenvolvimento económico começa a ter também interesses geo-estratégicos. Assim como os EUA estão muito interessados no que se passa no resto do mundo e têm a sua área de influência, o Brasil também estaria interessado em ter uma presença na Europa que lhe pode ser benéfica, do ponto de vista económico e também político, e uma presença em África aparentemente menos interessante, mas com futuro - e, já hoje, o Brasil investe muito em Angola.
Um conjunto de países unidos pela mesma língua teria hipóteses de aumentar a área de influência?
Neste momento, já há interesse da Guiné Equatorial (julgo que tenho alguma culpa na vontade manifestada pelo seu Governo em aderir à CPLP); das ilhas Maurícias, porque se querem associar a Moçambique; e do Senegal, que queria entrar só como observador.
E a Galiza.
A Galiza gostava de ser considerada uma região (não um Estado) dentro da CPLP. O Governo português fica sempre muito preocupado, não vá eventualmente ofender Madrid. Mas isso não faz sentido. Em primeiro lugar, porque os galegos é que têm de decidir. Depois, porque os castelhanos também nunca se preocuparam em não ofender a nossa sensibilidade quando os interesses deles estão em jogo, nomeadamente quando começaram a ensinar espanhol em Angola.
Ontem anunciou que pediu a nacionalidade timorense. Porquê?
Primeiro, a minha pátria é a língua portuguesa - e gostava de ter uma ligação com o mais recente país de língua portuguesa. Mas sobretudo devido à ligação que todos conhecem e que tenho mantido com Timor-Leste.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Cavaco vai impor condições aos partidos"
.
"Cavaco vai impor condições aos partidos"
por DAVID DINIS/PAULO TAVARES
Hoje
Sócrates já é parte do problema, Passos precisa de mudar de equipa. Para José Miguel Júdice, tudo vai mudar após as presidenciais. Virá o FMI, "é inevitável", e Cavaco imporá condições a um novo Governo. No limite, até um Governo de salvação nacional. Remodelar para quê?
O livro O Meu Sá Carneiro, que lançou esta semana, traça um retrato pouco simpático de Cavaco Silva enquanto líder do PSD e primeiro-ministro. Já teve algum telefonema de desagrado?
Não acho que seja pouco simpático, acho que é rigoroso. Reconheço-lhe as qualidades como lhe reconheço os defeitos. Mas é uma questão de feitio - Cavaco Silva não é propriamente um líder que tenha uma estratégia de rupturas e de riscos como Sá Carneiro. É um homem muito mais prudente. E não, não tive ocasião de falar com ele. Mas ele sabe como eu penso, como eu sou. Aliás, a única pessoa em quem sempre votei foi em Cavaco Silva...
Falta de alternativa?
Não é só. Ele tem todas as qualidades para ser Presidente da República - sobretudo nesta crise. Se o apoiei há cinco anos, agora apoio-o com muito maior intensidade.
Diz no mesmo livro que vivemos a maior crise na história. E que nada se consegue sem uma liderança, "que não se vê". Passos Coelho ainda pode aparecer como tal?
Seja quem for. Quem me apresentar e me convencer (não é só dizer) que vai fazer as reformas, que vai tentar mudar a realidade (para o que vai ser preciso muita coragem), terá o meu apoio.
Passos ainda não o convenceu?
Ainda não, mas também Sócrates não me convenceu... não votei no Sócrates na primeira campanha, mas depois de facto, na primeira fase, convenceu-me. Ainda ontem Fernando Ulrich dizia que a reforma da Segurança Social foi muito corajosa e arriscada. O problema de Sócrates foi não ter continuado a fazer depois disso.
Escreveu que Cavaco matou a herança de Sá Carneiro, aproximando o PSD do PS. Passos Coelho pode fazer o inverso?
Cavaco tentou uma estratégia hegemónica, secando o CDS à direita e o PS à esquerda, negociando com a UGT. Sá Carneiro queria fortalecer o PS, criando uma confrontação entre os dois blocos. Passos Coelho ainda não é claro. Pareceu-me que teve algumas ideias corajosas, mas o grande problema é que eles são reféns dos partidos. Passos Coelho e Sócrates não mandam nos partidos - eles toleram-nos, desde que não toquem demasiado nas suas quintas.
A actual conjuntura económica pode ajudar a que se façam as reformas?
Acho que sim. É natural que agora haja um álibi para os políticos fazerem o que eles acham que deve ser feito mas têm medo de fazer.
Há alguma coisa que o País possa fazer para resolver a sua situação?
Tenho muita esperança em Cavaco Silva, porque este é o seu segundo mandato, ele tem um sentido muito forte de serviço público. Acho que ele vai impor condições aos partidos. Se ele tiver 60%, e acho que pode ter, que diga aos partidos "as regras são estas".
Patrocinando um Governo de salvação nacional?
Ele tem de agilizar soluções. O ideal era um governo de maioria, um Governo forte. Se não for possível, acho que há uma segunda solução, que é um Governo em que o Presidente ponha as suas condições e escolha parte da equipa. Os partidos estão tão frágeis que, para não perderem o poder, aceitam tudo o que lhes coloquem à frente. Mas se nada disto resultar, a solução tem de ser um Governo de salvação nacional, que vá do PCP ao CDS.
Esse Governo de salvação deve acontecer independentemente de termos de recorrer ao FMI/UE?
Mas nós vamos ter de recorrer, não há qualquer hipótese. Os políticos não podem dizer isso, mas não vêem com maus olhos que venha o fundo. Porque é de fora que lhes dão as ordem de como tem de ser feito - e fazem.
É o álibi?
É um álibi. Isso vai acontecer, e quanto mais tarde pior.
Devíamos pedir já?
Acho que politicamente é muito difícil... até às presidenciais é muito difícil que isso aconteça, Cavaco Silva não vai dizer isso, nem pode dizê-lo. Mas não há dúvida de que depois das eleições presidenciais vai haver um momento em que as pessoas vão estar disponíveis para fazer coisas.
José Sócrates está condenado a sair já do Governo?
Este Governo tinha três hipóteses depois das eleições - e tive a ocasião de dizer isto ao eng. Sócrates da última vez que falei com ele. A primeira era fazer um Governo de coligação com o Bloco ou com o PCP; segunda hipótese, com o CDS; a terceira era um Governo minoritário, para cair passados seis meses. Ora bem, ele tentou uma quarta hipótese (ele é um homem voluntarista). Era fazer um Governo minoritário para sobreviver quatro anos. Lindo! Fantástico! Mas ineficaz.
Não resultou.
E não vai resultar. Admite que ele possa ser parte da solução, mas já é parte do problema.
Uma remodelação serve de alguma coisa?
É tratar com aspirinas problemas que precisam de antibióticos.
Se for parte da solução, será como?
Parte da solução só sendo primeiro-ministro, mas acho difícil. Ele tem uma dificuldade de relacionamento com os partidos da oposição, mas há milagres. Sá Carneiro toda a gente dizia que era um tipo horrível, insuportável. Vá ler o que se dizia dele antes de ele morrer! Diziam pior de Sá Carneiro do que dizem de José Sócrates.
Não me diga que vê parecenças entre Sá Carneiro e Sócrates?
Entre toda a gente! E de facto há uma qualidade que Sócrates tem, que é a sua determinação - e nisso é parecido com Sá Carneiro. A dificuldade de relacionamento...
E Passos Coelho?
Eu diria que ele é um produto do aparelho, como o Sócrates. Mas se perceber que tem a ocasião dele... Se ele conseguir reunir gente qualificada, motivar pessoas que não estão na política... agora, se continuar rodeado de... (não vou dar nomes porque não quero magoar ninguém) que começaram, nasceram e vão morrer com aqueles "lugarzitos" partidários e com aqueles automóveis muito grandes, não vai a lado nenhum. Mas tenho esperança de que ele melhore. Costuma dizer-se que a primeira vitória é contra aqueles que o colocaram lá - é cínico, mas é verdade.
In DN
"Cavaco vai impor condições aos partidos"
por DAVID DINIS/PAULO TAVARES
Hoje
Sócrates já é parte do problema, Passos precisa de mudar de equipa. Para José Miguel Júdice, tudo vai mudar após as presidenciais. Virá o FMI, "é inevitável", e Cavaco imporá condições a um novo Governo. No limite, até um Governo de salvação nacional. Remodelar para quê?
O livro O Meu Sá Carneiro, que lançou esta semana, traça um retrato pouco simpático de Cavaco Silva enquanto líder do PSD e primeiro-ministro. Já teve algum telefonema de desagrado?
Não acho que seja pouco simpático, acho que é rigoroso. Reconheço-lhe as qualidades como lhe reconheço os defeitos. Mas é uma questão de feitio - Cavaco Silva não é propriamente um líder que tenha uma estratégia de rupturas e de riscos como Sá Carneiro. É um homem muito mais prudente. E não, não tive ocasião de falar com ele. Mas ele sabe como eu penso, como eu sou. Aliás, a única pessoa em quem sempre votei foi em Cavaco Silva...
Falta de alternativa?
Não é só. Ele tem todas as qualidades para ser Presidente da República - sobretudo nesta crise. Se o apoiei há cinco anos, agora apoio-o com muito maior intensidade.
Diz no mesmo livro que vivemos a maior crise na história. E que nada se consegue sem uma liderança, "que não se vê". Passos Coelho ainda pode aparecer como tal?
Seja quem for. Quem me apresentar e me convencer (não é só dizer) que vai fazer as reformas, que vai tentar mudar a realidade (para o que vai ser preciso muita coragem), terá o meu apoio.
Passos ainda não o convenceu?
Ainda não, mas também Sócrates não me convenceu... não votei no Sócrates na primeira campanha, mas depois de facto, na primeira fase, convenceu-me. Ainda ontem Fernando Ulrich dizia que a reforma da Segurança Social foi muito corajosa e arriscada. O problema de Sócrates foi não ter continuado a fazer depois disso.
Escreveu que Cavaco matou a herança de Sá Carneiro, aproximando o PSD do PS. Passos Coelho pode fazer o inverso?
Cavaco tentou uma estratégia hegemónica, secando o CDS à direita e o PS à esquerda, negociando com a UGT. Sá Carneiro queria fortalecer o PS, criando uma confrontação entre os dois blocos. Passos Coelho ainda não é claro. Pareceu-me que teve algumas ideias corajosas, mas o grande problema é que eles são reféns dos partidos. Passos Coelho e Sócrates não mandam nos partidos - eles toleram-nos, desde que não toquem demasiado nas suas quintas.
A actual conjuntura económica pode ajudar a que se façam as reformas?
Acho que sim. É natural que agora haja um álibi para os políticos fazerem o que eles acham que deve ser feito mas têm medo de fazer.
Há alguma coisa que o País possa fazer para resolver a sua situação?
Tenho muita esperança em Cavaco Silva, porque este é o seu segundo mandato, ele tem um sentido muito forte de serviço público. Acho que ele vai impor condições aos partidos. Se ele tiver 60%, e acho que pode ter, que diga aos partidos "as regras são estas".
Patrocinando um Governo de salvação nacional?
Ele tem de agilizar soluções. O ideal era um governo de maioria, um Governo forte. Se não for possível, acho que há uma segunda solução, que é um Governo em que o Presidente ponha as suas condições e escolha parte da equipa. Os partidos estão tão frágeis que, para não perderem o poder, aceitam tudo o que lhes coloquem à frente. Mas se nada disto resultar, a solução tem de ser um Governo de salvação nacional, que vá do PCP ao CDS.
Esse Governo de salvação deve acontecer independentemente de termos de recorrer ao FMI/UE?
Mas nós vamos ter de recorrer, não há qualquer hipótese. Os políticos não podem dizer isso, mas não vêem com maus olhos que venha o fundo. Porque é de fora que lhes dão as ordem de como tem de ser feito - e fazem.
É o álibi?
É um álibi. Isso vai acontecer, e quanto mais tarde pior.
Devíamos pedir já?
Acho que politicamente é muito difícil... até às presidenciais é muito difícil que isso aconteça, Cavaco Silva não vai dizer isso, nem pode dizê-lo. Mas não há dúvida de que depois das eleições presidenciais vai haver um momento em que as pessoas vão estar disponíveis para fazer coisas.
José Sócrates está condenado a sair já do Governo?
Este Governo tinha três hipóteses depois das eleições - e tive a ocasião de dizer isto ao eng. Sócrates da última vez que falei com ele. A primeira era fazer um Governo de coligação com o Bloco ou com o PCP; segunda hipótese, com o CDS; a terceira era um Governo minoritário, para cair passados seis meses. Ora bem, ele tentou uma quarta hipótese (ele é um homem voluntarista). Era fazer um Governo minoritário para sobreviver quatro anos. Lindo! Fantástico! Mas ineficaz.
Não resultou.
E não vai resultar. Admite que ele possa ser parte da solução, mas já é parte do problema.
Uma remodelação serve de alguma coisa?
É tratar com aspirinas problemas que precisam de antibióticos.
Se for parte da solução, será como?
Parte da solução só sendo primeiro-ministro, mas acho difícil. Ele tem uma dificuldade de relacionamento com os partidos da oposição, mas há milagres. Sá Carneiro toda a gente dizia que era um tipo horrível, insuportável. Vá ler o que se dizia dele antes de ele morrer! Diziam pior de Sá Carneiro do que dizem de José Sócrates.
Não me diga que vê parecenças entre Sá Carneiro e Sócrates?
Entre toda a gente! E de facto há uma qualidade que Sócrates tem, que é a sua determinação - e nisso é parecido com Sá Carneiro. A dificuldade de relacionamento...
E Passos Coelho?
Eu diria que ele é um produto do aparelho, como o Sócrates. Mas se perceber que tem a ocasião dele... Se ele conseguir reunir gente qualificada, motivar pessoas que não estão na política... agora, se continuar rodeado de... (não vou dar nomes porque não quero magoar ninguém) que começaram, nasceram e vão morrer com aqueles "lugarzitos" partidários e com aqueles automóveis muito grandes, não vai a lado nenhum. Mas tenho esperança de que ele melhore. Costuma dizer-se que a primeira vitória é contra aqueles que o colocaram lá - é cínico, mas é verdade.
In DN
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"Já estava convencido da santidade do papa ao longo da vida" [/size][/color]
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"Já estava convencido da santidade do papa ao longo da vida"
por PEDRO SOUSA TAVARES
Hoje
'João Paulo II, Santo' é o título do livro de Slawomir Oder, encarregue de defender a causa da santidade de Karol Wojtyla no Vaticano. Uma condição que, defende este padre polaco, já é um facto para as actuais gerações de católicos, mas deve ficar provada.
Juntando um ponto de interrogação ao título do seu livro, porquê João Paulo II, Santo?
Exprime uma convicção pessoal a que cheguei no final deste processo. Não é uma antecipação da decisão da Igreja, porque a única entidade competente para dizer: "É santo" é a Igreja. É também uma manifestação da voz de quem sentiu necessidade de gritar: "Santo Subito". Eu estava convicto da sua santidade ao longo da sua vida, estava convicto da sua santidade no momento da sua morte, mas sobretudo estou convicto depois de cinco anos de investigação sobre a sua vida, sobre documentos relativos à sua existência e ao seu magistério.
Que aspectos da vida de João Paulo II lhe deram tal convicção?
Ele viveu a sua vida com muita intensidade, segundo uma medida elevada, sem se poupar, sem ceder a compromissos. Viveu a sua vida sempre olhando em frente. A sua santidade é uma santidade quotidiana, dentro da vida, com a simplicidade que pode ter a vida de um papa, sempre envolta em tantas coisas. A sua santidade é sobretudo parte da sua relação com Deus. Era um homem de Deus, um homem de oração. E esta profundidade da relação com Deus ele soube vivê-la na relação com os homens, com o mundo.
Mas para um homem ser reconhecido como santo, além da sua conduta, a Igreja procura outras provas, como milagres....
A dimensão mística de João Paulo II está, desde logo, na sua constante consciência de viver na presença de Deus. Se me pergunta por uma confirmação, que provém de Deus, a Igreja espera um sigilo divino sobre este processo que vivemos e que se encontra actualmente em curso perante a Congregação para a Causa dos Santos. Este processo observa a recuperação de uma religiosa francesa que tinha a doença de Parkinson...
O processo de beatificação começou logo em 2005. Foi praticamente o primeiro acto de Bento XVI enquanto Papa. Havia a convicção no Vaticano de que João Paulo II não tinha sido apenas um papa muito amado, mas também um homem santo? Foi isso que ditou a rapidez de todo o processo?
Penso que foi sobretudo a fama de santidade difusa no povo de Deus, que se expressa, de facto, no grito: "Santo Subito", mas que se expressa com maior eloquência durante a celebração do funeral, com uma presença de representantes do mundo inteiro. Isto exprime desde logo a convicção na morte de um santo. E depois as visitas constantes ao túmulo de João Paulo II que, desde o dia do seu funeral, são contínuas...
É já um homem venerado?
É um homem que goza de muita veneração popular, mas eu estou convencido que também a convicção pessoal do Papa Bento XVI, que o conheceu, quando era o cardeal Ratzinger, durante anos de colaboração quotidiana muito próxima, ajudou à decisão de abrir o processo imediatamente.
Mas a canonização era uma exigência popular?
Sim. Era uma exigência popular. E depois o sinal divino surgiu quase de imediato, porque o caso que actualmente está a ser estudado pela Congregação para a Causa dos Santos, esta recuperação miraculosa, deu-se quase imediatamente depois da morte de João Paulo II. Dois meses depois.
É possível apontar horizontes temporais para a beatificação e canonização de João Paulo II?
A resposta exacta não pode ser dada neste momento. O processo desenrola-se observando todas as regras do direito canónico, é um processo actualmente bastante avançado junto da Congregação. Quando estiver terminado todo a literatura canónica, o Papa indicará a melhor data para se poder chegar à beatificação
In DN
"Já estava convencido da santidade do papa ao longo da vida"
por PEDRO SOUSA TAVARES
Hoje
'João Paulo II, Santo' é o título do livro de Slawomir Oder, encarregue de defender a causa da santidade de Karol Wojtyla no Vaticano. Uma condição que, defende este padre polaco, já é um facto para as actuais gerações de católicos, mas deve ficar provada.
Juntando um ponto de interrogação ao título do seu livro, porquê João Paulo II, Santo?
Exprime uma convicção pessoal a que cheguei no final deste processo. Não é uma antecipação da decisão da Igreja, porque a única entidade competente para dizer: "É santo" é a Igreja. É também uma manifestação da voz de quem sentiu necessidade de gritar: "Santo Subito". Eu estava convicto da sua santidade ao longo da sua vida, estava convicto da sua santidade no momento da sua morte, mas sobretudo estou convicto depois de cinco anos de investigação sobre a sua vida, sobre documentos relativos à sua existência e ao seu magistério.
Que aspectos da vida de João Paulo II lhe deram tal convicção?
Ele viveu a sua vida com muita intensidade, segundo uma medida elevada, sem se poupar, sem ceder a compromissos. Viveu a sua vida sempre olhando em frente. A sua santidade é uma santidade quotidiana, dentro da vida, com a simplicidade que pode ter a vida de um papa, sempre envolta em tantas coisas. A sua santidade é sobretudo parte da sua relação com Deus. Era um homem de Deus, um homem de oração. E esta profundidade da relação com Deus ele soube vivê-la na relação com os homens, com o mundo.
Mas para um homem ser reconhecido como santo, além da sua conduta, a Igreja procura outras provas, como milagres....
A dimensão mística de João Paulo II está, desde logo, na sua constante consciência de viver na presença de Deus. Se me pergunta por uma confirmação, que provém de Deus, a Igreja espera um sigilo divino sobre este processo que vivemos e que se encontra actualmente em curso perante a Congregação para a Causa dos Santos. Este processo observa a recuperação de uma religiosa francesa que tinha a doença de Parkinson...
O processo de beatificação começou logo em 2005. Foi praticamente o primeiro acto de Bento XVI enquanto Papa. Havia a convicção no Vaticano de que João Paulo II não tinha sido apenas um papa muito amado, mas também um homem santo? Foi isso que ditou a rapidez de todo o processo?
Penso que foi sobretudo a fama de santidade difusa no povo de Deus, que se expressa, de facto, no grito: "Santo Subito", mas que se expressa com maior eloquência durante a celebração do funeral, com uma presença de representantes do mundo inteiro. Isto exprime desde logo a convicção na morte de um santo. E depois as visitas constantes ao túmulo de João Paulo II que, desde o dia do seu funeral, são contínuas...
É já um homem venerado?
É um homem que goza de muita veneração popular, mas eu estou convencido que também a convicção pessoal do Papa Bento XVI, que o conheceu, quando era o cardeal Ratzinger, durante anos de colaboração quotidiana muito próxima, ajudou à decisão de abrir o processo imediatamente.
Mas a canonização era uma exigência popular?
Sim. Era uma exigência popular. E depois o sinal divino surgiu quase de imediato, porque o caso que actualmente está a ser estudado pela Congregação para a Causa dos Santos, esta recuperação miraculosa, deu-se quase imediatamente depois da morte de João Paulo II. Dois meses depois.
É possível apontar horizontes temporais para a beatificação e canonização de João Paulo II?
A resposta exacta não pode ser dada neste momento. O processo desenrola-se observando todas as regras do direito canónico, é um processo actualmente bastante avançado junto da Congregação. Quando estiver terminado todo a literatura canónica, o Papa indicará a melhor data para se poder chegar à beatificação
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"O PS tem tido uma política muito mais consistente de defesa do desenvolvimento científico do que o PSD"
.
"O PS tem tido uma política muito mais consistente de defesa do desenvolvimento científico do que o PSD"
por João Marcelino
Hoje
[Quanto ao investimento na Ciência] "há apenas, nas últimas décadas, dois pontos de quebra, o segundo Governo de Cavaco - no segundo, não no primeiro, que é um período de expansão - e imediatamente a seguir ao fim do período do engenheiro Guterres; portanto, na entrada do Governo PSD-CDS. Esses dois momentos, que são singulares, muito negativos, contra os quais, aliás, me bati na altura, tiveram efeitos. Houve uma altura em que tive de encontrar emprego para algumas pessoas lá fora. E foi muito fácil"
Académico conceituado, professor catedrático, investigador em física, o ministro Mariano Gago tem uma longa experiência governativa em quatro governos, dois com António Guterres e outros dois com José Sócrates - quase 13 anos no total. É um homem afável, que não gosta de entrevistas e sobretudo de privilegiar a espuma da política em detrimento das políticas do desenvolvimento científico e da reforma do ensino superior, de que notoriamente se orgulha. Por isso o "sim" para a entrevista demora e não dispensa um contacto prévio para se certificar de que o roteiro está suficientemente limpo da agenda mediática. Isso é para outros protagonistas, que não ele.
Foi divulgado há poucos dias um estudo demonstrando que o investimento na ciência e tecnologia duplicou entre 2005 a 2009. Onde podemos ver esse investimento?
Não é bem um estudo, são dados estatísticos nacionais. Se há 30 anos podia ser difícil de ver, hoje é difícil não ver. É muito difícil, primeiro, qualquer tecnologia não ter lá dentro investigação; está em qualquer empresa - do controlo de qualidade dos alimentos até aos medicamentos, à gestão da frota urbana dos autocarros, ou garantir que os metropolitanos não batem uns nos outros. Tudo isto não é apenas trabalho profissional, é trabalho de investigação incorporado no trabalho profissional. As pessoas, num país tradicionalmente atrasado, associavam investigação ao que vinha de fora, ao que se importava. É preciso mudar um pouco a percepção. É verdade que a investigação é mundial, mas há muita investigação feita em Portugal que é incorporada nos produtos e nos processos portugueses.
Até que ponto essa investigação pode vir a ser prejudicada com os cortes orçamentais que toda a sociedade portuguesa vai sentir nos próximos anos?
É uma pergunta interessante, mas tem um pressuposto. Para começar, o pressuposto de que essa investigação é toda pública, o que é falso. Mais de metade dessa investigação, em termos de investimento, é privada. Em segundo lugar, depende das políticas, naturalmente. Mas dependeu sempre das políticas, e depende em todos os países pequenos como Portugal, mas também como a Suécia, a Dinamarca ou a Suíça.
Qual é a distância entre as realidades de Portugal e da Suécia?
Em número de investigadores, para cada mil pessoas que trabalham em Portugal neste momento, cerca de sete, oito, mais ou menos, são investigadores. São mais pessoas, mas não fazem 100% de investigação, nem nas empresas, nem no Estado. Portanto, à volta de oito. A média europeia anda nos seis. Países como o Japão, os Estados Unidos, têm dez, doze de média. Países escandinavos andam pelos 12, 13. Mas há certas regiões ou certos estados dos Estados Unidos que podem ter dezenas.
Sente esta realidade como mérito do seu trabalho nestes anos todos que leva de actividade governativa?
Não. Sinto que tive a oportunidade rara de contribuir para que isso acontecesse. É absolutamente extraordinário em Portugal depois do 25 de Abril, e tenho acompanhado a evolução de muitos países do mundo nesta matéria, é o apoio que a sociedade portuguesa, com baixos níveis educacionais à partida, sempre deu ao desenvolvimento científico. Os inquéritos em Portugal sobre isso mostram um voto na ciência, que é sempre maioritário. Tem sempre a maioria absoluta. Quando se pergunta aos portugueses: "Acha que se deve gastar dinheiro na ciência, mesmo que não se saiba se esse investimento tem alguma utilização prática?", a resposta é sim.
Mas até que ponto a redução que vai ter no seu ministério, que é de cerca de 3,2% em relação ao que gastou este ano, pode impactar isso?
Não tem, não impacta.
Onde vai poupar esses 3,2%?
O orçamento do próximo ano do Ministério da Ciência e do Ensino Superior contribui para a redução do défice, como não podia deixar de ser. E contribui de duas formas: a principal é a redução da massa salarial, essencialmente no ensino superior; são as reduções de salários e as reduções conexas aos salários. Essa é a principal. As outras pequenas reduções que existem no ministério são compensadas com o acréscimo de fundos comunitários naqueles programas que já eram co-financiados. A mensagem é simples e corresponde a uma decisão política do Governo: o investimento em ciência tinha de se manter. Aliás, para sermos verdadeiramente objectivos, o orçamento de ciência para o próximo ano aumenta cerca de 2% relativamente a 2010.
A sociedade portuguesa encara bem essa aposta, mas isso às vezes está em contraposição com críticas que se ouvem de alguns cientistas, que vão no sentido de que é muito mais fácil ter trabalho e reconhecimento lá fora do que cá dentro. Como ouve essas críticas?
Não é uma crítica, são estados de alma! Em primeiro lugar, a verdade é que tem hoje muito mais cientistas em Portugal do que há cinco, dez, vinte anos! Todos os anos, o número de pessoas que querem ser cientistas, estudar, que fazem doutoramentos, que se candidatam a lugares, aumenta! Acho que a realidade é, neste caso, o elemento fundamental. Sou um experimentalista, acho que a experiência mostra que, ao contrário do que se imaginava há 20 ou 30 anos, foi possível transformar um país que nunca tinha tido ciência do ponto de vista significativo, na idade moderna, num país científico. E foi possível fazê-lo muito rapidamente - volto a repetir este ponto - porque a sociedade portuguesa acreditou nisso. Porque houve gerações após gerações de jovens que apostaram em carreiras que são muito difíceis, muito exigentes. Eles eram dotados para muita coisa, certamente para profissões até muito melhor remuneradas, mas apostaram nestas carreiras. Porque houve a entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho e na educação, o que alterou o panorama dos recursos qualificados em Portugal depois do 25 de Abril. Porque houve a enorme expansão da educação e dos níveis educacionais em Portugal e, sobretudo, a entrada no ensino superior nos últimos 20, 30 anos. Foi tudo isto junto, associado a políticas que, no essencial e sobretudo nos últimos anos, não tiveram recuos. Porque o essencial na política científica é não haver recuos, é haver uma estabilidade política e científica ao longo dos anos.
Mesmo no período em que esteve afastado da liderança do sector?
Há um gráfico muito interessante que mostra... não os orçamentos mas a despesa real, efectiva, medida pelos inquéritos ao potencial científico em Portugal. E há apenas, nas últimas décadas, dois pontos de quebra: no segundo Governo de Cavaco - não no primeiro, que é um período de expansão - e imediatamente a seguir ao período do engenheiro Guterres; portanto, na entrada do Governo PSD-CDS. Esses momentos, que são singulares, muito negativos, contra os quais, aliás, me bati na altura, tiveram efeitos. Hoje sabemos quais. Não é apenas a desmobilização, é a ida das melhores pessoas para fora. Houve uma altura em que tive de encontrar emprego para algumas pessoas lá fora. E foi muito fácil.
Portanto, o PS lidera melhor esta área?
Não creio que se possa tirar essa conclusão para sempre. E eu não gostaria de tirar essa conclusão para sempre. Posso tirar essa conclusão quanto ao passado. O desenvolvimento científico do País precisa que todos tenham este elemento, este objectivo absolutamente firme, nas suas cabeças. O desenvolvimento científico da Europa fez-se desde o pós-guerra com uma aliança absoluta entre governos socialistas ou cristãos-democratas sobre o desenvolvimento científico. Todos os países que se desenvolveram muito rapidamente no pós-guerra, na Europa, foram países em que essa convicção foi assente. Essa é a convicção assente nos Estados Unidos entre republicanos e democratas. Em Portugal, fez um pouco parte do nosso subdesenvolvimento político o facto de ter havido uma política muito mais consistente ao longo destes anos do PS em defesa do desenvolvimento científico do que do PSD, que nalguns anos a teve e noutros anos não. Mas creio que isso deveria ser parte do passado. No futuro, não deve haver nenhum partido político em Portugal que não tenha a convicção de que sem desenvolvimento científico consistente e permanente ao longo dos anos não há futuro para o País.
Como está a relação entre o mundo académico e o mundo das empresas?
Muito melhor do que estava, e muito bem nalgumas áreas. O facto de termos tido nos últimos anos uma grande expansão da investigação nas empresas é, em grande parte, resultado do investimento público. Pode parecer contraditório, não é o investimento nas empresas, é o investimento público nas universidades. Foi o investimento público nas universidades ao longo de muitos anos que criou as condições de formação, de formação avançada, de internacionalização...
E há casos de sucesso específicos?
Há inúmeros casos de sucesso!
É capaz de me citar dois ou três? Em que zonas do País acontece mais isso? Em Aveiro, Braga, Lisboa?
Nos sítios onde há potencial científico e industrial. É muito visível isso aqui na área de Lisboa, é muito visível nas zonas onde há grandes universidades ou grandes politécnicos, na área do Porto, de Braga...
Há um projecto de que possa falar?
Não lhe posso dar um, posso dar-lhe inúmeros projectos!
Dois ou três.
A Bial pôs cá fora um antiepiléptico com base em investigação, com enorme colaboração do tecido científico. Se olhar para a investigação que está a ser feita na Unicer, desde as cápsulas até à cerveja sem álcool, tudo isto representa muito trabalho de investigação. Se olhar para a Portugal Telecom e para o trabalho que está a fazer com a segurança de redes, por exemplo, envolve não só universidades portuguesas como a Carnegie Mellon, nos Estados Unidos. Se olhar para a Alert, que é uma empresa que tem que ver com informatização dos hospitais, tem um caso de sucesso enorme de exportação para o resto do mundo com participação de investigadores que vieram das universidades. A Critical Software nasce na Universidade de Coimbra e começa por exportar soluções para a NASA antes de se tornar numa grande empresa exportadora de soluções de software. A Amorim, na cortiça, está a fazer com outros, e com investigação nacional, o genoma de sobreiro e novas aplicações para a cortiça. É um sem-número de coisas... Quando se diz "mais de metade do investimento em investigação é feito hoje pelas empresas", as cem maiores empresas que investigam em Portugal representam 25% das exportações. Isto significa muitos milhares de casos concretos, porque ninguém investe sem ter rendimentos.
Estamos bem no campeonato das patentes?
Chegámos tardíssimo ao campeonato do registo de patentes, como diz. Não é bem um campeonato, é o fim da linha.
É a aplicação prática do que se faz.
Não é só a aplicação prática, porque há áreas nas quais não se patenteia. Nós, por exemplo, temos uma actividade exportadora extremamente importante no domínio de desenvolvimento de software, mas isso não se patenteia. Eu podia simplesmente dizer-lhe "olhe, nos últimos anos, multiplicou por quatro" ou "multiplicou por cinco". Mas a base era tão baixa que seria preciso pôr isto em proporção. O que posso dizer é que o registo de patentes está em crescimento muito rápido: 30 no ano 2000, 145 em 2009. É muito interessante verificar certos aspectos curiosos. O que tem aqui é uma mistura dos registos europeus de patentes feitos por inventores, empresas ou entidades portuguesas, que mistura algumas coisas que são registadas em nome de outros países. Porque, quando tem uma multinacional instalada em Portugal, ela regista, de facto, como se a invenção tivesse vindo de Portugal, mas o país de registo da patente é normalmente uma empresa-sede, na Alemanha, na Finlândia, noutro sítio.
Veja aqui o vídeo
In DN
"O PS tem tido uma política muito mais consistente de defesa do desenvolvimento científico do que o PSD"
por João Marcelino
Hoje
[Quanto ao investimento na Ciência] "há apenas, nas últimas décadas, dois pontos de quebra, o segundo Governo de Cavaco - no segundo, não no primeiro, que é um período de expansão - e imediatamente a seguir ao fim do período do engenheiro Guterres; portanto, na entrada do Governo PSD-CDS. Esses dois momentos, que são singulares, muito negativos, contra os quais, aliás, me bati na altura, tiveram efeitos. Houve uma altura em que tive de encontrar emprego para algumas pessoas lá fora. E foi muito fácil"
Académico conceituado, professor catedrático, investigador em física, o ministro Mariano Gago tem uma longa experiência governativa em quatro governos, dois com António Guterres e outros dois com José Sócrates - quase 13 anos no total. É um homem afável, que não gosta de entrevistas e sobretudo de privilegiar a espuma da política em detrimento das políticas do desenvolvimento científico e da reforma do ensino superior, de que notoriamente se orgulha. Por isso o "sim" para a entrevista demora e não dispensa um contacto prévio para se certificar de que o roteiro está suficientemente limpo da agenda mediática. Isso é para outros protagonistas, que não ele.
Foi divulgado há poucos dias um estudo demonstrando que o investimento na ciência e tecnologia duplicou entre 2005 a 2009. Onde podemos ver esse investimento?
Não é bem um estudo, são dados estatísticos nacionais. Se há 30 anos podia ser difícil de ver, hoje é difícil não ver. É muito difícil, primeiro, qualquer tecnologia não ter lá dentro investigação; está em qualquer empresa - do controlo de qualidade dos alimentos até aos medicamentos, à gestão da frota urbana dos autocarros, ou garantir que os metropolitanos não batem uns nos outros. Tudo isto não é apenas trabalho profissional, é trabalho de investigação incorporado no trabalho profissional. As pessoas, num país tradicionalmente atrasado, associavam investigação ao que vinha de fora, ao que se importava. É preciso mudar um pouco a percepção. É verdade que a investigação é mundial, mas há muita investigação feita em Portugal que é incorporada nos produtos e nos processos portugueses.
Até que ponto essa investigação pode vir a ser prejudicada com os cortes orçamentais que toda a sociedade portuguesa vai sentir nos próximos anos?
É uma pergunta interessante, mas tem um pressuposto. Para começar, o pressuposto de que essa investigação é toda pública, o que é falso. Mais de metade dessa investigação, em termos de investimento, é privada. Em segundo lugar, depende das políticas, naturalmente. Mas dependeu sempre das políticas, e depende em todos os países pequenos como Portugal, mas também como a Suécia, a Dinamarca ou a Suíça.
Qual é a distância entre as realidades de Portugal e da Suécia?
Em número de investigadores, para cada mil pessoas que trabalham em Portugal neste momento, cerca de sete, oito, mais ou menos, são investigadores. São mais pessoas, mas não fazem 100% de investigação, nem nas empresas, nem no Estado. Portanto, à volta de oito. A média europeia anda nos seis. Países como o Japão, os Estados Unidos, têm dez, doze de média. Países escandinavos andam pelos 12, 13. Mas há certas regiões ou certos estados dos Estados Unidos que podem ter dezenas.
Sente esta realidade como mérito do seu trabalho nestes anos todos que leva de actividade governativa?
Não. Sinto que tive a oportunidade rara de contribuir para que isso acontecesse. É absolutamente extraordinário em Portugal depois do 25 de Abril, e tenho acompanhado a evolução de muitos países do mundo nesta matéria, é o apoio que a sociedade portuguesa, com baixos níveis educacionais à partida, sempre deu ao desenvolvimento científico. Os inquéritos em Portugal sobre isso mostram um voto na ciência, que é sempre maioritário. Tem sempre a maioria absoluta. Quando se pergunta aos portugueses: "Acha que se deve gastar dinheiro na ciência, mesmo que não se saiba se esse investimento tem alguma utilização prática?", a resposta é sim.
Mas até que ponto a redução que vai ter no seu ministério, que é de cerca de 3,2% em relação ao que gastou este ano, pode impactar isso?
Não tem, não impacta.
Onde vai poupar esses 3,2%?
O orçamento do próximo ano do Ministério da Ciência e do Ensino Superior contribui para a redução do défice, como não podia deixar de ser. E contribui de duas formas: a principal é a redução da massa salarial, essencialmente no ensino superior; são as reduções de salários e as reduções conexas aos salários. Essa é a principal. As outras pequenas reduções que existem no ministério são compensadas com o acréscimo de fundos comunitários naqueles programas que já eram co-financiados. A mensagem é simples e corresponde a uma decisão política do Governo: o investimento em ciência tinha de se manter. Aliás, para sermos verdadeiramente objectivos, o orçamento de ciência para o próximo ano aumenta cerca de 2% relativamente a 2010.
A sociedade portuguesa encara bem essa aposta, mas isso às vezes está em contraposição com críticas que se ouvem de alguns cientistas, que vão no sentido de que é muito mais fácil ter trabalho e reconhecimento lá fora do que cá dentro. Como ouve essas críticas?
Não é uma crítica, são estados de alma! Em primeiro lugar, a verdade é que tem hoje muito mais cientistas em Portugal do que há cinco, dez, vinte anos! Todos os anos, o número de pessoas que querem ser cientistas, estudar, que fazem doutoramentos, que se candidatam a lugares, aumenta! Acho que a realidade é, neste caso, o elemento fundamental. Sou um experimentalista, acho que a experiência mostra que, ao contrário do que se imaginava há 20 ou 30 anos, foi possível transformar um país que nunca tinha tido ciência do ponto de vista significativo, na idade moderna, num país científico. E foi possível fazê-lo muito rapidamente - volto a repetir este ponto - porque a sociedade portuguesa acreditou nisso. Porque houve gerações após gerações de jovens que apostaram em carreiras que são muito difíceis, muito exigentes. Eles eram dotados para muita coisa, certamente para profissões até muito melhor remuneradas, mas apostaram nestas carreiras. Porque houve a entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho e na educação, o que alterou o panorama dos recursos qualificados em Portugal depois do 25 de Abril. Porque houve a enorme expansão da educação e dos níveis educacionais em Portugal e, sobretudo, a entrada no ensino superior nos últimos 20, 30 anos. Foi tudo isto junto, associado a políticas que, no essencial e sobretudo nos últimos anos, não tiveram recuos. Porque o essencial na política científica é não haver recuos, é haver uma estabilidade política e científica ao longo dos anos.
Mesmo no período em que esteve afastado da liderança do sector?
Há um gráfico muito interessante que mostra... não os orçamentos mas a despesa real, efectiva, medida pelos inquéritos ao potencial científico em Portugal. E há apenas, nas últimas décadas, dois pontos de quebra: no segundo Governo de Cavaco - não no primeiro, que é um período de expansão - e imediatamente a seguir ao período do engenheiro Guterres; portanto, na entrada do Governo PSD-CDS. Esses momentos, que são singulares, muito negativos, contra os quais, aliás, me bati na altura, tiveram efeitos. Hoje sabemos quais. Não é apenas a desmobilização, é a ida das melhores pessoas para fora. Houve uma altura em que tive de encontrar emprego para algumas pessoas lá fora. E foi muito fácil.
Portanto, o PS lidera melhor esta área?
Não creio que se possa tirar essa conclusão para sempre. E eu não gostaria de tirar essa conclusão para sempre. Posso tirar essa conclusão quanto ao passado. O desenvolvimento científico do País precisa que todos tenham este elemento, este objectivo absolutamente firme, nas suas cabeças. O desenvolvimento científico da Europa fez-se desde o pós-guerra com uma aliança absoluta entre governos socialistas ou cristãos-democratas sobre o desenvolvimento científico. Todos os países que se desenvolveram muito rapidamente no pós-guerra, na Europa, foram países em que essa convicção foi assente. Essa é a convicção assente nos Estados Unidos entre republicanos e democratas. Em Portugal, fez um pouco parte do nosso subdesenvolvimento político o facto de ter havido uma política muito mais consistente ao longo destes anos do PS em defesa do desenvolvimento científico do que do PSD, que nalguns anos a teve e noutros anos não. Mas creio que isso deveria ser parte do passado. No futuro, não deve haver nenhum partido político em Portugal que não tenha a convicção de que sem desenvolvimento científico consistente e permanente ao longo dos anos não há futuro para o País.
Como está a relação entre o mundo académico e o mundo das empresas?
Muito melhor do que estava, e muito bem nalgumas áreas. O facto de termos tido nos últimos anos uma grande expansão da investigação nas empresas é, em grande parte, resultado do investimento público. Pode parecer contraditório, não é o investimento nas empresas, é o investimento público nas universidades. Foi o investimento público nas universidades ao longo de muitos anos que criou as condições de formação, de formação avançada, de internacionalização...
E há casos de sucesso específicos?
Há inúmeros casos de sucesso!
É capaz de me citar dois ou três? Em que zonas do País acontece mais isso? Em Aveiro, Braga, Lisboa?
Nos sítios onde há potencial científico e industrial. É muito visível isso aqui na área de Lisboa, é muito visível nas zonas onde há grandes universidades ou grandes politécnicos, na área do Porto, de Braga...
Há um projecto de que possa falar?
Não lhe posso dar um, posso dar-lhe inúmeros projectos!
Dois ou três.
A Bial pôs cá fora um antiepiléptico com base em investigação, com enorme colaboração do tecido científico. Se olhar para a investigação que está a ser feita na Unicer, desde as cápsulas até à cerveja sem álcool, tudo isto representa muito trabalho de investigação. Se olhar para a Portugal Telecom e para o trabalho que está a fazer com a segurança de redes, por exemplo, envolve não só universidades portuguesas como a Carnegie Mellon, nos Estados Unidos. Se olhar para a Alert, que é uma empresa que tem que ver com informatização dos hospitais, tem um caso de sucesso enorme de exportação para o resto do mundo com participação de investigadores que vieram das universidades. A Critical Software nasce na Universidade de Coimbra e começa por exportar soluções para a NASA antes de se tornar numa grande empresa exportadora de soluções de software. A Amorim, na cortiça, está a fazer com outros, e com investigação nacional, o genoma de sobreiro e novas aplicações para a cortiça. É um sem-número de coisas... Quando se diz "mais de metade do investimento em investigação é feito hoje pelas empresas", as cem maiores empresas que investigam em Portugal representam 25% das exportações. Isto significa muitos milhares de casos concretos, porque ninguém investe sem ter rendimentos.
Estamos bem no campeonato das patentes?
Chegámos tardíssimo ao campeonato do registo de patentes, como diz. Não é bem um campeonato, é o fim da linha.
É a aplicação prática do que se faz.
Não é só a aplicação prática, porque há áreas nas quais não se patenteia. Nós, por exemplo, temos uma actividade exportadora extremamente importante no domínio de desenvolvimento de software, mas isso não se patenteia. Eu podia simplesmente dizer-lhe "olhe, nos últimos anos, multiplicou por quatro" ou "multiplicou por cinco". Mas a base era tão baixa que seria preciso pôr isto em proporção. O que posso dizer é que o registo de patentes está em crescimento muito rápido: 30 no ano 2000, 145 em 2009. É muito interessante verificar certos aspectos curiosos. O que tem aqui é uma mistura dos registos europeus de patentes feitos por inventores, empresas ou entidades portuguesas, que mistura algumas coisas que são registadas em nome de outros países. Porque, quando tem uma multinacional instalada em Portugal, ela regista, de facto, como se a invenção tivesse vindo de Portugal, mas o país de registo da patente é normalmente uma empresa-sede, na Alemanha, na Finlândia, noutro sítio.
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Primeiras obras do hospital privado de Bragança devem arrancar no início do ano
.
Misericórdia de fora
Primeiras obras do hospital privado de Bragança devem arrancar no início do ano
Arrancam no início do próximo ano as primeiras obras do hospital provado de Bragança. A garantia é deixada por Cordeiro Tavares, vice-presidente da CESPU, a entidade promotora da obra, numa entrevista concedida em exclusivo à Brigantia.
O projecto sofreu alguns atrasos mas Cordeiro Tavares garante que os primeiros trabalhos começam dentro de dias.
“Foi necessária a alteração de projecto e a adaptação dos planos contra incêndio, de emergência. A Câmara já está a apreciar tudo isso e depois será uma questão de dias. Vamos vedar o terreno e o que puder ser feito de desaterro será, enquanto as especialidades são aprovadas. O que pode demorar é [o concurso], pois queríamos que a obra fosse construída por empresas da região.”
Nesta entrevista, que será emitida amanhã à tarde, Cordeiro Tavares culpa a Santa Casa da Misericórdia de Bragança pelo atraso na construção do novo hospital.
“Houve atraso. Tivemos um projecto inicial que foi adaptado de acordo com uma entidade que foi aceite como parceiro natural, a Santa Casa da Misericórdia de Bragança, que pediu dois pisos, 86 quartos. O projecto foi adaptado mas depois disseram que afinal só queriam um piso. Houve necessidade de outra readaptação, mas simples. Até que, inopinadamente, a Misericórdia disse que não queriam nada.”
Cordeiro Tavares admite que ainda falta definir quais as especialidades que ficarão instaladas nesta nova unidade de saúde, algo que será feito nos próximos dias.
O vice-presidente da CESPU pretende que este seja um pólo de criação de emprego na região.
“O hospital vai responder à necessidade de conceder aos seus licenciados o ambiente real de trabalho, onde vão praticar. E vai tentar ser complementar ao Centro Hospitalar do Nordeste”, sublinha Cordeiro Tavares. “Já fomos procurados por alguns médicos que gostariam de deslocar as suas clínicas para dentro do hospital.”
O mesmo responsável admite que a prestação de cuidados aos mais velhos será um dos pontos fortes na oferta de serviços.
“Se temos uma boa fisioterapia dos cursos considerados dos melhores cursos, se na própria unidade que vamos construir vai haver piscina, ligada à fisioterapia, porque não ter uma boa unidade de fisioterapia? Ou radiologia, ou análises?”
Excerto de uma grande entrevista ao vice-presidente do grupo CESPU, para ouvir na íntegra amanhã à tarde, com repetição no sábado de manhã.
Brigantia, 2010-12-09
In DTM
Misericórdia de fora
Primeiras obras do hospital privado de Bragança devem arrancar no início do ano
Arrancam no início do próximo ano as primeiras obras do hospital provado de Bragança. A garantia é deixada por Cordeiro Tavares, vice-presidente da CESPU, a entidade promotora da obra, numa entrevista concedida em exclusivo à Brigantia.
O projecto sofreu alguns atrasos mas Cordeiro Tavares garante que os primeiros trabalhos começam dentro de dias.
“Foi necessária a alteração de projecto e a adaptação dos planos contra incêndio, de emergência. A Câmara já está a apreciar tudo isso e depois será uma questão de dias. Vamos vedar o terreno e o que puder ser feito de desaterro será, enquanto as especialidades são aprovadas. O que pode demorar é [o concurso], pois queríamos que a obra fosse construída por empresas da região.”
Nesta entrevista, que será emitida amanhã à tarde, Cordeiro Tavares culpa a Santa Casa da Misericórdia de Bragança pelo atraso na construção do novo hospital.
“Houve atraso. Tivemos um projecto inicial que foi adaptado de acordo com uma entidade que foi aceite como parceiro natural, a Santa Casa da Misericórdia de Bragança, que pediu dois pisos, 86 quartos. O projecto foi adaptado mas depois disseram que afinal só queriam um piso. Houve necessidade de outra readaptação, mas simples. Até que, inopinadamente, a Misericórdia disse que não queriam nada.”
Cordeiro Tavares admite que ainda falta definir quais as especialidades que ficarão instaladas nesta nova unidade de saúde, algo que será feito nos próximos dias.
O vice-presidente da CESPU pretende que este seja um pólo de criação de emprego na região.
“O hospital vai responder à necessidade de conceder aos seus licenciados o ambiente real de trabalho, onde vão praticar. E vai tentar ser complementar ao Centro Hospitalar do Nordeste”, sublinha Cordeiro Tavares. “Já fomos procurados por alguns médicos que gostariam de deslocar as suas clínicas para dentro do hospital.”
O mesmo responsável admite que a prestação de cuidados aos mais velhos será um dos pontos fortes na oferta de serviços.
“Se temos uma boa fisioterapia dos cursos considerados dos melhores cursos, se na própria unidade que vamos construir vai haver piscina, ligada à fisioterapia, porque não ter uma boa unidade de fisioterapia? Ou radiologia, ou análises?”
Excerto de uma grande entrevista ao vice-presidente do grupo CESPU, para ouvir na íntegra amanhã à tarde, com repetição no sábado de manhã.
Brigantia, 2010-12-09
In DTM
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Mercados perceberão que Portugal está a fazer o que deve"
.
"Mercados perceberão que Portugal está a fazer o que deve"
por JOÃO MARCELINO
Hoje
"Não temos nenhum problema que exija recorrer ao Fundo Monetário Internacional. O nosso problema é apenas um problema orçamental que temos de corrigir, tal como outros países têm! Quem não percebe que o que estamos a viver é uma questão sistémica, que diz respeito ao euro, não percebeu nada desta crise. Se alguém acha que isto é um problema deste país ou daquele, não está a ver como a crise da dívida soberana está a afectar o euro! Isto é um problema de todos os países europeus, e acho que devemos fazer o possível para o combater em conjunto".
A entrevista tem duas partes, uma sobre a actividade do Governo (hoje) e outra sobre política nacional (amanhã). Nesta, a primeira, José Sócrates insiste sobretudo na convicção de que o País tem condições para, sem ajudas externas, sair da crise. Nem em cenários, o governante, o político, profissional bem preparado, aceita o "se". O FMI, para ele, não é uma possibilidade. Ponto. E quanto ao que fica para trás é claro que valoriza o investimento na educação, ciência e tecnologia. As grandes obras são para avançar, mas, reclama, mesmo aí, no investimento infra-estrutural, a grande aposta tem sido, e vai continuar a ser, a requalificação do parque escolar. Essa é a marca que quer deixar associada ao exercício do poder - e de que, notoriamente, se orgulha.
O principal problema do País neste momento é conseguir, em 2011, concretizar o que está inscrito no Orçamento do Estado. Até que ponto é que os portugueses podem confiar num ministro, neste caso Teixeira dos Santos, que tem falhado todas as previsões?
Quero contestar isso. Em 2005, entrámos para o Governo com um défice de 6,83%, não havia nenhuma razão para esse défice. Em 2009, temos um défice de 9,3%, mas há uma boa razão: é que tivemos a maior crise internacional dos últimos 80 anos. O ministro Teixeira dos Santos, comigo, fez uma consolidação orçamental em apenas dois anos. Propusemos à Europa três e fizemos esse trabalho em apenas dois anos.
Mas esse trabalho terminou há dois anos. Em 2009 e 2010 não foi feito. Por que razão é que?...
(interrompendo) ... Desculpe, quero contestar isso, porque este ano iremos atingir o nosso objectivo orçamental, 7,3%!
À custa de uma receita extraordinária vinda do fundo de pensões da PT.
É verdade, mas quantos países é que tiveram também receitas extraordinárias? Muitos países!
Antes de chegar ao Governo, criticava muito Manuela Ferreira Leite por ter recorrido a essas receitas extraordinárias para regularizar o défice.
Nunca fizemos nenhuma utilização de receitas extraordinárias no passado, na consolidação orçamental. Este ano, tivemos de recorrer a uma receita extraordinária pelas razões que já expliquei. Tivemos também uma despesa extraordinária, chamada submarinos. Como compensaríamos os mil milhões de euros de despesa extraordinária sem recorrermos a uma receita extraordinária? É perfeitamente razoável que se entenda!
Mas houve mais despesas que resvalaram. Por exemplo no Serviço Nacional de Saúde...
Este ano tivemos um Orçamento que só foi aprovado em Março, tivemos de fazer face a dificuldades internacionais que são visíveis. Em Maio, todos os governos da Europa decidiram alterar as suas políticas económicas por forma a acelerar a consolidação orçamental. Tomámos medidas em Maio e em Junho que só entraram em vigor em Julho e em Agosto. É por isso, naturalmente, que esperávamos que este ano não fosse um ano em que a consolidação orçamental fosse tão intensa, mas fá-lo-emos no próximo. Porque as medidas que tomámos para o próximo ano garantem-nos que a nossa execução orçamental vai estar à altura das responsabilidades que o País tem e aí temos de ser absolutamente determinados na forma de o fazer, para que o nosso país fique protegido da crise internacional.
Neste cenário de rigor que é necessário, Carlos César, presidente do Governo Regional dos Açores, não está a ser desleal com o Governo e consigo?
Não vejo isso dessa forma. As decisões que o Governo Regional dos Açores toma são em função daquilo que considera melhor para os Açores, não em função daquilo que considera melhor para a governação da República, nem está a pensar em agradar- -me quando toma as suas decisões. Ele tomou uma decisão e eu tomei outra. Concordamos em discordar, digamos assim. É preciso respeitar a autonomia. Quando alguém assume responsabilidades como aquelas que Carlos César assumiu, o que tem de ter no seu espírito é a defesa dos interesses dos açorianos, e tenho a certeza de que no seu íntimo estará apenas essa vontade, servir o melhor possível o povo dos Açores. Se ela é ou não é conforme ao princípio constitucional da igualdade, isso veremos, porque há instâncias para dirimir essas questões.
Soube desta decisão pelos jornais, pela comunicação social?
Soube dessa decisão já depois de estar tomada. Mas não há nenhuma questão pessoal entre nós, se é isso que procura saber. Pelo contrário, há apenas respeito por aquilo que são duas funções políticas muito distintas.
Não acha que era muito mais fácil fazer aquilo que é preciso na sociedade portuguesa no que diz respeito às leis laborais, e não só, com a entrada do FMI em Portugal?
Não, pelo contrário. E desculpe, quando me faz essa pergunta, pergunto-me se alguém pensou nas consequências que teria para o nosso país, em termos de imagem internacional, uma decisão dessas. Seria muito negativo para a imagem internacional do nosso país e recuso em absoluto...
O FMI já veio duas vezes a Portugal.
Sim, eu sei, mas isso não foi positivo para o nosso país. Além do mais, o que lhe estou a dizer é baseado numa análise objectiva da economia portuguesa. Não temos nenhum problema que exija recorrer à ajuda do Fundo Monetário Internacional. O nosso problema é apenas um problema orçamental que temos de corrigir, tal como outros países têm! Quem não percebe que o que estamos a viver é uma questão sistémica, que diz respeito ao euro, não percebeu nada desta crise. Se alguém acha que isto é um problema deste país ou daquele, não está a ver como a crise da dívida soberana está a afectar o euro! Isto é um problema de todos os países europeus e acho que devemos fazer o possível para o combater em conjunto: todas as instituições europeias, a Comissão, que fez o seu papel, o Banco Central Europeu, que fez o seu papel, e cada um dos países por si, que estão a fazer o seu papel. É isso que estamos a fazer! Foi por isso que decidimos em Junho acelerar a consolidação orçamental, não baixar o défice para 8,3% mas baixá-lo já para 7,3%, e baixar também o défice no próximo ano para 4,6%. Aí ficaremos com um dos défices menores da União Europeia, e ficaremos protegidos naquilo que é a nossa principal debilidade neste momento. E somos capazes de o resolver pelos nossos próprios meios, nós sabemos exactamente o que fazer. O que precisamos é de confiança, naturalmente. E tenho a certeza de que todos os partidos perceberão que este é o momento para defender o País, porque o que tenho visto muitas vezes é uma preocupação de muitos partidos mais em atacar o Governo do que defender o País. E por isso tenho grande confiança na Concertação Social e acho que é preciso um esforço nacional para respondermos a esta situação, e tenho desenvolvido contactos com todos os parceiros sociais por forma a que tenhamos uma agenda não de uma nota só, não apenas concentrada na consolidação das contas públicas, mas também no crescimento económico. Uma agenda que tem como pontos focais o aumento das exportações, a redução das importações, que tem como ponto central também a redução dos custos administrativos na nossa sociedade, em particular no que diz respeito à vida empresarial; também a matéria que diz respeito à economia informal, que precisamos de combater, e também as alterações que forem necessárias fazer por forma a que aquilo que foram as orientações da última revisão do Código Laboral entrem mais rapidamente no terreno.
Na agenda do crescimento e do emprego, no âmbito da qual tem mantido reuniões, quer com os sindicatos quer com os representantes das entidades patronais, o acordo está fácil, vai ser breve? Que medidas concretas é que podem sair dessa ronda de negociações?
Tenho esperança de que estas negociações sejam rápidas, o País precisa de se entender...
Antes do final do ano?
Antes do final do ano. O Governo precisa de avançar, mas quer avançar com Concertação Social para definirmos orientações quanto às políticas públicas para o crescimento, para a competitividade e para o emprego. Nas áreas que referi, exportações, diminuição de importações, redução de custos administrativos, combate à economia clandestina, também na área laboral e na área da regeneração urbana. Mas dou um exemplo de medidas que vamos tomar: nós precisamos de actuar na área da regeneração urbana, na área da requalificação urbana, as nossas cidades precisam disso. E uma das medidas importantes que temos de tomar é sem dúvida relançar o mercado do arrendamento urbano. E há muitas medidas que podemos tomar para isso, nós tomámos medidas já recentemente, há uns anos, nesse sentido, mas julgo que é absolutamente essencial que neste momento percebamos que temos de dar mais confiança àqueles que querem colocar os seus bens imóveis no mercado de arrendamento. E a melhor garantia que podemos dar, aos senhorios, de que podem colocar esses bens no mercado de arrendamento, é garantir-lhes que em caso de incumprimento as coisas serão céleres para que o bem lhes seja devolvido. Aí está uma das medidas mais importantes que temos de tomar se queremos relançar o mercado de arrendamento, acho que seria benéfico para as cidades, seria benéfico para os jovens, seria benéfico para o relançamento de um mercado que é absolutamente essencial podermos recuperar.
Vai tentar tudo para que o FMI não entre em Portugal, mas se isso viesse a acontecer, não era consigo como primeiro-ministro?
Não há nenhuma razão para que o FMI entre em Portugal, porque Portugal não necessita disso! O Governo não necessita disso, o Governo português não necessita disso, nós sabemos exactamente o que fazer e não precisamos que alguém nos venha dizer o que devemos fazer.
E há países da UE a pressionar Portugal para pedir ajuda?
Não, nunca nenhum país nos pressionou para pedir ajuda. A ajuda pede-se quando é necessária, não quando não é necessária.
Esperava que a aprovação do Orçamento do Estado tivesse tido outros efeitos nos mercados?
Esperava que os mercados tivessem uma análise mais objectiva da nossa situação. E a verdade é que ao longo das últimas semanas pudemos ver que as nossas taxas de juro desceram. Não tanto quanto eu gostaria, é certo, mas julgo que os mercados lentamente perceberão que Portugal está a fazer aquilo que deve para a sua consolidação orçamental, para oferecer confiança aos mercados internacionais. E não é apenas Portugal, é Portugal, Espanha, Reino Unido, é França, é Bélgica, Itália, todos os países estão em processo de consolidação. Aliás, há uma diferença, se olhar para aquilo que nós estamos a fazer aqui em Portugal e olhar para as outras medidas que estão a ser tomadas noutros países, perceberá que a Concertação Social aqui em Portugal tem funcionado... e julgo que o País entendeu bem que este esforço tem de ser um esforço nacional e que não tem passado pela turbulência que outros países têm passado do ponto de vista social.
O grande desafio nacional neste momento é cumprir o Orçamento. Os primeiros números saem no final de Março, esse vai ser um momento-chave para a legislatura?
Há dois momentos importantes, o primeiro é o resultado deste ano. Nós temos de atingir 7,3% e todas as indicações que tenho da execução orçamental me levam a dizer que nós vamos cumprir esse objectivo orçamental. Esse é o primeiro ponto. O segundo ponto será, naturalmente, a execução orçamental dos primeiros meses, porque aí se verá que a redução da despesa e o aumento da receita contribuirão para lançar mensagens de tranquilidade aos mercados.
Sempre que há dificuldades em Portugal corta-se nos ordenados da função pública. Pode garantir hoje que para o ano não haverá necessidade de mais cortes?
Era o que faltava, não! Mas quero chamar-lhe a atenção para o seguinte: há muita gente que diz que esta foi a primeira vez que reduzimos salários, mas é-o apenas formalmente. Como é que resolvíamos os problemas no passado? Como é que resolvemos no momento que me lembrou, que o FMI esteve aqui...
Fazendo uma coisa que hoje não se pode fazer, desvalorizando a moeda.
Era isso mesmo, desvalorizar a moeda. Ora desvalorizando a moeda o que é que acontecia? Subia a inflação para 20%, 22%, 25%, certamente que se lembra desse tempo.
Portanto, espera que não seja necessário mais cortes nos salários?
Sim. Mas o problema que temos hoje é que já não temos essa autoridade e essa política monetária. Partilhámo-la com todos os países europeus.
Se saíssemos do euro, teríamos essa possibilidade.
É verdade, mas as consequências seriam muito piores para nós, mas muito piores.
Sente que o projecto europeu, neste momento, atravessa um momento difícil?
Atravessa um desafio muito grande, que é a defesa da moeda única. Ela veio dar uma densidade ao projecto europeu que não tinha anteriormente. É por isso que tenho a certeza de que todos os europeístas, todos os líderes europeus, se empenharão na defesa da sua moeda. E a forma que temos de a defender é cumprir os nossos objectivos orçamentais, é isso que estamos a fazer.
Olhando para trás, não se arrepende minimamente do "expansionismo social" daquele ano eleitoral de 2009, das medidas que na altura tomou e que obviamente depois apareceram reflectidas no défice?
Não me arrependo, pelo contrário. Acho que a história económica só vai provar que fizemos aquilo que devíamos ter feito. Todos os países o fizeram. Em 2009, o que é que fizemos? Aumentámos a ajuda às famílias para que pudéssemos ultrapassar os problemas económicos que enfrentávamos, aumentámos as ajudas às empresas, ajudámos muitas empresas a não...
(interrompendo) E, no caminho, ganham umas eleições.
Desculpe, acha que os Estados Unidos fizeram isso para ganhar eleições? Acha que o Japão?...
Mas não tinham eleições. O senhor tinha e coincidiu tudo nesse ano.
Havia ou não havia razões objectivas, do ponto de vista económico, para tomar essas medidas? No início de 2009 não estávamos todos de acordo de que devíamos tomar essas medidas para que o impacto da crise económica não fosse tão forte no nosso país?
Portanto, rejeita liminarmente as leituras eleitoralistas?
Se assim fosse... Nós aumentámos o nosso défice em 2009 de 2,7%, salvo erro, para 9,3%. Mas o mesmo aconteceu na Alemanha, que o aumentou de um vírgula qualquer coisa para 6%, tal como aumentou na França, tal como aumentou no Reino Unido, tal como aumentou nos Estados Unidos. Nós vamos ficar no final deste ano com um défice abaixo do francês.
Só que temos um problema de credibilidade junto dos mercados.
Essa falta de credibilidade também vem do passado, porque há uma grande diferença entre o défice de 2009 e o défice de 2005 - em 2005 éramos o único país em défice excessivo e tínhamos o défice maior de toda a União Europeia...
E o primeiro-ministro desse governo acabou à frente da Comissão Europeia.
... Em 2009 havia uma razão para aumentar o défice, e uma boa razão, como disse aliás Paul Krugman num artigo muito célebre, "os défices salvaram o mundo". O que teria sido da nossa economia se não tivéssemos feito isso? É muito fácil fazer críticas quando os tempos são difíceis! É claro que todos os países enfrentam dificuldades, mas quando se fizer a história económica deste período perceber-se-á que Portugal fez aquilo que devia. Nós crescemos economicamente em 2010, por isso, acho que as nossas políticas foram as políticas adequadas. É claro, dir-me-á, "mas contava com esta segunda fase da crise, a crise da dívida soberana em toda a Europa"?, claro que não contava. Como não contava nenhum político europeu! Nós, no início deste ano, em 2010, no último Conselho Europeu, decidimos que a Europa tinha de continuar a dar estímulos à sua economia para a recuperação económica. A verdade é que a crise grega veio alterar tudo e a desconfiança dos mercados relativamente à capacidade dos Estados europeus em pagarem as suas dívidas obrigou toda a Europa, e não apenas Portugal, a mudar de política. A mudar de política e a concentrar-se numa redução mais rápida e progressiva do seu défice.
In DN
"Mercados perceberão que Portugal está a fazer o que deve"
por JOÃO MARCELINO
Hoje
"Não temos nenhum problema que exija recorrer ao Fundo Monetário Internacional. O nosso problema é apenas um problema orçamental que temos de corrigir, tal como outros países têm! Quem não percebe que o que estamos a viver é uma questão sistémica, que diz respeito ao euro, não percebeu nada desta crise. Se alguém acha que isto é um problema deste país ou daquele, não está a ver como a crise da dívida soberana está a afectar o euro! Isto é um problema de todos os países europeus, e acho que devemos fazer o possível para o combater em conjunto".
A entrevista tem duas partes, uma sobre a actividade do Governo (hoje) e outra sobre política nacional (amanhã). Nesta, a primeira, José Sócrates insiste sobretudo na convicção de que o País tem condições para, sem ajudas externas, sair da crise. Nem em cenários, o governante, o político, profissional bem preparado, aceita o "se". O FMI, para ele, não é uma possibilidade. Ponto. E quanto ao que fica para trás é claro que valoriza o investimento na educação, ciência e tecnologia. As grandes obras são para avançar, mas, reclama, mesmo aí, no investimento infra-estrutural, a grande aposta tem sido, e vai continuar a ser, a requalificação do parque escolar. Essa é a marca que quer deixar associada ao exercício do poder - e de que, notoriamente, se orgulha.
O principal problema do País neste momento é conseguir, em 2011, concretizar o que está inscrito no Orçamento do Estado. Até que ponto é que os portugueses podem confiar num ministro, neste caso Teixeira dos Santos, que tem falhado todas as previsões?
Quero contestar isso. Em 2005, entrámos para o Governo com um défice de 6,83%, não havia nenhuma razão para esse défice. Em 2009, temos um défice de 9,3%, mas há uma boa razão: é que tivemos a maior crise internacional dos últimos 80 anos. O ministro Teixeira dos Santos, comigo, fez uma consolidação orçamental em apenas dois anos. Propusemos à Europa três e fizemos esse trabalho em apenas dois anos.
Mas esse trabalho terminou há dois anos. Em 2009 e 2010 não foi feito. Por que razão é que?...
(interrompendo) ... Desculpe, quero contestar isso, porque este ano iremos atingir o nosso objectivo orçamental, 7,3%!
À custa de uma receita extraordinária vinda do fundo de pensões da PT.
É verdade, mas quantos países é que tiveram também receitas extraordinárias? Muitos países!
Antes de chegar ao Governo, criticava muito Manuela Ferreira Leite por ter recorrido a essas receitas extraordinárias para regularizar o défice.
Nunca fizemos nenhuma utilização de receitas extraordinárias no passado, na consolidação orçamental. Este ano, tivemos de recorrer a uma receita extraordinária pelas razões que já expliquei. Tivemos também uma despesa extraordinária, chamada submarinos. Como compensaríamos os mil milhões de euros de despesa extraordinária sem recorrermos a uma receita extraordinária? É perfeitamente razoável que se entenda!
Mas houve mais despesas que resvalaram. Por exemplo no Serviço Nacional de Saúde...
Este ano tivemos um Orçamento que só foi aprovado em Março, tivemos de fazer face a dificuldades internacionais que são visíveis. Em Maio, todos os governos da Europa decidiram alterar as suas políticas económicas por forma a acelerar a consolidação orçamental. Tomámos medidas em Maio e em Junho que só entraram em vigor em Julho e em Agosto. É por isso, naturalmente, que esperávamos que este ano não fosse um ano em que a consolidação orçamental fosse tão intensa, mas fá-lo-emos no próximo. Porque as medidas que tomámos para o próximo ano garantem-nos que a nossa execução orçamental vai estar à altura das responsabilidades que o País tem e aí temos de ser absolutamente determinados na forma de o fazer, para que o nosso país fique protegido da crise internacional.
Neste cenário de rigor que é necessário, Carlos César, presidente do Governo Regional dos Açores, não está a ser desleal com o Governo e consigo?
Não vejo isso dessa forma. As decisões que o Governo Regional dos Açores toma são em função daquilo que considera melhor para os Açores, não em função daquilo que considera melhor para a governação da República, nem está a pensar em agradar- -me quando toma as suas decisões. Ele tomou uma decisão e eu tomei outra. Concordamos em discordar, digamos assim. É preciso respeitar a autonomia. Quando alguém assume responsabilidades como aquelas que Carlos César assumiu, o que tem de ter no seu espírito é a defesa dos interesses dos açorianos, e tenho a certeza de que no seu íntimo estará apenas essa vontade, servir o melhor possível o povo dos Açores. Se ela é ou não é conforme ao princípio constitucional da igualdade, isso veremos, porque há instâncias para dirimir essas questões.
Soube desta decisão pelos jornais, pela comunicação social?
Soube dessa decisão já depois de estar tomada. Mas não há nenhuma questão pessoal entre nós, se é isso que procura saber. Pelo contrário, há apenas respeito por aquilo que são duas funções políticas muito distintas.
Não acha que era muito mais fácil fazer aquilo que é preciso na sociedade portuguesa no que diz respeito às leis laborais, e não só, com a entrada do FMI em Portugal?
Não, pelo contrário. E desculpe, quando me faz essa pergunta, pergunto-me se alguém pensou nas consequências que teria para o nosso país, em termos de imagem internacional, uma decisão dessas. Seria muito negativo para a imagem internacional do nosso país e recuso em absoluto...
O FMI já veio duas vezes a Portugal.
Sim, eu sei, mas isso não foi positivo para o nosso país. Além do mais, o que lhe estou a dizer é baseado numa análise objectiva da economia portuguesa. Não temos nenhum problema que exija recorrer à ajuda do Fundo Monetário Internacional. O nosso problema é apenas um problema orçamental que temos de corrigir, tal como outros países têm! Quem não percebe que o que estamos a viver é uma questão sistémica, que diz respeito ao euro, não percebeu nada desta crise. Se alguém acha que isto é um problema deste país ou daquele, não está a ver como a crise da dívida soberana está a afectar o euro! Isto é um problema de todos os países europeus e acho que devemos fazer o possível para o combater em conjunto: todas as instituições europeias, a Comissão, que fez o seu papel, o Banco Central Europeu, que fez o seu papel, e cada um dos países por si, que estão a fazer o seu papel. É isso que estamos a fazer! Foi por isso que decidimos em Junho acelerar a consolidação orçamental, não baixar o défice para 8,3% mas baixá-lo já para 7,3%, e baixar também o défice no próximo ano para 4,6%. Aí ficaremos com um dos défices menores da União Europeia, e ficaremos protegidos naquilo que é a nossa principal debilidade neste momento. E somos capazes de o resolver pelos nossos próprios meios, nós sabemos exactamente o que fazer. O que precisamos é de confiança, naturalmente. E tenho a certeza de que todos os partidos perceberão que este é o momento para defender o País, porque o que tenho visto muitas vezes é uma preocupação de muitos partidos mais em atacar o Governo do que defender o País. E por isso tenho grande confiança na Concertação Social e acho que é preciso um esforço nacional para respondermos a esta situação, e tenho desenvolvido contactos com todos os parceiros sociais por forma a que tenhamos uma agenda não de uma nota só, não apenas concentrada na consolidação das contas públicas, mas também no crescimento económico. Uma agenda que tem como pontos focais o aumento das exportações, a redução das importações, que tem como ponto central também a redução dos custos administrativos na nossa sociedade, em particular no que diz respeito à vida empresarial; também a matéria que diz respeito à economia informal, que precisamos de combater, e também as alterações que forem necessárias fazer por forma a que aquilo que foram as orientações da última revisão do Código Laboral entrem mais rapidamente no terreno.
Na agenda do crescimento e do emprego, no âmbito da qual tem mantido reuniões, quer com os sindicatos quer com os representantes das entidades patronais, o acordo está fácil, vai ser breve? Que medidas concretas é que podem sair dessa ronda de negociações?
Tenho esperança de que estas negociações sejam rápidas, o País precisa de se entender...
Antes do final do ano?
Antes do final do ano. O Governo precisa de avançar, mas quer avançar com Concertação Social para definirmos orientações quanto às políticas públicas para o crescimento, para a competitividade e para o emprego. Nas áreas que referi, exportações, diminuição de importações, redução de custos administrativos, combate à economia clandestina, também na área laboral e na área da regeneração urbana. Mas dou um exemplo de medidas que vamos tomar: nós precisamos de actuar na área da regeneração urbana, na área da requalificação urbana, as nossas cidades precisam disso. E uma das medidas importantes que temos de tomar é sem dúvida relançar o mercado do arrendamento urbano. E há muitas medidas que podemos tomar para isso, nós tomámos medidas já recentemente, há uns anos, nesse sentido, mas julgo que é absolutamente essencial que neste momento percebamos que temos de dar mais confiança àqueles que querem colocar os seus bens imóveis no mercado de arrendamento. E a melhor garantia que podemos dar, aos senhorios, de que podem colocar esses bens no mercado de arrendamento, é garantir-lhes que em caso de incumprimento as coisas serão céleres para que o bem lhes seja devolvido. Aí está uma das medidas mais importantes que temos de tomar se queremos relançar o mercado de arrendamento, acho que seria benéfico para as cidades, seria benéfico para os jovens, seria benéfico para o relançamento de um mercado que é absolutamente essencial podermos recuperar.
Vai tentar tudo para que o FMI não entre em Portugal, mas se isso viesse a acontecer, não era consigo como primeiro-ministro?
Não há nenhuma razão para que o FMI entre em Portugal, porque Portugal não necessita disso! O Governo não necessita disso, o Governo português não necessita disso, nós sabemos exactamente o que fazer e não precisamos que alguém nos venha dizer o que devemos fazer.
E há países da UE a pressionar Portugal para pedir ajuda?
Não, nunca nenhum país nos pressionou para pedir ajuda. A ajuda pede-se quando é necessária, não quando não é necessária.
Esperava que a aprovação do Orçamento do Estado tivesse tido outros efeitos nos mercados?
Esperava que os mercados tivessem uma análise mais objectiva da nossa situação. E a verdade é que ao longo das últimas semanas pudemos ver que as nossas taxas de juro desceram. Não tanto quanto eu gostaria, é certo, mas julgo que os mercados lentamente perceberão que Portugal está a fazer aquilo que deve para a sua consolidação orçamental, para oferecer confiança aos mercados internacionais. E não é apenas Portugal, é Portugal, Espanha, Reino Unido, é França, é Bélgica, Itália, todos os países estão em processo de consolidação. Aliás, há uma diferença, se olhar para aquilo que nós estamos a fazer aqui em Portugal e olhar para as outras medidas que estão a ser tomadas noutros países, perceberá que a Concertação Social aqui em Portugal tem funcionado... e julgo que o País entendeu bem que este esforço tem de ser um esforço nacional e que não tem passado pela turbulência que outros países têm passado do ponto de vista social.
O grande desafio nacional neste momento é cumprir o Orçamento. Os primeiros números saem no final de Março, esse vai ser um momento-chave para a legislatura?
Há dois momentos importantes, o primeiro é o resultado deste ano. Nós temos de atingir 7,3% e todas as indicações que tenho da execução orçamental me levam a dizer que nós vamos cumprir esse objectivo orçamental. Esse é o primeiro ponto. O segundo ponto será, naturalmente, a execução orçamental dos primeiros meses, porque aí se verá que a redução da despesa e o aumento da receita contribuirão para lançar mensagens de tranquilidade aos mercados.
Sempre que há dificuldades em Portugal corta-se nos ordenados da função pública. Pode garantir hoje que para o ano não haverá necessidade de mais cortes?
Era o que faltava, não! Mas quero chamar-lhe a atenção para o seguinte: há muita gente que diz que esta foi a primeira vez que reduzimos salários, mas é-o apenas formalmente. Como é que resolvíamos os problemas no passado? Como é que resolvemos no momento que me lembrou, que o FMI esteve aqui...
Fazendo uma coisa que hoje não se pode fazer, desvalorizando a moeda.
Era isso mesmo, desvalorizar a moeda. Ora desvalorizando a moeda o que é que acontecia? Subia a inflação para 20%, 22%, 25%, certamente que se lembra desse tempo.
Portanto, espera que não seja necessário mais cortes nos salários?
Sim. Mas o problema que temos hoje é que já não temos essa autoridade e essa política monetária. Partilhámo-la com todos os países europeus.
Se saíssemos do euro, teríamos essa possibilidade.
É verdade, mas as consequências seriam muito piores para nós, mas muito piores.
Sente que o projecto europeu, neste momento, atravessa um momento difícil?
Atravessa um desafio muito grande, que é a defesa da moeda única. Ela veio dar uma densidade ao projecto europeu que não tinha anteriormente. É por isso que tenho a certeza de que todos os europeístas, todos os líderes europeus, se empenharão na defesa da sua moeda. E a forma que temos de a defender é cumprir os nossos objectivos orçamentais, é isso que estamos a fazer.
Olhando para trás, não se arrepende minimamente do "expansionismo social" daquele ano eleitoral de 2009, das medidas que na altura tomou e que obviamente depois apareceram reflectidas no défice?
Não me arrependo, pelo contrário. Acho que a história económica só vai provar que fizemos aquilo que devíamos ter feito. Todos os países o fizeram. Em 2009, o que é que fizemos? Aumentámos a ajuda às famílias para que pudéssemos ultrapassar os problemas económicos que enfrentávamos, aumentámos as ajudas às empresas, ajudámos muitas empresas a não...
(interrompendo) E, no caminho, ganham umas eleições.
Desculpe, acha que os Estados Unidos fizeram isso para ganhar eleições? Acha que o Japão?...
Mas não tinham eleições. O senhor tinha e coincidiu tudo nesse ano.
Havia ou não havia razões objectivas, do ponto de vista económico, para tomar essas medidas? No início de 2009 não estávamos todos de acordo de que devíamos tomar essas medidas para que o impacto da crise económica não fosse tão forte no nosso país?
Portanto, rejeita liminarmente as leituras eleitoralistas?
Se assim fosse... Nós aumentámos o nosso défice em 2009 de 2,7%, salvo erro, para 9,3%. Mas o mesmo aconteceu na Alemanha, que o aumentou de um vírgula qualquer coisa para 6%, tal como aumentou na França, tal como aumentou no Reino Unido, tal como aumentou nos Estados Unidos. Nós vamos ficar no final deste ano com um défice abaixo do francês.
Só que temos um problema de credibilidade junto dos mercados.
Essa falta de credibilidade também vem do passado, porque há uma grande diferença entre o défice de 2009 e o défice de 2005 - em 2005 éramos o único país em défice excessivo e tínhamos o défice maior de toda a União Europeia...
E o primeiro-ministro desse governo acabou à frente da Comissão Europeia.
... Em 2009 havia uma razão para aumentar o défice, e uma boa razão, como disse aliás Paul Krugman num artigo muito célebre, "os défices salvaram o mundo". O que teria sido da nossa economia se não tivéssemos feito isso? É muito fácil fazer críticas quando os tempos são difíceis! É claro que todos os países enfrentam dificuldades, mas quando se fizer a história económica deste período perceber-se-á que Portugal fez aquilo que devia. Nós crescemos economicamente em 2010, por isso, acho que as nossas políticas foram as políticas adequadas. É claro, dir-me-á, "mas contava com esta segunda fase da crise, a crise da dívida soberana em toda a Europa"?, claro que não contava. Como não contava nenhum político europeu! Nós, no início deste ano, em 2010, no último Conselho Europeu, decidimos que a Europa tinha de continuar a dar estímulos à sua economia para a recuperação económica. A verdade é que a crise grega veio alterar tudo e a desconfiança dos mercados relativamente à capacidade dos Estados europeus em pagarem as suas dívidas obrigou toda a Europa, e não apenas Portugal, a mudar de política. A mudar de política e a concentrar-se numa redução mais rápida e progressiva do seu défice.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Tenho muita confiança em que o Manuel Alegre ganhará as eleições"
.
"Tenho muita confiança em que o Manuel Alegre ganhará as eleições"
por JOÃO MARCELINO
Hoje
Na primeira parte da entrevista, publicada ontem, foram abordados os temas ligados à governação. Nesta segunda parte, José Sócrates aceitou pronunciar-se sobre temas da actualidade política, das eleições presidenciais - em que fica registado o seu apoio vigoroso à candidatura de Manuel Alegre - à actividade partidária - na qual fala para dentro do PS sempre com uma perspectiva de unir as hostes e desvalorizar as divergências.
As principais críticas, mesmo que sem sujeito expresso referido, ficam para Francisco Louçã e o Bloco de Esquerda, e para Paulo Portas. Com o PSD e Pedro Passos Coelho, José Sócrates utiliza quase os mesmos cuidados que com Cavaco Silva. Ou seja, o secretário-geral do PS nunca se esquece da sua condição de primeiro-ministro e da necessidade de ter condições para governar.
Enquanto primeiro-ministro, defende a flexibilização das leis do trabalho, o combate ao desperdício no Serviço Nacional de Saúde (SNS), a reestruturação, porventura, de alguns apoios sociais. Como é que isso é compatível com o apoio a um candidato, Manuel Alegre, que nalguns destes temas defende precisamente o contrário?
Não acho que defendamos o contrário!
Não quer que lhe dê a posição dele na aprovação do Código do Trabalho em vigor...?
Sim, mas o que me une ao Manuel Alegre nesse ponto de vista é a defesa do Estado social.
Mas um Estado social um pouco diferente daquilo que ele pretende. Manuel Alegre já disse que se for eleito presidente da República podem contar com ele para que não haja mexidas no Código do Trabalho...
No meu ponto de vista, defende-se o Estado social fazendo reformas. Defende-se o Estado social com mais eficiência, e nós temos hoje sistemas públicos de saúde e educação dos mais eficientes.
E acha que ele tem uma visão compatível com a sua?
No essencial. Na defesa do Estado social e na procura de que esse Estado corresponda àquilo que se espera dele, isto é, que apoie quem precisa e que promova a igualdade. Nesse aspecto há uma total sintonia de pontos de vista. Nem sempre estaremos de acordo quanto a medidas da governação, é certo, como não estivemos no passado. Eu sou um reformista. Acho que o Estado social se defende reformando. Mas o que me liga ao Manuel Alegre é a comunhão de pontos de vista relativamente ao papel que o Estado social e os sistemas públicos que o garantem têm na nossa sociedade como um instrumento de combate às desigualdades. Apoio Manuel Alegre porque ele tem uma visão progressista para o nosso país. E apoio com convicção! Não me esconderei. Muito em breve irei à sua sede de candidatura assinar a declaração de apoio para que isso seja absolutamente claro. E participarei nessa campanha com agrado.
E acha que essa sua posição pessoal é acompanhada pelo partido? O que se tem visto é que o PS não está ao lado de Manuel Alegre no terreno.
Não. Ao contrário, tenho visto o PS muito mobilizado na defesa da candidatura do Manuel Alegre. E será cada vez mais, porque essa ideia de que as contas estão feitas e de que as candidaturas estão decididas é um erro em democracia. Estarão quando os votos forem contados. Tenho muita confiança que o Manuel Alegre disputará uma segunda volta e que ganhará as eleições presidenciais. E espero, naturalmente, contribuir para a mobilização do eleitorado à volta das qualidades políticas e pessoais que o Manuel Alegre tem para desempenhar o cargo de presidente da República.
Onde vê essa convicção do PS que ninguém mais vê exteriormente?
Porventura, conheço o PS um pouco melhor que os senhores jornalistas... Mas veja que todos os principais responsáveis do PS apoiam o Manuel Alegre. Os principais dirigentes, quer ao nível federativo quer ao nível das secções, apoiam-no convictamente, e essa é a decisão tomada por larga maioria da Comissão Nacional do PS. Haverá sempre, como há em todos os partidos, quem não concorde, mas isso são expressões de vontade muito minoritárias. O PS estará ao lado de Manuel Alegre nesta campanha.
Mas há vozes importantes do passado do partido, como Mário Soares, que não estão ao seu lado e que criticaram essa escolha. Que relevância é que têm essas posições individuais?
Em primeiro lugar, eu não vejo que o dr. Mário Soares tenha apoiado outro candidato.
Mas não apoia este...
Sim, também não vi que ele expressasse essa vontade de apoiar o Manuel Alegre. Mas eu não atribuo importância a isso. Naturalmente, gostaria que o dr. Mário Soares estivesse mais envolvido nesta candidatura, mas nunca deixei de tomar partido e de fazer escolhas. Não me escondo atrás de nada só porque as escolhas são complexas ou porque são difíceis.
Vai envolver-se nesse combate político para ajudar Manuel Alegre a ganhar, não vai esconder-se. Isso significa, por exemplo, que pode estar no mesmo palco com Francisco Louçã?
Isso tem mais um interesse jornalístico do que propriamente um interesse político.
Admito que sim. Mas pode chegar aí a sua vontade em ganhar?
O PS não pretende instrumentalizar a campanha do Manuel Alegre a favor nem do PS nem do Governo. E espero que nenhum partido que apoie o Manuel Alegre tenha essa pretensão, de instrumentalizar a candidatura, que é uma candidatura acima dos partidos, para servir o interesse partidário, ou uma linha política que essas lideranças sirvam. O Manuel Alegre merece o apoio enquanto candidato presidencial, acima dos partidos.
Incomoda-o que o seu candidato também tenha o apoio explícito do Bloco de Esquerda (BE)?
Não, não me incomoda nada. Não tenho a certeza é se a mesma coisa será respondida pelo BE... Tomara eu que mais pessoas, de diferentes sensibilidades políticas, apoiassem o Manuel Alegre! Fico sempre satisfeito quando alguém partilha dos meus pontos de vista, e não o contrário. Não tenho uma visão sectária da política e lamento muito que o BE tenha desenvolvido uma linha política muito sectária relativamente ao Governo e ao PS e a incapacidade de falar com o PS e com o Governo. Há momentos na vida dos partidos também para assumirem as suas responsabilidades, para aceitarem o diálogo e o compromisso, porque é isso que faz parte do património de um partido que está integrado numa democracia. Lamento muito que o Bloco de Esquerda tenha sempre enveredado em todo o seu comportamento por uma disputa política contra o Governo e contra o PS que faz parte daquilo que considera ser o seu interesse eleitoral. Isso não acrescenta nada, nem à esquerda nem à democracia nem ao País.
Manuel Alegre tem acusado o actual Presidente da República de ser co-responsável da situação que o País atravessa e acha que ele não usou, quando devia, na altura certa, os poderes presidenciais. Concorda com esta visão?
Manuel Alegre tem qualidades pessoais e políticas para ser um excelente presidente da República e é nesse patamar que coloco o meu apoio. Bater-me-ei pela sua eleição porque acho que ele tem essa visão progressista que muita falta faz ao País. Não quero entrar nessas disputas porque não preciso de apoiar o Manuel Alegre apenas porque ele é contra outro presidente. Apoio o Manuel Alegre porque acho que ele tem as qualidades certas para servir bem o seu país.
Diz que não vai esconder-se. Vai estar no terreno, vai a comícios, vai estar por todo o País?
Com certeza, participarei na campanha assim que ela começar e, de acordo com aquilo que forem as necessidades da campanha e as solicitações que me fizerem, estarei disponível para isso.
E, com um envolvimento tão próximo, não teme que uma eventual derrota de Manuel Alegre seja também vista como uma derrota pessoal sua?
Pobres dos políticos que determinam as suas actuações com base no cálculo político. Esses são os mais ingénuos. Há duas classes de políticos: aqueles que agem com base no cálculo e aqueles que agem com base na sua convicção. Ambos se enganam e ambos têm derrotas, mas há uma vantagem para os segundos: é que esses estarão sempre de acordo com a sua consciência. Eu não me movo com base em cálculos. Já perdi muitas vezes, já ganhei outras vezes, mas nunca me motivou o cálculo político, e saber se essa acção é mais vantajosa ou menos vantajosa para a minha carreira política ou para o partido que lidero. O que me motiva é servir bem o meu país e defender os meus pontos de vista. É isso que a democracia exige de mim.
Há dois anos, dizia em entrevista ao Diário de Notícias que a sua relação com Cavaco Silva estava excelente, apesar dos naturais desencontros em relação ao Estatuto dos Açores, à Lei do Divórcio. Isso tudo tinha que ver com o facto de serem pessoas que defendiam duas concepções de sociedade diferentes. Hoje, após o chamado "caso das escutas", é capaz de manter o que então dizia?
Tinha prometido, a propósito desse caso, não falar mais no assunto. E vou manter-me fiel a essa decisão. Não quero falar nisso. Foi um episódio lamentável que aconteceu na democracia portuguesa e não quero pronunciar-me mais sobre isso. O que foi dito está dito pela voz do ministro Pedro Silva Pereira, ou melhor, pelo dirigente Pedro Silva Pereira em nome do PS. Agora, se me permite, eu apoio o Manuel Alegre e bater-me-ei pelo Manuel Alegre, não preciso que esse apoio seja transformado numa campanha contra ninguém. É uma campanha a favor do Manuel Alegre, tenho a certeza de que ele será o melhor presidente da República para o País.
Que balanço faz do mandato do actual Presidente da República e, muito especificamente, sentiu-o alguma vez como força de bloqueio à governação?
Percebo para o que me quer arrastar, mas, perdoe-me, eu tenho responsabilidades institucionais e sei muito bem o que devo e o que não devo dizer. E, neste momento em que vai iniciar-se uma campanha eleitoral, o que tenho para dizer é o seguinte: apoio o Manuel Alegre, estarei ao lado dele, porque estou convencido de que as suas qualidades políticas e pessoais o transformam no candidato que deve ser eleito para servir o seu país.
In DN
"Tenho muita confiança em que o Manuel Alegre ganhará as eleições"
por JOÃO MARCELINO
Hoje
Na primeira parte da entrevista, publicada ontem, foram abordados os temas ligados à governação. Nesta segunda parte, José Sócrates aceitou pronunciar-se sobre temas da actualidade política, das eleições presidenciais - em que fica registado o seu apoio vigoroso à candidatura de Manuel Alegre - à actividade partidária - na qual fala para dentro do PS sempre com uma perspectiva de unir as hostes e desvalorizar as divergências.
As principais críticas, mesmo que sem sujeito expresso referido, ficam para Francisco Louçã e o Bloco de Esquerda, e para Paulo Portas. Com o PSD e Pedro Passos Coelho, José Sócrates utiliza quase os mesmos cuidados que com Cavaco Silva. Ou seja, o secretário-geral do PS nunca se esquece da sua condição de primeiro-ministro e da necessidade de ter condições para governar.
Enquanto primeiro-ministro, defende a flexibilização das leis do trabalho, o combate ao desperdício no Serviço Nacional de Saúde (SNS), a reestruturação, porventura, de alguns apoios sociais. Como é que isso é compatível com o apoio a um candidato, Manuel Alegre, que nalguns destes temas defende precisamente o contrário?
Não acho que defendamos o contrário!
Não quer que lhe dê a posição dele na aprovação do Código do Trabalho em vigor...?
Sim, mas o que me une ao Manuel Alegre nesse ponto de vista é a defesa do Estado social.
Mas um Estado social um pouco diferente daquilo que ele pretende. Manuel Alegre já disse que se for eleito presidente da República podem contar com ele para que não haja mexidas no Código do Trabalho...
No meu ponto de vista, defende-se o Estado social fazendo reformas. Defende-se o Estado social com mais eficiência, e nós temos hoje sistemas públicos de saúde e educação dos mais eficientes.
E acha que ele tem uma visão compatível com a sua?
No essencial. Na defesa do Estado social e na procura de que esse Estado corresponda àquilo que se espera dele, isto é, que apoie quem precisa e que promova a igualdade. Nesse aspecto há uma total sintonia de pontos de vista. Nem sempre estaremos de acordo quanto a medidas da governação, é certo, como não estivemos no passado. Eu sou um reformista. Acho que o Estado social se defende reformando. Mas o que me liga ao Manuel Alegre é a comunhão de pontos de vista relativamente ao papel que o Estado social e os sistemas públicos que o garantem têm na nossa sociedade como um instrumento de combate às desigualdades. Apoio Manuel Alegre porque ele tem uma visão progressista para o nosso país. E apoio com convicção! Não me esconderei. Muito em breve irei à sua sede de candidatura assinar a declaração de apoio para que isso seja absolutamente claro. E participarei nessa campanha com agrado.
E acha que essa sua posição pessoal é acompanhada pelo partido? O que se tem visto é que o PS não está ao lado de Manuel Alegre no terreno.
Não. Ao contrário, tenho visto o PS muito mobilizado na defesa da candidatura do Manuel Alegre. E será cada vez mais, porque essa ideia de que as contas estão feitas e de que as candidaturas estão decididas é um erro em democracia. Estarão quando os votos forem contados. Tenho muita confiança que o Manuel Alegre disputará uma segunda volta e que ganhará as eleições presidenciais. E espero, naturalmente, contribuir para a mobilização do eleitorado à volta das qualidades políticas e pessoais que o Manuel Alegre tem para desempenhar o cargo de presidente da República.
Onde vê essa convicção do PS que ninguém mais vê exteriormente?
Porventura, conheço o PS um pouco melhor que os senhores jornalistas... Mas veja que todos os principais responsáveis do PS apoiam o Manuel Alegre. Os principais dirigentes, quer ao nível federativo quer ao nível das secções, apoiam-no convictamente, e essa é a decisão tomada por larga maioria da Comissão Nacional do PS. Haverá sempre, como há em todos os partidos, quem não concorde, mas isso são expressões de vontade muito minoritárias. O PS estará ao lado de Manuel Alegre nesta campanha.
Mas há vozes importantes do passado do partido, como Mário Soares, que não estão ao seu lado e que criticaram essa escolha. Que relevância é que têm essas posições individuais?
Em primeiro lugar, eu não vejo que o dr. Mário Soares tenha apoiado outro candidato.
Mas não apoia este...
Sim, também não vi que ele expressasse essa vontade de apoiar o Manuel Alegre. Mas eu não atribuo importância a isso. Naturalmente, gostaria que o dr. Mário Soares estivesse mais envolvido nesta candidatura, mas nunca deixei de tomar partido e de fazer escolhas. Não me escondo atrás de nada só porque as escolhas são complexas ou porque são difíceis.
Vai envolver-se nesse combate político para ajudar Manuel Alegre a ganhar, não vai esconder-se. Isso significa, por exemplo, que pode estar no mesmo palco com Francisco Louçã?
Isso tem mais um interesse jornalístico do que propriamente um interesse político.
Admito que sim. Mas pode chegar aí a sua vontade em ganhar?
O PS não pretende instrumentalizar a campanha do Manuel Alegre a favor nem do PS nem do Governo. E espero que nenhum partido que apoie o Manuel Alegre tenha essa pretensão, de instrumentalizar a candidatura, que é uma candidatura acima dos partidos, para servir o interesse partidário, ou uma linha política que essas lideranças sirvam. O Manuel Alegre merece o apoio enquanto candidato presidencial, acima dos partidos.
Incomoda-o que o seu candidato também tenha o apoio explícito do Bloco de Esquerda (BE)?
Não, não me incomoda nada. Não tenho a certeza é se a mesma coisa será respondida pelo BE... Tomara eu que mais pessoas, de diferentes sensibilidades políticas, apoiassem o Manuel Alegre! Fico sempre satisfeito quando alguém partilha dos meus pontos de vista, e não o contrário. Não tenho uma visão sectária da política e lamento muito que o BE tenha desenvolvido uma linha política muito sectária relativamente ao Governo e ao PS e a incapacidade de falar com o PS e com o Governo. Há momentos na vida dos partidos também para assumirem as suas responsabilidades, para aceitarem o diálogo e o compromisso, porque é isso que faz parte do património de um partido que está integrado numa democracia. Lamento muito que o Bloco de Esquerda tenha sempre enveredado em todo o seu comportamento por uma disputa política contra o Governo e contra o PS que faz parte daquilo que considera ser o seu interesse eleitoral. Isso não acrescenta nada, nem à esquerda nem à democracia nem ao País.
Manuel Alegre tem acusado o actual Presidente da República de ser co-responsável da situação que o País atravessa e acha que ele não usou, quando devia, na altura certa, os poderes presidenciais. Concorda com esta visão?
Manuel Alegre tem qualidades pessoais e políticas para ser um excelente presidente da República e é nesse patamar que coloco o meu apoio. Bater-me-ei pela sua eleição porque acho que ele tem essa visão progressista que muita falta faz ao País. Não quero entrar nessas disputas porque não preciso de apoiar o Manuel Alegre apenas porque ele é contra outro presidente. Apoio o Manuel Alegre porque acho que ele tem as qualidades certas para servir bem o seu país.
Diz que não vai esconder-se. Vai estar no terreno, vai a comícios, vai estar por todo o País?
Com certeza, participarei na campanha assim que ela começar e, de acordo com aquilo que forem as necessidades da campanha e as solicitações que me fizerem, estarei disponível para isso.
E, com um envolvimento tão próximo, não teme que uma eventual derrota de Manuel Alegre seja também vista como uma derrota pessoal sua?
Pobres dos políticos que determinam as suas actuações com base no cálculo político. Esses são os mais ingénuos. Há duas classes de políticos: aqueles que agem com base no cálculo e aqueles que agem com base na sua convicção. Ambos se enganam e ambos têm derrotas, mas há uma vantagem para os segundos: é que esses estarão sempre de acordo com a sua consciência. Eu não me movo com base em cálculos. Já perdi muitas vezes, já ganhei outras vezes, mas nunca me motivou o cálculo político, e saber se essa acção é mais vantajosa ou menos vantajosa para a minha carreira política ou para o partido que lidero. O que me motiva é servir bem o meu país e defender os meus pontos de vista. É isso que a democracia exige de mim.
Há dois anos, dizia em entrevista ao Diário de Notícias que a sua relação com Cavaco Silva estava excelente, apesar dos naturais desencontros em relação ao Estatuto dos Açores, à Lei do Divórcio. Isso tudo tinha que ver com o facto de serem pessoas que defendiam duas concepções de sociedade diferentes. Hoje, após o chamado "caso das escutas", é capaz de manter o que então dizia?
Tinha prometido, a propósito desse caso, não falar mais no assunto. E vou manter-me fiel a essa decisão. Não quero falar nisso. Foi um episódio lamentável que aconteceu na democracia portuguesa e não quero pronunciar-me mais sobre isso. O que foi dito está dito pela voz do ministro Pedro Silva Pereira, ou melhor, pelo dirigente Pedro Silva Pereira em nome do PS. Agora, se me permite, eu apoio o Manuel Alegre e bater-me-ei pelo Manuel Alegre, não preciso que esse apoio seja transformado numa campanha contra ninguém. É uma campanha a favor do Manuel Alegre, tenho a certeza de que ele será o melhor presidente da República para o País.
Que balanço faz do mandato do actual Presidente da República e, muito especificamente, sentiu-o alguma vez como força de bloqueio à governação?
Percebo para o que me quer arrastar, mas, perdoe-me, eu tenho responsabilidades institucionais e sei muito bem o que devo e o que não devo dizer. E, neste momento em que vai iniciar-se uma campanha eleitoral, o que tenho para dizer é o seguinte: apoio o Manuel Alegre, estarei ao lado dele, porque estou convencido de que as suas qualidades políticas e pessoais o transformam no candidato que deve ser eleito para servir o seu país.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Acho que o PSD não tem pressa em ser poder"
.
"Acho que o PSD não tem pressa em ser poder"
por JOÃO CÉU E SILVA
Hoje
É impossível não nos surpreendermos com a clareza e os dados que o patriarca põe na mesa quando faz a análise política do País. Doseia algum humor perante a crise, como se só desse modo pudesse perdoar os descaminhos da finança, da economia e do endividamento externo. Apelida de "simpáticas" as conversas com Sócrates, mas não aprecia as medidas do Governo contra a Igreja.
A Igreja portuguesa está quase como o Governo. Até os ministros de Deus disparam críticas e opiniões políticas contrárias. Porquê
A Igreja é uma entidade muito plural e repartida na sua responsabilidade, mais do que a sociedade. Basta lembrar que as dioceses são autónomas e as paróquias são pessoas jurídicas independentes. Se isto é uma vantagem, porque não repousa sobre uma mesma pessoa jurídica, também poderá dar a quem vê de fora uma ideia de grande dispersão.
Que é contrária aos princípios da Igreja?
A unidade é a nossa busca principal, mas não pode ser o anular da diferença e da margem de autenticidade que as pessoas individuais e jurídicas têm de se exprimir. A unidade na doutrina é possível nas grandes atitudes frente à sociedade e para isso é que existe a conferência episcopal. No entanto, não tenho visto nada que pusesse em questão essa busca da unidade na pluralidade da diferença. Pode haver sensibilidades neste tomar de posições em relação à política e à sociedade, mas todos estão de acordo que não é missão da Igreja meter-se directamente na questão política a não ser num caso muito extraordinário.
Como o Papa já referiu?
O Papa acaba de admitir que sim, que em situações-limite a Igreja pode tomar posições políticas. Mas não tem sido essa a nossa prática, a não ser em situações muito concretas ou particularmente exigentes em que essas sensibilidades podem ter expressão. Não vi nada que quebre esta unidade fundamental, embora, com toda a franqueza, haja declarações públicas [de religiosos ] que eu não faria.
Acha que a Igreja não deve ter certas posições?
O princípio geral é de que não se deve meter na política, mesmo que tenhamos uma dificuldade em definir que âmbito é esse. Quando falo que a Igreja deve ser isenta e discreta nas questões políticas, refiro-me à política directa e às decisões do Governo. É evidente que, às vezes, nos apetecia falar como cidadãos...
O que tem acontecido com declarações suas!
... Mas como instituição, temos de a preservar. Até porque o nosso campo é outro, mesmo que nos bastidores apanhemos as consequências das políticas concretas. O político é mais vasto do que isto e diz respeito a todo o bem da sociedade. É nesse sentido mais global que, aí sim, temos uma palavra a dizer, na medida em que somos uma voz e temos um auditório numeroso que espera pela nossa palavra e orientação. Quando há uma tomada de posição mais acutilante sobre política concreta, temos um conjunto de vozes a aplaudir-nos e outro a denunciar- -nos. Por isso, é preciso uma grande isenção, que só se consegue tendo sempre muito em conta qual é o objectivo da nossa missão.
Já o Concílio Vaticano II pedia aos católicos para terem mais intervenção na sociedade.
A isenção política não é uma imposição do poder civil, é uma opção nossa para salvaguardar a especificidade da nossa missão. Se nos metemos na política directa, temos de sofrer as consequências dos que estão na política directa e não podemos reivindicar impunidade.
A Igreja não está impune, mas os políticos estão. É isso que quer dizer?
Não deviam estar nem estão. Não podemos é metê-los na cadeia cada vez que fazem erros, até porque para isso há punição em democracia.
Nos casos de pedofilia, muitos dos padres que pecaram tiveram penalização. O mesmo deveria acontecer aos políticos?
Esse é um outro tema para onde os holofotes apontaram todos. São casos tristes para nós - bastava um para termos muita pena -, porque é uma coisa muito feia. Mas, em termos globais estatísticos, os casos são apenas de 0,0 não sei quanto por cento. Talvez este sofrimento por que a Igreja tem passado, e eu compreendo que a sociedade se indigne porque se havia alguma entidade de que não se devia esperar uma coisa dessas era da Igreja, alerte a sociedade como um todo para a erradicarmos com uma política de família e de educação.
O actual Papa foi quem pagou pelos casos que aconteceram no pontificado de João Paulo II. Escapará a essa marca?
Reagiu com muita firmeza e, em certos casos, até nos surpreendeu, chamando as coisas pelos nomes, propondo regras muito rígidas e revendo, como está a acontecer, a própria legislação canónica das penas canónicas em relação a certos casos. O Papa tinha um velho conhecimento dos problemas e dos dossiers que passavam pela sua mão e alertava os episcopados. Esta questão é muito delicada e tão fora da nossa expectativa imediata que demorou algum tempo até os episcopados tomarem consciência dessa realidade.
Porquê?
Primeiro, pela delicadeza do assunto, que não é para remexer em público. Segundo, porque a única maneira de se ter conhecimento é pela denúncia das vítimas, o que por ser tão humilhante muitas vezes não queriam ser reconhecidas. Foi a brutalidade das revelações feitas sobretudo nos Estados Unidos que levou o resto do mundo a alertar-se para isso e ainda bem! Se esta mazela existe na Igreja, temos de a curar.
Como é que Portugal passou tão ao lado?
Não há casos que eu conheça - não quer dizer que não haja um ou outro - e penso que essa situação tem que ver com vários factores. O principal é haver um cuidado grande na selecção e na formação dos jovens padres e na detecção numa fase da juventude da vida do jovem daquilo que são fragilidades, e ajudá-las a corrigir. Depois, é uma qualidade básica do nosso povo respeitar as crianças. Eu temo é que esta publicidade suscite casos, porque, espontaneamente, não está na maneira de ser do nosso povo essa atitude. Qualquer português fica derretido diante do olhar de uma criança! Não excluo que porventura haja casos que tenham acontecido ou que ainda venham a revelar-se pois o pecado existe em todo o lado, mas por enquanto estamos isentos dessa vergonha.
Não receia que a WikiLeaks revele estes casos?
Não sei que telegramas é que o embaixador dos Estados Unidos mandou para lá! Eles informam tudo, desde a cor da gravata até ao cinema a que se foi.
O encobrimento da pedofilia no tempo de João Paulo II não vai obstar à canonização?
Não me pronuncio sobre isso. As únicas coisas que sei é o que diz este Papa, de resto não tenho nenhuma notícia. Tenho de reconhecer que, na hierarquia da Igreja, a primeira reacção foi a de evitar o escândalo. Isso reconheço que houve em geral, a começar no próprio Papa João Paulo II. O que estava errado nos casos que aconteceram foi não ter tirado esse sacerdote de qualquer contacto pastoral, mas deslocá-lo para outro lugar e voltar a repetir-se no segundo local.
Normalmente é a Igreja que pede sacrifícios. Agora, o Governo ultrapassa essa doutrina religiosa com a exigência económica. Sente o peso da "concorrência" do Governo?
Não, a Igreja não pede sacrifícios da mesma maneira porque não há conversão sem austeridade e sem exigência interior. Sou um observador atento - e tenho também mais meios de observação que o comum dos cidadãos - e o que se passa é que ainda estou perplexo pelo juízo global do que se está a passar. Penso que hoje há uma componente internacional que é muito complicada ,e como o mundo é uma aldeia até vemos Portugal ir vender títulos da sua dívida à China.
O que se passa com a economia portuguesa?
Na leitura que faço dos factos, penso que houve um momento em que se separou demasiadamente a relação estruturada durante décadas entre mundo financeiro e o económico, e a finança funcionava como um apoio e potenciador da economia. Dentro deste processo, há um momento em que o valor das moedas que eram caucionadas pelo ouro deixa de ser uma garantia do valor da moeda e passou a depender da saúde das economias. Esta autonomização da finança em si mesma como meio de ganhar dinheiro, e ao mesmo tempo com a oferta imensa, fez com que fosse impressionante o volume de dinheiro que passou a circular no mundo nos últimos anos.
É uma questão económica apenas?
Também tem que ver com a democracia, porque os partidos que estão no poder precisam de mostrar a obra feita e recorreram a esses mecanismos que dentro de uma normalidade regulada ia funcionando. Há um momento em que uma das peças do puzzle se escangalha e fica tudo de pernas para o ar. Eu não tinha noção de que Portugal pagava por dia um balúrdio ao estrangeiro por dever tanto dinheiro! O que me leva a crer que há também uma crise de sistema.
Do sistema capitalista em si?
Do sistema económico-liberal com que o mundo se organizou. Não significa que vá acabar, até porque não há alternativas experimentadas ou estudadas. O modelo totalitário também se desfez como um baralho de cartas e os que o defendem são os saudosistas de uma época. Há que inventar novas formas, mas, sobretudo, usar de prudência e objectividade nas decisões.
A Igreja terá de ter um papel no superar da crise económica?
A Igreja tem um papel, de criar na população uma atitude de esperança. Não tenho posições definidas sobre se as causas que nos levaram a esta situação eram evitáveis nem se as soluções apontadas são as melhores. Aí estamos no campo estritamente político. Até mesmo racionalmente tenho dificuldade.
Tem dificuldade porque não é racional?
Sim, mas tornou-se inevitável e agora é através da lei do orçamento que temos de ajudar as pessoas a viver com coragem e sem revolta. A revolta não leva a nada, temos de estar unidos para salvar o bem-estar das nossas populações. E aí a Igreja tem um papel.
Acredita que vai haver uma solução breve?
Só a longo prazo, porque não depende só de nós. Resta-nos a sensatez das decisões que vamos tomando e que já não são só nossas, porque, de cada vez que eles vão ao Conselho Europeu, vêm de lá com uma série de recados que, depois, têm dificuldades em implantar cá. Prevejo que a solução vai ser demorada e não vale a pena estarem com promessas fáceis demais porque, repito, não depende só de nós. Também prevejo que os mecanismos internacionais vão mudar muito e basta ver o caso da China, que está muito cautelosa.
Com base nas suas previsões parece não acreditar que este Governo tenha uma vida longa?
Democraticamente, é normal que tenha. O resto não sei prever.
Mas não o espanta que no próximo ano haja eleições legislativas devido a uma moção de censura do PSD?
E quem é que a vota?
Os partidos da oposição. Ou acha que estão comprometidos com este Governo?
Não sei. Se olharmos para o que se passou em Itália agora! Parecia evidente que Berlusconi caía, e nada. Aconteceu uma coisa que cá não se verificou, os deputados começaram a emigrar de um partido para outro.
Em Portugal aconteceria o mesmo?
Não é costume. Tem havido casos isolados de deputados que ficam como independentes, mas não mudam de partido.
Considera então que não vai haver uma maioria que derrube este Governo?
Não tenho a certeza de nada neste momento. É evidente que uma moção de censura supõe uma maioria para governar e no quadro actual quem é que faz maiorias? Faz maioria o PS com a esquerda toda; faz maioria o PS com qualquer dos partidos à sua direita. Numa moção de censura, o PS fica de fora. Portanto, as maiorias têm de ser ou à direita do PS, onde não há maioria, ou uma aliança dessa maioria à direita do PS com a esquerda, com o Partido Comunista e com o Bloco de Esquerda. É possível que possa acontecer, mas não tenho a certeza.
Acha que o PSD e o CDS não se aliarão para ter uma maioria na Assembleia da República?
Agora não têm! Estamos a falar de uma moção de censura que é votada no equilíbrio de forças do actual Parlamento.
Na sua leitura política, uma moção de censura não passaria porque não haveria nem aliança de direita nem de esquerda?
Não excluo que haja, mas não são fáceis os cenários. Isto também depende muito de se o PSD tem pressa ou não tem pressa de ser poder.
Acha que o PSD quer ser poder?
Acho que não tem pressa.
A Aliança Democrática irá regressar?
Eu tenho a intuição de que não irá regressar. Só se isto se complicar muito ou com a demissão do próprio Governo. Também podemos pôr este cenário, embora o nosso primeiro-ministro... Mas tenho a intuição de que a legislatura vai até ao fim, porque num momento destes uma crise política não é boa. É mais fácil ajudar quem está no poder.
A crise económica também afectou a receita da Igreja, com a baixa no nível de esmolas. É verdade?
Não. Não nos assustemos! O nosso povo é muito generoso e sempre que há um motivo directo existe participação. Veja-se o que aconteceu com o Banco Alimentar contra a Fome! Quando há um motivo directo, o povo português partilha. É evidente que neste momento as pessoas têm menos possibilidade de dar e as participações para a despesa da igreja ao domingo variam entre o gesto e a consciência objectiva de partilhar. Para o gesto, na altura de pôr uma moedinha, basta uma moeda; para o gosto de partilhar, é preciso pôr uma nota um bocadinho maior. Este segundo gesto sempre foi menos numeroso e só aumentou quando mudámos para o euro, porque ninguém reparava que um euro valia 200 escudos. De qualquer modo, ainda não tenho dados em relação à receita e não posso dizer se baixaram ou não.
Já se refez do impacto da sua afirmação sobre as mulheres católicas terem de pensar duas vezes antes de se casar com um muçulmano?
Espantou-me que num serão tão bonito no Casino da Figueira da Foz, onde se falou de tudo, a comunicação social só tenha pegado na última pergunta da noite! Um senhor não ficou contente com a resposta que dei e insistiu para que eu lhe desse orientações de comportamentos, porque, creio, teria um problema desses na família. Após fazê-lo, disse-lhe com um sorriso: "E cautela com os amores." Esse é um problema real, porque é uma cultura tão diferente, se não há um discernimento ou pelo menos um conhecimento do contexto e dos riscos em que vão meter-se. Eu não disse que não se casassem.
Fala-se muito do diálogo inter-religioso. Será possível, designadamente com o islão?
Não se podem meter os muçulmanos todos no mesmo saco... Tenho de confessar que o diálogo inter-religioso é muito difícil porque se é diálogo é simpático em vez de agressivo. Mas o normal é que as pessoas se fechem dentro da sua convicção e credo religioso.
Quem se fecha mais: os católicos ou os muçulmanos?
Há uma coisa que não podemos pedir que se mude só por fruto do diálogo: aquilo em que se acredita. É claro que posso mudar a minha fé se me converter, mas só por fruto do diálogo não se muda a fé. Só se for muito fraquita! Doutro modo, não mudarei aquilo em que acredito, sobretudo tendo em conta que tanto o catolicismo como o islão têm longas tradições, mesmo que no islão ainda seja a religião a comandar a totalidade da vida, da social à pessoal. Hoje, aposto mais no diálogo intercultural, sem excluir o diálogo inter-religioso, porque aí há coisas comuns. Creio que quando se começou a falar de diálogo inter-religioso na base estava a ideia do diálogo intercultural.
Os católicos e os muçulmanos não serão irredutíveis na sua aproximação?
Não, com irredutíveis não há diálogo possível. Nem inter-religioso nem intercultural!
Não está a acontecer agora uma abertura?
Está a acontecer com alguns grupos, mas não com a globalidade. Há muita gente, mesmo no mundo muçulmano, que está agora mais na mira pelo seu número e pelas posições fundamentalistas e exageradas que têm tomado, sobretudo, através da Al-Qaeda. Isso choca, mas não creio que o mundo islâmico do Ocidente fique com aquilo, porque a fé islâmica é muito simples. Tão simples que é inquestionável, e um muçulmano não faz espontaneamente o que um católico faz: pôr questões acerca da sua própria fé. Para isso é preciso uma grande evolução e estão numa fase de evolução que nós já fizemos há 300, 400 ou mil anos. É uma fé muito simples, e o muçulmano é naturalmente um homem bom, razão por que aquelas coisas do Alcorão que hoje serão interpretadas de uma maneira violenta não reflectem a sua afabilidade.
A comunidade muçulmana portuguesa não ficou um pouco crispada consigo?
Fizeram um esforço para não ficar. Por uma razão muito simples, é que há entre nós uma longa caminhada de simpatia e de relação normal. Penso que perceberam que não os agredi e que foi um facto muito mediatizado.
Mas não gostaria de ver Lisboa com mais minaretes do que os que já existem?
Lisboa com mais minaretes seria um regresso na história. O que gostaria era de ver mais torres de igrejas nas grandes cidades dos países muçulmanos. Acho bem que os nossos irmãos de outras religiões tenham aqui todos os direitos da nossa democracia, mas era preciso uma contrapartida mínima nos países onde são maioritários e têm o poder.
Que não existe?
Nada! Há muitos países nossos vizinhos onde se alguém se converter ao cristianismo tudo pode acontecer. Desde ser condenado à morte até ser expulso. Esta disparidade está a chocar o Ocidente e já estamos a sentir os primeiros sintomas dela. A senhora Merkel disse o que disse há um mês e em Inglaterra põe-se seriamente o falhanço da interculturalidade. É o Ocidente a reagir, o que não é bom porque é pôr achas em fogueira acesa.
Vamos ver repetidas as "cruzadas"?
Já estão a acontecer! Hão-de é ter outras expressões para além das que tiveram as cruzadas na Idade Média. Eu fiquei pasmado com a reacção de Angela Merkel, é nitidamente uma reacção a um problema interno!
A Igreja Católica sobreviveu dois milénios. Acha que em 2100, com as mudanças que estão a acontecer no mundo, ainda terá o mesmo perfil de instituição?
Há coisas perenes na Igreja que, se não deixar de existir, não mudam. Uma delas é a fé e a sequência comportamental desse sentimento, a que chamamos moral. Depois, há a estrutura apostólica, que é o baluarte e a solidez que hoje se exprime pelos bispos. Isso não muda, mesmo que se alterem pequenas formas de ser. No que se refere à adaptação ao tempo, é próprio da Igreja moldar-se às mais variadas circunstâncias sociais.
O desenvolvimento muito grande das neurociências não vai desfazendo a crença?
Só a dos que tinham pouca fé. As ciências, por mais avançadas que sejam, ainda não inventaram nada. O que têm feito é descobrir o que Deus criou!
A Igreja resistiu ao fim da missa em latim mas se, entre outras, a imagem bíblica de Adão e Eva for desconstruída o que acontecerá aos fiéis?
Em Roma ainda se fala latim! No que respeita a outras mudanças, se elas se derem, a Igreja resiste com certeza. Já passámos há muito tempo a fase de ler a Bíblia literalmente como se lê um jornal. Todos sabem que na Bíblia a verdade é sugerida e não é descrita. Tem estilos literários, tem uma simbólica riquíssima e é preciso compreender a ancestralidade daquelas culturas. Há uma coisa que na nossa cultura ocidental temos vindo a perder progressivamente, que é o valor do símbolo e da simbólica. E curiosamente somos obrigados a redescobri-la agora com a profusão da linguagem informática. Estive recentemente em Roma para o Conselho Pontifício para a cultura, que foi sobre as nossas linguagens, e vim de lá um pouco assustado.
Assustado com o quê?
Com os panoramas a médio e longo prazo do que será o mundo. Uma das coisas de que me apercebi foi que a linguagem que está a nascer é quase a reinvenção da escrita, daquele momento em que a humanidade transformou o dizer, o pensar e a fala em símbolos escritos. No Ocidente, perdemos muito o valor do símbolo, talvez devido à exactidão da ciência e da técnica e ao pragmatismo do racionalismo que invadiu a nossa cultura. Hoje, só os poetas é que ainda se vão safando com a simbólica... Ora é impossível ler a Bíblia sem ter uma estrutura simbólica. Eu não preciso de acabar com o Adão e a Eva porque, se eu não interpretar os capítulos primeiros do Génesis à letra, o Adão e a Eva não me incomodam nada, pelo contrário, têm uma riqueza de sugestão simbólica enorme. Às vezes há uma certa precipitação em pensar que podem substituir-se. Podem experimentar, mas não creio que seja fácil.
Acha que Deus perdoou a Saramago o livro Caim e as críticas ao Antigo Testamento?
Que Deus estaria disposto a perdoar Saramago, não tenho dúvidas nenhumas! Não sei é se o Saramago quis esse perdão. Eu fui um leitor assíduo de José Saramago e até admirador. Os grandes livros dele, eu li-os todos.
Inclusive o Evangelho?
Exactamente. Mas aí começa um bocado a sua decadência, é o livro que marca o fim daquela genica do José Saramago. O Caim, francamente, é um livro decadente, e acho que o deviam ter aconselhado a não o publicar.
Do resto da obra, o que é que acha?
É um autor raro, porque introduziu um estilo e lê-se com muito agrado. Aliava muito bem a objectividade da investigação histórica à ousadia do estilo. Há quem não aprecie, mas eu gosto de José Saramago.
E o Alcorão, já leu?
Li, claro.
In DN
"Acho que o PSD não tem pressa em ser poder"
por JOÃO CÉU E SILVA
Hoje
É impossível não nos surpreendermos com a clareza e os dados que o patriarca põe na mesa quando faz a análise política do País. Doseia algum humor perante a crise, como se só desse modo pudesse perdoar os descaminhos da finança, da economia e do endividamento externo. Apelida de "simpáticas" as conversas com Sócrates, mas não aprecia as medidas do Governo contra a Igreja.
A Igreja portuguesa está quase como o Governo. Até os ministros de Deus disparam críticas e opiniões políticas contrárias. Porquê
A Igreja é uma entidade muito plural e repartida na sua responsabilidade, mais do que a sociedade. Basta lembrar que as dioceses são autónomas e as paróquias são pessoas jurídicas independentes. Se isto é uma vantagem, porque não repousa sobre uma mesma pessoa jurídica, também poderá dar a quem vê de fora uma ideia de grande dispersão.
Que é contrária aos princípios da Igreja?
A unidade é a nossa busca principal, mas não pode ser o anular da diferença e da margem de autenticidade que as pessoas individuais e jurídicas têm de se exprimir. A unidade na doutrina é possível nas grandes atitudes frente à sociedade e para isso é que existe a conferência episcopal. No entanto, não tenho visto nada que pusesse em questão essa busca da unidade na pluralidade da diferença. Pode haver sensibilidades neste tomar de posições em relação à política e à sociedade, mas todos estão de acordo que não é missão da Igreja meter-se directamente na questão política a não ser num caso muito extraordinário.
Como o Papa já referiu?
O Papa acaba de admitir que sim, que em situações-limite a Igreja pode tomar posições políticas. Mas não tem sido essa a nossa prática, a não ser em situações muito concretas ou particularmente exigentes em que essas sensibilidades podem ter expressão. Não vi nada que quebre esta unidade fundamental, embora, com toda a franqueza, haja declarações públicas [de religiosos ] que eu não faria.
Acha que a Igreja não deve ter certas posições?
O princípio geral é de que não se deve meter na política, mesmo que tenhamos uma dificuldade em definir que âmbito é esse. Quando falo que a Igreja deve ser isenta e discreta nas questões políticas, refiro-me à política directa e às decisões do Governo. É evidente que, às vezes, nos apetecia falar como cidadãos...
O que tem acontecido com declarações suas!
... Mas como instituição, temos de a preservar. Até porque o nosso campo é outro, mesmo que nos bastidores apanhemos as consequências das políticas concretas. O político é mais vasto do que isto e diz respeito a todo o bem da sociedade. É nesse sentido mais global que, aí sim, temos uma palavra a dizer, na medida em que somos uma voz e temos um auditório numeroso que espera pela nossa palavra e orientação. Quando há uma tomada de posição mais acutilante sobre política concreta, temos um conjunto de vozes a aplaudir-nos e outro a denunciar- -nos. Por isso, é preciso uma grande isenção, que só se consegue tendo sempre muito em conta qual é o objectivo da nossa missão.
Já o Concílio Vaticano II pedia aos católicos para terem mais intervenção na sociedade.
A isenção política não é uma imposição do poder civil, é uma opção nossa para salvaguardar a especificidade da nossa missão. Se nos metemos na política directa, temos de sofrer as consequências dos que estão na política directa e não podemos reivindicar impunidade.
A Igreja não está impune, mas os políticos estão. É isso que quer dizer?
Não deviam estar nem estão. Não podemos é metê-los na cadeia cada vez que fazem erros, até porque para isso há punição em democracia.
Nos casos de pedofilia, muitos dos padres que pecaram tiveram penalização. O mesmo deveria acontecer aos políticos?
Esse é um outro tema para onde os holofotes apontaram todos. São casos tristes para nós - bastava um para termos muita pena -, porque é uma coisa muito feia. Mas, em termos globais estatísticos, os casos são apenas de 0,0 não sei quanto por cento. Talvez este sofrimento por que a Igreja tem passado, e eu compreendo que a sociedade se indigne porque se havia alguma entidade de que não se devia esperar uma coisa dessas era da Igreja, alerte a sociedade como um todo para a erradicarmos com uma política de família e de educação.
O actual Papa foi quem pagou pelos casos que aconteceram no pontificado de João Paulo II. Escapará a essa marca?
Reagiu com muita firmeza e, em certos casos, até nos surpreendeu, chamando as coisas pelos nomes, propondo regras muito rígidas e revendo, como está a acontecer, a própria legislação canónica das penas canónicas em relação a certos casos. O Papa tinha um velho conhecimento dos problemas e dos dossiers que passavam pela sua mão e alertava os episcopados. Esta questão é muito delicada e tão fora da nossa expectativa imediata que demorou algum tempo até os episcopados tomarem consciência dessa realidade.
Porquê?
Primeiro, pela delicadeza do assunto, que não é para remexer em público. Segundo, porque a única maneira de se ter conhecimento é pela denúncia das vítimas, o que por ser tão humilhante muitas vezes não queriam ser reconhecidas. Foi a brutalidade das revelações feitas sobretudo nos Estados Unidos que levou o resto do mundo a alertar-se para isso e ainda bem! Se esta mazela existe na Igreja, temos de a curar.
Como é que Portugal passou tão ao lado?
Não há casos que eu conheça - não quer dizer que não haja um ou outro - e penso que essa situação tem que ver com vários factores. O principal é haver um cuidado grande na selecção e na formação dos jovens padres e na detecção numa fase da juventude da vida do jovem daquilo que são fragilidades, e ajudá-las a corrigir. Depois, é uma qualidade básica do nosso povo respeitar as crianças. Eu temo é que esta publicidade suscite casos, porque, espontaneamente, não está na maneira de ser do nosso povo essa atitude. Qualquer português fica derretido diante do olhar de uma criança! Não excluo que porventura haja casos que tenham acontecido ou que ainda venham a revelar-se pois o pecado existe em todo o lado, mas por enquanto estamos isentos dessa vergonha.
Não receia que a WikiLeaks revele estes casos?
Não sei que telegramas é que o embaixador dos Estados Unidos mandou para lá! Eles informam tudo, desde a cor da gravata até ao cinema a que se foi.
O encobrimento da pedofilia no tempo de João Paulo II não vai obstar à canonização?
Não me pronuncio sobre isso. As únicas coisas que sei é o que diz este Papa, de resto não tenho nenhuma notícia. Tenho de reconhecer que, na hierarquia da Igreja, a primeira reacção foi a de evitar o escândalo. Isso reconheço que houve em geral, a começar no próprio Papa João Paulo II. O que estava errado nos casos que aconteceram foi não ter tirado esse sacerdote de qualquer contacto pastoral, mas deslocá-lo para outro lugar e voltar a repetir-se no segundo local.
Normalmente é a Igreja que pede sacrifícios. Agora, o Governo ultrapassa essa doutrina religiosa com a exigência económica. Sente o peso da "concorrência" do Governo?
Não, a Igreja não pede sacrifícios da mesma maneira porque não há conversão sem austeridade e sem exigência interior. Sou um observador atento - e tenho também mais meios de observação que o comum dos cidadãos - e o que se passa é que ainda estou perplexo pelo juízo global do que se está a passar. Penso que hoje há uma componente internacional que é muito complicada ,e como o mundo é uma aldeia até vemos Portugal ir vender títulos da sua dívida à China.
O que se passa com a economia portuguesa?
Na leitura que faço dos factos, penso que houve um momento em que se separou demasiadamente a relação estruturada durante décadas entre mundo financeiro e o económico, e a finança funcionava como um apoio e potenciador da economia. Dentro deste processo, há um momento em que o valor das moedas que eram caucionadas pelo ouro deixa de ser uma garantia do valor da moeda e passou a depender da saúde das economias. Esta autonomização da finança em si mesma como meio de ganhar dinheiro, e ao mesmo tempo com a oferta imensa, fez com que fosse impressionante o volume de dinheiro que passou a circular no mundo nos últimos anos.
É uma questão económica apenas?
Também tem que ver com a democracia, porque os partidos que estão no poder precisam de mostrar a obra feita e recorreram a esses mecanismos que dentro de uma normalidade regulada ia funcionando. Há um momento em que uma das peças do puzzle se escangalha e fica tudo de pernas para o ar. Eu não tinha noção de que Portugal pagava por dia um balúrdio ao estrangeiro por dever tanto dinheiro! O que me leva a crer que há também uma crise de sistema.
Do sistema capitalista em si?
Do sistema económico-liberal com que o mundo se organizou. Não significa que vá acabar, até porque não há alternativas experimentadas ou estudadas. O modelo totalitário também se desfez como um baralho de cartas e os que o defendem são os saudosistas de uma época. Há que inventar novas formas, mas, sobretudo, usar de prudência e objectividade nas decisões.
A Igreja terá de ter um papel no superar da crise económica?
A Igreja tem um papel, de criar na população uma atitude de esperança. Não tenho posições definidas sobre se as causas que nos levaram a esta situação eram evitáveis nem se as soluções apontadas são as melhores. Aí estamos no campo estritamente político. Até mesmo racionalmente tenho dificuldade.
Tem dificuldade porque não é racional?
Sim, mas tornou-se inevitável e agora é através da lei do orçamento que temos de ajudar as pessoas a viver com coragem e sem revolta. A revolta não leva a nada, temos de estar unidos para salvar o bem-estar das nossas populações. E aí a Igreja tem um papel.
Acredita que vai haver uma solução breve?
Só a longo prazo, porque não depende só de nós. Resta-nos a sensatez das decisões que vamos tomando e que já não são só nossas, porque, de cada vez que eles vão ao Conselho Europeu, vêm de lá com uma série de recados que, depois, têm dificuldades em implantar cá. Prevejo que a solução vai ser demorada e não vale a pena estarem com promessas fáceis demais porque, repito, não depende só de nós. Também prevejo que os mecanismos internacionais vão mudar muito e basta ver o caso da China, que está muito cautelosa.
Com base nas suas previsões parece não acreditar que este Governo tenha uma vida longa?
Democraticamente, é normal que tenha. O resto não sei prever.
Mas não o espanta que no próximo ano haja eleições legislativas devido a uma moção de censura do PSD?
E quem é que a vota?
Os partidos da oposição. Ou acha que estão comprometidos com este Governo?
Não sei. Se olharmos para o que se passou em Itália agora! Parecia evidente que Berlusconi caía, e nada. Aconteceu uma coisa que cá não se verificou, os deputados começaram a emigrar de um partido para outro.
Em Portugal aconteceria o mesmo?
Não é costume. Tem havido casos isolados de deputados que ficam como independentes, mas não mudam de partido.
Considera então que não vai haver uma maioria que derrube este Governo?
Não tenho a certeza de nada neste momento. É evidente que uma moção de censura supõe uma maioria para governar e no quadro actual quem é que faz maiorias? Faz maioria o PS com a esquerda toda; faz maioria o PS com qualquer dos partidos à sua direita. Numa moção de censura, o PS fica de fora. Portanto, as maiorias têm de ser ou à direita do PS, onde não há maioria, ou uma aliança dessa maioria à direita do PS com a esquerda, com o Partido Comunista e com o Bloco de Esquerda. É possível que possa acontecer, mas não tenho a certeza.
Acha que o PSD e o CDS não se aliarão para ter uma maioria na Assembleia da República?
Agora não têm! Estamos a falar de uma moção de censura que é votada no equilíbrio de forças do actual Parlamento.
Na sua leitura política, uma moção de censura não passaria porque não haveria nem aliança de direita nem de esquerda?
Não excluo que haja, mas não são fáceis os cenários. Isto também depende muito de se o PSD tem pressa ou não tem pressa de ser poder.
Acha que o PSD quer ser poder?
Acho que não tem pressa.
A Aliança Democrática irá regressar?
Eu tenho a intuição de que não irá regressar. Só se isto se complicar muito ou com a demissão do próprio Governo. Também podemos pôr este cenário, embora o nosso primeiro-ministro... Mas tenho a intuição de que a legislatura vai até ao fim, porque num momento destes uma crise política não é boa. É mais fácil ajudar quem está no poder.
A crise económica também afectou a receita da Igreja, com a baixa no nível de esmolas. É verdade?
Não. Não nos assustemos! O nosso povo é muito generoso e sempre que há um motivo directo existe participação. Veja-se o que aconteceu com o Banco Alimentar contra a Fome! Quando há um motivo directo, o povo português partilha. É evidente que neste momento as pessoas têm menos possibilidade de dar e as participações para a despesa da igreja ao domingo variam entre o gesto e a consciência objectiva de partilhar. Para o gesto, na altura de pôr uma moedinha, basta uma moeda; para o gosto de partilhar, é preciso pôr uma nota um bocadinho maior. Este segundo gesto sempre foi menos numeroso e só aumentou quando mudámos para o euro, porque ninguém reparava que um euro valia 200 escudos. De qualquer modo, ainda não tenho dados em relação à receita e não posso dizer se baixaram ou não.
Já se refez do impacto da sua afirmação sobre as mulheres católicas terem de pensar duas vezes antes de se casar com um muçulmano?
Espantou-me que num serão tão bonito no Casino da Figueira da Foz, onde se falou de tudo, a comunicação social só tenha pegado na última pergunta da noite! Um senhor não ficou contente com a resposta que dei e insistiu para que eu lhe desse orientações de comportamentos, porque, creio, teria um problema desses na família. Após fazê-lo, disse-lhe com um sorriso: "E cautela com os amores." Esse é um problema real, porque é uma cultura tão diferente, se não há um discernimento ou pelo menos um conhecimento do contexto e dos riscos em que vão meter-se. Eu não disse que não se casassem.
Fala-se muito do diálogo inter-religioso. Será possível, designadamente com o islão?
Não se podem meter os muçulmanos todos no mesmo saco... Tenho de confessar que o diálogo inter-religioso é muito difícil porque se é diálogo é simpático em vez de agressivo. Mas o normal é que as pessoas se fechem dentro da sua convicção e credo religioso.
Quem se fecha mais: os católicos ou os muçulmanos?
Há uma coisa que não podemos pedir que se mude só por fruto do diálogo: aquilo em que se acredita. É claro que posso mudar a minha fé se me converter, mas só por fruto do diálogo não se muda a fé. Só se for muito fraquita! Doutro modo, não mudarei aquilo em que acredito, sobretudo tendo em conta que tanto o catolicismo como o islão têm longas tradições, mesmo que no islão ainda seja a religião a comandar a totalidade da vida, da social à pessoal. Hoje, aposto mais no diálogo intercultural, sem excluir o diálogo inter-religioso, porque aí há coisas comuns. Creio que quando se começou a falar de diálogo inter-religioso na base estava a ideia do diálogo intercultural.
Os católicos e os muçulmanos não serão irredutíveis na sua aproximação?
Não, com irredutíveis não há diálogo possível. Nem inter-religioso nem intercultural!
Não está a acontecer agora uma abertura?
Está a acontecer com alguns grupos, mas não com a globalidade. Há muita gente, mesmo no mundo muçulmano, que está agora mais na mira pelo seu número e pelas posições fundamentalistas e exageradas que têm tomado, sobretudo, através da Al-Qaeda. Isso choca, mas não creio que o mundo islâmico do Ocidente fique com aquilo, porque a fé islâmica é muito simples. Tão simples que é inquestionável, e um muçulmano não faz espontaneamente o que um católico faz: pôr questões acerca da sua própria fé. Para isso é preciso uma grande evolução e estão numa fase de evolução que nós já fizemos há 300, 400 ou mil anos. É uma fé muito simples, e o muçulmano é naturalmente um homem bom, razão por que aquelas coisas do Alcorão que hoje serão interpretadas de uma maneira violenta não reflectem a sua afabilidade.
A comunidade muçulmana portuguesa não ficou um pouco crispada consigo?
Fizeram um esforço para não ficar. Por uma razão muito simples, é que há entre nós uma longa caminhada de simpatia e de relação normal. Penso que perceberam que não os agredi e que foi um facto muito mediatizado.
Mas não gostaria de ver Lisboa com mais minaretes do que os que já existem?
Lisboa com mais minaretes seria um regresso na história. O que gostaria era de ver mais torres de igrejas nas grandes cidades dos países muçulmanos. Acho bem que os nossos irmãos de outras religiões tenham aqui todos os direitos da nossa democracia, mas era preciso uma contrapartida mínima nos países onde são maioritários e têm o poder.
Que não existe?
Nada! Há muitos países nossos vizinhos onde se alguém se converter ao cristianismo tudo pode acontecer. Desde ser condenado à morte até ser expulso. Esta disparidade está a chocar o Ocidente e já estamos a sentir os primeiros sintomas dela. A senhora Merkel disse o que disse há um mês e em Inglaterra põe-se seriamente o falhanço da interculturalidade. É o Ocidente a reagir, o que não é bom porque é pôr achas em fogueira acesa.
Vamos ver repetidas as "cruzadas"?
Já estão a acontecer! Hão-de é ter outras expressões para além das que tiveram as cruzadas na Idade Média. Eu fiquei pasmado com a reacção de Angela Merkel, é nitidamente uma reacção a um problema interno!
A Igreja Católica sobreviveu dois milénios. Acha que em 2100, com as mudanças que estão a acontecer no mundo, ainda terá o mesmo perfil de instituição?
Há coisas perenes na Igreja que, se não deixar de existir, não mudam. Uma delas é a fé e a sequência comportamental desse sentimento, a que chamamos moral. Depois, há a estrutura apostólica, que é o baluarte e a solidez que hoje se exprime pelos bispos. Isso não muda, mesmo que se alterem pequenas formas de ser. No que se refere à adaptação ao tempo, é próprio da Igreja moldar-se às mais variadas circunstâncias sociais.
O desenvolvimento muito grande das neurociências não vai desfazendo a crença?
Só a dos que tinham pouca fé. As ciências, por mais avançadas que sejam, ainda não inventaram nada. O que têm feito é descobrir o que Deus criou!
A Igreja resistiu ao fim da missa em latim mas se, entre outras, a imagem bíblica de Adão e Eva for desconstruída o que acontecerá aos fiéis?
Em Roma ainda se fala latim! No que respeita a outras mudanças, se elas se derem, a Igreja resiste com certeza. Já passámos há muito tempo a fase de ler a Bíblia literalmente como se lê um jornal. Todos sabem que na Bíblia a verdade é sugerida e não é descrita. Tem estilos literários, tem uma simbólica riquíssima e é preciso compreender a ancestralidade daquelas culturas. Há uma coisa que na nossa cultura ocidental temos vindo a perder progressivamente, que é o valor do símbolo e da simbólica. E curiosamente somos obrigados a redescobri-la agora com a profusão da linguagem informática. Estive recentemente em Roma para o Conselho Pontifício para a cultura, que foi sobre as nossas linguagens, e vim de lá um pouco assustado.
Assustado com o quê?
Com os panoramas a médio e longo prazo do que será o mundo. Uma das coisas de que me apercebi foi que a linguagem que está a nascer é quase a reinvenção da escrita, daquele momento em que a humanidade transformou o dizer, o pensar e a fala em símbolos escritos. No Ocidente, perdemos muito o valor do símbolo, talvez devido à exactidão da ciência e da técnica e ao pragmatismo do racionalismo que invadiu a nossa cultura. Hoje, só os poetas é que ainda se vão safando com a simbólica... Ora é impossível ler a Bíblia sem ter uma estrutura simbólica. Eu não preciso de acabar com o Adão e a Eva porque, se eu não interpretar os capítulos primeiros do Génesis à letra, o Adão e a Eva não me incomodam nada, pelo contrário, têm uma riqueza de sugestão simbólica enorme. Às vezes há uma certa precipitação em pensar que podem substituir-se. Podem experimentar, mas não creio que seja fácil.
Acha que Deus perdoou a Saramago o livro Caim e as críticas ao Antigo Testamento?
Que Deus estaria disposto a perdoar Saramago, não tenho dúvidas nenhumas! Não sei é se o Saramago quis esse perdão. Eu fui um leitor assíduo de José Saramago e até admirador. Os grandes livros dele, eu li-os todos.
Inclusive o Evangelho?
Exactamente. Mas aí começa um bocado a sua decadência, é o livro que marca o fim daquela genica do José Saramago. O Caim, francamente, é um livro decadente, e acho que o deviam ter aconselhado a não o publicar.
Do resto da obra, o que é que acha?
É um autor raro, porque introduziu um estilo e lê-se com muito agrado. Aliava muito bem a objectividade da investigação histórica à ousadia do estilo. Há quem não aprecie, mas eu gosto de José Saramago.
E o Alcorão, já leu?
Li, claro.
In DN
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"Com estas medidas de austeridade Portugal não vai pagar a dívida"
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"Com estas medidas de austeridade Portugal não vai pagar a dívida"
por JOÃO CÉU E SILVA
Hoje
A 24 horas de ser anunciada a concessão do Prémio México de Ciência e Tecnologia, o primeiro português e cientista social a recebê-lo analisa a situação nacional e a crise mundial provocada pela especulação dos mercados financeiros. Será o Presidente mexicano que, dia 14, lhe entregará o galardão pelo trabalho no espaço ibero-americano, semanas após lhe ter também sido concedida uma bolsa de 2,4 milhões de euros para desenvolver as suas ideias
Por que razão é que os portugueses não se revoltam perante a imposição destas medidas de austeridade tão violentas?
Reformularia a pergunta para "porque é que ainda não se revoltaram?", ou faz parecer que nunca se revoltarão. Basta lembrar que também pensávamos que não haveria mudança na sociedade portuguesa devido aos nossos brandos costumes, e houve o 25 de Abril.
Que foi uma revolta tirada a ferros!
Sim, que começou como uma revolta militar dos que tinham o poder e ficaram desafectos dele porque os tinha metido no pesadelo e na armadilha de uma guerra colonial que nunca se poderia vencer. E o povo respondeu de uma maneira criativa a esse processo.
Desta vez não se vislumbram capitães para liderar a contestação.
Neste momento, não. Em primeiro lugar, porque os portugueses ainda não se deram conta de todas as consequências das medidas que estão a ser tomadas. Que nem serão as medidas definitivas, porque enquanto não forem regulados os mercados financeiros quaisquer planos de austeridade vão ser seguidos por novos planos de austeridade, porque os mercados estão numa fase absolutamente insaciável. Em segundo lugar, ainda estamos numa fase do susto.
Por isso é que a reacção demora?
Após um discurso de austeridade, as pessoas começaram a ver os salários, as pensões e as participações nos medicamentos a ser cortados, mas este tratamento ainda não entrou tão profundamente nos bolsos quanto acontecerá no futuro. Sobretudo, ainda não entrou na cabeça das pessoas e elas não se deram conta de que a erosão é irreversível e não ficará por aqui.
Irreversível em que sentido?
De que o nível de vida a que se habituaram nas últimas duas ou três décadas vai deixar de existir. Os filhos, eventualmente, podem vir a retomá-lo, mas eles, certamente, estão num período de declínio do nível de vida e não vão recuperá- -lo nos próximos anos.
Mesmo com tantas promessas?
Por mais que os políticos digam que vai demorar cinco anos, os danos são muito mais profundos do que se pode imaginar agora e ainda vai levar tempo para se darem conta dos verdadeiros efeitos. A verdade é que Portugal passou 48 anos em ditadura e os hábitos democráticos expressos nos conflitos e contradições sociais não foram vividos tão intensamente como noutros países da Europa.
Tal como a Grécia ou a Itália?
A Grécia teve um período de ditadura entre 1967 e 1974, mas tem uma tradição de sociedade civil organizada, enquanto a Itália tem um sistema político relativamente desconectado das formas de organização da sociedade civil. Portugal perdeu nesse meio século o período em que as sociedades se organizaram para a convivência democrática que originou a actual Europa.
Mas conseguiram unir forças para derrotar o projecto de reformas do 1.º Governo de José Sócrates.
Os portugueses têm-se organizado para questões pontuais e sectoriais em que os interesses estão mais organizados. No caso dos professores, tal como na função pública, há uma forma de organização sindical bastante forte, mas é evidente que não reagem espontaneamente para grandes manifestações como vemos em França, onde não foram apenas os sindicalistas que se revoltam mas o cidadão comum, quando chegou à conclusão de que bastava.
Estranhou que tivéssemos sido o único país que realiza uma Cimeira da NATO sem um único conflito?
Não temos grande tradição de mobilização e de contestação social. Mesmo as greves gerais, ao contrário doutros países, não foram complementadas com grandes manifestações de rua, porque as centrais sindicais têm temor do fracasso. Isto é característico da sociedade portuguesa, mas nada diz que amanhã não seja diferente.
As grandes contestações às medidas de austeridade vieram de sectores inesperados: do presidente socialista do Governo dos Açores e dos magistrados. Porquê?
São formas diferentes de contestação e processos políticos distintos. Temos, por um lado, as acções sindicais, os movimentos e as organizações da sociedade que se associam aos sindicatos e o cidadão em geral. Por outro lado, temos os interesses organizados e, mais complicados, quando mete órgãos de soberania na contestação.
Quando os magistrados não aceitam o mesmo corte de grande parte dos portugueses, estamos perante uma defesa corporativa?
Nesse caso, sim. Mas as providências cautelares não se dirigem apenas aos salários dos magistrados.
Até agora, quem lidera a contestação é o poder judicial. É normal?
O que temos neste momento é uma iniciativa judicial que em democracia é saudável. Não está a ser feita por desobediência civil a greve de magistrados judiciais, mas através de um mecanismo judicial que visa confrontar estas medidas com a nossa própria Constituição.
Ao dizer que os portugueses ainda não se revoltaram é porque prevê que haja alguma convulsão?
É muito difícil fazer essa previsão. Aliás, penso que os sociólogos são muito bons a prever o passado e muito maus no que respeita ao futuro. Principalmente, em situações de grande turbulência como a que estamos a assistir. Aliás, podemos dizer que aquilo que é impensável hoje pode ser inevitável amanhã: que o euro acabe, por exemplo. Pode ser que daqui a um tempo passe de impensável a inevitável com uma fractura dentro do euro. Por outro lado, sabemos que não são as desigualdades sociais nem as formas de empobrecimento que automaticamente provocam contestação, ou os sistemas despóticos não tinham funcionado. Os sistemas mais autoritários e desiguais criam formas de resignação que tiram às pessoas a capacidade de autonomia para se revoltarem. Ficam com medo do patrão e do que lhes pode acontecer, ou seja, não é automático que o agravamento das condições económicas leve à contestação política.
Mesmo em democracia?
É evidente que as situações de conflito vão surgir em Portugal e em toda a Europa. É evidente que, quando se fala de contágio dos mercados, não se deve pensar que está apenas a esse nível mas que quando os portugueses vêem os espanhóis, os gregos ou os franceses a revoltar-se é natural que se questionem: "Afinal, por que razão é que nós não nos revoltamos perante uma situação que até é mais injusta?" É bom não esquecer que Portugal tinha em 2009 as contas muito mais equilibradas do que a Grécia ou a Irlanda.
Mas se vier um PEC IV?
O que é bem provável vir a acontecer porque os portugueses ainda não se deram conta de que estão numa situação em que a soberania dos Estados - não havendo uma regulação dos mercados financeiros - está sujeita aos abutres financeiros. Uma das coisas que me horroriza é dizer-se na comunicação social cobras e lagartos do Estado ou que a festa acabou e que Portugal é insustentável, enquanto ninguém é tão veemente no que respeita ao facto de os mercados financeiros poderem ganhar rios de dinheiro com a nossa crise e até se façam apostas para ver se a dívida portuguesa será paga e que se ganhe muito dinheiro na aposta. Isto é crime contra a humanidade!
Há anos dizia que o mundo pós- guerra tinha duas superpotências: Estados Unidos e agência Moody's. O que mudou foi deixarem de ser contra o Terceiro Mundo e virarem-se para a União Europeia?
Exactamente, essa minha previsão deu certo! Neste momento, estamos nas mãos das agências de notação e algo deve estar profundamente errado quando os juros da dívida de Espanha são iguais aos do Paquistão. Acho que estamos a entrar numa disjunção que pode provocar contestação e é provável que ocorra ao nível europeu em geral e, portanto, em Portugal.
Voltemos a prever. O que se segue?
Penso que nos próximos anos vamos estar perante esta opção: mercados sem fim ou democracia sem fim. Ou seja, os mercados vão regular tudo e assistiremos a um empobrecimento da grande maioria e ao enriquecimento absolutamente injusto de uns poucos.
A União Europeia não conseguirá responder aos mercados?
Essa é outra questão que nem os portugueses nem os europeus estão a ver bem. Porquê? Se para Portugal a Europa foi até agora um benefício líquido que, desde 1986, alavancou um desenvolvimento notável através dos fundos estruturais e de coesão que nos deram oportunidades que se pensavam que eram sustentáveis, o que estamos a verificar é que a Europa desse período não é a de agora. Mudou, sem que se tenha alterado institucionalmente situações como o aprofundamento. Por isso, é dominada por interesses egoísticos nacionais.
A solução da actual crise passa pela forte ajuda da União Europeia?
De uma coisa estou certo, a Grécia nunca vai poder pagar esta dívida à União Europeia se não houver uma reestruturação da dívida. Nem a Irlanda vai conseguir! Estes processos só resultam com um perdão de parte dessa dívida. Como se fez à Alemanha em 1950. As dívidas pagam-se com dinheiro, não é? De onde é que vem o dinheiro para o Estado? Dos impostos. De onde é que vem o dinheiro dos impostos? Do crescimento económico! Se não houver emprego e crescimento económico não encontro forma de a Grécia, a Irlanda, e de amanhã Portugal, a Espanha ou a Itália também pagarem. São os que estão na fila - Portugal, Espanha e Itália - e os mercados financeiros estão a apostar na bancarrota destes países porque vão ganhar muito dinheiro até que ela ocorra. Como é que é possível que os países funcionem nesta base quando se aposta na nossa falência e no lucro que ela dá?
Então, Portugal não será capaz de pagar a sua dívida?
Se estas medidas de austeridade de curto prazo não forem compensadas com as de médio prazo, que só podem vir da União Europeia, para poder repor o crescimento económico, Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda não poderão pagar a sua dívida porque entrarão numa fase de estagnação económica e ficarão sem recursos para pagar. Precisamos de medidas a médio prazo e de uma refundação da Europa com políticas conjuntas e solidárias, de modo a que a Europa se afirme como uma alternativa aos Estados Unidos e não permaneça totalmente subserviente da desregulação dos mercados.
Mesmo quando a economia dos Estados Unidos já não é tão forte?
Os mercados favorecem, acima de tudo, os Estados Unidos, e não se pode deixar de pensar que estavam preocupados com a estabilidade do euro. Os Estados Unidos não tinham interesse em que o euro fosse uma moeda estável e, portanto, o ataque especulativo à Zona Euro começou pelos países mais fracos. Como os dirigentes europeus, com grande miopia e desconhecimento histórico, aceitaram que esta lógica suicida avançasse, bipolarizou-se a periferia e o centro da Europa perante a crise. Só que o que acontece à periferia hoje aparecerá no centro amanhã.
O Presidente Obama defraudou a confiança europeia?
Penso que sim.
Não é o tal amigo europeu?
Não é, de modo nenhum. Aliás, Obama desilude a muitos outros níveis porque tem a concepção de que acima de tudo é preciso defender os Estados Unidos. Está numa lógica nacionalista e como o seu país está em crise, procura ganhar alguns pontos à Europa.
Houve boa aplicação dos fundos estruturais em Portugal?
Acho que não. Deveríamos tê-los utilizado de uma maneira muito diferente: numa aposta na educação que foi menos forte do que poderia ter sido. Temos, no entanto, feito uma boa aposta na ciência e na promoção do sistema científico nacional, apesar de não se ter feito a articulação da investigação científica com o desenvolvimento tecnológico. Para isso, falta-nos uma economia mais assente na grande inovação tecnológica, só que os lóbis ganharam e grande parte dos investimentos foram em exagero, mesmo se necessitássemos deles para auto-estradas.
Se Portugal não consegue liderar na agricultura e na indústria, como é que iria fazê-lo na revolução tecnológica ou do conhecimento?
A agricultura foi um péssimo negócio em que Portugal entrou. Tínhamos uma das agriculturas familiares mais fortes da Europa e foi destruída em meia dúzia de anos porque o modelo agrícola da Europa é de grande extensão e de grandes empresas agrícolas e industriais. A nossa produção familiar até era produtiva ao seu nível e produzia, por vezes, também para o mercado. Hoje, está-se a tentar recuperar na Europa a agricultura familiar e nós, que tínhamos o potencial de ser a reserva da Europa da agricultura orgânica, ficámos para trás. As coisas foram feitas em Portugal sob complexos históricos do colonialismo e da ditadura e, quando se deu a entrada na União Europeia, aceitámos as coisas de uma maneira totalmente acrítica. A negociação não foi tão boa quanto devia ser feita.
A culpa é só dos governos ou também dos próprios portugueses?
É muito difícil responder porque eu sou daqueles que pensam que o Estado e a sociedade não se opõem mas crescem organicamente. Os Estados que são fortes e as sociedades civis fortes - o caso da Suécia e dos países nórdicos - têm sociedades civis muito organizadas e autónomas a par de Estados democraticamente fortes. Portanto, de alguma maneira, o Estado é o espelho da sociedade e não o seu oposto. Também, por isso, muitas críticas que se fazem ao Estado deviam fazer-se também aos empresários que não estiveram à altura das circunstâncias e das oportunidades dadas.
Qual deveria ter sido a resposta?
Tivemos sempre uma burguesia muito dependente de mercados cativos - o das colónias, anteriormente - e mantivemo-los com as benesses dos fundos estruturais da Europa. E isso pode resultar da ineficiência do Estado e pode estar também ao nível dos cidadãos e da sua pequena motivação dentro da organização social. O que é estranho porque os portugueses motivam-se extraordinariamente quando emigram e são extraordinários produtores e empresários
Mas só em condições adversas?
Sempre disse que o nosso grande problema está nos empresários, que não estiveram à altura do risco e da capacidade de criar riqueza numa janela de oportunidade que tivemos e que praticamente se começou a esgotar no ano 2000. Foi a partir daí que começámos a derrapar e a deixar de nos aproximarmos da Europa. Desde então, temos vindo a distanciar-nos da média europeia e iremos continuar por esse caminho.
Nem com as medidas já tomadas se pode evitá-lo ?
Estes planos de austeridade podem acalmar os mercados - que são essa coisa mítica, mas que têm uma alma e vontade política por detrás desses falsos automatismos - e resolver a curto prazo o problema do défice orçamental, que é o problema de 2011. Mas não irão resolver a médio prazo porque nesse caso só temos uma solução: criar emprego e ter algum crescimento económico.
Que vai contra todas as medidas que o Governo está a tomar?
Neste momento, é essa a situação. A médio prazo, podemos vir a ter uma recessão, ainda por cima num conjunto europeu em que o nosso maior cliente é a Espanha, que, provavelmente, vai estar em situação muito semelhante. Precisaríamos de golpes de asa, de medidas europeias e também de políticas inovadoras por parte dos nossos líderes. Situações excepcionais exigem soluções também excepcionais.
Considera que este Governo já não conseguirá dar esse golpe de asa?
Nos governos europeus em geral criou-se uma ortodoxia que está a atravessar todos os líderes, sejam de esquerda ou de direita, que provoca uma certa exaustão em relação àquilo que é preciso fazer. Sabemos muito bem que, se neste momento queremos criar crescimento, é necessário ser mais tolerante com a inflação. Se calhar, o Estado pode ter de privatizar e até nacionalizar! Isto pode parecer um escândalo, mas se não houver a regulação dos mercados financeiros ou o Estado nacionaliza os bancos ou os bancos nacionalizam o Estado.
Que é o que está a verificar-se?
É isso que está a suceder, os bancos estão a nacionalizar o Estado ao fazerem o que querem, ao terem perdas como as que se observam. Como os bancos não podem falir, nem pagam IRC como as restantes empresas, é evidente que estão a nacionalizar o Estado português porque cometem todos os erros que querem e têm os lucros que se vê, para os quais os portugueses continuarão a contribuir.
Então, este Governo não será capaz de ter o golpe de asa que sugere?
Vejo com muita dificuldade que possa ocorrer. Penso que neste momento o Governo poderia aproveitar alguma transformação que ocorresse ao nível do Banco Central Europeu, onde há medidas urgentes que têm de ser tomadas. O Banco Central Europeu não pode continuar a ter o papel de emprestar aos bancos a um juro baixo e deixar que estes emprestem caro aos Estados. Nem podemos continuar a ter 10% do nosso PIB em offshores!
Será preciso um novo governo?
Creio que tem de haver medidas mas não acredito que, na situação em que vivemos, elas venham por iniciativa própria. Nem deste Governo nem, provavelmente, do que lhe suceder! Porque o que se vê num outro governo é que vão aprofundar-se medidas iguais. Será uma austeridade multiplicada.
In DN
"Com estas medidas de austeridade Portugal não vai pagar a dívida"
por JOÃO CÉU E SILVA
Hoje
A 24 horas de ser anunciada a concessão do Prémio México de Ciência e Tecnologia, o primeiro português e cientista social a recebê-lo analisa a situação nacional e a crise mundial provocada pela especulação dos mercados financeiros. Será o Presidente mexicano que, dia 14, lhe entregará o galardão pelo trabalho no espaço ibero-americano, semanas após lhe ter também sido concedida uma bolsa de 2,4 milhões de euros para desenvolver as suas ideias
Por que razão é que os portugueses não se revoltam perante a imposição destas medidas de austeridade tão violentas?
Reformularia a pergunta para "porque é que ainda não se revoltaram?", ou faz parecer que nunca se revoltarão. Basta lembrar que também pensávamos que não haveria mudança na sociedade portuguesa devido aos nossos brandos costumes, e houve o 25 de Abril.
Que foi uma revolta tirada a ferros!
Sim, que começou como uma revolta militar dos que tinham o poder e ficaram desafectos dele porque os tinha metido no pesadelo e na armadilha de uma guerra colonial que nunca se poderia vencer. E o povo respondeu de uma maneira criativa a esse processo.
Desta vez não se vislumbram capitães para liderar a contestação.
Neste momento, não. Em primeiro lugar, porque os portugueses ainda não se deram conta de todas as consequências das medidas que estão a ser tomadas. Que nem serão as medidas definitivas, porque enquanto não forem regulados os mercados financeiros quaisquer planos de austeridade vão ser seguidos por novos planos de austeridade, porque os mercados estão numa fase absolutamente insaciável. Em segundo lugar, ainda estamos numa fase do susto.
Por isso é que a reacção demora?
Após um discurso de austeridade, as pessoas começaram a ver os salários, as pensões e as participações nos medicamentos a ser cortados, mas este tratamento ainda não entrou tão profundamente nos bolsos quanto acontecerá no futuro. Sobretudo, ainda não entrou na cabeça das pessoas e elas não se deram conta de que a erosão é irreversível e não ficará por aqui.
Irreversível em que sentido?
De que o nível de vida a que se habituaram nas últimas duas ou três décadas vai deixar de existir. Os filhos, eventualmente, podem vir a retomá-lo, mas eles, certamente, estão num período de declínio do nível de vida e não vão recuperá- -lo nos próximos anos.
Mesmo com tantas promessas?
Por mais que os políticos digam que vai demorar cinco anos, os danos são muito mais profundos do que se pode imaginar agora e ainda vai levar tempo para se darem conta dos verdadeiros efeitos. A verdade é que Portugal passou 48 anos em ditadura e os hábitos democráticos expressos nos conflitos e contradições sociais não foram vividos tão intensamente como noutros países da Europa.
Tal como a Grécia ou a Itália?
A Grécia teve um período de ditadura entre 1967 e 1974, mas tem uma tradição de sociedade civil organizada, enquanto a Itália tem um sistema político relativamente desconectado das formas de organização da sociedade civil. Portugal perdeu nesse meio século o período em que as sociedades se organizaram para a convivência democrática que originou a actual Europa.
Mas conseguiram unir forças para derrotar o projecto de reformas do 1.º Governo de José Sócrates.
Os portugueses têm-se organizado para questões pontuais e sectoriais em que os interesses estão mais organizados. No caso dos professores, tal como na função pública, há uma forma de organização sindical bastante forte, mas é evidente que não reagem espontaneamente para grandes manifestações como vemos em França, onde não foram apenas os sindicalistas que se revoltam mas o cidadão comum, quando chegou à conclusão de que bastava.
Estranhou que tivéssemos sido o único país que realiza uma Cimeira da NATO sem um único conflito?
Não temos grande tradição de mobilização e de contestação social. Mesmo as greves gerais, ao contrário doutros países, não foram complementadas com grandes manifestações de rua, porque as centrais sindicais têm temor do fracasso. Isto é característico da sociedade portuguesa, mas nada diz que amanhã não seja diferente.
As grandes contestações às medidas de austeridade vieram de sectores inesperados: do presidente socialista do Governo dos Açores e dos magistrados. Porquê?
São formas diferentes de contestação e processos políticos distintos. Temos, por um lado, as acções sindicais, os movimentos e as organizações da sociedade que se associam aos sindicatos e o cidadão em geral. Por outro lado, temos os interesses organizados e, mais complicados, quando mete órgãos de soberania na contestação.
Quando os magistrados não aceitam o mesmo corte de grande parte dos portugueses, estamos perante uma defesa corporativa?
Nesse caso, sim. Mas as providências cautelares não se dirigem apenas aos salários dos magistrados.
Até agora, quem lidera a contestação é o poder judicial. É normal?
O que temos neste momento é uma iniciativa judicial que em democracia é saudável. Não está a ser feita por desobediência civil a greve de magistrados judiciais, mas através de um mecanismo judicial que visa confrontar estas medidas com a nossa própria Constituição.
Ao dizer que os portugueses ainda não se revoltaram é porque prevê que haja alguma convulsão?
É muito difícil fazer essa previsão. Aliás, penso que os sociólogos são muito bons a prever o passado e muito maus no que respeita ao futuro. Principalmente, em situações de grande turbulência como a que estamos a assistir. Aliás, podemos dizer que aquilo que é impensável hoje pode ser inevitável amanhã: que o euro acabe, por exemplo. Pode ser que daqui a um tempo passe de impensável a inevitável com uma fractura dentro do euro. Por outro lado, sabemos que não são as desigualdades sociais nem as formas de empobrecimento que automaticamente provocam contestação, ou os sistemas despóticos não tinham funcionado. Os sistemas mais autoritários e desiguais criam formas de resignação que tiram às pessoas a capacidade de autonomia para se revoltarem. Ficam com medo do patrão e do que lhes pode acontecer, ou seja, não é automático que o agravamento das condições económicas leve à contestação política.
Mesmo em democracia?
É evidente que as situações de conflito vão surgir em Portugal e em toda a Europa. É evidente que, quando se fala de contágio dos mercados, não se deve pensar que está apenas a esse nível mas que quando os portugueses vêem os espanhóis, os gregos ou os franceses a revoltar-se é natural que se questionem: "Afinal, por que razão é que nós não nos revoltamos perante uma situação que até é mais injusta?" É bom não esquecer que Portugal tinha em 2009 as contas muito mais equilibradas do que a Grécia ou a Irlanda.
Mas se vier um PEC IV?
O que é bem provável vir a acontecer porque os portugueses ainda não se deram conta de que estão numa situação em que a soberania dos Estados - não havendo uma regulação dos mercados financeiros - está sujeita aos abutres financeiros. Uma das coisas que me horroriza é dizer-se na comunicação social cobras e lagartos do Estado ou que a festa acabou e que Portugal é insustentável, enquanto ninguém é tão veemente no que respeita ao facto de os mercados financeiros poderem ganhar rios de dinheiro com a nossa crise e até se façam apostas para ver se a dívida portuguesa será paga e que se ganhe muito dinheiro na aposta. Isto é crime contra a humanidade!
Há anos dizia que o mundo pós- guerra tinha duas superpotências: Estados Unidos e agência Moody's. O que mudou foi deixarem de ser contra o Terceiro Mundo e virarem-se para a União Europeia?
Exactamente, essa minha previsão deu certo! Neste momento, estamos nas mãos das agências de notação e algo deve estar profundamente errado quando os juros da dívida de Espanha são iguais aos do Paquistão. Acho que estamos a entrar numa disjunção que pode provocar contestação e é provável que ocorra ao nível europeu em geral e, portanto, em Portugal.
Voltemos a prever. O que se segue?
Penso que nos próximos anos vamos estar perante esta opção: mercados sem fim ou democracia sem fim. Ou seja, os mercados vão regular tudo e assistiremos a um empobrecimento da grande maioria e ao enriquecimento absolutamente injusto de uns poucos.
A União Europeia não conseguirá responder aos mercados?
Essa é outra questão que nem os portugueses nem os europeus estão a ver bem. Porquê? Se para Portugal a Europa foi até agora um benefício líquido que, desde 1986, alavancou um desenvolvimento notável através dos fundos estruturais e de coesão que nos deram oportunidades que se pensavam que eram sustentáveis, o que estamos a verificar é que a Europa desse período não é a de agora. Mudou, sem que se tenha alterado institucionalmente situações como o aprofundamento. Por isso, é dominada por interesses egoísticos nacionais.
A solução da actual crise passa pela forte ajuda da União Europeia?
De uma coisa estou certo, a Grécia nunca vai poder pagar esta dívida à União Europeia se não houver uma reestruturação da dívida. Nem a Irlanda vai conseguir! Estes processos só resultam com um perdão de parte dessa dívida. Como se fez à Alemanha em 1950. As dívidas pagam-se com dinheiro, não é? De onde é que vem o dinheiro para o Estado? Dos impostos. De onde é que vem o dinheiro dos impostos? Do crescimento económico! Se não houver emprego e crescimento económico não encontro forma de a Grécia, a Irlanda, e de amanhã Portugal, a Espanha ou a Itália também pagarem. São os que estão na fila - Portugal, Espanha e Itália - e os mercados financeiros estão a apostar na bancarrota destes países porque vão ganhar muito dinheiro até que ela ocorra. Como é que é possível que os países funcionem nesta base quando se aposta na nossa falência e no lucro que ela dá?
Então, Portugal não será capaz de pagar a sua dívida?
Se estas medidas de austeridade de curto prazo não forem compensadas com as de médio prazo, que só podem vir da União Europeia, para poder repor o crescimento económico, Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda não poderão pagar a sua dívida porque entrarão numa fase de estagnação económica e ficarão sem recursos para pagar. Precisamos de medidas a médio prazo e de uma refundação da Europa com políticas conjuntas e solidárias, de modo a que a Europa se afirme como uma alternativa aos Estados Unidos e não permaneça totalmente subserviente da desregulação dos mercados.
Mesmo quando a economia dos Estados Unidos já não é tão forte?
Os mercados favorecem, acima de tudo, os Estados Unidos, e não se pode deixar de pensar que estavam preocupados com a estabilidade do euro. Os Estados Unidos não tinham interesse em que o euro fosse uma moeda estável e, portanto, o ataque especulativo à Zona Euro começou pelos países mais fracos. Como os dirigentes europeus, com grande miopia e desconhecimento histórico, aceitaram que esta lógica suicida avançasse, bipolarizou-se a periferia e o centro da Europa perante a crise. Só que o que acontece à periferia hoje aparecerá no centro amanhã.
O Presidente Obama defraudou a confiança europeia?
Penso que sim.
Não é o tal amigo europeu?
Não é, de modo nenhum. Aliás, Obama desilude a muitos outros níveis porque tem a concepção de que acima de tudo é preciso defender os Estados Unidos. Está numa lógica nacionalista e como o seu país está em crise, procura ganhar alguns pontos à Europa.
Houve boa aplicação dos fundos estruturais em Portugal?
Acho que não. Deveríamos tê-los utilizado de uma maneira muito diferente: numa aposta na educação que foi menos forte do que poderia ter sido. Temos, no entanto, feito uma boa aposta na ciência e na promoção do sistema científico nacional, apesar de não se ter feito a articulação da investigação científica com o desenvolvimento tecnológico. Para isso, falta-nos uma economia mais assente na grande inovação tecnológica, só que os lóbis ganharam e grande parte dos investimentos foram em exagero, mesmo se necessitássemos deles para auto-estradas.
Se Portugal não consegue liderar na agricultura e na indústria, como é que iria fazê-lo na revolução tecnológica ou do conhecimento?
A agricultura foi um péssimo negócio em que Portugal entrou. Tínhamos uma das agriculturas familiares mais fortes da Europa e foi destruída em meia dúzia de anos porque o modelo agrícola da Europa é de grande extensão e de grandes empresas agrícolas e industriais. A nossa produção familiar até era produtiva ao seu nível e produzia, por vezes, também para o mercado. Hoje, está-se a tentar recuperar na Europa a agricultura familiar e nós, que tínhamos o potencial de ser a reserva da Europa da agricultura orgânica, ficámos para trás. As coisas foram feitas em Portugal sob complexos históricos do colonialismo e da ditadura e, quando se deu a entrada na União Europeia, aceitámos as coisas de uma maneira totalmente acrítica. A negociação não foi tão boa quanto devia ser feita.
A culpa é só dos governos ou também dos próprios portugueses?
É muito difícil responder porque eu sou daqueles que pensam que o Estado e a sociedade não se opõem mas crescem organicamente. Os Estados que são fortes e as sociedades civis fortes - o caso da Suécia e dos países nórdicos - têm sociedades civis muito organizadas e autónomas a par de Estados democraticamente fortes. Portanto, de alguma maneira, o Estado é o espelho da sociedade e não o seu oposto. Também, por isso, muitas críticas que se fazem ao Estado deviam fazer-se também aos empresários que não estiveram à altura das circunstâncias e das oportunidades dadas.
Qual deveria ter sido a resposta?
Tivemos sempre uma burguesia muito dependente de mercados cativos - o das colónias, anteriormente - e mantivemo-los com as benesses dos fundos estruturais da Europa. E isso pode resultar da ineficiência do Estado e pode estar também ao nível dos cidadãos e da sua pequena motivação dentro da organização social. O que é estranho porque os portugueses motivam-se extraordinariamente quando emigram e são extraordinários produtores e empresários
Mas só em condições adversas?
Sempre disse que o nosso grande problema está nos empresários, que não estiveram à altura do risco e da capacidade de criar riqueza numa janela de oportunidade que tivemos e que praticamente se começou a esgotar no ano 2000. Foi a partir daí que começámos a derrapar e a deixar de nos aproximarmos da Europa. Desde então, temos vindo a distanciar-nos da média europeia e iremos continuar por esse caminho.
Nem com as medidas já tomadas se pode evitá-lo ?
Estes planos de austeridade podem acalmar os mercados - que são essa coisa mítica, mas que têm uma alma e vontade política por detrás desses falsos automatismos - e resolver a curto prazo o problema do défice orçamental, que é o problema de 2011. Mas não irão resolver a médio prazo porque nesse caso só temos uma solução: criar emprego e ter algum crescimento económico.
Que vai contra todas as medidas que o Governo está a tomar?
Neste momento, é essa a situação. A médio prazo, podemos vir a ter uma recessão, ainda por cima num conjunto europeu em que o nosso maior cliente é a Espanha, que, provavelmente, vai estar em situação muito semelhante. Precisaríamos de golpes de asa, de medidas europeias e também de políticas inovadoras por parte dos nossos líderes. Situações excepcionais exigem soluções também excepcionais.
Considera que este Governo já não conseguirá dar esse golpe de asa?
Nos governos europeus em geral criou-se uma ortodoxia que está a atravessar todos os líderes, sejam de esquerda ou de direita, que provoca uma certa exaustão em relação àquilo que é preciso fazer. Sabemos muito bem que, se neste momento queremos criar crescimento, é necessário ser mais tolerante com a inflação. Se calhar, o Estado pode ter de privatizar e até nacionalizar! Isto pode parecer um escândalo, mas se não houver a regulação dos mercados financeiros ou o Estado nacionaliza os bancos ou os bancos nacionalizam o Estado.
Que é o que está a verificar-se?
É isso que está a suceder, os bancos estão a nacionalizar o Estado ao fazerem o que querem, ao terem perdas como as que se observam. Como os bancos não podem falir, nem pagam IRC como as restantes empresas, é evidente que estão a nacionalizar o Estado português porque cometem todos os erros que querem e têm os lucros que se vê, para os quais os portugueses continuarão a contribuir.
Então, este Governo não será capaz de ter o golpe de asa que sugere?
Vejo com muita dificuldade que possa ocorrer. Penso que neste momento o Governo poderia aproveitar alguma transformação que ocorresse ao nível do Banco Central Europeu, onde há medidas urgentes que têm de ser tomadas. O Banco Central Europeu não pode continuar a ter o papel de emprestar aos bancos a um juro baixo e deixar que estes emprestem caro aos Estados. Nem podemos continuar a ter 10% do nosso PIB em offshores!
Será preciso um novo governo?
Creio que tem de haver medidas mas não acredito que, na situação em que vivemos, elas venham por iniciativa própria. Nem deste Governo nem, provavelmente, do que lhe suceder! Porque o que se vê num outro governo é que vão aprofundar-se medidas iguais. Será uma austeridade multiplicada.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"O eventual recurso ao FMI não pode deixar de ter consequências políticas"
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"O eventual recurso ao FMI não pode deixar de ter consequências políticas"
por João Marcelino
Hoje
Esta é a última entrevista de fundo que Pedro Passos Coelho concede até ao fim da campanha presidencial em curso. A partir de agora, só fará intervenções pontuais, e uma delas está marcada para Vila Real, ao lado de Cavaco Silva, num comício.
Percebe-se o cuidado. O presidente do PSD, que as sondagens vão insistentemente colocando como favorito a primeiro-ministro se umas eleições pudessem vir a ocorrer brevemente, está a gerir milimetricamente o discurso e não quer intrometer-se em demasia numa campanha que lhe não diz respeito. A estratégia é clara desde o primeiro dia e visa o poder executivo. Nesse âmbito, quer explicar como o PSD está preparado para assumir o poder, mas também quer deixar claro que não tem qualquer pressa. Ele e o seu partido estão aqui se os portugueses precisarem e se o Governo de José Sócrates falhar. Neste caso, "falhar" significa a entrada do FMI em Portugal. Nessa eventualidade, fica explícito que o PSD defenderá que o Governo tem de mudar, e num outro quadro parlamentar. Eleições, portanto.
Já disse que em 2011 o PSD tem de estar preparado para todas as eventualidades. Significa isso que está com pressa de chegar ao poder?
Nenhuma! A obrigação do PSD, como maior partido da oposição, é preparar-se para governar. É isso que o País espera que o principal partido da oposição faça. E o facto de há bastante tempo, infelizmente, o País estar confrontado com uma situação de grande dificuldade, apenas responsabiliza mais, também, essa função do principal partido da oposição. Nós estamos prontos para assumir responsabilidades se isso for necessário para o País, mas não temos pressa nenhuma.
Mas não se sente da parte do partido, face ao alento das sondagens, essa vontade de chegar rapidamente ao poder?
Não, não. Os partidos, como é natural, têm um programa e têm uma visão e um projecto para o País que só podem realizar de forma plena quando estão no Governo, e desse ponto de vista o objectivo dos partidos é ganharem as eleições e governarem, não é perderem as eleições e fazerem oposição. Mas o que aconteceu nas últimas eleições legislativas é que o PSD não ganhou as eleições, perdeu-as. Significa isso, portanto, que os seus militantes, os seus quadros políticos, estão empenhados em qualificar o PSD aos olhos dos portugueses, de modo que eles vejam no PSD uma alternativa de Governo. Essa alternativa acontecerá quando o País precisar dela.
Este, aparentemente, vai ser um ano muito difícil. Para...
Deixe-me, já agora, só dizer o seguinte: hoje, infelizmente, a maior parte das pessoas tem o realismo de perceber que os próximos anos vão ser anos de dificuldades, não vão ser anos em que os governos que assumam responsabilidades para futuro tenham uma herança fácil para poder fazer o bonito aos olhos dos portugueses. Portanto, não é com certeza a olhar para um caminho de maior facilidade que o PSD se prepara para governar. O PSD deve preparar-se para governar, sabendo que não vai ser fácil, que não vai poder distribuir grandes ambições, mas que é possível mudar o rumo que está a ser seguido no País e encontrar um futuro de maior esperança.
Uma pergunta muito concreta: se Portugal tivesse de recorrer à ajuda externa, isso significaria que teria de haver novo Governo, ou este Governo poderia continuar em funções depois de ter pedido uma ajuda externa ao FMI e recorrido aos fundos europeus?
Pelo menos, desde que fui eleito presidente do PSD, mas, julgo que é justo dizê-lo, também ainda antes com a Dr.ª Manuela Ferreira Leite, o PSD fez tudo o que estava ao seu alcance para evitar uma situação dessas em Portugal. O que significa que, apesar de ter perdido as eleições e de estar na oposição, o PSD não se opôs ao Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), viabilizou o primeiro Orçamento do Estado de um Governo minoritário liderado pelo PS, acabou de viabilizar um segundo Orçamento do Estado, que impõe mais realismo na forma como as contas públicas devem ser geridas, e ainda acordou em Maio do ano passado um conjunto de alterações ao Programa de Estabi- lidade e Crescimento, que trouxe mais impostos e uma promessa de corte de despesa, que depois acabou por não se efectivar porque o Governo, realmente, não conseguiu concretizá-la. O que é que isto significa?
(Interrompendo) Depois de nos recordar o que já sabemos, responda à pergunta.
... O que é que isto significa? Significa que o PSD fez tudo o que estava ao seu alcance para evitar que Portugal chegasse a uma situação de bancarrota ou de insolvência, em que precisasse de recorrer ao exterior, nomeadamente ao Fundo Monetário Internacional(FMI) e ao Fundo de Estabilização Europeia. E deu ao Governo todas as condições para que isso não acontecesse.
E se isso vier a acontecer?
Se isso vier a acontecer nesta altura, não tenho nenhuma dúvida: representará um falhanço político grande e grave do Governo.
Portanto, o PSD quererá um novo governo?
Aquilo que acontecerá é que o País não poderá deixar de seguir em frente, não poderemos deixar de adoptar as medidas que forem necessárias numa altura em que Portugal precisar de recorrer à ajuda externa, mas significa que iremos tirar conclusões políticas sobre o que nos conduziu a essa situação e à responsabilidade de quem liderou o País nesse caso.
E, portanto, o PSD apresentaria imediatamente uma moção de censura no Parlamento?
Não, não. Não vou...
Era possível, no actual quadro parlamentar, gerar uma solução governativa?
Deixe-me dizer-lhe: eu não vou fazer nesta altura nenhuma antecipação de cenários quanto ao que poderá vir a acontecer se as coisas correrem mal. Vamos pôr a questão noutros termos: espero que as coisas não corram mal e que não precisemos de recorrer à ajuda externa; é isso que prefiro que aconteça em Portugal. Até porque, julgo que as pessoas entendem isso bem; se precisarmos de recorrer à ajuda externa, ela será bem-vinda, é evidente - é porque precisamos mesmo dela. Mas significa, também, que aos olhos da maior parte da comunidade internacional Portugal terá falhado nos seus objectivos, e isso tem um custo reputacional pesado para o País. E significa que quem governar na sequência dessa fraca reputação terá mais dificuldades em governar do que sem essa situação ocorrer. Nós não temos nenhum interesse nessa situação.
Politicamente, se isso vier a acontecer, terá de ter consequências políticas?
Não pode deixar de ser! Pelo seguinte: se nós precisarmos de recorrer à ajuda externa, significa que a estratégia que estava a ser seguida, ou a ausência dela, falhou e conduziu o País a uma situação que era indesejável. Ora, quem conduz o País a uma situação dessa natureza não tem condições para poder, no dia a seguir, liderar a recuperação. E o País, precisando de passar à frente disso, terá de encontrar as saídas necessárias para poder encontrar um governo que consiga liderar essa recuperação.
E isso só pode fazer-se com novas eleições, ou pode ser feito no actual cenário do quadro parlamentar?
Julgo que numa entrevista que realizei, justamente com o Diário de Notícias, já há bastante tempo, disse uma coisa que mantenho hoje. No actual quadro parlamentar, não é possível fazer nenhum governo que não inclua o PS, que actualmente está no Governo. Significa que mudar de governo significa, primeiro, ouvir os portugueses. E só um governo escolhido novamente pelos portugueses terá força suficiente para liderar a recuperação do País;, não há outra alternativa. Agora, saber como é que isso se vai fazer, não vale a pena estarmos a perder tempo a antecipar cenários. No dia em que o País precisar de mudar de Governo, encontrará as formas adequadas de escolher um novo governo. Não tenho dúvida disso.
O Governo está a cumprir a parte do acordo que fez com o PSD para viabilizar o Orçamento?
Nesta altura, a expectativa que existe é de que o Governo execute o Orçamento que aprovou, de modo a atingir o objectivo dos 4,6% para o défice. O que significa voltar a ganhar a confiança externa em Portugal e ainda fazer a reavaliação das parcerias público-privadas e das concessões públicas, e criar uma entidade autónoma e independente do Governo que ajude a credibilizar a política orçamental e as contas públicas em Portugal. Esses dois grupos de trabalho, que no acordo que fizemos com o Governo estava previsto que fossem constituídos - um para proceder à reavaliação mesmo das parcerias público-privadas, o outro para propor ao Governo e ao Parlamento uma solução de uma entidade a criar -, foram finalmente constituídos, justamente no princípio desta semana.
E o que espera da actuação dessas duas entidades?
Espero que a missão de que foram incumbidas as pessoas que convidámos se concretize, isto é, que haja nos próximos seis meses uma reavaliação de todos os investimentos decididos, quer já tenham sido concretizados, quer estejam em fase de arranque. E isso é muito importante numa altura em que atingimos um endividamento recorde, face à perspectiva para os nossos credores, em particular de que o País tem o bom senso, naquilo que ainda vai a tempo de rever e travar face às novas condições financeiras e aos constrangimentos do financiamento da economia que enfrentamos. Tudo o que ainda se puder travar, e para que se possa de alguma forma encontrar alternativas úteis, o País deve fazê-lo. O que espero é que essa comissão, esse grupo de trabalho, possa nos próximos seis meses fazer essa reavaliação. E vamos esperar pelo resultado.
Quero fazer-lhe uma pergunta concreta neste domínio. Neste mesmo espaço, José Sócrates, há poucas semanas, deixou bastante claro que considera o TGV um investimento estratégico para o País. Qual é o entendimento que o PSD tem sobre este assunto, em função do acordo que fez para a viabilização do Orçamento?
Nós sabemos o que o primeiro-ministro e o Governo pensam do TGV e de outras obras e grandes investimentos que decidiram! E que, de resto, contribuíram em larga escala para que a percepção do exterior sobre Portugal se degradasse. Nós sabemos o que o Governo pensa sobre isso. E o País também sabe que o PSD não tem esse entendimento, tem outro. Por essa razão é que decidimos com o Governo criar uma comissão, um grupo de trabalho com autonomia e com afastamento, quer em relação ao Governo, quer em relação ao PSD, que tecnicamente pudesse fazer essa reavaliação, dado que politicamente temos perspectivas diferentes sobre o assunto. Agora, há duas coisas sobre as quais a visão política...
Portanto, não tem uma posição fechada sobre a questão do TGV?
A posição que temos sobre o TGV é conhecida!
Deve ser adiado?
Nesta altura, o TGV não deve ser realizado! Do nosso ponto de vista, um país que enfrenta a maior dívida externa - em percentagem do produto, uma das maiores do mundo - e que está a endividar-se, seguramente, à maior velocidade - pelo menos ao nível dos países mais ricos ao nível da OCDE -, não pode estar a comprometer o futuro com investimentos dessa grandeza. Mas, como lhe disse, aguardamos a decisão que sobre estas matérias esse grupo de trabalho vai realizar. E não quero, sobre isso, produzir nenhum condicionamento ao trabalho que o grupo vai fazer. Há duas coisas que sabemos. Em primeiro lugar, o financiamento externo é hoje muito mais difícil e muito mais caro do que era quando essas obras, ou esses projectos, foram decididos. E, portanto, se tivéssemos de os decidir nas circunstâncias, hoje, de grande restrição financeira, julgo que só alguém muito distante da realidade é que supõe que a decisão pudesse ser a mesma. A segunda coisa é que o conjunto das decisões que já foram sendo tomadas nestes anos todos comprometem a sustentabilidade das finanças públicas portuguesas. Portanto, uma coisa é estarmos a analisar cada um dos projectos, outra é saber que impacto para os próximos dez ou 15 anos vão ter todos os projectos que foram sendo aprovados fora do Orçamento do Estado. Quanto vão pesar em impostos aos portugueses nos orçamentos dos próximos dez ou 15 anos. E, hoje, esse peso é muito grande.
Para terminarmos esta parte económica: acredita que as medidas anunciadas chegarão para controlar a despesa pública, atingir o défice previsto e melhorar a relação com quem nos empresta o dinheiro lá fora?
O Governo comprometeu-se a fazer uma redução muito grande da despesa pública, e nós não colocaremos obstáculos às medidas que o Governo entender que são necessárias...
Adicionais?
Às medidas que o Governo, no Orçamento, se comprometeu a tomar para reduzir essa despesa. Isso não é o suficiente. No entanto, para resolver o problema do futuro do País, vamos ver se nos entendemos. Nós precisamos de voltar a crescer. Sem isso não vai haver mais emprego, não vai haver mais riqueza para distribuir, não vai haver hipótese de diluir muita da despesa social na riqueza que é criada...
Vai dizer que Portugal precisa de menos Estado para libertar a pressão sobre a economia?
Também precisa! Mas nós precisamos de pôr as nossas finanças públicas em ordem e de gastar de acordo com as nossas possibilidades, e, portanto, de gastar muito menos. Essa é a primeira condição, e o Estado é daqueles que mais gastam: gasta quase metade da riqueza que produzimos. É indispensável que o Governo, portanto, tenha um programa forte de redução desta despesa e não ande a fingir em 2011 como andou a fingir em 2010 que estava a cortar a despesa. É preciso cortá-la mesmo!
Cortá-la em que áreas?
Onde o Governo se comprometeu a cortar! Isso já está decidido no Orçamento do Estado. Agora, o problema não é esse. Nós podemos cumprir o Orçamento e, no entanto, ter um país pobre! Se quisermos voltar a ter emprego, precisamos de criar riqueza, e para criar riqueza precisamos, como dizia há pouco, de fazer reformas na raiz dos problemas. Sem reformar seriamente o Estado e sem libertar recursos para a economia privada, não vamos conseguir concretizar esta visão do País. Isso significa que o Governo, além de cumprir este Orçamento, tem de ter uma estratégia, tem de apresentar ao País uma estratégia de reforma estrutural da administração do Estado, mas também de várias das políticas públicas sem as quais, evidentemente, os cortes que vão ser feitos serão cortes cegos e terão consequências pesadas para futuro.
Tem-se acusado muito o PSD, nos últimos meses, de estar contra o Estado social, sobretudo na saúde e noutros domínios. Muito resumidamente, quer esclarecer a sua posição face ao Estado social e que dimensão é que ele deve ter?
Mas parece irónico, não é? Porque, realmente, houve quem se tivesse escandalizado muito por nós dizermos, no Verão do ano passado, que precisávamos de reformar o nosso modelo de Estado social para que ele seja sustentável e para que possa ser justo. E quando decidimos, penso eu com alguma coragem, avançar com ideias de reforma de políticas públicas na área da educação, da saúde, do emprego, praticamente acusaram-nos de querer destruir o Estado social. Mas repare que o actual Governo tem feito mais para pôr em causa o Estado social do que qualquer das medidas que nós, na altura, avançámos. Aquilo que se nota, de resto, é que não há uma estratégia de reforma desse Estado social. Veja o caso da saúde, que penso que é escandaloso: não há nenhum mês em que não seja divulgada uma nova lista de comparticipações em medicamentos que o Estado deixa de fazer; não há nenhum mês em que não paire a dúvida sobre qual o défice mais avolumado na área da saúde, que está reflectido em prazos cada vez mais elevados que os hospitais enfrentam para pagar aos seus fornecedores, o que significa que há serviços de saúde que são prestados aos cidadãos que podem vir a estar em causa se não houver uma reforma séria do financiamento. O Governo diz que não quer mexer no financiamento, mas acabou de apresentar uma decisão em que aumenta as taxas moderadoras! Não sabemos em que estudo se baseou, o que se espera do aumento dessas taxas moderadoras, se elas contribuem ou não para resolver o problema do financiamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS)...
O PSD tem uma estratégia clara em relação ao SNS e à dimensão que ele deve ter em Portugal?
Com certeza que sim, e não deixaremos de o apresentar! De resto, é impensável que um partido se proponha governar e não apresente ao País - em áreas fundamentais como são a justiça, a saúde, a educação, a reforma do Estado - o que pensa.
E aí, em todos esses campos, o PSD pretende agilizar o papel do Estado, mas não pretende pôr em causa aquilo que é conhecido como o Estado social?
Nós precisamos de ter coesão social. O PSD é um partido social-democrata, o que significa que...
(Interrompendo) Às vezes, a propósito da sua chegada ao poder [no partido], diz-se que se quer tornar mais liberal e menos social-democrata...
Não vejo incompatibilidade em ser-se social-democrata e defender-se a iniciativa privada, e em defender que o Estado não seja um peso para as empresas e para as pessoas. Antes pelo contrário! Veja a situação que temos hoje: o Estado pesa demais em termos financeiros, por isso é que muitas empresas vão fechar em Portugal este ano, infelizmente. É porque o perímetro público, administração directa e indirecta do Estado - estamos a pensar nos institutos públicos, nas empresas públicas, nas obras públicas que as empresas privadas estão a realizar com dinheiro privado avançado para o Estado -, tudo isto representa mais de um terço do endividamento das empresas privadas em Portugal. Significa que muitas empresas, pequenas e médias, sobretudo, vão fechar as portas porque não conseguem aceder a crédito, a financiamento, para a sua actividade. Porquê? Porque o Estado, as suas empresas públicas e os seus institutos públicos recorrem a muito do financiamento da riqueza que está disponível na sociedade. Ora isso, hoje, tem um peso muito negativo para a nossa economia e, portanto, para o emprego também.
Para terminarmos esta parte da entrevista, o Diário de Notícias começou a publicar esta semana um levantamento...
Mas deixe-me só concluir dizendo isto: nós precisamos de ter um Estado que seja inteligente e que seja eficaz, não necessariamente maior do que aquele que temos hoje, antes pelo contrário! Que tenha mais independência sobre os privados, que seja mais qualificado. Precisamos de qualificar a nossa administração pública, precisamos de garantir os serviços de qualidade nas políticas públicas, na saúde, na educação, na justiça! Agora precisamos de ter um modelo de de-senvolvimento que seja produtivo, orientado sobretudo para o comércio internacional e para a internacionalização da economia, liderado pela iniciativa privada e não pelo Estado. E isso significa uma orientação de política económica completamente distinta daquela que tem sido seguida nos últimos anos!
Volto à pergunta que estava a tentar fazer-lhe. O Diário de Notícias começou esta semana a publicar um dossier que visa fazer um levantamento do Estado e do peso que ele tem. Um dos dados que surgiram é que temos cerca de 14 mil organismos que dependem do Estado, que só 1700 apresentam contas e que o Tribunal de Contas só tem capacidade para vistoriar cerca de 417 desses organismos. Tinha noção dessa realidade?
Sim, e temos insistido muito no tema da reforma do Estado justamente por causa disso.
Não vê aqui culpas, tanto do PS como do PSD, do estado a que Portugal chegou?
Com certeza que sim. Disse-o antes de ser líder do PSD e mantenho-o hoje. Em matéria de Estado, ninguém aqui deve andar a atirar pedras a ninguém. Nem nos conduz a nenhum resultado interessante estar a saber agora se criámos mais institutos ou menos institutos. O País hoje tem um peso demasiado elevado de toda a área pública, temos institutos a mais, temos transparência a menos, e isso tem de mudar! Agora, é um facto que, nos últimos anos, sobretudo nos últimos 15 anos, esse peso mais que duplicou, é verdade. É uma constatação, e isso tem rostos e responsáveis.
In DN
"O eventual recurso ao FMI não pode deixar de ter consequências políticas"
por João Marcelino
Hoje
Esta é a última entrevista de fundo que Pedro Passos Coelho concede até ao fim da campanha presidencial em curso. A partir de agora, só fará intervenções pontuais, e uma delas está marcada para Vila Real, ao lado de Cavaco Silva, num comício.
Percebe-se o cuidado. O presidente do PSD, que as sondagens vão insistentemente colocando como favorito a primeiro-ministro se umas eleições pudessem vir a ocorrer brevemente, está a gerir milimetricamente o discurso e não quer intrometer-se em demasia numa campanha que lhe não diz respeito. A estratégia é clara desde o primeiro dia e visa o poder executivo. Nesse âmbito, quer explicar como o PSD está preparado para assumir o poder, mas também quer deixar claro que não tem qualquer pressa. Ele e o seu partido estão aqui se os portugueses precisarem e se o Governo de José Sócrates falhar. Neste caso, "falhar" significa a entrada do FMI em Portugal. Nessa eventualidade, fica explícito que o PSD defenderá que o Governo tem de mudar, e num outro quadro parlamentar. Eleições, portanto.
Já disse que em 2011 o PSD tem de estar preparado para todas as eventualidades. Significa isso que está com pressa de chegar ao poder?
Nenhuma! A obrigação do PSD, como maior partido da oposição, é preparar-se para governar. É isso que o País espera que o principal partido da oposição faça. E o facto de há bastante tempo, infelizmente, o País estar confrontado com uma situação de grande dificuldade, apenas responsabiliza mais, também, essa função do principal partido da oposição. Nós estamos prontos para assumir responsabilidades se isso for necessário para o País, mas não temos pressa nenhuma.
Mas não se sente da parte do partido, face ao alento das sondagens, essa vontade de chegar rapidamente ao poder?
Não, não. Os partidos, como é natural, têm um programa e têm uma visão e um projecto para o País que só podem realizar de forma plena quando estão no Governo, e desse ponto de vista o objectivo dos partidos é ganharem as eleições e governarem, não é perderem as eleições e fazerem oposição. Mas o que aconteceu nas últimas eleições legislativas é que o PSD não ganhou as eleições, perdeu-as. Significa isso, portanto, que os seus militantes, os seus quadros políticos, estão empenhados em qualificar o PSD aos olhos dos portugueses, de modo que eles vejam no PSD uma alternativa de Governo. Essa alternativa acontecerá quando o País precisar dela.
Este, aparentemente, vai ser um ano muito difícil. Para...
Deixe-me, já agora, só dizer o seguinte: hoje, infelizmente, a maior parte das pessoas tem o realismo de perceber que os próximos anos vão ser anos de dificuldades, não vão ser anos em que os governos que assumam responsabilidades para futuro tenham uma herança fácil para poder fazer o bonito aos olhos dos portugueses. Portanto, não é com certeza a olhar para um caminho de maior facilidade que o PSD se prepara para governar. O PSD deve preparar-se para governar, sabendo que não vai ser fácil, que não vai poder distribuir grandes ambições, mas que é possível mudar o rumo que está a ser seguido no País e encontrar um futuro de maior esperança.
Uma pergunta muito concreta: se Portugal tivesse de recorrer à ajuda externa, isso significaria que teria de haver novo Governo, ou este Governo poderia continuar em funções depois de ter pedido uma ajuda externa ao FMI e recorrido aos fundos europeus?
Pelo menos, desde que fui eleito presidente do PSD, mas, julgo que é justo dizê-lo, também ainda antes com a Dr.ª Manuela Ferreira Leite, o PSD fez tudo o que estava ao seu alcance para evitar uma situação dessas em Portugal. O que significa que, apesar de ter perdido as eleições e de estar na oposição, o PSD não se opôs ao Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), viabilizou o primeiro Orçamento do Estado de um Governo minoritário liderado pelo PS, acabou de viabilizar um segundo Orçamento do Estado, que impõe mais realismo na forma como as contas públicas devem ser geridas, e ainda acordou em Maio do ano passado um conjunto de alterações ao Programa de Estabi- lidade e Crescimento, que trouxe mais impostos e uma promessa de corte de despesa, que depois acabou por não se efectivar porque o Governo, realmente, não conseguiu concretizá-la. O que é que isto significa?
(Interrompendo) Depois de nos recordar o que já sabemos, responda à pergunta.
... O que é que isto significa? Significa que o PSD fez tudo o que estava ao seu alcance para evitar que Portugal chegasse a uma situação de bancarrota ou de insolvência, em que precisasse de recorrer ao exterior, nomeadamente ao Fundo Monetário Internacional(FMI) e ao Fundo de Estabilização Europeia. E deu ao Governo todas as condições para que isso não acontecesse.
E se isso vier a acontecer?
Se isso vier a acontecer nesta altura, não tenho nenhuma dúvida: representará um falhanço político grande e grave do Governo.
Portanto, o PSD quererá um novo governo?
Aquilo que acontecerá é que o País não poderá deixar de seguir em frente, não poderemos deixar de adoptar as medidas que forem necessárias numa altura em que Portugal precisar de recorrer à ajuda externa, mas significa que iremos tirar conclusões políticas sobre o que nos conduziu a essa situação e à responsabilidade de quem liderou o País nesse caso.
E, portanto, o PSD apresentaria imediatamente uma moção de censura no Parlamento?
Não, não. Não vou...
Era possível, no actual quadro parlamentar, gerar uma solução governativa?
Deixe-me dizer-lhe: eu não vou fazer nesta altura nenhuma antecipação de cenários quanto ao que poderá vir a acontecer se as coisas correrem mal. Vamos pôr a questão noutros termos: espero que as coisas não corram mal e que não precisemos de recorrer à ajuda externa; é isso que prefiro que aconteça em Portugal. Até porque, julgo que as pessoas entendem isso bem; se precisarmos de recorrer à ajuda externa, ela será bem-vinda, é evidente - é porque precisamos mesmo dela. Mas significa, também, que aos olhos da maior parte da comunidade internacional Portugal terá falhado nos seus objectivos, e isso tem um custo reputacional pesado para o País. E significa que quem governar na sequência dessa fraca reputação terá mais dificuldades em governar do que sem essa situação ocorrer. Nós não temos nenhum interesse nessa situação.
Politicamente, se isso vier a acontecer, terá de ter consequências políticas?
Não pode deixar de ser! Pelo seguinte: se nós precisarmos de recorrer à ajuda externa, significa que a estratégia que estava a ser seguida, ou a ausência dela, falhou e conduziu o País a uma situação que era indesejável. Ora, quem conduz o País a uma situação dessa natureza não tem condições para poder, no dia a seguir, liderar a recuperação. E o País, precisando de passar à frente disso, terá de encontrar as saídas necessárias para poder encontrar um governo que consiga liderar essa recuperação.
E isso só pode fazer-se com novas eleições, ou pode ser feito no actual cenário do quadro parlamentar?
Julgo que numa entrevista que realizei, justamente com o Diário de Notícias, já há bastante tempo, disse uma coisa que mantenho hoje. No actual quadro parlamentar, não é possível fazer nenhum governo que não inclua o PS, que actualmente está no Governo. Significa que mudar de governo significa, primeiro, ouvir os portugueses. E só um governo escolhido novamente pelos portugueses terá força suficiente para liderar a recuperação do País;, não há outra alternativa. Agora, saber como é que isso se vai fazer, não vale a pena estarmos a perder tempo a antecipar cenários. No dia em que o País precisar de mudar de Governo, encontrará as formas adequadas de escolher um novo governo. Não tenho dúvida disso.
O Governo está a cumprir a parte do acordo que fez com o PSD para viabilizar o Orçamento?
Nesta altura, a expectativa que existe é de que o Governo execute o Orçamento que aprovou, de modo a atingir o objectivo dos 4,6% para o défice. O que significa voltar a ganhar a confiança externa em Portugal e ainda fazer a reavaliação das parcerias público-privadas e das concessões públicas, e criar uma entidade autónoma e independente do Governo que ajude a credibilizar a política orçamental e as contas públicas em Portugal. Esses dois grupos de trabalho, que no acordo que fizemos com o Governo estava previsto que fossem constituídos - um para proceder à reavaliação mesmo das parcerias público-privadas, o outro para propor ao Governo e ao Parlamento uma solução de uma entidade a criar -, foram finalmente constituídos, justamente no princípio desta semana.
E o que espera da actuação dessas duas entidades?
Espero que a missão de que foram incumbidas as pessoas que convidámos se concretize, isto é, que haja nos próximos seis meses uma reavaliação de todos os investimentos decididos, quer já tenham sido concretizados, quer estejam em fase de arranque. E isso é muito importante numa altura em que atingimos um endividamento recorde, face à perspectiva para os nossos credores, em particular de que o País tem o bom senso, naquilo que ainda vai a tempo de rever e travar face às novas condições financeiras e aos constrangimentos do financiamento da economia que enfrentamos. Tudo o que ainda se puder travar, e para que se possa de alguma forma encontrar alternativas úteis, o País deve fazê-lo. O que espero é que essa comissão, esse grupo de trabalho, possa nos próximos seis meses fazer essa reavaliação. E vamos esperar pelo resultado.
Quero fazer-lhe uma pergunta concreta neste domínio. Neste mesmo espaço, José Sócrates, há poucas semanas, deixou bastante claro que considera o TGV um investimento estratégico para o País. Qual é o entendimento que o PSD tem sobre este assunto, em função do acordo que fez para a viabilização do Orçamento?
Nós sabemos o que o primeiro-ministro e o Governo pensam do TGV e de outras obras e grandes investimentos que decidiram! E que, de resto, contribuíram em larga escala para que a percepção do exterior sobre Portugal se degradasse. Nós sabemos o que o Governo pensa sobre isso. E o País também sabe que o PSD não tem esse entendimento, tem outro. Por essa razão é que decidimos com o Governo criar uma comissão, um grupo de trabalho com autonomia e com afastamento, quer em relação ao Governo, quer em relação ao PSD, que tecnicamente pudesse fazer essa reavaliação, dado que politicamente temos perspectivas diferentes sobre o assunto. Agora, há duas coisas sobre as quais a visão política...
Portanto, não tem uma posição fechada sobre a questão do TGV?
A posição que temos sobre o TGV é conhecida!
Deve ser adiado?
Nesta altura, o TGV não deve ser realizado! Do nosso ponto de vista, um país que enfrenta a maior dívida externa - em percentagem do produto, uma das maiores do mundo - e que está a endividar-se, seguramente, à maior velocidade - pelo menos ao nível dos países mais ricos ao nível da OCDE -, não pode estar a comprometer o futuro com investimentos dessa grandeza. Mas, como lhe disse, aguardamos a decisão que sobre estas matérias esse grupo de trabalho vai realizar. E não quero, sobre isso, produzir nenhum condicionamento ao trabalho que o grupo vai fazer. Há duas coisas que sabemos. Em primeiro lugar, o financiamento externo é hoje muito mais difícil e muito mais caro do que era quando essas obras, ou esses projectos, foram decididos. E, portanto, se tivéssemos de os decidir nas circunstâncias, hoje, de grande restrição financeira, julgo que só alguém muito distante da realidade é que supõe que a decisão pudesse ser a mesma. A segunda coisa é que o conjunto das decisões que já foram sendo tomadas nestes anos todos comprometem a sustentabilidade das finanças públicas portuguesas. Portanto, uma coisa é estarmos a analisar cada um dos projectos, outra é saber que impacto para os próximos dez ou 15 anos vão ter todos os projectos que foram sendo aprovados fora do Orçamento do Estado. Quanto vão pesar em impostos aos portugueses nos orçamentos dos próximos dez ou 15 anos. E, hoje, esse peso é muito grande.
Para terminarmos esta parte económica: acredita que as medidas anunciadas chegarão para controlar a despesa pública, atingir o défice previsto e melhorar a relação com quem nos empresta o dinheiro lá fora?
O Governo comprometeu-se a fazer uma redução muito grande da despesa pública, e nós não colocaremos obstáculos às medidas que o Governo entender que são necessárias...
Adicionais?
Às medidas que o Governo, no Orçamento, se comprometeu a tomar para reduzir essa despesa. Isso não é o suficiente. No entanto, para resolver o problema do futuro do País, vamos ver se nos entendemos. Nós precisamos de voltar a crescer. Sem isso não vai haver mais emprego, não vai haver mais riqueza para distribuir, não vai haver hipótese de diluir muita da despesa social na riqueza que é criada...
Vai dizer que Portugal precisa de menos Estado para libertar a pressão sobre a economia?
Também precisa! Mas nós precisamos de pôr as nossas finanças públicas em ordem e de gastar de acordo com as nossas possibilidades, e, portanto, de gastar muito menos. Essa é a primeira condição, e o Estado é daqueles que mais gastam: gasta quase metade da riqueza que produzimos. É indispensável que o Governo, portanto, tenha um programa forte de redução desta despesa e não ande a fingir em 2011 como andou a fingir em 2010 que estava a cortar a despesa. É preciso cortá-la mesmo!
Cortá-la em que áreas?
Onde o Governo se comprometeu a cortar! Isso já está decidido no Orçamento do Estado. Agora, o problema não é esse. Nós podemos cumprir o Orçamento e, no entanto, ter um país pobre! Se quisermos voltar a ter emprego, precisamos de criar riqueza, e para criar riqueza precisamos, como dizia há pouco, de fazer reformas na raiz dos problemas. Sem reformar seriamente o Estado e sem libertar recursos para a economia privada, não vamos conseguir concretizar esta visão do País. Isso significa que o Governo, além de cumprir este Orçamento, tem de ter uma estratégia, tem de apresentar ao País uma estratégia de reforma estrutural da administração do Estado, mas também de várias das políticas públicas sem as quais, evidentemente, os cortes que vão ser feitos serão cortes cegos e terão consequências pesadas para futuro.
Tem-se acusado muito o PSD, nos últimos meses, de estar contra o Estado social, sobretudo na saúde e noutros domínios. Muito resumidamente, quer esclarecer a sua posição face ao Estado social e que dimensão é que ele deve ter?
Mas parece irónico, não é? Porque, realmente, houve quem se tivesse escandalizado muito por nós dizermos, no Verão do ano passado, que precisávamos de reformar o nosso modelo de Estado social para que ele seja sustentável e para que possa ser justo. E quando decidimos, penso eu com alguma coragem, avançar com ideias de reforma de políticas públicas na área da educação, da saúde, do emprego, praticamente acusaram-nos de querer destruir o Estado social. Mas repare que o actual Governo tem feito mais para pôr em causa o Estado social do que qualquer das medidas que nós, na altura, avançámos. Aquilo que se nota, de resto, é que não há uma estratégia de reforma desse Estado social. Veja o caso da saúde, que penso que é escandaloso: não há nenhum mês em que não seja divulgada uma nova lista de comparticipações em medicamentos que o Estado deixa de fazer; não há nenhum mês em que não paire a dúvida sobre qual o défice mais avolumado na área da saúde, que está reflectido em prazos cada vez mais elevados que os hospitais enfrentam para pagar aos seus fornecedores, o que significa que há serviços de saúde que são prestados aos cidadãos que podem vir a estar em causa se não houver uma reforma séria do financiamento. O Governo diz que não quer mexer no financiamento, mas acabou de apresentar uma decisão em que aumenta as taxas moderadoras! Não sabemos em que estudo se baseou, o que se espera do aumento dessas taxas moderadoras, se elas contribuem ou não para resolver o problema do financiamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS)...
O PSD tem uma estratégia clara em relação ao SNS e à dimensão que ele deve ter em Portugal?
Com certeza que sim, e não deixaremos de o apresentar! De resto, é impensável que um partido se proponha governar e não apresente ao País - em áreas fundamentais como são a justiça, a saúde, a educação, a reforma do Estado - o que pensa.
E aí, em todos esses campos, o PSD pretende agilizar o papel do Estado, mas não pretende pôr em causa aquilo que é conhecido como o Estado social?
Nós precisamos de ter coesão social. O PSD é um partido social-democrata, o que significa que...
(Interrompendo) Às vezes, a propósito da sua chegada ao poder [no partido], diz-se que se quer tornar mais liberal e menos social-democrata...
Não vejo incompatibilidade em ser-se social-democrata e defender-se a iniciativa privada, e em defender que o Estado não seja um peso para as empresas e para as pessoas. Antes pelo contrário! Veja a situação que temos hoje: o Estado pesa demais em termos financeiros, por isso é que muitas empresas vão fechar em Portugal este ano, infelizmente. É porque o perímetro público, administração directa e indirecta do Estado - estamos a pensar nos institutos públicos, nas empresas públicas, nas obras públicas que as empresas privadas estão a realizar com dinheiro privado avançado para o Estado -, tudo isto representa mais de um terço do endividamento das empresas privadas em Portugal. Significa que muitas empresas, pequenas e médias, sobretudo, vão fechar as portas porque não conseguem aceder a crédito, a financiamento, para a sua actividade. Porquê? Porque o Estado, as suas empresas públicas e os seus institutos públicos recorrem a muito do financiamento da riqueza que está disponível na sociedade. Ora isso, hoje, tem um peso muito negativo para a nossa economia e, portanto, para o emprego também.
Para terminarmos esta parte da entrevista, o Diário de Notícias começou a publicar esta semana um levantamento...
Mas deixe-me só concluir dizendo isto: nós precisamos de ter um Estado que seja inteligente e que seja eficaz, não necessariamente maior do que aquele que temos hoje, antes pelo contrário! Que tenha mais independência sobre os privados, que seja mais qualificado. Precisamos de qualificar a nossa administração pública, precisamos de garantir os serviços de qualidade nas políticas públicas, na saúde, na educação, na justiça! Agora precisamos de ter um modelo de de-senvolvimento que seja produtivo, orientado sobretudo para o comércio internacional e para a internacionalização da economia, liderado pela iniciativa privada e não pelo Estado. E isso significa uma orientação de política económica completamente distinta daquela que tem sido seguida nos últimos anos!
Volto à pergunta que estava a tentar fazer-lhe. O Diário de Notícias começou esta semana a publicar um dossier que visa fazer um levantamento do Estado e do peso que ele tem. Um dos dados que surgiram é que temos cerca de 14 mil organismos que dependem do Estado, que só 1700 apresentam contas e que o Tribunal de Contas só tem capacidade para vistoriar cerca de 417 desses organismos. Tinha noção dessa realidade?
Sim, e temos insistido muito no tema da reforma do Estado justamente por causa disso.
Não vê aqui culpas, tanto do PS como do PSD, do estado a que Portugal chegou?
Com certeza que sim. Disse-o antes de ser líder do PSD e mantenho-o hoje. Em matéria de Estado, ninguém aqui deve andar a atirar pedras a ninguém. Nem nos conduz a nenhum resultado interessante estar a saber agora se criámos mais institutos ou menos institutos. O País hoje tem um peso demasiado elevado de toda a área pública, temos institutos a mais, temos transparência a menos, e isso tem de mudar! Agora, é um facto que, nos últimos anos, sobretudo nos últimos 15 anos, esse peso mais que duplicou, é verdade. É uma constatação, e isso tem rostos e responsáveis.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
"É insustentável o preço que pagamos pelo dinheiro"
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"É insustentável o preço que pagamos pelo dinheiro"
por JOÃO MARCELINO
Hoje
Gente Que Conta - Entrevista com João Duque. "Eu, se tivesse votado no PS, tenho dúvidas de que tivesse dado o mandato de venda do País a alguns países com que agora nós procuramos ter relações de financiamento. Não estava previsto em nenhum programa de acção eleitoral ou, mais tarde, no programa do Governo a possibilidade de empenhar a palavra política de Portugal perante a China ou qualquer outro país! (...) Não sei se faz sentido quando há, ou pode haver, uma alternativa, que é o recurso ao apoio do Fundo Europeu, ao mecanismo de estabilização financeira. Para mim, há [alternativa]! E até é mais entendível quando nós fazemos parte de uma união de países da Europa e estamos umbilicalmente ligados a essa Europa por uma moeda comum".
Para João Duque, 50 anos, professor catedrático de Economia, presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), cidadão conhecido pela sua intervenção nos media, a previsão feita há alguns meses continua válida: Portugal vai ter necessidade de recorrer a ajuda externa até final do primeiro trimestre deste ano. Os juros que estamos a pagar pela colocação da nossa dívida pública não são suportáveis durante muito mais tempo e estão a atrofiar a economia nacional. O País chegou a um ponto em que já não basta apresentar bons resultados de execução orçamental. Isso é uma condição imprescindível, mas já não dependemos de nós próprios. Cometemos demasiados erros nos últimos anos e os próximos vão ser muito duros. Agora, na sua opinião, quanto mais rápida for a adaptação à realidade... melhor.
Esta semana houve a primeira colocação de dívida de 2011 e há aqui duas visões muito distintas: o primeiro-ministro, José Sócrates, fala num grande êxito e, lá fora, Paul Krugman, Nobel da Economia, diz que pagar taxas de juro de 6,7% é pouco menos que ruinoso. Qual a verdade?
Se calhar, a verdade está um bocadinho dos dois lados, isto é, houve sucesso, no meu entendimento, na colocação, uma vez que se conseguiu mesmo colocar aquilo que se pretendia. É um insucesso pelo preço. Aliás, estou de acordo que mantendo-se esta relação de diferença entre o custo do dinheiro para a Alemanha e para os restantes países da Europa, e para Portugal, a situação é insustentável. Não só porque o nível de endividamento é tão elevado que leva a pagar juros que nos tiram riqueza, que esvaem o País, nomeadamente ao nível do Orçamento. Não podemos manter esta trajectória, que também inibe o investimento em Portugal. Basta pensar que um investimento que promova um rendimento de 6% de rentabilidade na Alemanha é um investimento que pode realizar-se mesmo do ponto de vista público, porque o custo de capital para eles é muitíssimo menor, anda à volta dos 3% a dez anos. Isso é um investimento que gera riqueza. Em Portugal é um investimento que só gera empobrecimento.
Isso é culpa nossa. Como é que se ultrapassa este momento?
Existem várias soluções. Uma delas é, de facto, contermos rapidamente o diferencial entre as receitas e as despesas do Estado.
Sermos mais realistas no nosso modo de vida?
Sim. Adequarmos as despesas àquilo que é a nossa capacidade de geração de receita. Porque podemos sempre também aumentar a receita do Estado aumentando os impostos, só que isso depois acaba por impossibilitar as famílias e as empresas de sobreviver. Com uma carga fiscal com o nível que já temos, das mais elevadas da Europa, com o nível de serviço de satisfação pública, pelo serviço prestado, não vejo muito espaço para continuarmos a aumentar a receita pública. Portanto, primeiro ponto: equilibrar a despesa com a receita do Estado tão rapidamente quanto possível...
... e tão rapidamente quanto possível é um prazo?...
O ideal era um ano ou dois!
Com o financiamento a este preço, esta é uma situação insustentável durante quanto mais tempo?
Se o diferencial se prolonga muito tempo, muitos meses, leva a que o investimento seja impraticável em Portugal, porque o nível basal do custo do capital para um país é o nível da sua República. Veja o que é que uma empresa, que vai pedir dinheiro emprestado em cima de um nível de base de seis ou sete por cento... O que é que vai acontecer às empresas? Vão buscar dinheiro a 12%, 13%, 14%. Isto leva a que os projectos de investimento sejam absolutamente inconcretizáveis em Portugal. Isto aguenta-se por um pico de curto prazo, não se aguenta por um ano ou dois.
Pode aguentar-se durante quanto mais tempo? No final do ano passado previa a intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI), associado ao nosso recurso ao Fundo Europeu, aí para finais de Fevereiro, princípios de Março.
Mantenho por aí, porque não estou a ver grande flexibilidade. Veja só o que nós sofremos esta semana com a colocação de dívida!
E precisamos de pedir 15 mil milhões...
Durante todo o ano, vamos ter necessidades de financiamento de 46 mil milhões, porque há muitas emissões de bilhetes do Tesouro que se vencem; vamos ter de arranjar dinheiro para pagar aquelas; vamos ter ainda em cima disso as obrigações do Tesouro; vamos ter em cima disso outros instrumentos de dívida que o Estado deve e que é normal que as pessoas resgatem, nomeadamente certificados de Tesouro, certificados de aforro, etc. E ainda temos de alimentar o défice, que são dez mil e quinhentos milhões. Quarenta e seis mil milhões divididos em tranches de mil, mil e picos, são 46!
É viver semana a semana...
Exactamente, isto é, todas as semanas com o credo na boca! É insuportável a probabilidade de Portugal passar incólume, sem nunca ter um acidente grave no meio de 46 semanas! Eu perguntava: porque é que chamaram Dia D à passada quarta-feira? Eu chamava-lhe o Dia A, porque vamos chegar ao Z e vamos voltar ao AA, ao AB e por aí fora. Dá duas vezes a volta ao abecedário, com o credo na boca! A probabilidade de haver um pequeno descontrolo é elevadíssima, e no final do primeiro trimestre, aí por Março, quando sair a execução orçamental...
Esse é que é o momento essencial?
Esse, para mim, é o momento crítico, mas se calhar nem o mercado nos dá espaço a chegarmos lá se continuarmos com pico de crises de liquidez !
E o facto de eventualmente estarmos a cumprir, no final desse primeiro trimestre, 100% da execução orçamental?
Isso não dá garantia!
Não dá garantia?
Não! No meu entendimento o que dá é possibilidade. Temos de fazer isso para tentar evitar o sufoco e ver se o mercado nos alimenta, mas não nos dá garantia. Agora, uma coisa é certa, se não cumprirmos nem aquilo que prometemos, aí não tenho dúvidas nenhumas de que vamos necessitar de ajuda.
Tem havido um grande envolvimento político por trás desta questão de financiamento e o Governo português tem feito contactos com alguns países. Daniel Bessa dizia há poucos dias que também era importante saber quais eram as entidades que estavam por trás deste nosso financiamento e quem é que estava a comprar a nossa dívida. Concorda?
Do ponto de vista político, sim. Eu, se tivesse votado no PS, tenho dúvidas de que tivesse dado o mandato de venda do País a alguns países com que agora nós procuramos ter relações de financiamento. Não estava previsto em nenhum programa de acção eleitoral ou, mais tarde, no programa do Governo a possibilidade de empenhar a palavra política de Portugal perante a China ou qualquer outro país!
Está a falar da Líbia, da Venezuela?...
Sim...
Mas aí o pragmatismo político do primeiro-ministro não faz sentido na actual conjuntura mundial?
Não sei se não faz sentido quando há, ou pode haver, uma alternativa, que é o recurso ao apoio do Fundo Europeu, ao mecanismo europeu de estabilização financeira. Para mim, há! E até é mais entendível quando fazemos parte de uma união de países da Europa e estamos umbilicalmente ligados a essa Europa por uma moeda comum. Portanto, procurar escapatórias fora é pragmático, mas não sei se existe esse mandato, particularmente quando nós não conhecemos as condições contratuais.
Também aí é preciso saber qual é o preço que temos a pagar?
Exactamente, e qual é a origem! Eu não ficava descansado se em minha casa aparecessem todos os dias molhos de notas de 50 euros, porque eu perguntaria à minha mulher ou às minhas filhas: "De onde é que vem este dinheiro?!"
No caso da China, o Diário de Notícias publicava esta semana um trabalho sobre essa predisposição do Governo chinês de nos ajudar, dizendo que nós para eles temos um interesse estratégico ligado não só à União Europeia como à nossa relação com África. Não é normal que o País faça valer essa sua posição nesta fase difícil?
É, mas seria normal também discutir isso antes...
Das eleições?
... das eleições, claro! Porque é para isso que servem os mandatos!
Teodora Cardoso, administradora do Banco de Portugal, veio dizer que Portugal precisa de ajuda a curto prazo e que seria mais fácil controlar a situação das contas públicas com ajuda externa. Não é um pouco desestabilizador vindo estas afirmações de dentro do próprio Banco de Portugal?
É muito forte, é uma mensagem muito forte que deve ser entendida exactamente por aquilo que vale. Alguém que, tendo uma posição tão importante no Banco de Portugal, está a lançar uma mensagem de até algum conforto ao Governo e a dizer-lhe: "Este é o caminho, parece-nos que este é o caminho." O apoio tem um benefício extraordinário, que é o deixar descansar o Governo daquela preocupação de andar com o credo na boca todas as semanas.
Não se devia ter feito a diabolização do FMI e deveríamos ter tido uma atitude proactiva na procura de auxílio externo?
Eu antecipo porque é que será mau a entrada do FMI, porque o FMI, quando entra, entra em situações desesperadas, que levam a medidas desesperadas que não são racionais, que não são lógicas e que não são as melhores.
Mas se o FMI entrasse neste momento em Portugal seria defrontado com condições muito parecidas com as da Grécia e com as da Irlanda? Comparar-nos com a Grécia não é um exagero?
Para mim, é um exagero. Neste momento, o mercado, aliás, o custo da dívida portuguesa não é o mesmo que o da grega. Mas também acho que nós não fizemos o balanço de todas as contas, nomeadamente de todas as dívidas, e não explicitámos tudo isso em dívida titulada. Há muita coisa de fora e é conhecida: a dívida das PPP, as dívidas das Estradas de Portugal, as dívidas das empresas de transporte, etc.
Tem um cálculo de quanto é que poderá ser?
Não. Sigo o dos colegas que fizeram as contas, que aponta para valores muito superiores àquilo que são os valores titulados!
Titulados são 91% do PIB.
Sim, sensivelmente 90% do PIB. E depois, com as não tituladas, temos de meter em cima pelo menos 30%.
120% garantidos?
Sim, 120% garantidos! O problema, para mim, da entrada do FMI é a possibilidade de um conjunto de técnicos ter imposições de cortes que não dão qualquer hipótese de manobra, para se fazer a selecção. Mas o Governo também tomou essa atitude recente quando mandou cortar indiscriminadamente, de acordo com uma tabela, os vencimentos de uma série de funcionários públicos e de pessoas que estão enquadradas dentro das empresas do Estado, sem salvaguardar qualquer tipo de política discriminatória. Não discriminar é não fazer gestão!
Como professor de Economia, quando é que viu que Portugal estava a resvalar para este buraco?
Há três anos já era óbvio! Comecei a ver antes, mas também não tinha grande expressão pública. E tenho alguns escritos que também as pessoas não ouviam, não ligavam. Os últimos cinco anos são dramáticos.
Não distingue um período até 2009 e depois de 2009, depois da crise imobiliária?
2009 acho que foi um ano péssimo, 2008 também porque já se começou a gerir para as eleições e não a gerir para o equilíbrio do País. Aliás, o primeiro mandato de José Sócrates divide-se de uma forma muito clara entre a primeira metade e a segunda. Na primeira tentou ser reformista e atacar muitos problemas, e até fazer coisas muito saudáveis do ponto de vista económico. Depois há uma inversão total! É claro que na altura já se cavava o problema do endividamento e foi sempre um problema que se meteu debaixo do tapete! A campanha eleitoral é escandalosa por aquilo que se tenta encobrir! Em Julho de 2009 já tínhamos consumido 75% do acréscimo da dívida que estava autorizada pela Assembleia da República. Em Julho! Estava-se mesmo a ver que nos outros cinco meses não era possível viver com mais um acréscimo de dívida de 2500 milhões de euros! Claro que acabaram as eleições e o Governo vai à Assembleia da República pedir uma autorização para aumentar o saldo de dez mil milhões para 15 mil milhões, um aumento de 50%, porque senão não tinha dinheiro para pagar aos funcionários públicos e as pensões de reforma. E isso foi aprovado por toda a Assembleia. Custou-me muito ver aqueles que durante a campanha também tinham feito muitos avisos e alertas à situação e depois acabaram por claudicar.
Há pouco falava nos benefícios que uma eventual ajuda externa pode trazer para o Governo. Acha que era possível Portugal recorrer a essa e não mudar o Governo?
É possível se isso for negociado com os outros partidos parlamentares. Talvez a postura do primeiro-ministro e do Governo não seja de grande negociação à partida, mas, se negociar a entrada de terceiros, com certeza que haverá condições para se manter o Governo e fazer negociação. Mas isso exigia uma postura negocial muito diferente. Mas fiquei admirado com aquilo que se conseguiu, nomeadamente com o PEC III e com o PEC II.Não estava até à espera de que se conseguisse chegar a algum entendimento.
Diz isso por causa do carácter de José Sócrates?
Não, pela postura que tem havido! Tem havido uma trajectória, e as trajectórias dão conhecimento sobre aquilo que são as pessoas. E o seu passado não era de negociação. E não foi na entrada do [actual] Governo, na constituição do Governo. Alguém verdadeiramente empenhado em salvar Portugal teria, pelo menos, negociado um Governo com alguma base parlamentar de apoio, de suporte, logo à nascença.
In DN
"É insustentável o preço que pagamos pelo dinheiro"
por JOÃO MARCELINO
Hoje
Gente Que Conta - Entrevista com João Duque. "Eu, se tivesse votado no PS, tenho dúvidas de que tivesse dado o mandato de venda do País a alguns países com que agora nós procuramos ter relações de financiamento. Não estava previsto em nenhum programa de acção eleitoral ou, mais tarde, no programa do Governo a possibilidade de empenhar a palavra política de Portugal perante a China ou qualquer outro país! (...) Não sei se faz sentido quando há, ou pode haver, uma alternativa, que é o recurso ao apoio do Fundo Europeu, ao mecanismo de estabilização financeira. Para mim, há [alternativa]! E até é mais entendível quando nós fazemos parte de uma união de países da Europa e estamos umbilicalmente ligados a essa Europa por uma moeda comum".
Para João Duque, 50 anos, professor catedrático de Economia, presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), cidadão conhecido pela sua intervenção nos media, a previsão feita há alguns meses continua válida: Portugal vai ter necessidade de recorrer a ajuda externa até final do primeiro trimestre deste ano. Os juros que estamos a pagar pela colocação da nossa dívida pública não são suportáveis durante muito mais tempo e estão a atrofiar a economia nacional. O País chegou a um ponto em que já não basta apresentar bons resultados de execução orçamental. Isso é uma condição imprescindível, mas já não dependemos de nós próprios. Cometemos demasiados erros nos últimos anos e os próximos vão ser muito duros. Agora, na sua opinião, quanto mais rápida for a adaptação à realidade... melhor.
Esta semana houve a primeira colocação de dívida de 2011 e há aqui duas visões muito distintas: o primeiro-ministro, José Sócrates, fala num grande êxito e, lá fora, Paul Krugman, Nobel da Economia, diz que pagar taxas de juro de 6,7% é pouco menos que ruinoso. Qual a verdade?
Se calhar, a verdade está um bocadinho dos dois lados, isto é, houve sucesso, no meu entendimento, na colocação, uma vez que se conseguiu mesmo colocar aquilo que se pretendia. É um insucesso pelo preço. Aliás, estou de acordo que mantendo-se esta relação de diferença entre o custo do dinheiro para a Alemanha e para os restantes países da Europa, e para Portugal, a situação é insustentável. Não só porque o nível de endividamento é tão elevado que leva a pagar juros que nos tiram riqueza, que esvaem o País, nomeadamente ao nível do Orçamento. Não podemos manter esta trajectória, que também inibe o investimento em Portugal. Basta pensar que um investimento que promova um rendimento de 6% de rentabilidade na Alemanha é um investimento que pode realizar-se mesmo do ponto de vista público, porque o custo de capital para eles é muitíssimo menor, anda à volta dos 3% a dez anos. Isso é um investimento que gera riqueza. Em Portugal é um investimento que só gera empobrecimento.
Isso é culpa nossa. Como é que se ultrapassa este momento?
Existem várias soluções. Uma delas é, de facto, contermos rapidamente o diferencial entre as receitas e as despesas do Estado.
Sermos mais realistas no nosso modo de vida?
Sim. Adequarmos as despesas àquilo que é a nossa capacidade de geração de receita. Porque podemos sempre também aumentar a receita do Estado aumentando os impostos, só que isso depois acaba por impossibilitar as famílias e as empresas de sobreviver. Com uma carga fiscal com o nível que já temos, das mais elevadas da Europa, com o nível de serviço de satisfação pública, pelo serviço prestado, não vejo muito espaço para continuarmos a aumentar a receita pública. Portanto, primeiro ponto: equilibrar a despesa com a receita do Estado tão rapidamente quanto possível...
... e tão rapidamente quanto possível é um prazo?...
O ideal era um ano ou dois!
Com o financiamento a este preço, esta é uma situação insustentável durante quanto mais tempo?
Se o diferencial se prolonga muito tempo, muitos meses, leva a que o investimento seja impraticável em Portugal, porque o nível basal do custo do capital para um país é o nível da sua República. Veja o que é que uma empresa, que vai pedir dinheiro emprestado em cima de um nível de base de seis ou sete por cento... O que é que vai acontecer às empresas? Vão buscar dinheiro a 12%, 13%, 14%. Isto leva a que os projectos de investimento sejam absolutamente inconcretizáveis em Portugal. Isto aguenta-se por um pico de curto prazo, não se aguenta por um ano ou dois.
Pode aguentar-se durante quanto mais tempo? No final do ano passado previa a intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI), associado ao nosso recurso ao Fundo Europeu, aí para finais de Fevereiro, princípios de Março.
Mantenho por aí, porque não estou a ver grande flexibilidade. Veja só o que nós sofremos esta semana com a colocação de dívida!
E precisamos de pedir 15 mil milhões...
Durante todo o ano, vamos ter necessidades de financiamento de 46 mil milhões, porque há muitas emissões de bilhetes do Tesouro que se vencem; vamos ter de arranjar dinheiro para pagar aquelas; vamos ter ainda em cima disso as obrigações do Tesouro; vamos ter em cima disso outros instrumentos de dívida que o Estado deve e que é normal que as pessoas resgatem, nomeadamente certificados de Tesouro, certificados de aforro, etc. E ainda temos de alimentar o défice, que são dez mil e quinhentos milhões. Quarenta e seis mil milhões divididos em tranches de mil, mil e picos, são 46!
É viver semana a semana...
Exactamente, isto é, todas as semanas com o credo na boca! É insuportável a probabilidade de Portugal passar incólume, sem nunca ter um acidente grave no meio de 46 semanas! Eu perguntava: porque é que chamaram Dia D à passada quarta-feira? Eu chamava-lhe o Dia A, porque vamos chegar ao Z e vamos voltar ao AA, ao AB e por aí fora. Dá duas vezes a volta ao abecedário, com o credo na boca! A probabilidade de haver um pequeno descontrolo é elevadíssima, e no final do primeiro trimestre, aí por Março, quando sair a execução orçamental...
Esse é que é o momento essencial?
Esse, para mim, é o momento crítico, mas se calhar nem o mercado nos dá espaço a chegarmos lá se continuarmos com pico de crises de liquidez !
E o facto de eventualmente estarmos a cumprir, no final desse primeiro trimestre, 100% da execução orçamental?
Isso não dá garantia!
Não dá garantia?
Não! No meu entendimento o que dá é possibilidade. Temos de fazer isso para tentar evitar o sufoco e ver se o mercado nos alimenta, mas não nos dá garantia. Agora, uma coisa é certa, se não cumprirmos nem aquilo que prometemos, aí não tenho dúvidas nenhumas de que vamos necessitar de ajuda.
Tem havido um grande envolvimento político por trás desta questão de financiamento e o Governo português tem feito contactos com alguns países. Daniel Bessa dizia há poucos dias que também era importante saber quais eram as entidades que estavam por trás deste nosso financiamento e quem é que estava a comprar a nossa dívida. Concorda?
Do ponto de vista político, sim. Eu, se tivesse votado no PS, tenho dúvidas de que tivesse dado o mandato de venda do País a alguns países com que agora nós procuramos ter relações de financiamento. Não estava previsto em nenhum programa de acção eleitoral ou, mais tarde, no programa do Governo a possibilidade de empenhar a palavra política de Portugal perante a China ou qualquer outro país!
Está a falar da Líbia, da Venezuela?...
Sim...
Mas aí o pragmatismo político do primeiro-ministro não faz sentido na actual conjuntura mundial?
Não sei se não faz sentido quando há, ou pode haver, uma alternativa, que é o recurso ao apoio do Fundo Europeu, ao mecanismo europeu de estabilização financeira. Para mim, há! E até é mais entendível quando fazemos parte de uma união de países da Europa e estamos umbilicalmente ligados a essa Europa por uma moeda comum. Portanto, procurar escapatórias fora é pragmático, mas não sei se existe esse mandato, particularmente quando nós não conhecemos as condições contratuais.
Também aí é preciso saber qual é o preço que temos a pagar?
Exactamente, e qual é a origem! Eu não ficava descansado se em minha casa aparecessem todos os dias molhos de notas de 50 euros, porque eu perguntaria à minha mulher ou às minhas filhas: "De onde é que vem este dinheiro?!"
No caso da China, o Diário de Notícias publicava esta semana um trabalho sobre essa predisposição do Governo chinês de nos ajudar, dizendo que nós para eles temos um interesse estratégico ligado não só à União Europeia como à nossa relação com África. Não é normal que o País faça valer essa sua posição nesta fase difícil?
É, mas seria normal também discutir isso antes...
Das eleições?
... das eleições, claro! Porque é para isso que servem os mandatos!
Teodora Cardoso, administradora do Banco de Portugal, veio dizer que Portugal precisa de ajuda a curto prazo e que seria mais fácil controlar a situação das contas públicas com ajuda externa. Não é um pouco desestabilizador vindo estas afirmações de dentro do próprio Banco de Portugal?
É muito forte, é uma mensagem muito forte que deve ser entendida exactamente por aquilo que vale. Alguém que, tendo uma posição tão importante no Banco de Portugal, está a lançar uma mensagem de até algum conforto ao Governo e a dizer-lhe: "Este é o caminho, parece-nos que este é o caminho." O apoio tem um benefício extraordinário, que é o deixar descansar o Governo daquela preocupação de andar com o credo na boca todas as semanas.
Não se devia ter feito a diabolização do FMI e deveríamos ter tido uma atitude proactiva na procura de auxílio externo?
Eu antecipo porque é que será mau a entrada do FMI, porque o FMI, quando entra, entra em situações desesperadas, que levam a medidas desesperadas que não são racionais, que não são lógicas e que não são as melhores.
Mas se o FMI entrasse neste momento em Portugal seria defrontado com condições muito parecidas com as da Grécia e com as da Irlanda? Comparar-nos com a Grécia não é um exagero?
Para mim, é um exagero. Neste momento, o mercado, aliás, o custo da dívida portuguesa não é o mesmo que o da grega. Mas também acho que nós não fizemos o balanço de todas as contas, nomeadamente de todas as dívidas, e não explicitámos tudo isso em dívida titulada. Há muita coisa de fora e é conhecida: a dívida das PPP, as dívidas das Estradas de Portugal, as dívidas das empresas de transporte, etc.
Tem um cálculo de quanto é que poderá ser?
Não. Sigo o dos colegas que fizeram as contas, que aponta para valores muito superiores àquilo que são os valores titulados!
Titulados são 91% do PIB.
Sim, sensivelmente 90% do PIB. E depois, com as não tituladas, temos de meter em cima pelo menos 30%.
120% garantidos?
Sim, 120% garantidos! O problema, para mim, da entrada do FMI é a possibilidade de um conjunto de técnicos ter imposições de cortes que não dão qualquer hipótese de manobra, para se fazer a selecção. Mas o Governo também tomou essa atitude recente quando mandou cortar indiscriminadamente, de acordo com uma tabela, os vencimentos de uma série de funcionários públicos e de pessoas que estão enquadradas dentro das empresas do Estado, sem salvaguardar qualquer tipo de política discriminatória. Não discriminar é não fazer gestão!
Como professor de Economia, quando é que viu que Portugal estava a resvalar para este buraco?
Há três anos já era óbvio! Comecei a ver antes, mas também não tinha grande expressão pública. E tenho alguns escritos que também as pessoas não ouviam, não ligavam. Os últimos cinco anos são dramáticos.
Não distingue um período até 2009 e depois de 2009, depois da crise imobiliária?
2009 acho que foi um ano péssimo, 2008 também porque já se começou a gerir para as eleições e não a gerir para o equilíbrio do País. Aliás, o primeiro mandato de José Sócrates divide-se de uma forma muito clara entre a primeira metade e a segunda. Na primeira tentou ser reformista e atacar muitos problemas, e até fazer coisas muito saudáveis do ponto de vista económico. Depois há uma inversão total! É claro que na altura já se cavava o problema do endividamento e foi sempre um problema que se meteu debaixo do tapete! A campanha eleitoral é escandalosa por aquilo que se tenta encobrir! Em Julho de 2009 já tínhamos consumido 75% do acréscimo da dívida que estava autorizada pela Assembleia da República. Em Julho! Estava-se mesmo a ver que nos outros cinco meses não era possível viver com mais um acréscimo de dívida de 2500 milhões de euros! Claro que acabaram as eleições e o Governo vai à Assembleia da República pedir uma autorização para aumentar o saldo de dez mil milhões para 15 mil milhões, um aumento de 50%, porque senão não tinha dinheiro para pagar aos funcionários públicos e as pensões de reforma. E isso foi aprovado por toda a Assembleia. Custou-me muito ver aqueles que durante a campanha também tinham feito muitos avisos e alertas à situação e depois acabaram por claudicar.
Há pouco falava nos benefícios que uma eventual ajuda externa pode trazer para o Governo. Acha que era possível Portugal recorrer a essa e não mudar o Governo?
É possível se isso for negociado com os outros partidos parlamentares. Talvez a postura do primeiro-ministro e do Governo não seja de grande negociação à partida, mas, se negociar a entrada de terceiros, com certeza que haverá condições para se manter o Governo e fazer negociação. Mas isso exigia uma postura negocial muito diferente. Mas fiquei admirado com aquilo que se conseguiu, nomeadamente com o PEC III e com o PEC II.Não estava até à espera de que se conseguisse chegar a algum entendimento.
Diz isso por causa do carácter de José Sócrates?
Não, pela postura que tem havido! Tem havido uma trajectória, e as trajectórias dão conhecimento sobre aquilo que são as pessoas. E o seu passado não era de negociação. E não foi na entrada do [actual] Governo, na constituição do Governo. Alguém verdadeiramente empenhado em salvar Portugal teria, pelo menos, negociado um Governo com alguma base parlamentar de apoio, de suporte, logo à nascença.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Há risco de Cavaco dissolver imediatamente a Assembleia"
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"Há risco de Cavaco dissolver imediatamente a Assembleia"
por DAVID DINIS
Hoje
Corrupção e regionalização são os temas centrais da campanha do deputado do PS que resolveu avançar contra a escolha do seu partido, para assim conquistar eleitorado ao centro, como defende. Mas é em Cavaco Silva que este médico centra os seus ataques.
Um presidente da República não apoiado pelo seu partido mudava alguma coisa?
Acho que não. Se o candidato fosse como interpreto a função de presidente da República, o facto de ser eleito sem o apoio do partido era indiferente. Demonstro isso bem com o meu exercício como presidente de câmara. Sempre fui eleito pelo PS, mas a partir do dia em que fui eleito deixei de ter partido - e tratava por igual as juntas de freguesia de quatro partidos diferentes. Fi-lo com tal isenção e cumplicidade que agora, um ano depois de deixar a câmara, me apoiaram a angariar as assinaturas para a candidatura. E tenho plena consciência de nunca ter exercido pressões ilegítimas sobre eles.
O que faria de diferente?
O presidente da República tem poderes suficientes para se constituir como um exemplo para o País. Um exemplo de comportamento isento e leal com os órgãos de soberania e os cidadãos, de magistratura de influência sobre os órgãos de soberania, não só sobre o Governo e a Assembleia mas também sobre os tribunais - porque me preocupa muito o estado da Justiça.
E como é que pode fazê-lo?
Por pressão, por diálogo, por chamar a atenção sistemática sobre as coisas, até por uma acção pedagógica sobre os cidadãos. Por exemplo, penso que a corrupção e o clientelismo estão infiltrados na mentalidade portuguesa a ponto de serem tolerados. E acho que essa pedagogia do presidente é fundamental para mudar essa mentalidade dos portugueses, que toleram essas coisas todas.
Tem tido algum apoio, logístico, financeiro, por parte do PS?
Absolutamente nenhum.
E com José Sócrates, tem falado?
Não, desde a última vez que nos encontrámos aqui no Parlamento.
E quando ele soube da sua candidatura, houve conversas?
Não, por acaso não. Tivemos um encontro aqui na Assembleia ainda eu estava na fase de ponderar.
E ele incentivou-o?
Não, não. Ele conhece-me bastante bem para saber que eu me conduzo pela minha cabeça.
Depois do debate com Cavaco Silva, disse que várias pessoas dentro e fora do PS lhe deram os parabéns por ter dito o que nem Alegre disse ao Presidente...
Disse que pessoas do PSD, do PS e dirigentes do PS me tinham felicitado por ter tido a coragem de dizer a Cavaco Silva algumas coisas que ninguém, nem dentro do partido, tinha tido a coragem de dizer!
Tem então feito um favor ao PS?
Não estou a pensar em termos de partido quando faço esta candidatura. É importante alertar os portugueses para o que é a criação de um mito à volta de Cavaco Silva...
Acha que Cavaco é um mito?
Acho que é uma construção feita durante muitos anos e que não corresponde à realidade. E eu apresentei provas concretas, coisas que se passaram comigo...
Sobre o caso do Dia de Portugal em Viana do Castelo, organizado por Belém. Porque não fez a denúncia antes, enquanto autarca?
Não era útil.
Porquê?
Que utilidade tem desprestigiar o Presidente em exercício? Que utilidade para o País? Fiz isto agora, quando se escolhe um novo presidente e em que um candidato se apresenta no seu manifesto com auto-elogios sucessivos, sobre a sua isenção, competência, conhecimento dos dossiês. E isso sei que não é verdade.
O que está por trás desse mito?
Está o homem que eu denunciei. E que tem estes comportamentos pouco corajosos e abstencionistas quando se trata de defender o que é o seu projecto político pessoal. Ele durante este ano absteve-se de intervir para tentar que houvesse mais condições de governabilidade para o Executivo, pensando apenas na sua reeleição. Não é que não pensasse que esta ingovernabilidade era má para o País - porque ele já pensou isso quando foi com Santana Lopes. Aí não teve pejo nenhum em escrever um artigo falando da má moeda e da boa moeda, confortando a decisão de Jorge Sampaio em dissolver a Assembleia.
E fez isso porque...?
Porque achava que aquele Governo não estava a governar bem. E, se nos recordarmos, as condições de governabilidade não eram tão más como foram este ano. Mas agora ele não tinha de empurrar alguém para decidir - tinha de ser ele a decidir. E não decidiu.
E com isso ajudou o Governo?
E com isso prejudicou o País. Não estou a dizer que ajudou o Governo - acho que governar nas condições em que este Governo governou este ano não é ajuda para ninguém.
Sócrates devia ter-se demitido?
Não, não. O Governo tinha sido eleito e tinha de tentar governar até ao fim. Acho é que da parte do Presidente devia ter havido uma pressão sobre o Governo e sobre as oposições para que se criassem as condições de governabilidade. A eventual dissolução da Assembleia seria uma crítica mais às oposições do que ao Governo. Porque criaram todas as condições para que o Governo não tivesse condições de estabilidade.
Pegando no seu argumento, há o risco de Cavaco, sendo reeleito, dissolver imediatamente?
Há esse risco!
Dissolvendo a Assembleia?
Sim. Tal como haverá se eu for eleito. Entendo que, se não houver condições de governabilidade e de estabilidade para credibilizar a acção governamental, perante os portugueses, mas principalmente perante os financiadores e credores externos, deve-se dissolver e criar nova maioria.
Porque não o convence a candidatura de Manuel Alegre?
Eu disse-o na reunião de José Sócrates com o grupo parlamentar: porque a candidatura do PS devia ser uma candidatura com hipóteses de vencer as eleições. Porque tínhamos pela primeira vez um presidente da República que no final do primeiro mandato estava fragilizado. E o PS tinha a obrigação de apresentar um candidato que fosse de largo espectro, para apanhar todo o eleitorado, incluindo o do centro - que é fundamental para ganhar eleições.
E que resposta teve?
... e a candidatura de Manuel Alegre, ao ser capturada, apoiada pelo Bloco de Esquerda, perdeu a possibilidade de obter o apoio do eleitorado do centro. Essa candidatura era, desde o início, uma candidatura com poucas possibilidades de vencer - embora ainda possa fazê-lo numa segunda volta, se houver quem, como eu, conquiste esse eleitorado do centro.
Ou seja, acredita ainda numa segunda volta?
Acredito que pode haver. E estou disponível para apoiar o candidato que se opuser a Cavaco Silva nessa segunda volta. Posso ser eu.
Vê o PS mobilizado?
Já vi menos. Já está mais mobilizado do que esteve há mês e meio.
Tem tido um discurso muito centrado na corrupção e regionalização. Tendo acusado Cavaco de ter sido cúmplice desse clientelismo e corrupção que diz 'larvar' no País, considera Sócrates igualmente cúmplice?
Todos os responsáveis políticos - especialmente em mais alto nível - são mais responsáveis. Mas todos os cidadãos são responsáveis, porque toleram a pequena corrupção, o favorecimento...
Sobre a regionalização, a região- -piloto proposta pelo PSD convence-o?
Vivemos numa inconstitucionalidade por omissão, e o Presidente é responsável por isso. Eu faço disto a minha bandeira, porque tenho a consciência de que a existência de um patamar intermédio na administração é fundamental para libertar a criatividade e o dinamismo dos agentes culturais e sociais e para aproveitar e coordenar os investimentos públicos.
Não me respondeu à região-piloto.
Sou contra, seria mais uma manifestação de autoritarismo da administração central. Seria ela a dizer que era esta ou aquela região.
Os debates televisivos mudaram alguma coisa nesta campanha?
Eu que era um candidato conhecido apenas em Viana do Castelo e zonas limítrofes sou agora conhecido em muitos pontos do País.
Responsabiliza Cavaco Silva pelo que aconteceu com o BPN?
Não. Não sou tribunal nem tenho conhecimento tão aprofundado dos dossiês...
Então de que o acusa nesse caso?
De tolerar a convivência com alguém que tinha responsabilidades, de muitos dos seus ex-governantes estarem envolvidos nisso e de um deles ser conselheiro de Estado. E além disso ele próprio ter acções no BPN - de forma que eu, por exemplo, que sou médico e não jogo na bolsa, não sei como se tem acções que não estão na bolsa, nem sei como se tem lucro de 140% com essa facilidade toda. Eu pensaria que seria um negócio ilícito - e parece que os tribunais estão a dar- -me razão.
Ilícito, de Oliveira Costa e outros no BPN. Cavaco devia ter melhor conhecimento do que se passava no banco?
... Do que eu! De certeza! Ele é economista, sabe muito de economia, passa a vida a dizer que é fundamental uma pessoa como ele, com o seu conhecimento para ser presidente. Apesar disso, quando se fala da nacionalização do BPN, diz "fiz com muitas dúvidas, mas o Governo e o Banco de Portugal disseram que era preciso!".
E que podia Cavaco ter feito?
Não estou a dizer que podia, estou a demonstrar a contradição de um homem que se diz sabedor na sua área profissional, mas que quando se lhe põe o caso concreto da nacionalização diz que fez o que o Banco de Portugal e o Governo lhe disseram - até por escrito.
O que espera de 2011?
Espero um ano muito difícil. Um ano que vai ser a consequência de tudo o que temos feito desde que aderimos à Comunidade Europeia.
Para si, o mal vem de 1986?
Vem de termos aproveitado mal os apoios que tivemos da Comunida-de Europeia e os benefícios que tivemos da integração - o dinheiro para a formação profissional, fazendo apressadamente obras e investimentos que depois tiveram de ser corrigidos... Todos os investimentos que foram feitos sem haver uma estratégia a prazo, estamos a sofrer as consequências.
É uma crítica ao PS e ao PSD?
É verdade.
As pessoas que votaram também erraram?
Não, as pessoas votaram segundo a informação que tinham e pelas ilusões que lhes criaram.
Se tivermos o FMI em Portugal, enquanto presidente vetaria alguma das medidas sugeridas?
Não se pode falar sem saber que propostas são.
Mas não aprovaria de cruz?
Nunca aprovaria de cruz, nem o que viesse do FMI.
Pedro Passos Coelho parece-lhe pronto para governar?
(longo silêncio) Não conheço suficientemente. Parece-me que não tem grande experiência de administração pública, e penso que isso é fundamental para o exercício de um cargo de tanta responsabilidade. Mas a experiência da administração também se ganha. O que acho é que a equipa dele não é suficientemente apta para exercer o mandato, como se verificou nas propostas que fez na revisão constitucional, onde teve de recuar, e que revelam alguma sofreguidão pelo exercício do poder.
In DN
"Há risco de Cavaco dissolver imediatamente a Assembleia"
por DAVID DINIS
Hoje
Corrupção e regionalização são os temas centrais da campanha do deputado do PS que resolveu avançar contra a escolha do seu partido, para assim conquistar eleitorado ao centro, como defende. Mas é em Cavaco Silva que este médico centra os seus ataques.
Um presidente da República não apoiado pelo seu partido mudava alguma coisa?
Acho que não. Se o candidato fosse como interpreto a função de presidente da República, o facto de ser eleito sem o apoio do partido era indiferente. Demonstro isso bem com o meu exercício como presidente de câmara. Sempre fui eleito pelo PS, mas a partir do dia em que fui eleito deixei de ter partido - e tratava por igual as juntas de freguesia de quatro partidos diferentes. Fi-lo com tal isenção e cumplicidade que agora, um ano depois de deixar a câmara, me apoiaram a angariar as assinaturas para a candidatura. E tenho plena consciência de nunca ter exercido pressões ilegítimas sobre eles.
O que faria de diferente?
O presidente da República tem poderes suficientes para se constituir como um exemplo para o País. Um exemplo de comportamento isento e leal com os órgãos de soberania e os cidadãos, de magistratura de influência sobre os órgãos de soberania, não só sobre o Governo e a Assembleia mas também sobre os tribunais - porque me preocupa muito o estado da Justiça.
E como é que pode fazê-lo?
Por pressão, por diálogo, por chamar a atenção sistemática sobre as coisas, até por uma acção pedagógica sobre os cidadãos. Por exemplo, penso que a corrupção e o clientelismo estão infiltrados na mentalidade portuguesa a ponto de serem tolerados. E acho que essa pedagogia do presidente é fundamental para mudar essa mentalidade dos portugueses, que toleram essas coisas todas.
Tem tido algum apoio, logístico, financeiro, por parte do PS?
Absolutamente nenhum.
E com José Sócrates, tem falado?
Não, desde a última vez que nos encontrámos aqui no Parlamento.
E quando ele soube da sua candidatura, houve conversas?
Não, por acaso não. Tivemos um encontro aqui na Assembleia ainda eu estava na fase de ponderar.
E ele incentivou-o?
Não, não. Ele conhece-me bastante bem para saber que eu me conduzo pela minha cabeça.
Depois do debate com Cavaco Silva, disse que várias pessoas dentro e fora do PS lhe deram os parabéns por ter dito o que nem Alegre disse ao Presidente...
Disse que pessoas do PSD, do PS e dirigentes do PS me tinham felicitado por ter tido a coragem de dizer a Cavaco Silva algumas coisas que ninguém, nem dentro do partido, tinha tido a coragem de dizer!
Tem então feito um favor ao PS?
Não estou a pensar em termos de partido quando faço esta candidatura. É importante alertar os portugueses para o que é a criação de um mito à volta de Cavaco Silva...
Acha que Cavaco é um mito?
Acho que é uma construção feita durante muitos anos e que não corresponde à realidade. E eu apresentei provas concretas, coisas que se passaram comigo...
Sobre o caso do Dia de Portugal em Viana do Castelo, organizado por Belém. Porque não fez a denúncia antes, enquanto autarca?
Não era útil.
Porquê?
Que utilidade tem desprestigiar o Presidente em exercício? Que utilidade para o País? Fiz isto agora, quando se escolhe um novo presidente e em que um candidato se apresenta no seu manifesto com auto-elogios sucessivos, sobre a sua isenção, competência, conhecimento dos dossiês. E isso sei que não é verdade.
O que está por trás desse mito?
Está o homem que eu denunciei. E que tem estes comportamentos pouco corajosos e abstencionistas quando se trata de defender o que é o seu projecto político pessoal. Ele durante este ano absteve-se de intervir para tentar que houvesse mais condições de governabilidade para o Executivo, pensando apenas na sua reeleição. Não é que não pensasse que esta ingovernabilidade era má para o País - porque ele já pensou isso quando foi com Santana Lopes. Aí não teve pejo nenhum em escrever um artigo falando da má moeda e da boa moeda, confortando a decisão de Jorge Sampaio em dissolver a Assembleia.
E fez isso porque...?
Porque achava que aquele Governo não estava a governar bem. E, se nos recordarmos, as condições de governabilidade não eram tão más como foram este ano. Mas agora ele não tinha de empurrar alguém para decidir - tinha de ser ele a decidir. E não decidiu.
E com isso ajudou o Governo?
E com isso prejudicou o País. Não estou a dizer que ajudou o Governo - acho que governar nas condições em que este Governo governou este ano não é ajuda para ninguém.
Sócrates devia ter-se demitido?
Não, não. O Governo tinha sido eleito e tinha de tentar governar até ao fim. Acho é que da parte do Presidente devia ter havido uma pressão sobre o Governo e sobre as oposições para que se criassem as condições de governabilidade. A eventual dissolução da Assembleia seria uma crítica mais às oposições do que ao Governo. Porque criaram todas as condições para que o Governo não tivesse condições de estabilidade.
Pegando no seu argumento, há o risco de Cavaco, sendo reeleito, dissolver imediatamente?
Há esse risco!
Dissolvendo a Assembleia?
Sim. Tal como haverá se eu for eleito. Entendo que, se não houver condições de governabilidade e de estabilidade para credibilizar a acção governamental, perante os portugueses, mas principalmente perante os financiadores e credores externos, deve-se dissolver e criar nova maioria.
Porque não o convence a candidatura de Manuel Alegre?
Eu disse-o na reunião de José Sócrates com o grupo parlamentar: porque a candidatura do PS devia ser uma candidatura com hipóteses de vencer as eleições. Porque tínhamos pela primeira vez um presidente da República que no final do primeiro mandato estava fragilizado. E o PS tinha a obrigação de apresentar um candidato que fosse de largo espectro, para apanhar todo o eleitorado, incluindo o do centro - que é fundamental para ganhar eleições.
E que resposta teve?
... e a candidatura de Manuel Alegre, ao ser capturada, apoiada pelo Bloco de Esquerda, perdeu a possibilidade de obter o apoio do eleitorado do centro. Essa candidatura era, desde o início, uma candidatura com poucas possibilidades de vencer - embora ainda possa fazê-lo numa segunda volta, se houver quem, como eu, conquiste esse eleitorado do centro.
Ou seja, acredita ainda numa segunda volta?
Acredito que pode haver. E estou disponível para apoiar o candidato que se opuser a Cavaco Silva nessa segunda volta. Posso ser eu.
Vê o PS mobilizado?
Já vi menos. Já está mais mobilizado do que esteve há mês e meio.
Tem tido um discurso muito centrado na corrupção e regionalização. Tendo acusado Cavaco de ter sido cúmplice desse clientelismo e corrupção que diz 'larvar' no País, considera Sócrates igualmente cúmplice?
Todos os responsáveis políticos - especialmente em mais alto nível - são mais responsáveis. Mas todos os cidadãos são responsáveis, porque toleram a pequena corrupção, o favorecimento...
Sobre a regionalização, a região- -piloto proposta pelo PSD convence-o?
Vivemos numa inconstitucionalidade por omissão, e o Presidente é responsável por isso. Eu faço disto a minha bandeira, porque tenho a consciência de que a existência de um patamar intermédio na administração é fundamental para libertar a criatividade e o dinamismo dos agentes culturais e sociais e para aproveitar e coordenar os investimentos públicos.
Não me respondeu à região-piloto.
Sou contra, seria mais uma manifestação de autoritarismo da administração central. Seria ela a dizer que era esta ou aquela região.
Os debates televisivos mudaram alguma coisa nesta campanha?
Eu que era um candidato conhecido apenas em Viana do Castelo e zonas limítrofes sou agora conhecido em muitos pontos do País.
Responsabiliza Cavaco Silva pelo que aconteceu com o BPN?
Não. Não sou tribunal nem tenho conhecimento tão aprofundado dos dossiês...
Então de que o acusa nesse caso?
De tolerar a convivência com alguém que tinha responsabilidades, de muitos dos seus ex-governantes estarem envolvidos nisso e de um deles ser conselheiro de Estado. E além disso ele próprio ter acções no BPN - de forma que eu, por exemplo, que sou médico e não jogo na bolsa, não sei como se tem acções que não estão na bolsa, nem sei como se tem lucro de 140% com essa facilidade toda. Eu pensaria que seria um negócio ilícito - e parece que os tribunais estão a dar- -me razão.
Ilícito, de Oliveira Costa e outros no BPN. Cavaco devia ter melhor conhecimento do que se passava no banco?
... Do que eu! De certeza! Ele é economista, sabe muito de economia, passa a vida a dizer que é fundamental uma pessoa como ele, com o seu conhecimento para ser presidente. Apesar disso, quando se fala da nacionalização do BPN, diz "fiz com muitas dúvidas, mas o Governo e o Banco de Portugal disseram que era preciso!".
E que podia Cavaco ter feito?
Não estou a dizer que podia, estou a demonstrar a contradição de um homem que se diz sabedor na sua área profissional, mas que quando se lhe põe o caso concreto da nacionalização diz que fez o que o Banco de Portugal e o Governo lhe disseram - até por escrito.
O que espera de 2011?
Espero um ano muito difícil. Um ano que vai ser a consequência de tudo o que temos feito desde que aderimos à Comunidade Europeia.
Para si, o mal vem de 1986?
Vem de termos aproveitado mal os apoios que tivemos da Comunida-de Europeia e os benefícios que tivemos da integração - o dinheiro para a formação profissional, fazendo apressadamente obras e investimentos que depois tiveram de ser corrigidos... Todos os investimentos que foram feitos sem haver uma estratégia a prazo, estamos a sofrer as consequências.
É uma crítica ao PS e ao PSD?
É verdade.
As pessoas que votaram também erraram?
Não, as pessoas votaram segundo a informação que tinham e pelas ilusões que lhes criaram.
Se tivermos o FMI em Portugal, enquanto presidente vetaria alguma das medidas sugeridas?
Não se pode falar sem saber que propostas são.
Mas não aprovaria de cruz?
Nunca aprovaria de cruz, nem o que viesse do FMI.
Pedro Passos Coelho parece-lhe pronto para governar?
(longo silêncio) Não conheço suficientemente. Parece-me que não tem grande experiência de administração pública, e penso que isso é fundamental para o exercício de um cargo de tanta responsabilidade. Mas a experiência da administração também se ganha. O que acho é que a equipa dele não é suficientemente apta para exercer o mandato, como se verificou nas propostas que fez na revisão constitucional, onde teve de recuar, e que revelam alguma sofreguidão pelo exercício do poder.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"Entre Cavaco e Alegre não há alternativa"
.
"Entre Cavaco e Alegre não há alternativa"
por DAVID DINIS
Hoje
Contra a bipolarização, o candidato à Presidência da República apoiado pelo PCP quer evitar o voto útil de esquerda em Manuel Alegre. Por isso, critica o candidato que junta PS e Bloco, quase tanto como ataca Cavaco Silva com o caso BPN.
O que é que mudava com um Presidente da República militante do PCP?
Se o povo português entender eleger-me, exercerei o mandato com um quadro que é o cumprimento da Constituição da República, como elemento de mudança essencial que é necessária no país.
Teria vetado mais diplomas do que Cavaco Silva vetou?
É necessário posicionar-me sobretudo para o futuro, porque estas eleições realizam-se num momento muito difícil. O que determina a minha opção são alguns princípios essenciais para responder à situação de desastre.
Que princípios são esses?
Primeiro, defesa dos interesses nacionais a todos os níveis, no quadro de intervenção na União Europeia e no espaço internacional. Isto implica uma conduta do PR oposta àquela que tem sido exercida por Cavaco Silva.
O PR não tem defendido os interesses nacionais?
Não tem defendido os interesses nacionais, tem-se inserido numa estratégia que vem de há muitos anos a esta parte - e que vem do tempo em que foi primeiro-ministro - e que continuou durante estes cinco anos de mandato, de abdicação dos interesses nacionais. Um elemento que o identifica é a forma como se assumiu como voz dos especuladores, em vez de ser a voz de Portugal contra a especulação. Teria uma intervenção oposta àquela que tem caracterizado a acção de Cavaco Silva em convergência com o pior do Governo do PS. E se formos ver, aí temos que não há um decreto do Governo que tenha sido vetado pelo PR. E relativamente às leis saídas da Assembleia da República, não há praticamente vetos a não ser em questões que têm a ver com costumes/questões morais e com...
Como explica?
Há uma convergência essencial ao longo destes anos entre o presidente Cavaco Silva e o Governo do PS naquilo que de pior têm em termos da estratégia económica e social que tem empurrado o País para o abismo.
Como define o Orçamento do Estado para 2011?
Passou pouco tempo desde a sua aprovação, mas hoje é claro já que não é um OE para responder aos problemas nacionais mas que os vai agravar. Como é que ficamos no final de 2011, se este OE for para diante? Já estão a invocar a questão do FMI, que é uma outra etapa, sempre decepando aquilo que são os recursos nacionais e as possibilidades de progresso do País! Ora, entendo que o papel do PR que vai ser eleito no dia 23 de Janeiro, ou na segunda volta que resultar da primeira volta de dia 23 de Janeiro, é um papel essencial!
Se fosse PR, travaria as medidas do FMI para Portugal?
Se o povo português entender eleger-me PR, sinalizo com todos os meus poderes a necessidade de uma mudança de política, que é oposta aquela, nos termos económicos e sociais essenciais, à que tem sido realizada por este Governo com o acordo do PSD e do PR. E que significa também, esta política que tem sido praticada, é a política do FMI, oposta àquilo que é necessário. Nessas circunstâncias, eu usarei todos os poderes para sinalizar um caminho de mudança. Os poderes do PR não são tão pequenos como isso!
Não são pequenos, são claros.
Sim, limitados, mas grandes!
Delimitados.
Delimitados, mas a palavra "delimitado" pode dar a ideia de reduzidos, não são. São amplos. De- fendo que não é necessário mais poderes para o PR, os poderes que estão na Constituição são suficientes. A questão que se coloca é como é que eles são usados. Cavaco Silva coordenou, apadrinhou este entendimento entre o PS e o PSD para o OE em torno de todas estas medidas de agravamento das injustiças, da recessão económica...
Não era fundamental haver OE?
Era fundamental que não tivesse sido este. Era muito útil que fosse outro, com um sentido diferente.
E o que faria não pode obrigar o Governo a alterar um OE?
Cavaco Silva interveio favorecendo o entendimento entre PS e PSD em torno de aspectos negativos. Eu interviria num quadro semelhante para influenciar um acordo num sentido oposto.
Conseguiria promover um acordo com todas as forças da esquerda, incluindo o Bloco?
Não podemos estar a fazer hipóteses hipotéticas. Teria uma intervenção para dar resposta aos problemas nacionais, facilitando entendimentos, medidas e opções. Que é uma prática política oposta àquela que tem tido Cavaco Silva. Mas dou outro exemplo: Diz-se que o PR não tem possibilidades de intervenção e, até agora, circunstancialmente teve em relação ao ensino. É um exemplo, pode haver intervenção! No caso do BPN, o PR associou-se ao Governo do PS num processo que é um dos escândalos maiores que está a cair sobre o nosso País! Era necessário ter uma posição oposta àquela, defendendo o interesse nacional!
Que posição devia ter tido?
A posição do PR devia ter sido, na salvaguarda do interesse nacional, não acompanhar uma iniciativa de chamar à responsabilidade pública, isto é, a todos nós, a cobertura dos prejuízos imensos de uma fraude. Este caso do BPN, pela fraude, pelo processo que se verificou, pela forma como o poder político, Governo, maioria da Assembleia e presidente da República se pronunciaram, é um dos maiores escândalos da vida política portuguesa.
Acha que a culpa tem rosto?
Há rostos claros. Houve uma comissão de inquérito, na Assembleia da República, e esses dados estão divulgados. Há processos judiciais em curso que permitirão, certamente, espero eu, ir ao fundo ainda de mais questões. Mas é hoje claro que há responsáveis: Oliveira e Costa, ex-colaborador no governo de Cavaco Silva, financiador da sua campanha há cinco anos! O candidato Cavaco Silva veio dizer, depois do debate que teve comigo na televisão, que há dez anos, ou quinze anos, tinha saído do governo e que não tinha nada a ver. Não, há cinco anos foi financiador da sua campanha! Também veio dizer que quando decidiu foi na base da informação do Banco de Portugal e do Governo mas um conselheiro de Estado nomeado por ele, em funções, estava por dentro de todo o processo e certamente Cavaco Silva conheceria esses elementos. Não há responsabilidades do presidente Cavaco? Não há responsabilidades do Governo, não há responsabilidade do Oliveira e Costa, não há responsabilidade daqueles que provocaram essa fraude e que decidiram erradamente?
Não é uma responsabilidade judicial? Ou é política também?
Há aqui, primeiro, uma responsabilidade dos próprios, que responsabiliza os próprios. E não é matéria judicial, é económica, de gestão e judicial, tem vários planos. Há uma responsabilidade política pela proximidade de alguns desses responsáveis, não apenas com o percurso longínquo no Governo do actual PR mas como financiadores da sua campanha há cinco anos atrás, incluindo para além disso um ex-conselheiro de Estado que foi indicado pelo próprio Presidente da República. Portanto, há responsabilidades políticas.
Nós precisamos de outro caminho, Portugal está aprisionado pelos interesses dos grupos económicos e financeiros, a Constituição está aprisionada e é preciso libertar Portugal e libertar a Constituição dos interesses dos grupos económicos e financeiros, da especulação financeira, do comprometimento dos interesses nacionais no quadro da UE.
Mesmo que para isso o PR tenha de dissolver a Assembleia?
Como PR, exercerei segundo a Constituição todos os poderes que o presidente tem em função da necessidade. Não recuso nenhum dos poderes que tem o PR, seja a dissolução da Assembleia da República, seja a demissão do Governo.
Francisco Lopes partiu para esta campanha com uma mensagem decalcada, daquilo que é a mensagem do partido, do PCP. Seria suficiente obter um resultado ao nível do da CDU em legislativas?
O decalcada pode ter vários entendimentos, pode ter o entendimento de que é uma colagem...
Direi então inspirada. Esta é uma candidatura que não esconde de onde vem e ao que vai.
Mas independentemente do significado que cada um de nós dá a essa palavra, não entrando em polémica em relação a ela, é natural que com todo o meu percurso político me identifique com o projecto do PCP e que isso faça parte da minha reflexão pessoal.
Está fora de causa desistir?
O problema não se coloca, desde o início que isso está esclarecido.
Mesmo que haja o risco?...
Não há risco nenhum! O grande risco que poderia haver era o povo português não ter uma alternativa clara de demarcação em relação às práticas políticas de Cavaco Silva como presidente da República, pelo percurso que tem, e às práticas políticas de outros candidatos, como Manuel Alegre, comprometido com o PS e com o governo do PS, candidato do PS apoiado pelo BE, ou como Defensor Moura ou como Fernando Nobre, todos eles, de uma forma ou de outra, identificados com este rumo.
É importante que a pessoa vote, seja ouvida. E a forma de fazerem ouvir a sua voz no dia 23 de Janeiro é votarem, de uma forma clara! Por isso, a questão para mim não é esta ou aquela percentagem, é o máximo de apoio do povo português. O povo decidirá no dia 23 quem passa à segunda volta, o povo português decidirá quem vai eleger.
Se for eleito PR, será o presidente de todos os portugueses ou só daqueles que votaram em si?
De maneira nenhuma só dos que votaram em mim, nunca em nenhuma circunstância.
Uma vez eleito, entregaria o cartão de militante do PCP?
Essa questão não se coloca, porque eu sou o que sou. E é como sou que sou candidato a PR. Isso seria uma demonstração de incoerência, dissimulação e engano.
Entre Cavaco e Alegre há um mal menor?
Entre Cavaco Silva e Manuel Alegre não há propriamente uma afirmação de uma alternativa. Cavaco Silva e Manuel Alegre são duas componentes do mesmo rumo, de uma mesma política de desastre, abdicação dos interesses nacionais e injustiça social. Basta ver como é que chegámos aqui, do ponto de vista da abdicação dos interesses nacionais. Mercado Único, Cavaco Silva e Manuel Alegre estiveram sintonizados; Tratado de Maastricht, União Económica e Monetária, Banco Central Europeu, euro, portanto, ambos estiveram, no essencial e nessa perspectiva.É desse tempo a célebre frase de Cavaco Silva do pelotão da frente, que tinha colocado Portugal no pelotão da frente da União Europeia, está-se a ver qual é o pelotão da frente em que estamos. São alguns percursos constantes. A questão do BPN é um outro exemplo, de compromisso e de uma posição semelhante na altura em que as decisões foram tomadas, um como presidente da República, outro na Assembleia da República como deputado do PS.
Havendo uma segunda volta que não o inclua, que opção tem o PCP?
A questão que me está a colocar terá de ser respondida depois.
In DN
"Entre Cavaco e Alegre não há alternativa"
por DAVID DINIS
Hoje
Contra a bipolarização, o candidato à Presidência da República apoiado pelo PCP quer evitar o voto útil de esquerda em Manuel Alegre. Por isso, critica o candidato que junta PS e Bloco, quase tanto como ataca Cavaco Silva com o caso BPN.
O que é que mudava com um Presidente da República militante do PCP?
Se o povo português entender eleger-me, exercerei o mandato com um quadro que é o cumprimento da Constituição da República, como elemento de mudança essencial que é necessária no país.
Teria vetado mais diplomas do que Cavaco Silva vetou?
É necessário posicionar-me sobretudo para o futuro, porque estas eleições realizam-se num momento muito difícil. O que determina a minha opção são alguns princípios essenciais para responder à situação de desastre.
Que princípios são esses?
Primeiro, defesa dos interesses nacionais a todos os níveis, no quadro de intervenção na União Europeia e no espaço internacional. Isto implica uma conduta do PR oposta àquela que tem sido exercida por Cavaco Silva.
O PR não tem defendido os interesses nacionais?
Não tem defendido os interesses nacionais, tem-se inserido numa estratégia que vem de há muitos anos a esta parte - e que vem do tempo em que foi primeiro-ministro - e que continuou durante estes cinco anos de mandato, de abdicação dos interesses nacionais. Um elemento que o identifica é a forma como se assumiu como voz dos especuladores, em vez de ser a voz de Portugal contra a especulação. Teria uma intervenção oposta àquela que tem caracterizado a acção de Cavaco Silva em convergência com o pior do Governo do PS. E se formos ver, aí temos que não há um decreto do Governo que tenha sido vetado pelo PR. E relativamente às leis saídas da Assembleia da República, não há praticamente vetos a não ser em questões que têm a ver com costumes/questões morais e com...
Como explica?
Há uma convergência essencial ao longo destes anos entre o presidente Cavaco Silva e o Governo do PS naquilo que de pior têm em termos da estratégia económica e social que tem empurrado o País para o abismo.
Como define o Orçamento do Estado para 2011?
Passou pouco tempo desde a sua aprovação, mas hoje é claro já que não é um OE para responder aos problemas nacionais mas que os vai agravar. Como é que ficamos no final de 2011, se este OE for para diante? Já estão a invocar a questão do FMI, que é uma outra etapa, sempre decepando aquilo que são os recursos nacionais e as possibilidades de progresso do País! Ora, entendo que o papel do PR que vai ser eleito no dia 23 de Janeiro, ou na segunda volta que resultar da primeira volta de dia 23 de Janeiro, é um papel essencial!
Se fosse PR, travaria as medidas do FMI para Portugal?
Se o povo português entender eleger-me PR, sinalizo com todos os meus poderes a necessidade de uma mudança de política, que é oposta aquela, nos termos económicos e sociais essenciais, à que tem sido realizada por este Governo com o acordo do PSD e do PR. E que significa também, esta política que tem sido praticada, é a política do FMI, oposta àquilo que é necessário. Nessas circunstâncias, eu usarei todos os poderes para sinalizar um caminho de mudança. Os poderes do PR não são tão pequenos como isso!
Não são pequenos, são claros.
Sim, limitados, mas grandes!
Delimitados.
Delimitados, mas a palavra "delimitado" pode dar a ideia de reduzidos, não são. São amplos. De- fendo que não é necessário mais poderes para o PR, os poderes que estão na Constituição são suficientes. A questão que se coloca é como é que eles são usados. Cavaco Silva coordenou, apadrinhou este entendimento entre o PS e o PSD para o OE em torno de todas estas medidas de agravamento das injustiças, da recessão económica...
Não era fundamental haver OE?
Era fundamental que não tivesse sido este. Era muito útil que fosse outro, com um sentido diferente.
E o que faria não pode obrigar o Governo a alterar um OE?
Cavaco Silva interveio favorecendo o entendimento entre PS e PSD em torno de aspectos negativos. Eu interviria num quadro semelhante para influenciar um acordo num sentido oposto.
Conseguiria promover um acordo com todas as forças da esquerda, incluindo o Bloco?
Não podemos estar a fazer hipóteses hipotéticas. Teria uma intervenção para dar resposta aos problemas nacionais, facilitando entendimentos, medidas e opções. Que é uma prática política oposta àquela que tem tido Cavaco Silva. Mas dou outro exemplo: Diz-se que o PR não tem possibilidades de intervenção e, até agora, circunstancialmente teve em relação ao ensino. É um exemplo, pode haver intervenção! No caso do BPN, o PR associou-se ao Governo do PS num processo que é um dos escândalos maiores que está a cair sobre o nosso País! Era necessário ter uma posição oposta àquela, defendendo o interesse nacional!
Que posição devia ter tido?
A posição do PR devia ter sido, na salvaguarda do interesse nacional, não acompanhar uma iniciativa de chamar à responsabilidade pública, isto é, a todos nós, a cobertura dos prejuízos imensos de uma fraude. Este caso do BPN, pela fraude, pelo processo que se verificou, pela forma como o poder político, Governo, maioria da Assembleia e presidente da República se pronunciaram, é um dos maiores escândalos da vida política portuguesa.
Acha que a culpa tem rosto?
Há rostos claros. Houve uma comissão de inquérito, na Assembleia da República, e esses dados estão divulgados. Há processos judiciais em curso que permitirão, certamente, espero eu, ir ao fundo ainda de mais questões. Mas é hoje claro que há responsáveis: Oliveira e Costa, ex-colaborador no governo de Cavaco Silva, financiador da sua campanha há cinco anos! O candidato Cavaco Silva veio dizer, depois do debate que teve comigo na televisão, que há dez anos, ou quinze anos, tinha saído do governo e que não tinha nada a ver. Não, há cinco anos foi financiador da sua campanha! Também veio dizer que quando decidiu foi na base da informação do Banco de Portugal e do Governo mas um conselheiro de Estado nomeado por ele, em funções, estava por dentro de todo o processo e certamente Cavaco Silva conheceria esses elementos. Não há responsabilidades do presidente Cavaco? Não há responsabilidades do Governo, não há responsabilidade do Oliveira e Costa, não há responsabilidade daqueles que provocaram essa fraude e que decidiram erradamente?
Não é uma responsabilidade judicial? Ou é política também?
Há aqui, primeiro, uma responsabilidade dos próprios, que responsabiliza os próprios. E não é matéria judicial, é económica, de gestão e judicial, tem vários planos. Há uma responsabilidade política pela proximidade de alguns desses responsáveis, não apenas com o percurso longínquo no Governo do actual PR mas como financiadores da sua campanha há cinco anos atrás, incluindo para além disso um ex-conselheiro de Estado que foi indicado pelo próprio Presidente da República. Portanto, há responsabilidades políticas.
Nós precisamos de outro caminho, Portugal está aprisionado pelos interesses dos grupos económicos e financeiros, a Constituição está aprisionada e é preciso libertar Portugal e libertar a Constituição dos interesses dos grupos económicos e financeiros, da especulação financeira, do comprometimento dos interesses nacionais no quadro da UE.
Mesmo que para isso o PR tenha de dissolver a Assembleia?
Como PR, exercerei segundo a Constituição todos os poderes que o presidente tem em função da necessidade. Não recuso nenhum dos poderes que tem o PR, seja a dissolução da Assembleia da República, seja a demissão do Governo.
Francisco Lopes partiu para esta campanha com uma mensagem decalcada, daquilo que é a mensagem do partido, do PCP. Seria suficiente obter um resultado ao nível do da CDU em legislativas?
O decalcada pode ter vários entendimentos, pode ter o entendimento de que é uma colagem...
Direi então inspirada. Esta é uma candidatura que não esconde de onde vem e ao que vai.
Mas independentemente do significado que cada um de nós dá a essa palavra, não entrando em polémica em relação a ela, é natural que com todo o meu percurso político me identifique com o projecto do PCP e que isso faça parte da minha reflexão pessoal.
Está fora de causa desistir?
O problema não se coloca, desde o início que isso está esclarecido.
Mesmo que haja o risco?...
Não há risco nenhum! O grande risco que poderia haver era o povo português não ter uma alternativa clara de demarcação em relação às práticas políticas de Cavaco Silva como presidente da República, pelo percurso que tem, e às práticas políticas de outros candidatos, como Manuel Alegre, comprometido com o PS e com o governo do PS, candidato do PS apoiado pelo BE, ou como Defensor Moura ou como Fernando Nobre, todos eles, de uma forma ou de outra, identificados com este rumo.
É importante que a pessoa vote, seja ouvida. E a forma de fazerem ouvir a sua voz no dia 23 de Janeiro é votarem, de uma forma clara! Por isso, a questão para mim não é esta ou aquela percentagem, é o máximo de apoio do povo português. O povo decidirá no dia 23 quem passa à segunda volta, o povo português decidirá quem vai eleger.
Se for eleito PR, será o presidente de todos os portugueses ou só daqueles que votaram em si?
De maneira nenhuma só dos que votaram em mim, nunca em nenhuma circunstância.
Uma vez eleito, entregaria o cartão de militante do PCP?
Essa questão não se coloca, porque eu sou o que sou. E é como sou que sou candidato a PR. Isso seria uma demonstração de incoerência, dissimulação e engano.
Entre Cavaco e Alegre há um mal menor?
Entre Cavaco Silva e Manuel Alegre não há propriamente uma afirmação de uma alternativa. Cavaco Silva e Manuel Alegre são duas componentes do mesmo rumo, de uma mesma política de desastre, abdicação dos interesses nacionais e injustiça social. Basta ver como é que chegámos aqui, do ponto de vista da abdicação dos interesses nacionais. Mercado Único, Cavaco Silva e Manuel Alegre estiveram sintonizados; Tratado de Maastricht, União Económica e Monetária, Banco Central Europeu, euro, portanto, ambos estiveram, no essencial e nessa perspectiva.É desse tempo a célebre frase de Cavaco Silva do pelotão da frente, que tinha colocado Portugal no pelotão da frente da União Europeia, está-se a ver qual é o pelotão da frente em que estamos. São alguns percursos constantes. A questão do BPN é um outro exemplo, de compromisso e de uma posição semelhante na altura em que as decisões foram tomadas, um como presidente da República, outro na Assembleia da República como deputado do PS.
Havendo uma segunda volta que não o inclua, que opção tem o PCP?
A questão que me está a colocar terá de ser respondida depois.
In DN
_________________
Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
"O Presidente da República não é uma estátua de cera"
.
"O Presidente da República não é uma estátua de cera"
por DAVID DINIS
Hoje
O candidato independente acha que Cavaco Silva devia ter feito mais do que usar a palavra, denunciando o estado da economia. Para Fernando Nobre, o Presidente não se pode limitar a assistir aos actos da governação porque é, também ele, um decisor político activo.
Um Presidente da República apartidário mudava o quê?
Dava muito mais isenção e equidistância. E deixaria bem claro para todos que ele, nunca tendo feito parte de uma equipa em presença, estará ali exclusivamente para defender os interesses de todos os portugueses e do País.
Os presidentes anteriores pecaram por falta de equidistância?
Acho que sim, pelo menos é isso que tem saído da leitura dos factos durante os seus mandatos, sobretudo se analisarmos o primeiro e segundo mandatos.
Cavaco Silva beneficiou o Governo ou a oposição?
Não sei, lembro-me só daquele período das escutas entre Belém e S. Bento, que pode ter deixado várias leituras na altura. Alguém que foi jogador de uma equipa durante 20 anos e que passa a árbitro, nem que seja inconscientemente, terá tendência para apitar mais contra a equipa da qual nunca fez parte.
Durante o seu percurso apoiou várias personalidades. Alguma vez se arrependeu?
Sim. Com o PSD, no Coliseu de Lisboa, em 2002, que levou Durão Barroso a primeiro-ministro, arrependi-me porque acho que ele não se comportou como eu esperaria de um primeiro-ministro, na altura da Guerra do Iraque. Quanto aos outros três apoios pessoais [Mário Soares nas presidenciais, mandatário nacional do BE para o Parlamento Europeu e ter pertencido à comissão de honra de Capucho em Cascais], não me arrependo.
Foi usado por virtudes eleitoralistas?
Já tenho idade para não ser tão ingénuo quanto muitas pessoas pensam! Estava ali enquanto independente para dar a minha leitura da sociedade portuguesa, ponto final. Agora, se me convidam é porque sabem que o meu nome e o meu passado podem beneficiar uma candidatura.
Já teria dissolvido a Assembleia da República?
Pelo que sei pelos jornais, entendo que não. Agora, se eu for eleito PR, terei acesso de uma maneira aprofundada às matérias que me poderão levar a um juízo diferente. O que eu lhe posso garantir é que eu PR, conhecedor profundo dos dossiers, não hesitarei em dissolver a Assembleia da República ou em demitir o Governo se eu entender que o País está num impasse ou se está em causa o regular funcionamento das instituições.
Cavaco devia ter feito mais?
No ano passado tivemos três eleições sucessivas, o Governo é responsável pela marcação das eleições autárquicas, sendo o PR responsável pelas eleições europeias e legislativas. Andámos entretidos em três actos eleitorais sucessivos que fizeram com que o Orçamento deste ano fosse apenas e só aprovado na primeira semana de Maio. Isso quer dizer que durante os quatro primeiros meses deste ano nós estivemos a viver em duodécimos. Entendo que o PR podia ter encurtado os períodos eleitorais, primeiro ponto. Segundo ponto, a questão do casamento homossexual. Se for para Belém, vou com as minhas convicções. Eu teria promulgado o casamento, talvez teria sugerido um outro nome, não me incomoda a palavra casamento porque sou um homem de inclusão, quero que a sociedade portuguesa inclua todos os grupos que se sintam discriminadamente negativados.
Porque acha que o PR promulgou?
Isso talvez fosse bom perguntar- -lhe a ele! Mas depois de uma passagem do Papa durante três dias no País, em que ele esteve sempre com o Papa, acho que toda a gente estava à espera que ele agisse em função das suas convicções.
Se fosse PR teria vetado ou promulgado este OE?
Ainda não foi promulgado...
Já foi promulgado, no último dia do ano.
Teria actuado preventivamente, teria feito tudo para que não fosse este OE.
Sente que os debates televisivos mudaram alguma coisa?
Tive a possibilidade de expandir algumas das minhas ideias. Um candidato presidencial tem de fazer propostas, tem de ajudar a definir desígnios para o País, tem de contribuir para a melhoria da qualidade da vida política. Enquanto candidato faço propostas muito concretas no sentido, por exemplo, de se reduzir o número de deputados, para cem, por exemplo, à semelhança do que existe na Holanda, 16 milhões de habitantes, 150 deputados! Nós temos dez milhões de habitantes, 230 deputados.
O PR não tem poder para impor essas mudanças.
Sim, mas o PR tem poderes explícitos na Constituição e tem poderes implícitos. Há conversas reservadas, sigilosas, e há conversas públicas. É por isso que se diz que ele tem um magistério de influência, acho que o PR é o único órgão de soberania que é eleito unipessoalmente por sufrágio universal.
Mas teria mais influência vindo de fora do universo político?
Sinceramente, acho que teria mais influência e vou dizer porquê: é que todos os líderes partidários, e qualquer que seja o primeiro-ministro, e todos os deputados saberão que vou falar com eles da mesma maneira. Não vou falar com A de uma maneira e com B de outra maneira.
Que opinião é que tem de José Sócrates e de Passos Coelho?
Do sr. primeiro-ministro, eng. José Sócrates, reconheço uma pessoa determinada, voluntariosa. São os dois adjectivos que me vêm à mente. O dr. Passos Coelho também não conheço em termos políticos...
Tem boas expectativas, no caso de Pedro Passos Coelho?
É um homem que mostra vontade, acho que é um homem sério. Um dia ou outro, terá de haver alternância porque isso é o jogo da democracia, e acho que ele assumirá as funções de primeiro-ministro e só depois é que nós vamos saber, na prática, se ele dará um bom primeiro-ministro ou não.
Cavaco desiludiu-o como PR?
Tenho o maior respeito e a maior estima pelo prof. Cavaco Silva. Mas entendo, pelo que disse há pouco, que ele não correspondeu às expectativas. Pergunto-me se ele também não é um decisor político, a meu ver o PR também é um decisor político! Se ele alertou, das duas uma: ou ele falou numa língua que ninguém percebeu ou então os portugueses andam completamente surdos. Porque ele podia ter tido e podia ter actuado de forma muito mais incisiva. Ele podia ter convocado, por exemplo, o conselho de estado para debater a situação económica do País e o descalabro anunciado.
E o Governo não acharia imediatamente que ele estava a atacar?
Não, mas então para que é que serve o Conselho de Estado? Mais do que isso, se depois das suas conversas particulares, semanais, com o senhor primeiro-ministro, ele entendesse que as suas competências, os seus pareceres e os seus alertas não estavam a ser escutados, ele tinha outras maneiras para actuar! Ele podia mandar uma mensagem à Assembleia da República, ele podia convocar extraordinariamente a AR. Porque é que ele não fez uma comunicação específica sobre os perigos que estávamos a correr com o superendividamento das famílias?
O Governo não diria que o PR era uma força de oposição?
O prof. Cavaco Silva é que acusou o dr. Mário Soares de ser uma força de bloqueio!
Pois acusou.
Mas eu acho que o PR não é um mero vaso de flores e não é uma estátua de cera que se senta numa cadeira, porque senão então vamos poupar financiamentos ao Estado! Então para que é que precisamos de um PR?
Cavaco Silva fez do cargo de PR um cargo irrelevante, é isso?
Não sou o primeiro a afirmá-lo. O prof. Cavaco Silva neste primeiro mandato exerceu os seus poderes de uma forma minimalista, eu tê-los-ia exercido de uma forma mais acentuada. E daí eu dizer, atalho de foice, que se os presidentes da República estão condicionados pela eleição de um segundo mandato, então talvez não fosse mau pensar, isso é uma ideia, que o mandato de PR fosse único, tipo sete anos, mas fosse um.
Cavaco Silva convocou o Conselho de Estado e pronunciou-se sobre a situação económica antes do início das negociações do OE.
Podia antecipar o que ia acontecer, já antes do Lehman Brothers, os peritos financeiros sabiam para onde estávamos a caminhar. Ele podia ter actuado mais cedo.
Um dos assuntos que estão a marcar esta campanha é o caso BPN. É talvez o único candidato que não fala deste assunto. Porquê?
Por uma razão muito simples: não gosto de fazer ataques ad hominem a ninguém. Segundo, não gosto de lançar insultos a ninguém. E por isso, não tendo provas seja do que for, não estou virado para lançar suspeições gratuitas.
Mas acha que é necessário algum esclarecimento?
Não, o que eu entendo é que o BPN, o caso BPN, não é o professor Cavaco Silva, porque não é por termos amigos metidos numa embrulhada que imediatamente também somos culpados.
Cavaco foi accionista da SLN.
Com certeza, muitos milhares de portugueses terão sido, provavelmente.
Cavaco Silva não tem de dar nenhum tipo de explicação?
Para mim não solicito coisa nenhuma, inclusive, a ter-se solicitado teria sido há dois anos. Não vejo porquê estar agora a focar esta questão neste momento eleitoral.
Nos debates usou o facto de ter estado em Beirute em 1982. Porque é que acha que é fundamental?
Quando anunciei a candidatura, de imediato surgiram aí vozes - os portugueses saberão ajuizar da parte de quem - dizendo que estava a ser empurrado.
Por Mário Soares?
Disse que alguém como eu, que tem um percurso de vida há 30 anos, em que teve momentos extremamente difíceis e duros, como estar em Beirute no Verão de 1982 durante dois meses, diariamente bombardeado por terra, céu e mar, que uma pessoa com o meu perfil e com o meu percurso não é alguém que seja empurrado.
Mas porque é que acha que essa sua experiência...
Podia falar em Mogadíscio em 1992!
E é importante para o desempenho das funções de PR?
Foi uma experiência que demonstra uma particular resistência psíquica, física.
Mas acha que essas suas experiências lhe conferem uma espécie de superioridade moral face aos outros candidatos?
Não é superioridade moral, cada um de nós é o resultado do seu percurso. Este foi o meu percurso, comecei aos 27 anos e tenho 59. Porque carga de água é que eu não posso invocar a minha experiência humanitária e cívica em favor de uma cidadania activa, como está escrita há anos?
Já falámos de Mário Soares, aconselhou-se com ele?
Falei, como disse na altura e é público, com 15 personalidades.
E ele estava entre elas?
Sim, senhor. Prof. Adriano Moreira, Fernando Moreira, dr. Mário Soares, Miguel Portas, Henrique Granadeiro, Carvalho da Silva... foram muitas as pessoas, por quem tenho estima. Eu levantei-me por um imperativo, um imperativo de cidadania.
In DN
"O Presidente da República não é uma estátua de cera"
por DAVID DINIS
Hoje
O candidato independente acha que Cavaco Silva devia ter feito mais do que usar a palavra, denunciando o estado da economia. Para Fernando Nobre, o Presidente não se pode limitar a assistir aos actos da governação porque é, também ele, um decisor político activo.
Um Presidente da República apartidário mudava o quê?
Dava muito mais isenção e equidistância. E deixaria bem claro para todos que ele, nunca tendo feito parte de uma equipa em presença, estará ali exclusivamente para defender os interesses de todos os portugueses e do País.
Os presidentes anteriores pecaram por falta de equidistância?
Acho que sim, pelo menos é isso que tem saído da leitura dos factos durante os seus mandatos, sobretudo se analisarmos o primeiro e segundo mandatos.
Cavaco Silva beneficiou o Governo ou a oposição?
Não sei, lembro-me só daquele período das escutas entre Belém e S. Bento, que pode ter deixado várias leituras na altura. Alguém que foi jogador de uma equipa durante 20 anos e que passa a árbitro, nem que seja inconscientemente, terá tendência para apitar mais contra a equipa da qual nunca fez parte.
Durante o seu percurso apoiou várias personalidades. Alguma vez se arrependeu?
Sim. Com o PSD, no Coliseu de Lisboa, em 2002, que levou Durão Barroso a primeiro-ministro, arrependi-me porque acho que ele não se comportou como eu esperaria de um primeiro-ministro, na altura da Guerra do Iraque. Quanto aos outros três apoios pessoais [Mário Soares nas presidenciais, mandatário nacional do BE para o Parlamento Europeu e ter pertencido à comissão de honra de Capucho em Cascais], não me arrependo.
Foi usado por virtudes eleitoralistas?
Já tenho idade para não ser tão ingénuo quanto muitas pessoas pensam! Estava ali enquanto independente para dar a minha leitura da sociedade portuguesa, ponto final. Agora, se me convidam é porque sabem que o meu nome e o meu passado podem beneficiar uma candidatura.
Já teria dissolvido a Assembleia da República?
Pelo que sei pelos jornais, entendo que não. Agora, se eu for eleito PR, terei acesso de uma maneira aprofundada às matérias que me poderão levar a um juízo diferente. O que eu lhe posso garantir é que eu PR, conhecedor profundo dos dossiers, não hesitarei em dissolver a Assembleia da República ou em demitir o Governo se eu entender que o País está num impasse ou se está em causa o regular funcionamento das instituições.
Cavaco devia ter feito mais?
No ano passado tivemos três eleições sucessivas, o Governo é responsável pela marcação das eleições autárquicas, sendo o PR responsável pelas eleições europeias e legislativas. Andámos entretidos em três actos eleitorais sucessivos que fizeram com que o Orçamento deste ano fosse apenas e só aprovado na primeira semana de Maio. Isso quer dizer que durante os quatro primeiros meses deste ano nós estivemos a viver em duodécimos. Entendo que o PR podia ter encurtado os períodos eleitorais, primeiro ponto. Segundo ponto, a questão do casamento homossexual. Se for para Belém, vou com as minhas convicções. Eu teria promulgado o casamento, talvez teria sugerido um outro nome, não me incomoda a palavra casamento porque sou um homem de inclusão, quero que a sociedade portuguesa inclua todos os grupos que se sintam discriminadamente negativados.
Porque acha que o PR promulgou?
Isso talvez fosse bom perguntar- -lhe a ele! Mas depois de uma passagem do Papa durante três dias no País, em que ele esteve sempre com o Papa, acho que toda a gente estava à espera que ele agisse em função das suas convicções.
Se fosse PR teria vetado ou promulgado este OE?
Ainda não foi promulgado...
Já foi promulgado, no último dia do ano.
Teria actuado preventivamente, teria feito tudo para que não fosse este OE.
Sente que os debates televisivos mudaram alguma coisa?
Tive a possibilidade de expandir algumas das minhas ideias. Um candidato presidencial tem de fazer propostas, tem de ajudar a definir desígnios para o País, tem de contribuir para a melhoria da qualidade da vida política. Enquanto candidato faço propostas muito concretas no sentido, por exemplo, de se reduzir o número de deputados, para cem, por exemplo, à semelhança do que existe na Holanda, 16 milhões de habitantes, 150 deputados! Nós temos dez milhões de habitantes, 230 deputados.
O PR não tem poder para impor essas mudanças.
Sim, mas o PR tem poderes explícitos na Constituição e tem poderes implícitos. Há conversas reservadas, sigilosas, e há conversas públicas. É por isso que se diz que ele tem um magistério de influência, acho que o PR é o único órgão de soberania que é eleito unipessoalmente por sufrágio universal.
Mas teria mais influência vindo de fora do universo político?
Sinceramente, acho que teria mais influência e vou dizer porquê: é que todos os líderes partidários, e qualquer que seja o primeiro-ministro, e todos os deputados saberão que vou falar com eles da mesma maneira. Não vou falar com A de uma maneira e com B de outra maneira.
Que opinião é que tem de José Sócrates e de Passos Coelho?
Do sr. primeiro-ministro, eng. José Sócrates, reconheço uma pessoa determinada, voluntariosa. São os dois adjectivos que me vêm à mente. O dr. Passos Coelho também não conheço em termos políticos...
Tem boas expectativas, no caso de Pedro Passos Coelho?
É um homem que mostra vontade, acho que é um homem sério. Um dia ou outro, terá de haver alternância porque isso é o jogo da democracia, e acho que ele assumirá as funções de primeiro-ministro e só depois é que nós vamos saber, na prática, se ele dará um bom primeiro-ministro ou não.
Cavaco desiludiu-o como PR?
Tenho o maior respeito e a maior estima pelo prof. Cavaco Silva. Mas entendo, pelo que disse há pouco, que ele não correspondeu às expectativas. Pergunto-me se ele também não é um decisor político, a meu ver o PR também é um decisor político! Se ele alertou, das duas uma: ou ele falou numa língua que ninguém percebeu ou então os portugueses andam completamente surdos. Porque ele podia ter tido e podia ter actuado de forma muito mais incisiva. Ele podia ter convocado, por exemplo, o conselho de estado para debater a situação económica do País e o descalabro anunciado.
E o Governo não acharia imediatamente que ele estava a atacar?
Não, mas então para que é que serve o Conselho de Estado? Mais do que isso, se depois das suas conversas particulares, semanais, com o senhor primeiro-ministro, ele entendesse que as suas competências, os seus pareceres e os seus alertas não estavam a ser escutados, ele tinha outras maneiras para actuar! Ele podia mandar uma mensagem à Assembleia da República, ele podia convocar extraordinariamente a AR. Porque é que ele não fez uma comunicação específica sobre os perigos que estávamos a correr com o superendividamento das famílias?
O Governo não diria que o PR era uma força de oposição?
O prof. Cavaco Silva é que acusou o dr. Mário Soares de ser uma força de bloqueio!
Pois acusou.
Mas eu acho que o PR não é um mero vaso de flores e não é uma estátua de cera que se senta numa cadeira, porque senão então vamos poupar financiamentos ao Estado! Então para que é que precisamos de um PR?
Cavaco Silva fez do cargo de PR um cargo irrelevante, é isso?
Não sou o primeiro a afirmá-lo. O prof. Cavaco Silva neste primeiro mandato exerceu os seus poderes de uma forma minimalista, eu tê-los-ia exercido de uma forma mais acentuada. E daí eu dizer, atalho de foice, que se os presidentes da República estão condicionados pela eleição de um segundo mandato, então talvez não fosse mau pensar, isso é uma ideia, que o mandato de PR fosse único, tipo sete anos, mas fosse um.
Cavaco Silva convocou o Conselho de Estado e pronunciou-se sobre a situação económica antes do início das negociações do OE.
Podia antecipar o que ia acontecer, já antes do Lehman Brothers, os peritos financeiros sabiam para onde estávamos a caminhar. Ele podia ter actuado mais cedo.
Um dos assuntos que estão a marcar esta campanha é o caso BPN. É talvez o único candidato que não fala deste assunto. Porquê?
Por uma razão muito simples: não gosto de fazer ataques ad hominem a ninguém. Segundo, não gosto de lançar insultos a ninguém. E por isso, não tendo provas seja do que for, não estou virado para lançar suspeições gratuitas.
Mas acha que é necessário algum esclarecimento?
Não, o que eu entendo é que o BPN, o caso BPN, não é o professor Cavaco Silva, porque não é por termos amigos metidos numa embrulhada que imediatamente também somos culpados.
Cavaco foi accionista da SLN.
Com certeza, muitos milhares de portugueses terão sido, provavelmente.
Cavaco Silva não tem de dar nenhum tipo de explicação?
Para mim não solicito coisa nenhuma, inclusive, a ter-se solicitado teria sido há dois anos. Não vejo porquê estar agora a focar esta questão neste momento eleitoral.
Nos debates usou o facto de ter estado em Beirute em 1982. Porque é que acha que é fundamental?
Quando anunciei a candidatura, de imediato surgiram aí vozes - os portugueses saberão ajuizar da parte de quem - dizendo que estava a ser empurrado.
Por Mário Soares?
Disse que alguém como eu, que tem um percurso de vida há 30 anos, em que teve momentos extremamente difíceis e duros, como estar em Beirute no Verão de 1982 durante dois meses, diariamente bombardeado por terra, céu e mar, que uma pessoa com o meu perfil e com o meu percurso não é alguém que seja empurrado.
Mas porque é que acha que essa sua experiência...
Podia falar em Mogadíscio em 1992!
E é importante para o desempenho das funções de PR?
Foi uma experiência que demonstra uma particular resistência psíquica, física.
Mas acha que essas suas experiências lhe conferem uma espécie de superioridade moral face aos outros candidatos?
Não é superioridade moral, cada um de nós é o resultado do seu percurso. Este foi o meu percurso, comecei aos 27 anos e tenho 59. Porque carga de água é que eu não posso invocar a minha experiência humanitária e cívica em favor de uma cidadania activa, como está escrita há anos?
Já falámos de Mário Soares, aconselhou-se com ele?
Falei, como disse na altura e é público, com 15 personalidades.
E ele estava entre elas?
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